Judicialização da saúde: aperfeiçoamento dos sistemas

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Judicialização, saúde

Resumo
A Judicialização da Saúde envolve discussão recorrente nas mais diversas esferas da sociedade, inclusive nos “bancos” das acadêmicas, onde se observa estudos desenvolvidos por mais de uma década. Primeiramente, porque é legítima a importância dada e depois, porque envolve tema polêmico, com a dicotomia do direito fundamental à saúde e a escassez de recursos financeiros. O bem-estar e a qualidade de vida do ser humano devem ser vistos como valores de primeira grandeza. O Estado, garantidor, por força da legislação, está obrigado a desenvolver políticas públicas que salvaguarde o direito à saúde, além da saúde suplementar, que soma essa atuação no compromisso de prestação da assistência por planos privados. A Suprema Corte já se posicionou sobre a judicialização do direito a saúde, mas a dinâmica social exige aperfeiçoamento dos sistemas de saúde e justiça, principalmente quando se trata do acesso a medicamentos.

Palavras-chave: JUDICIALIZAÇÃO, SAÚDE, MEDICAMENTOS, CRISE, APERFEIÇOAMENTO


Abstract
Health litigation, involves recurrent discussion in various spheres of society, including the "banks" of academic, which is observed studies conducted for more than a decade. First, because it is legitimate given the importance and then, because involve contentious issue with the dichotomy of the fundamental right to health and the lack of financial resources. The well-being and quality of life of human beings should be seen as the first magnitude values. The State, guarantor, under the legislation, are required to develop public policies that safeguard the right to health, which adds that activity in its commitment to providing assistance for private plans . The Supreme Court has positioned itself about litigation the right of health, but the social dynamics requires improvement of health and justice systems, especially when it comes to access drugs.


Key-Words: LITIGATION, HEALTH, DRUGS, SLUMP, IMPROVEMENT

 

1 INTRODUÇÃO
O avanço tecnológico é uma realidade quando se trata de saúde. As necessidades humanas nessa área estão cada vez maiores, pois, em regra, o objetivo maior é garantir a completa assistência integral ao indivíduo, o que torna, em determinadas circunstâncias, a judicialização da saúde, a única opção acessível. Certamente um dos motivos que leva ao volume expressivo da atuação do Poder Judiciário nas autorizações de tratamentos médicos, despesas com medicamentos de alto custo, insumos terapêuticos entre outras demandas. Nesses termos, vale destacar que os recursos financeiros são limitados e nem sempre se faz possível ofertar o produto em saúde mais caro, pois o interesse da coletividade precisa ser considerado.


No seio social trava-se uma discussão se há prevalência do direito individual, em oposição ao direto coletivo, quando o Estado é compelido a pagar por determinação judicial despesas, por exemplo, de determinado medicamentos de alto custo para um paciente. Nessa circunstância, resta menoscabado o interesse coletivo. Ocorre que a Constituição Federal de 1988 é cristalina quando define saúde enquanto direito fundamental social, devendo ser assegurada a todo brasileiro, mas não se pode deixar de esclarecer não há direito irrestrito à saúde.


Nesse sentido, é o entendimento balizador do Supremo Tribunal Federal, afirmando que ao avaliar a demanda individual envolvendo o Estado, para serem autorizadas, devem contemplar nas políticas públicas implantadas, pois caso contrário, o julgador precisará avaliar certos elementos. Esses elementos serão mais bem abordados neste artigo, inclusive para sabermos se as premissas estão sendo observadas ou se realmente existe necessidade de aperfeiçoamento do sistema de saúde e justiça, com vistas a encontrar o famigerado equilíbrio financeiro e a efetividade.


Será abordado o direito fundamental social ordenado na Carta Magna de 1988, além de princípios articulados com a saúde, que será o objeto de análise. Em mesma medida, trata-se do Sistema Único de Saúde e da Saúde Suplementar em aspectos com peso reais para essa investigação. O enfoque para tratar o aperfeiçoamento dos sistemas de saúde e justiça será à luz do posicionamento do judiciário frente às demandas sociais em saúde e reflexos; o papel dos serviços de saúde, em especial o médico, em conflitos nesta área; órgãos reguladores entre outros fatores correlatos. A pesquisa bibliográfica exploratória se baseou em obras de autores consagrados e com afinidade temática, jurisprudência dos tribunais superiores, relatórios técnicos publicizados por agências reguladoras do país.


O artigo está composto por seis seções intituladas, respectivamente: A Saúde na Constituição Federal; O Sistema Único de Saúde e a Saúde Suplementar; A “reserva do possível” e o mínimo existencial; Decisões judiciais autorizam o acesso a medicamentos de alto custo; Racionalização dos custos e o Fornecimento de substância química: o caso da fosfoetanolamina como paradigma.

2 A SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi denominada uma Constituição Cidadã, em razão do caráter histórico que permeia sua elaboração e promulgação, pois o Brasil saia da ditadura militar e naquele momento da história do País, os direitos dos brasileiros foram limitados e porque não dizer, sucumbidos em sua mais profunda essência. Passou-se então, por um processo de restauração da vida democrática. A partir da implantação da Constituição de 1988 a sociedade brasileira vivenciou uma nova era política e a gozar das conquistas sociais e econômicas até então observadas.


A Carta Magna chancelou dentre outros direitos, a saúde como direito social, cujo acesso integral aos serviços públicos deve ser assegurado a todo e qualquer brasileiro. Nesse sentido, a saúde é apreendida como direito de segunda dimensão, conforme se transcreve do brocardo Constitucional:

“Art. 6º - São direitos sociais a educação, a SAÚDE, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.


Explicar o conceito de direitos fundamentais relacionado à efetividade de cumprimento não é uma atribuição tão simples, pois envolve questões tratadas tanto no âmbito do direito constitucional quanto dos direitos humanos.
Os direitos sociais são considerados de segunda dimensão, porque constituem ações positivas do Estado, ou seja, o dever de prestação por parte do Poder Público com vistas ao alcance do bem-estar e a salvaguarda do indivíduo, conforme compreende Pietro Alarcón:


A partir da terceira década do século XX, os Estados antes liberais começaram o processo de consagração dos direitos sociais ou direitos de segunda geração, que traduzem, sem dúvida, uma franca evolução na proteção da dignidade humana. Destarte, o homem, liberto do jugo do Poder Público, reclama uma nova forma de proteção da sua dignidade, como seja, a satisfação das carências mínimas, imprescindíveis, o que outorgará sentido à sua vida .


É relevante afirmar que as normas sociais buscam o aperfeiçoamento da igualdade material entre os indivíduos, pautada na universalidade e integralidade da assistência médica, em destaque, para nessa abordagem que é especialmente sobre saúde. É intenção do legislador se fazer cumprir o equilíbrio social, pressuposto para se assegurar a dignidade da pessoa humana, já que a privação de qualquer direito fundamental social ofende diretamente o indivíduo. A ideia é que o princípio da dignidade humana é corolário do direito fundamental. Luis Roberto Barroso  adotou a ideologia de Lassalle ao afirmar:
[...] a Constituição de um país é em essência, a soma dos fatores reais do poder que regem a sociedade. Em outras palavras, o conjunto de forças políticas, econômicas e sociais, atuando dialeticamente, estabelecem uma realidade, um sistema de poder: esta é a Constituição real, efetiva do Estado. A Constituição jurídica, mera “folha de papel”, limita-se a, em um documento escrito, converter esses fatores reais do poder em instituições jurídicas, em Direito.


A Legislação Pátria traz esse mesmo entendimento no Art. 196 da Constituição Federal/88, sendo a saúde um DEVER do Estado:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.


Nesse sentido, é obrigação expressa o Estado fazer cumprir o papel de garantidor da assistência à saúde organizada.
São diversos dispositivos constitucionais tratando sobre a saúde, o que demonstra plena convicção do legislador constituinte, preocupado para tornar efetivas as políticas publicas vigente, capazes de concretizar ações de atenção à saúde, sejam elas para promover a saúde, prevenção ao adoecimento e ainda à recuperação.


Em que pese à existência de críticas acerca do conceito de saúde da OMS – Organização Mundial da Saúde, tido como obsoleto para os dias atuais, considera-se muito plausível a definição como sendo o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidade. As políticas sociais trazidas no bojo da Carta Constitucional ensejam tal compreensão. A prevenção da doença, seja pelo estabelecimento de programas governamentais na esfera pública, a exemplo do Programa Saúde da Família que tem uma cobertura populacional de 83,4milhões  de cadastrados, mantendo “certo” controle da qualidade de vida da população, incentivo ao autocuidado, conferindo efetividade da saúde em seu conceito amplo e o fortalecido com as campanhas que visam conscientizar, evitar o adoecimento e, sobretudo a coordenação do cuidado; seja através da saúde privada que surge no Brasil como alternativa à ineficiência que o Estado tem em ofertar serviços qualificados ou em quantidade suficiente para atendimento geral.

 

3 O SISTEMA ÚNICO DE SÁUDE E A SAÚDE SUPLEMENTAR
O Sistema Único de Saúde - SUS, previsto notadamente no Art. 198 da Constituição Federal e regulamentado pelas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90, enquanto amplo programa de assistência à saúde, cujo financiamento é público, ainda não consegue atingir sua meta de universalidade e integralidade, e prestar toda assistência necessária, o que movimenta os indivíduos a contratarem Planos ou Seguros de Saúde, como uma medida garantidora do acesso aos serviços médicos. No Art. 3º da Lei 8.080/90 consigna:

Art. 3º Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.


A Lei 8.142/90 regulamentou a participação da sociedade na gestão do Sistema Único de Saúde. No que tange à saúde privada, o Art. 199 da Constituição Federal de 1988 determina que a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada, regulamentada pela Lei 9.656/98. O acesso à contratação de plano privado não é uma realidade de toda sociedade, em razão do elevado valor das mensalidades, principalmente para faixas etárias mais avançadas.


As diretrizes de funcionamento da saúde suplementar estão dispostas na legislação do Sistema Único de Saúde, com preferência na atuação das entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.


Dados consolidados, publicados pela ANS – Agência Nacional de Saúde acerca da saúde suplementar, mostram que no Brasil, como demonstrado na Tabela 1, abaixo, cerca de 53milhões de brasileiros possuem plano privado de saúde, o que corresponde aproximadamente 30%  da população. Pode-se inferir que muito mais da metade dos brasileiros utilizam o SUS.
Tabela 1 – Planos privados de saúde, por segmento assistencial, segundo tipo de contratação
 (Brasil - junho/2015)
 

Fonte: SIB/ANS/MS - 06/2015 e RPS/ANS/MS - 06/2015
É importante citar a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS enquanto órgão regulador, previsto na Lei 9.961/00 que estabelece normas, controle e fiscalização das operadoras setoriais (saúde suplementar), mas não inclui esta regulação para laboratórios de patologia, médicos, clinicas, produtores e distribuidores de fármacos e de órteses e próteses, que são representantes do mercado de saúde e que ditam os preços dos produtos. Critica-se porque decisões da ANS não afetam diretamente o sistema de saúde como um todo, o que um prejuízo para as operadoras privadas.


Em afirmação contundente, Tayanne Oliveira diz que a saúde pública brasileira não compreende, na prática, às previsões legais, ante a omissão do Poder Público, havendo notória intervenção do Poder Judiciário para garantir a prestação de serviços de saúde. Afirma também, que com o propósito de prestar a devida assistência à população, o Estado desenvolve Políticas Públicas desatualizadas, tanto em sede de prevenção como de tratamento.

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Não obstante, concorda-se parcialmente com a referida autora deduzindo que houve evolução na prestação de serviços públicos, considerando os investimentos tecnológicos, pesquisas e melhoria da assistência, porém aqueles que dependem de atendimento pelo SUS, afirmam trata-se de uma verdadeira romaria junto aos serviços hospitalares, quando o paciente necessita realizar procedimentos e tratamentos de alta complexidade ou o uso de medicamentos de alto custo, desencadeando em demandas judiciais.


Conforme constata Angélica Carlini :

“Há um reconhecimento implícito que o Sistema Único de Saúde não é suficiente para garantir a integralidade do acesso à saúde previsto na Constituição Federal”.

4 A RESERVA DO POSSÍVEL E O MINIMO EXISTÊNCIAL
A “reserva do possível” é uma tese originária do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que tratou sobre conflito no limite de vagas da Universidade da Baviera (BVerfGE 33, 303)  . Para aquele Tribunal, em dada circunstância, mesmo havendo limitação fática, o indivíduo pode demandar em contraponto a coletividade e não há outra possibilidade senão a sociedade usar a razoabilidade. Haverá situação em que a demanda será limitada à reserva do possível.


No Brasil, segundo Ingo Sarlet  (2008), usou-se dessa expressão para argumentar impedimento do Estado ao não cumprimento das determinações judiciais ou manter sua omissão frente a políticas públicas.


O que tem sido, de fato, falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social.


A reserva do possível não pode ser utilizada como fundamento para não concretização das normas sociais, pois são direitos fundamentais cuja eficácia é plena, consoante a inteligência da hermenêutica atual.


O STF – Supremo Tribunal Federal  posicionou-se sobre a judicialização do direito à saúde, restando claro entendimento de que o estado não poderá alegar ausência de recursos financeiros para deixar de atender direito subjetivo à saúde (art. 5º, “caput” da CF/88), ainda que a situação particular prevaleça, em detrimento de interesse financeiro secundários. Pode-se ressaltar que em meio a tal posicionamento, segundo explicação do Ministro Celso de Mello, no julgamento do mesmo Agravo Regimental, magistrados proferem decisões no contexto das denominadas “decisões trágicas” , que nada mais é senão a tensão dilemática do Estado em precisar desenvolver ações de saúde em favor dos indivíduos e as dificuldades orçamentárias em razão da escassez.


Nessa medida, depreende-se que para alcançar efetividade dos direitos fundamentais sociais é indispensável que necessidades basilares da vida humana sejam atendidas em seu mínimo ético. Pensando nisso, conclui SARLET:

“negar ao indivíduo os recursos materiais mínimos para a manutenção de sua existência, pode significar, em última análise, condená-lo à morte, por inanição, por falta de atendimento médico, etc. ”.


Para Ana Paula Barcellos , o mínimo existencial deve ser identificado como o núcleo sindicável da dignidade da pessoa humana, incluindo como proposta para sua concretização os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à justiça, todos exigíveis judicialmente de forma direta.


Há uma estreita relação entre o direito ao mínimo existencial e o princípio da dignidade da pessoa humana, defesa do respeito ao indivíduo nos seus valores morais e éticos, não apenas em pequena proporção. Quem traz uma brilhante conceituação sobre mínimo existencial e a dignidade humana é Ingo Wolfgang Sarlet:


"(…) o conjunto de prestações materiais que asseguram a cada indivíduo uma vida com dignidade, que necessariamente só poderá ser uma vida saudável, que corresponda a padrões qualitativos mínimos” e prossegue, “(…) a dignidade da pessoa humana atua como diretriz jurídico-material tanto para a definição do que constitui a garantia do mínimo existencial que (…) abrange bem mais do que a garantia da mera sobrevivência física, não podendo ser restringido, portanto, à noção estritamente liberal de um mínimo suficiente para assegurar o exercício das liberdades fundamentais".

5 DECISÕES JUDICIAIS AUTORIZAM O ACESSO A MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO
Não resta dúvida da importância do Poder Judiciário no controle e fiscalização das políticas sociais e econômicas implantadas no país ou por razão de omissão. Os juristas são peça chave no papel da democratização.


Vive-se uma democracia relativamente jovem e a sociedade é conclamada a fazer parte do processo de aperfeiçoamento dos sistemas de saúde e direito, porque requer amadurecimento conjunto. As práticas atuais demonstram que serão necessários alguns anos para alcançar uma real melhoria, porque os interesses em voga são discrepantes. Não há um culpado no processo, porém determinadas categorias têm maior força política para estabelecer caminhos acessíveis que venham ajustar a prestação de saúde no Brasil, a exemplo da classe médica que é de fundamental importância na definição de protocolos, nas prescrições, na aplicação de medicina baseada em evidências, na farmacoeconomia, entre outros aspectos.


Há um liame entre o posicionamento do médico e a judicialização, considerando que tais profissionais são outorgados pelo Estado, habilitados para exercer a prática médica, como únicos responsáveis capazes de definir a melhor conduta terapêutica para o paciente. Nesse sentido, o entendimento uníssono é que outras categorias de profissionais não podem intervir na conduta médica, pois esses são especializados e estudiosos da melhor prática, conhecedores incontestes, não restando, prima facie, outra opção ao magistrado, nos casos de demandas judiciais para autorização de medicamentos de alto custo, garantir-lhes a tutela jurisdicional do Estado, conceder decisão favorável para não colocar em risco o bem da vida. O relatório médico é o principal fundamento do pedido do paciente.


Constrói-se uma crise!


Tanto na esfera pública quanto na privada, a todo o momento, são processos judiciais compelindo as instituições autorizarem medicamentos que não possuem registro Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, sendo essa a responsável legal pelo registro e autorização de comercialização no país. O Art. 12 da Lei 6.360/76 determina:

“Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”.


Aqui já foi explanado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal a favor da liberação dos medicamentos e demais tratamentos de saúde coincidentes com as políticas públicas, posto que no entendimento do Ministro Gilmar Mendes , relator do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, no direito sanitário brasileiro praticamente não faltam políticas ou regras e o problema está na implementação: “O problema não é de inexistência, mas de execução (administrativa) das políticas públicas pelos entes federados”.


Quando se trata de litígio para liberação de fármaco ainda sem autorização de circulação da ANVISA, tem-se entendimento casuístico, no mesmo voto do Ministro Gilmar Mendes , já que a matéria ainda não foi enfrentada em sede de Repercussão Geral, que não assiste razão a autorização, constituindo um elemento imprescindível a ser respeitado pelo julgador e analisado com certo rigor, conforme se destaca: “O registro na ANVISA configura-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação ”.
Isso não ocorre na prática.


O que se tem conhecimento de domínio público, tanto na esfera pública e em grande escala na saúde suplementar, é que os entes federados e os planos privados a todo instante recebem decisões judiciais, em sua grande maioria, antecipação de tutela, obrigando a importação e fornecimento de medicamentos de alto custo, para tratamentos caros, como na oncologia, onde a droga sequer foi testada nem registrada pelos órgãos competentes do país. Não há como ficar inerte a essa realidade, sem questionar o custo desse tipo de operação, além dos precedentes que acarreta ao sistema.


Considerando o exposto, indaga-se: é pertinente que decisões judiciais venham compelir o Estado e a Saúde Suplementar a remunerar medicamentos sem registro da ANVISA?


Considerando exclusivamente a letra fria da Lei, pode-se inferir, que em regra, não é pertinente. Entretanto, entende-se que é imprescindível analisar caso a caso, pois nem sempre as agências reguladoras possuem condições técnicas para acompanhar os avanços tecnológicos e atender demandas de registro, em comento a ANVISA. Portanto, não se trata de análise limitada do assunto, nem tão pouco, estabelecimento de um padrão. Por óbvio, o assunto requer zelo, sendo necessário verificar a complexidade do caso concreto e isso pressupõe maior engajamento dos operadores do direito, junto às câmaras técnicas (ainda inexistentes para medicamentos de alto custo), recorrer à segunda opinião de especialista, com o objetivo de esclarecer a demanda, a fim de que as decisões tenham refinamento jurídico e assim colaborarem para o aperfeiçoamento do direito sanitário.


O Tribunal de Justiça de São Paulo profere Acórdão, em sede de apelação, decidindo por manter sentença do Juiz de base que determinou o pagamento de tratamento oncológico, com medicamento sem registro na ANVISA por plano de saúde privado, fundamentado nas Súmulas daquele Tribunal de Justiça de São Paulo, descritas a seguir:


Súmula 95: “Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico”.
Súmula 102: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.


Em 2010 o Conselho Nacional de Justiça desenvolveu o Fórum Nacional do Judiciário como o objetivo de aperfeiçoamento de procedimentos e prevenção de conflitos judiciais na área da saúde. A recomendação 31/2010 orienta que magistrados evitem autorizar medicamentos experimentais ou não registrados pela ANVISA, reconhecendo a importância técnica da agência, como bem destaca CARLINI :


(...), em tempos marcados por casos de difícil solução e, tendo-se em vista que o modelo gerencial do Estado vê o trabalho das agências uma importante forma de atuação técnica que ainda não se consolidou inteiramente na cultura jurídica nacional, a recomendação do Conselho Nacional de Justiça é compreensível e enfatiza a importância de reconhecer a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária o órgão especializado para definir que medicamentos são passíveis de serem adotados no Brasil e quais não são.


O medicamento canabidiol foi recém-liberado pela ANVISA , uma substância proveniente da maconha. Essa posição marca nova etapa para famílias que reivindicavam o uso no Brasil. Incialmente só era possível a importação por pessoas físicas, através da judicialização, a decisão individualizada tem maior importância. Posteriormente o governo reduziu as barreiras alfandegárias para importação e por fim, a ANVISA tornou regular o consumo. A reclassificação foi célere, favoreceu a saída da ilegalidade do consumo e dado devido respeito à coletividade. Já existiam estudos fora do país comprovando a eficácia do medicamento o que tornou mais simples o processo de liberação. Agora o que se questiona é o preço da medicação e a ampliação da indicação para outras patologias.

 

6 RACIONALIZAÇÃO DOS CUSTOS
No que diz respeito ao uso de tecnologia na saúde é corriqueira a afirmação de que é cumulativa. Um procedimento não substitui o outro, então o médico solicita todos e essa prática eleva significativamente os custos. Quem faz esse diagnóstico preciso é Angélica Carlini , conforme se destaca:
A incorporação de novas tecnologias na área de saúde é peculiar porque ocorre de forma cumulativa com tecnologia já consagradas pelo uso. Assim, uma lesão em membro superior ou inferior poderá ser detectada com o uso da radiografia já conhecida há muitos anos, mas cumulada com a realização de ressonância magnética que é uma tecnologia bem mais recente. O médico poderá exigir a realização de ambos os exames para concluir seu diagnóstico e, em princípio, não poderá ser questionado por isso embora o custo seja maior.


A sociedade contemporânea é estimulada, a todo tempo, as diversas formas de consumo. A saúde chega à mídia é uma profunda realidade. Ao serem propagadas informações sobre determinada doença ou cura, associando ao uso de novos métodos de tratamento ou investigação, ainda que se trate de estudo experimental, não devem ser liberados pelo Estado, consoante a legislação do SUS. Tanto pacientes quanto familiares ficam imediatamente atraídos para realizar e, quase sempre, por traz dessa atitude há um apelo mercadológico forte na lucratividade. Certamente devem aqui ser resguardadas as devidas exceções. Nestes termos, tem-se o uso irracional da informação, prejudicando muitas vezes a pesquisa, gerando custos desnecessários, pois pode não ser o momento adequado para disseminar determinada notícia, que já alcançou um universo de pessoas e certamente haverá demanda judicial pretendendo aquela novidade.


Outro aspecto relevante a ser discutido quando se trata de racionalização dos custos é quando uma medicação alternativa pode ser utilizada para tratamento do paciente, versus outro fármaco, mais caro, muitas vezes que não agrega benefícios significativos ao paciente, mas que foi disponibilizado no mercado por laboratórios farmacêuticos. Nessa situação é livre a prescrição médica, cabendo unicamente recorrer às convicções do profissional para definir o tratamento com medicamento de primeira linha ou o tradicional alternativo. Quanto a isso, diretrizes do SUS estabelecem que os entes federativos possam manter a autorização do tratamento medicamentoso alternativo, exceto se for inadequado para o paciente. Na saúde suplementar, se torna inviável a restrição ao medicamento novo de alto custo, demonstrada por fim, a importância do papel do médico na busca da racionalização dos custos, porque existem outras demandas em saúde, dispendiosas, porém inevitáveis e legítimas. CARLINI  faz uma primorosa reflexão relatando sua experiência prática:
Não é raro que se encontre na vida prática medicamentos que custam muito mais do que outros, e cujos laboratórios incentivam os médicos a receitá-los, seja custeando pesquisas e participações em congressos, seja custeando viagens de lazer ou aquisição de equipamentos para uso profissional ou, simplesmente, remunerando em dinheiro as receitas firmadas pelo médico. São casos de conhecimento público e não raros tratados pela imprensa nacional.
(...)
A mídia brasileira tem publicado com regularidade, situações controvertidas de médicos que são surpreendidos por receitar medicamentos mais caros ou incompatíveis para determinadas patologias apenas porque recebem remuneração dos laboratórios farmacêuticos para estimularem a venda de determinados produtos, normalmente, de custo mais caro.
Na construção desse equilíbrio entre saúde e justiça, uma estrutura que movimenta muitos atores, não raro nos depararmos com situações delicadas, que nem sempre a melhor medicina é indicada, porque o resultado esperado é o lucro naquele tratamento, por isso que a ação eficaz do poder judiciário é necessária no combate às más práticas e porque não dizer, a corrupção.


Ao refletir sobre a condição do paciente é clara sua fragilidade, e a confiança na “palavra” do médico assistente, então o doente não hesitará em levar sua questão para decisão dos tribunais.

 

7 FORNECIMENTO DE SUBSTÂNCIA QUÍMICA:  O CASO DA FOSFOETANOLAMINA COMO PARADIGMA
Em decisão recente, de 06 de outubro de 2015, o Supremo Tribunal Federal, determinou em sede de Medida Cautelar , que a Universidade de São Paulo – USP, em São Carlos, entregasse cápsulas da substância química “fosfoetanolamina” para uma paciente com câncer, em estado terminal, considerando negativa de liminar por parte do Tribunal de Justiça de São Paulo.


A referida faculdade de química, através de um professor atualmente aposentado, desenvolve pesquisa científica desde a década de 90, testando a fosfoetanolamina sintética no tratamento de pacientes portadores de câncer e, fornecendo cápsulas dessa substância. Frise-se que não há uma prescrição médica para essas cápsulas, porque é exercício irregular da medicina, posto que se trata de substância sintética,  não tendo passado por etapas de avaliação, testes de comprovação científica da eficácia, conforme os critérios da medicina baseada em evidências, além do que, a quantidade de cápsulas a serem administrada está a cargo do paciente ou familiar, levando-se a crer que se trata de um grave problema de saúde pública.


A partir do momento que a informação de possível CURA DO CANCER se alastrou em fóruns na internet, a USP cria restrições ao fornecimento das cápsulas, que só são entregues, exclusivamente, por decisão judicial. Consonante com os preceitos estatuídos pela bioética, biodireito, na legislação para pesquisa com seres humanos, Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, entende-se plausível que órgãos, médicos, laboratórios farmacêuticos pesquisadores deste país estivessem atuando conjuntamente, o que não ocorreu a priori. Não houve cumprimento das etapas para desenvolvimento de um remédio. Faz-se aqui necessário registrar a existência de relato de paciente, através dos veículos de comunicação, acreditando ter alcançado a cura do câncer.


Com a decisão do STF, pode-se inferir acerca de possível insegurança jurídica. Em que pese à existência de direitos fundamentais à vida, à saúde, a decisão do relator do processo Ministro Edson Fachin  destaca observância processual para recebimento da medida cautelar e a necessidade de cumprimento dos requisitos de admissibilidade no recurso principal, como também trata que a ausência de registro na ANVISA não é critério para negar a substância requerida, posto que a autorização não viola a ordem pública, conforme segue: 


Por ora, em sede de medida cautelar, cumpre examinar tão somente se estão presentes a fumaça do bom direito e o perigo na demora do provimento judicial. Quanto ao periculum, como já se reconheceu no início desta decisão, há evidente comprovação de que a espera de um provimento final poderá tornar-se ineficaz.
No que tange à plausibilidade, há que se registrar que o fundamento invocado pela decisão recorrida refere-se apenas à ausência de registro na ANVISA da substância requerida pela peticionante. A ausência de registro, no entanto, não implica, necessariamente, lesão à ordem pública, especialmente se considerado que o tema pende de análise por este Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 657.718-RG, Relator Ministro Marco Aurélio, Dje 12.03.2012).
Neste juízo cautelar que se faz da matéria, a presença de repercussão geral (tema 500) empresta plausibilidade jurídica à tese suscitada pela recorrente, a recomendar, por ora, a concessão da medida cautelar, para suspender decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Suspensão de Tutela Antecipada 2194962-67.2015.8.26.0000.


Data máxima vênia, observa-se que não se trata de medicamento sem registro ANVISA, mas de TRATAMENTO EXPERIMENTAL, uso de substância química, SEM prescrição médica. [grifo do autor]


As regras do país são claras, principalmente porque a substância sintética em epígrafe sequer passou por etapas de testes necessários para segurança dos pacientes, não tendo hospital de retaguarda com registro de estudo, acompanhamento médico, tão somente um laboratório de química da Universidade de São Carlos (SP), tornando questionável e temerosa essa posição do Supremo Tribunal Federal. Essa decisão preventiva gerou precedente jurídico e fez com que o Tribunal de Justiça de São Paulo reconsiderasse a suspensão de liminares para fornecer as cápsulas, que no entender acalma o clamor social e mesmo não tendo enfrentado o mérito, trouxe mais dilemas para a medicina e para justiça, sem que se tenha avaliado os riscos reais e as consequências para a população.


Existem relatos de pessoas que estão abandonando o tratamento oncológico de quimioterapia, para usar a cápsula do fosfo, codinome utilizado entre os pacientes.


A Universidade de São Carlos, como terceiro interessado, apresentou ao Supremo Tribunal Federal pedido de reconsideração, juntando nota de esclarecimentos, porém o processo foi extinto por perda do objeto, já que recurso foi modificado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo reconsiderando a negativa inicial. Destaca-se parte da decisão prolatada pelo Ministro FACHIN :


A Universidade de São Paulo, por sua vez, interpõe pedido de reconsideração. Afirma que a fosfoetanolamina sintética não é medicamento e que não possui regularizações de ordem sanitária ou comprovações de eficácia médica. Informa que já foram distribuídas cerca de mil ações que impuseram à requerida a obrigação de fornecer a substância, conquanto não possua capacidade técnica para produzi-la em escala e sequer detenha a patente sobre ela. Aduz que a decisão recorrida é correta, porquanto as liminares concedidas representam risco de grave lesão à ordem administrativa e à saúde da população. Alega que não há pertinência entre o caso dos autos e o que está submetido ao regime da repercussão geral, pois a substância não é medicamento e seu fornecimento não é feito pelo Estado, mas pela Universidade, que não detém competência material para realizar políticas de saúde.


Nova decisão judicial agora abriga o SUS a fornecer as cápsulas sintéticas de fosfoetanolamina, o que dá subsídios para debater o assunto, em certa medida questionamentos na estrutura jurídica. Pouco se observa de posição concreta de médicos especialistas frente ao problema, à exceção de parecer de pesquisadores que desaprovam uso da substância da forma como está posta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não existe um princípio jurídico mais importante que outro, mas o direito a vida deve prevalecer em oposição a outros direitos. Porém, em certos momentos, o magistrado deve sopesar se determinado medicamento ou tratamento de alto custo irá restabelecer a saúde plena ou tão somente prolongar o sofrimento do doente e dos familiares.


Reconhece-se que são situações complexas, difíceis para serem mensuradas pelo julgador que tende a seguir a esperança do sopro de vida. O aperfeiçoamento dos sistemas de saúde e justiça perpassa por esforço mútuo. Não se pretende aprisionar o juiz, muito pelo contrário, sabe-se que é livre para decidir a partir das convicções in casu. Ao ser demando, o Poder Judiciário tem que dar uma resposta, nem sempre havendo lugar para diálogo, assim como nem sempre o há acesso a todas as informações de saúde.


A judicialização da saúde se renova, com questões densas porque todos os indivíduos desejam ter sua saúde protegida, viver mais, alcançar qualidade de vida e bem-estar, vigorando o individualismo, fruto dessa sociedade contemporânea.
Acredita-se, todavia, que as esferas administrativas precisam ser esgotadas, valorizar o diálogo como forma de solução do conflito, sendo a judicialização a ”ultima ratio”. Pensa-se que o Poder Judiciário deve privilegiar o debate político, porque em razão do seu posicionamento menos burocratizado, reforçando o Princípio da Inafastabilidade, tem feito às vezes do Executivo e do Legislativo, atuando nos anseios sociais, com credibilidade e na perspectiva democrática e afastando a corrupção.


Por outro lado, a solução judicial em ações individuais não condiz com o ideal de sustentabilidade que deve permear as instituições públicas e privadas, podendo inviabilizar a perenidade dos serviços privados e a ineficácia do serviço público, porque os recursos financeiros são verdadeiramente escassos. Não é apenas a decisão judicial favorável que importará, mas as repercussões para a sociedade como um todo, sendo esta o principal elemento nesse debate, e lhes caberá enxergar seu papel, posicionamento ético e compromisso coletivo.

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Sobre a autora
Jamile Karla Elpidio Silva Souza

Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa. Economista. Especialista em Adminstração pela UFBA – Universidade Federal da BahiaBacharel em Ciências Econômicas pela UCSAL – Universidade Católica do Salvador. Email: [email protected]

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo científico apresentado como requisito para Graduação em Direito da Faculdade Ruy Barbosa, Campus Rio Vermelho - Ano 2015.2

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