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A positivação da "liberdade" nas Constituições brasileiras

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02/01/2016 às 21:45
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5. Constituição de 1946

 Emergindo após a fase ditatorial de Getúlio Vargas – 1937/45 – a Constituição Federal de 18.09.1946, resgata aspectos daquela liberdade recalcada na Constituição de 1937.

 Assim, contra as 7 citações da Constituição anterior, retomam-se 11 menções à liberdade, em linha com a nova moldura internacional que buscava resgatar os valores da liberdade do pós-guerra (1939/1945, 2ª Guerra Mundial).

 No Capítulo II – “Direitos e Garantias Individuais” e através de seu art. 141, e seus 38 parágrafos, destes, alguns fazem remissão direta ao conceito da liberdade. Assim lá estão, no próprio art. 141, a missão de assegurar “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade,...”; no § 7º: “liberdade de consciência e de crença”; no § 12º: “liberdade de associação para fins lícitos”, e no § 23º: “liberdade de locomoção... assegurada pelo correlato “habeas corpus”.

 No Título IV – “Da Ordem Econômica e Social” – a Constituição de 1946 resgata capítulo que surgira com a Constituição de 1934, tema que passou a integrar as Constituições Federais a partir de então. O art. 145 propugna pela manutenção do sempre difícil ajuste entre liberdades individuais e sociais, ou eventualmente, - entre o capital e o trabalho - ao estatuir princípios vagos, mais ao molde de encíclicas papais, a saber:

“Art 145 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.”

Como conciliar tais princípios, ou então, não seriam convergentes?

 No reino da “educação e da cultura” há um primeiro artigo quase poético, propondo:

“- Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.”

 Em que mundo abstrato estariam insculpidos estes “princípios de liberdade”? Quais seriam, senão os que já estão insculpidos na própria Constituição?

 Na continuidade, e com relação à educação e à cultura, vai garantir no art. 168, VII a “liberdade de cátedra”.

 No 182, § 2º mantém a velha correlação entre a “...pena restritiva de liberdade por tempo superior a dois anos...” ao militar com consequente perda de sua patente; no art. 209, correlaciona estado de sítio e “suspensão de liberdade”; no art. 213, correlaciona imunidade dos congressistas durante o estado de sítio e liberdade; por fim no art. 33 de suas Disposições Transitórias, traz nova poética: “erigir na Capital da República um monumento a Rui Barbosa, em consagração dos seus serviços à Pátria, à liberdade e à Justiça.”


6. Constituição de 1967

A Constituição de 1967 (24 de janeiro), em que pese o fato de ter sido elaborada durante o período da ditadura militar, vai manter 11 menções ao  verbete “liberdade”, com ênfase no referido capítulo dos “Direitos e Garantias Individuais”, cujo artigo 150 se desdobra ao longo 35 parágrafos. Aqui, a menção ao verbete “liberdade”, repete o que já se mencionara no mesmo artigo da Constituição anterior de 1946.

 Alguns condicionantes emergem como no art. 166, § 2º, onde ao lado do conceito da “liberdade de pensamento e de informação” se justapõe a idéia de que a lei “poderá estabelecer outras condições para a organização e o funcionamento das empresas jornalísticas ou de televisão e de radiodifusão, no interesse do regime democrático e do combate à subversão e à corrupção.” Embora a “subversão” fosse um conceito emergente no período da ditadura e aplicável aos grupos que se contrapunham ao poder instituído, a “corrupção” surge como valor positivado constitucionalmente naquela época – 1967 – talvez relembrança das fraudes ocorridas durante a construção de Brasília, eventual primeira experiência de grandes contratos conduzidos por parte das empreiteiras o que passou a ser a tônica do país nos anos subsequentes, como a recente Operação Lava Jato, de amplo conhecimento, veio a demonstrar.

 Quanto à “liberdade” de educação (art. 168) dois novos condicionadores lha são justapostos: a busca da “(1º) a igualdade de oportunidade, a inspirar-se no princípio da unidade nacional” e (o 2º: este próprio “princípio da unidade nacional”, uma revisita a eventuais teses separatistas internas, vindas do Sul do país.

 Por seu turno, a ordem econômica e social, vê ampliada os indutores para sua efetivação, além da simples “liberdade de iniciativa”.

 Interessante considerar que, embora mantendo a mesma dicção da anterior Constituição de 1946, esta, a de 1967, possibilitou a transgressão contínua de direitos individuais e políticos, com base no conceito da “subversão”, invocado no art. 166, § 2º acima mencionado e, obviamente, no aparato militar montado para caçar “subversivos”, e invocado ainda, ideologicamente, no artigo 152 referente ao estado de sítio, decretável, entre outros fundamentos para “§ 3º - ... preservar a integridade e a independência do Pais, o livre funcionamento dos Poderes e a prática das instituições, quando gravemente ameaçados por fatores de subversão ou corrupção, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, poderá tomar outras medidas estabelecidas em lei.”

 No Título III, à semelhança das constituições anteriores recentes, mantém o capítulo referente à ordem econômica e social, introduzindo, entre seus valores, o princípio da “função social da propriedade”, um novo limitador à liberdade com relação à posse e à propriedade de imóveis.


7. Constituição de 1988

 A Constituição de 1988 buscou substituir o texto constitucional elaborado no período militar em 1967, resgatando a possibilidade de um maior exercício de liberdade.

 Contudo, se de um lado aumenta o número de menções a este verbete – de 12 da Constituição anterior para 17 – de outro lado, o que não está em análise neste texto, igualmente amplia o uso do verbete “livre”, de 11 do texto constitucional anterior para 28, totalizando 45 citações para ambos os verbetes.

 Assim inclui no Preâmbulo e no artigo 5º - introdutor do capítulo dos “Direitos e Garantias Individuais”, a liberdade como princípio a ser considerado e seguido; introduz em seu inciso XLVI a correlação entre “individualização da pena” por força de lei e “(a) privação ou restrição da liberdade;” introduz o mandato de injunção para a defesa da liberdade (art. 5º, LXXI); inclui, nas relações de família, o conceito educacional da liberdade (art. 227) bem como o respeito à liberdade, como direito de proteção especial quando aplicado a “pessoas em desenvolvimento” (art. 227, inciso V).

 Mantém o verbete em temas já contidos na Constituição anterior de 1967, como liberdade de consciência (art. 5, VI); liberdade de associação (art. 5º, XVII); privação de liberdade mediante “devido processo legal” (art. 5º - LIV); liberdade provisória (art. 5º, LXVI); defesa das liberdades fundamentais, através de legislação correspondente; “habeas corpus” e ameaça à liberdade de locomoção (art. 5º, XVIII); estado de sítio e restrições à liberdade (art. 139, III e IV); liberdade de aprender, ensinar, pesquisar ...; (art. 206, II);

 Amplia o alcance do conceito liberdade em alguns textos, como:  “plena liberdade de informação jornalística” (art. 220, § 1º); II - liberdade ...para “divulgar o pensamento, a arte e o saber; (art. 206, II); direito a proteção especial ...: ... quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; (art. 227 § 3º - V); altera o dispositivo anterior referente à perda de liberdade de  “oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado” que “será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior “ para o efeito de perda de sua patente (art. 142, VII).

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 Restaram abandonados princípios caros à ordem constitucional de 1967 como, por exemplo, o princípio da unidade nacional para a educação (art. 168)  e a correlação entre liberdade de pensamento e o combate à subversão e à corrupção (art. 166, § 2º)

 Por outro lado, a Constituição de 1988 amplia valores de ordem econômica e social, abrindo extensos capítulos para cada um deles, que se desdobram dos artigos 170 até o 232, para incluir matérias como “Educação”, “Cultura”, “Desporto”, “Ciência, Tecnologia e Inovação”, “Comunicação Social”, “Meio Ambiente”, “Família, Criança, Adolescente, Jovem e Idoso” e “Indios”, todo um manual de convivência social.

 As liberdades individuais da Constituição de 1988, inda que alçadas ao estágio superior de “cláusulas pétreas” – só modificáveis por outra Constituição -  enfrentarão, doravante, outros valores que integram o mundo moderno e já estão insculpidos no próprio texto constitucional, sobretudo quanto à ordem econômica e social.


À guisa de conclusão.

 Uma dialética está subjacente entre direitos individuais e econômico- sociais. Embora os direitos econômico-sociais tenham surgido e se desenvolvido no século XX a partir da Constituição de 1934, e ampliados na de 1988, pode-se admitir, dialeticamente, que os defensores da ampliação de direitos individuais propugnem por esta pauta, para além do que está fixado na última Constituição, buscando reduzir a soma de direitos sócio-econômicos nela insculpidos. 

 Não há no país, partido político que defenda claramente uma pauta individual, à semelhança do que acontece nos Estados Unidos da América, onde o Partido Republicano defende uma pauta de valores individuais – como o exemplo da liberdade para aquisição individual de armamento – e o Partido Democrata enfatiza valores sociais, como o plano de saúde pública e respectivo orçamento mais amplo.

 No Brasil, aparentemente, não há esta polarização.

 Mas já se questiona hoje o custo das despesas sociais insculpidas na Constituição Federal de 1988, com o argumento de que esta ambição constitucional - realizar mais do que lhe permite a receita de impostos da União - é responsável por insustentáveis déficits públicos.

 Eis um eventual impasse no campo econômico-financeiro, e especificamente no Orçamento da União, que poderá vir a impactar os capítulos socioeconômicos da Constituição de 1988, forçando sua revisão.

 Assim, uma leitura singela entre as diversas Constituições brasileiras, permite identificar a de 1891 como a mais liberal de todas do ponto de vista dos valores individuais, em oposição à atual, bastante avançada nos valores socioeconômicos, de resto tão essenciais a um país tão carente quanto o Brasil.

 Em torno destes polos ocorrerão os debates sobre valores para sua eventual revisão e/ou consolidação, com respectivo impacto constitucional, na busca do adequado equilíbrio entre o atual conjunto dos valores socioeconômicos da Constituição Federal de 1988 e o Orçamento do Estado que deve prover recursos para suportá-los e mesmo torná-los reais e eficazes, pois é disto que também trata a Carta Constitucional.

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Sobre o autor
Paulo Guilherme Hostin Sämy

Experiência anterior em bancos, RH, mercado financeiro, comércio exterior e marketing. Eleito Analista do Ano 2004 da Abamec/Apimec - Associação dos Analistas do Mercado de Capitais. Articulista do Monitor Mercantil desde 1998, com temas correlacionados à área financeira, economia e política. Publicação anterior de artigos na revista da ABAMEC,- sobre mercado financeiro - em 'Tendências do Trabalho', então da Editora Suma Econômica - sobre administração - e na revista "Engenho e Arte", sobre alguns aspectos iniciáticos. Vídeos de treinamento publicados através da Editora Suma Econômica: "Criatividade em Equipe" e "O Príncipe: Estratégias de Ataque e Defesa nas Disputas de Poder".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÄMY, Paulo Guilherme Hostin. A positivação da "liberdade" nas Constituições brasileiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4567, 2 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45530. Acesso em: 24 abr. 2024.

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