Supremacia das normas constitucionais e garantias penais

29/12/2015 às 03:48
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Trata-se da supremacia das garantias constitucionais penais sobre a legislação infraconstitucional, bem como sua eficácia e aplicabilidade imediata, conforme art. 5º, §1º da Constituição Federal.

Introdução

As garantias constitucionais referentes ao Direito Penal visam legitimar o direito de punir do Estado, limitando e regulando seu exercício, protegendo direitos e liberdades dos cidadãos com o escopo de evitar a condenação de inocentes pelo exercício arbitrário do poder de punir estatal.

As garantais constitucionais penais, devem, assim, serem respeitadas a todo custo, tendo eficácia jurídica plena pelo art. 5º,§1º da Constituição Federal,  sobrepondo-se à legislação infraconstitucional, não podendo ser contrariadas por normas de hierarquia inferior, também tendo, ao menos em tese o condão de suprir lacunas legais, vez que autoaplicáveis.

Supremacia das Normas Constitucionais

A Constituição como norma de maior grau hierárquico da pirâmide de Kelsen, deve prevalecer sobre a legislação infraconstitucional. Nas palavras de José Afonso da Silva:

“A constituição, é, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e nisso se notará sua superioridade em relação às demais normais jurídicas.

(...)

Nossa constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.

Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional, só são válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal.” [1]

Da eficácia das normas constitucionais

As normas constitucionais, também têm graus de eficácia, o que quer dizer que nem todas elas são autoaplicáveis. Eficácia e aplicabilidade são, portanto, a aptidão da norma de produzir efeitos concretos na vida social. [2]

Conforme ensina Pedro Lenza, citando Michel Themmer as normas constitucionais podem ter tanto eficácia jurídica, ou seja, estão aptas a produzir efeitos nas relações concretas, produzindo efeitos jurídicos, como eficácia social que é a verificação da hipótese de a norma vigente, pelo efeito jurídico ser efetivamente aplicada em casos concretos. [3]

Existe clássica classificação de José Afonso da Silva, que distingue a eficácia das normas constituições em eficácia plena, eficácia contida e eficácia limitadas.

Normas constitucionais de eficácia plena são as que receberam do constituinte normatividade suficiente à sua incidência imediata. Situam-se predominantemente entre os elementos orgânicos da constituição. Não necessitam de providência normativa ulterior para sua aplicação. Criam situações subjetivas de vantagens ou de vínculo, desde logo exigíveis. [4]

Já normas constitucionais de eficácia contida têm aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral. Embora tenham condições de, quando da promulgação da nova Constituição, produzir todos os seus efeitos, poderá a norma infraconstitucional reduzir a sua abrangência. [5]

E normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas normas que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional. São, portanto, de aplicabilidade mediata e reduzida, ou segundo alguns autores aplicabilidade diferida. [6]

Ainda, quanto as normas constitucionais de eficácia limitada, elas podem ser divididas em normas declaratórias de princípios institutivos ou organizatórios e normas declaratórias de princípios programáticos,[7] ambas as hipóteses dependem de lei complementar ou outra norma infraconstitucional para ter aplicabilidade.

Princípios e Garantias Penais Constitucionais e sua eficácia

Os princípios e garantias penais devem ser respeitados, e não limitados pelas leis infraconstitucionais, são normas constitucionais de eficácia plena, vez que são autoaplicáveis, não podendo nenhuma lei infraconstitucional ir contra tais preceitos, ademais, devem, ainda, servidor de pontos norteadores para a interpretação das normas jurídicas infraconstitucionais.

As garantias constitucionais devem ser respeitadas, pois o respeito à elas é o que permite e legitima a aplicação de uma sanção penal, devendo, destarte, sua observância, condicionar a própria imposição da pena, nas palavras de Ferrajoli: “A função específica das garantias no direito penal, como mostrarei na terceira parte, na realidade não é tanto permitir ou legitimar, senão muito mais condicionar ou vincular e, portanto, deslegitimar o exercício absoluto da potestade punitiva.” [8]

Vale aqui também citar outra lição de Ferrajoli, sobre o sistema penal como um todo, pois quanto mais alto olhamos mais lógico é o sistema, contudo, quando descermos às camadas inferiores, até chegar ao ato administrativo prático, vemos que o princípio muitas vezes foi tão alterado que a prática chega, mesma a contrariá-lo.

“Os vícios obviamente não são apenas de direito penal, sendo em qualquer medida ligados da estrutura mesma do Estado de direito. Na passagem dos níveis mais altos aos níveis mais baixos do ordenamento – da Constituição à legislação ordinária, da legislação à sua aplicação judiciária e ainda policialesca -, quando se verifica de forma irrefutável um décalege, isto é, uma perda de fato das garantias normativas estabelecidas em vias de princípio. Disto resulta um desencontro mais ou menos profundo entre normatividade e efetividade que se manifesta sob a forma de antinomias entre normas e princípios de nível superior e norma e práxis de nível inferior. Esta antinomia, que em qualquer medida existe sempre entre os diversos níveis de norma, depende do fato de que qualquer um desses níveis se configura como normativo em respeito àquele inferior e como que fatual em respeito àquele superior e que faz parte da natureza deontológica das normas, ainda que dirigidas ao legislador, a possibilidade de serem violadas. A imagem ofertada por um ordenamento é, consequentemente, distinta da segunda, que extrai do topo a condição apenas normativa de validade ou, ao invés, da base, a condição apenas fatual de efetividade. Visto a partir dos planos mais altos, o edifício penal, como de resto qualquer edifício jurídico, apresenta indubitavelmente uma imagem racional e de justiça que é bem distinta daquela de irracionalidade e de injustiça oferecida frequentemente pelos seus planos mais baixos.” [9]

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Chama-se atenção para o papel preponderante das cortes supremas, em especial aqui do STF para dar maior eficácia aos princípios penais e processuais penais contidos na constituição, não permitindo com que leis infraconstitucionais mitiguem tais garantias, sob nenhuma justificativa, pois o direito de exceção é antidemocrático e injusto. Muito embora, esse papel poderia em tese, ser realizado por cada juiz pela possibilidade de controle difuso de constitucionalidade.

Ademais pela própria letra do artigo 5º, §1º da Constituição Federal quanto à aplicação imediata das garantias individuais tais garantias não necessitariam de norma regulamentadora para serem válidas e eficazes, podendo ser aplicadas de imediato, podendo, inclusive, suprir supostas lacunas infraconstitucionais, que mitigariam a sua eficácia e aplicação.

Considerações Finais

De maneira que os princípios constitucionais e as garantias individuais devem ser preservados a todo custo, devendo prevalecer sobre qualquer texto infraconstitucional, para que a Jurisdição Penal seja realizada de acordo com os valores democráticos, devendo as normas anteriores à nossa Magna Carta, serem reinterpretadas pelo enfoque constitucional e não aplicadas como se a Constituição fosse apenas uma “Carta de boas intenções” e sendo autoaplicáveis as garantias individuais podem ser aplicadas até na lacuna da legislação infraconstitucional.


Bibliografia

BOTTALLO, Eduardo Domingos. Lições de direito público, 2 ed. – São Paulo: Dialética, 2005;

DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 15 ed. – São Paulo: Malheiros, 1998;

FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão (Teoria do Garantismo Penal), 4 ed. – São Paulo, RT, 2014;

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14 ed. – São Paulo: RT, 2010;

THEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, p.23 in apud LENZA, Pedro. Direitos Constitucional Esquematizado, 14 ed. – São Paulo: RT, 2010.


[1]  DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 15 ed. – São Paulo: Malheiros, 1998, p. 47-48

[2]  BOTTALLO, Eduardo Domingos. Lições de direito público, 2 ed. – São Paulo: Dialética, 2005, p. 20

[3]  THEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, p.23 in apud LENZA, Pedro. Direitos Constitucional Esquematizado, 14 ed. – São Paulo: RT, 2010, p. 177

[4]  DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais, 3 ed. – São Paulo: Malheiros, 1998, p. 262

[5] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14 ed. – São Paulo: RT, 2010, p. 178

[6] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14 ed. – São Paulo: RT, 2010, p. 180

[7]  BOTTALLO, Eduardo Domingos. Lições de direito público, 2 ed. – São Paulo: Dialética, 2005, p. 21

[8] FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão (Teoria do Garantismo Penal), 4 ed. – São Paulo, RT, 2014, p.p. 90-91

[9] FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão (Teoria do Garantismo Penal), 4 ed. – São Paulo, RT, 2014, p. 644

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Sobre o autor
Diego dos Santos Zuza

#Fique em casa! Faça sua consulta por Whatsapp (11) 97188-1220 Advogado e sócio de Zoboli & Zuza Advogados Associados. Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo; Especialista de Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo; Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Advogado atuante nas áreas de Direito Penal, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito de Família e Direito do Trabalho.

Informações sobre o texto

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