O que é possível nem sempre é provável

04/01/2016 às 15:26
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O estado de inocência do indivíduo não precisa (e não deve) ser provado em hipótese alguma, pois o que deve ser comprovado é a sua culpa (no sentido de ser ele o autor do delito).

Muitas vezes nos deparamos com alguma situação, geralmente midiática, condenando uma pessoa antes mesmo dela ser apresentada ao delegado de polícia.

Fazemos isso pelo simples fato de ouvirmos, de alguém, ser ela a autora da infração penal.

Em primeiro plano devemos atentar sobre a veracidade da informação e a credibilidade e conhecimento de quem está passando a informação.

Muitas vezes o locutor condena a pessoa pelo simples motivo de achar (na cabeça dele) que tal é a autora e pronto. Critério meramente subjetivo.

Se em toda sentença a fundamentação é obrigatória (vide como exemplos os arts. 381, III, 386 e 387, todos do CPP), como a verdade torna-se absoluta somente pela palavra de um “causídico televisivo”?

Quem acompanha meus artigos sabe que sou um crítico ferrenho dessa mídia nefasta que nos cerca e acredito que um dia isso deve mudar.

A questão é muito mais ampla do que parece, pois a sociedade está sendo alienada por informações e situações que não condizem com o nosso ordenamento penal e processual penal pátrio.

O fato de existir uma possibilidade de alguém cometer (ou ter cometido) uma infração penal, aqui leia-se crime ou contravenção, não quer dizer que a probabilidade seja absoluta ou até mesma relativa.

Comecemos a refletir de forma simplista. O fato de eu estar no cemitério quer dizer que eu estou morto?

Obviamente que não! Posso estar lá para acompanhar um velório, um enterro, em uma “visita” em dia de finados, acompanhando alguém que quer comprar um jazigo ou até mesmo estar cortando caminho de passagem por ali.

Percebam que no exemplo citado 5 possibilidades, pelo menos, foram elencadas, fazendo, assim, que se apure realmente a real situação.

O mesmo acontece no cotidiano criminal.

Um cadáver encontrado com sêmem de uma determinada pessoa atesta que o sêmem é daquela pessoa, daí afirmar que tal pessoa é a autora do crime, deve-se ter cautela.

A possibilidade de ser a pessoa é muito grande, porém, a probabilidade deve ser apurada para que não se cometam injustiças para satisfazer o anseio da sociedade.

Para melhor ilustrar, vejamos o significado de cada palavra:

possibilidade
pos.si.bi.li.da.de
sf (lat possibilitate) Qualidade de possível (...)

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=possibilidade

probabilidade
pro.ba.bi.li.da.de
sf (lat probabilitate) 1 Qualidade ou fato de ser provável; verossimilhança. 2 Possibilidade mais acentuada da realização de um acontecimento entre inúmeros possíveis, baseada, subjetivamente, na opinião do observador e, objetivamente, na relação entre o número de casos favoráveis e o total das realizações (...)

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=probabilidade

Observem que a conjunção “e” (neste caso aditiva) está presente na probabilidade, fazendo, contanto, que não basta apenas a subjetividade do julgador. É necessária, também, a objetividade concreta do fato.

É isso que falta ser inculcado na cabeça das pessoas de forma séria para que se evitem os justiceiros sociais, como vemos em constantes linchamentos pelo país afora.

Tomando a possibilidade como verdade absoluta dos fatos, estamos desprezando o princípio constitucional da presunção de inocência, tipificado em nossa CF/88 em seu art. 5°, LVII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (grifo nosso).

Isso estabelece que ninguém pode ser taxado como culpado até que se esgotem as vias para que isto se comprove.

E não é pelas vias televisivas, radiofônicas, impressas, digital, que tal sentença transitada em julgado deverá ser proferida.

O estado de inocência do indivíduo não precisa (e não deve) ser provado em hipótese alguma, pois o que deve ser comprovado é a sua culpa (no sentido de ser ele o autor do delito).

Assim sendo, a possibilidade jamais pode dar lugar à probabilidade em matéria criminal, pois quando figuramos na posição de acusador a possibilidade é a rainha das falácias sofistas enquanto a probabilidade é mera plebeia.

Quando passamos a posição de acusado, a possibilidade torna-se escassa e a probabilidade surge como a grande cartada.

Posso voar? Posso! É provável que eu voe? Depende!

Aqui não foi especificado a forma do voo. A questão deve ser melhor apurada, estudada, questionada para que seja emitida uma opinião ou parecer acerca dela.

Não é, somente, sair falando o que acha para dar uma falsa impressão de Robin Hood do terceiro milênio sem conhecimento técnico e alienar, ainda mais, a sociedade que parece navegar na “A Nau dos Insensatos (1494)”, do escritor alemão Sebastian Brant (1457-1521).

A reflexão deve, sempre, vir antes de uma afirmação e nunca depois dela.

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Sobre o autor
Denis Caramigo Ventura

Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais; www.caramigoadvogados.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Denis Caramigo Ventura Twitter: @deniscaramigo Instagram: @deniscaramigoventura

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