O processo administrativo à luz do Direito Administrativo Contemporâneo

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O presente trabalho visa identificar o processo administrativo enquanto um instrumento democrático necessário para uma formação mais legítima, controlável e eficiente da atividade administrativa brasileira.

 

1.INTRODUÇÃO

 

A presente pesquisa objetiva uma valorização e reconhecimento do processo administrativo enquanto um instrumento democrático necessário para uma atividade administrativa brasileira mais legítima, controlável e eficiente.

Conforme esse desiderato, utilizamos o método hermenêutico e a técnica hipotético-dedutiva para a realização desse trabalho. Destacamos, inicialmente, os aspectos conceituais e históricos do nosso objeto de pesquisa.

Posteriormente, contextualizamos o processo administrativo diante da realidade jurídica e social brasileira e demonstramos a necessidade democrática desse instituto na concretização dos direitos fundamentais e na  construção de um Estado Democrático de Direito.

Por derradeiro, destacamos as principais funções democráticas do nosso objeto de estudo, a saber: a legitimação, o controle e a eficiência da atividade administrativa.

 

2. ASPECTOS PROPEDÊUTICOS: O PROCESSO ADMINISTRATIVO À LUZ DA TEORIA GERAL DO PROCESSO E DO DIREITO ADMINISTRATIVO CONTEMPORÂNEO 

 

O processo, à luz da sua Teoria Geral, consiste no procedimento informado pelo contraditório que gera uma relação jurídica entre sujeitos processuais e legitima o exercício do poder estatal.[1]

Nesse sentido, enquanto um instrumento de atuação do poder estatal que permite a concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos[2], o processo deve estar presente em todas as funções do Estado (jurisdicional, legislativa e administrativa).[3]

Esse entendimento é denominado pela doutrina nacional e internacional como “processualidade ampla”.[4] O processo administrativo, assim, é uma das espécies do gênero “processo” que lida diretamente com a função administrativa do Estado.[5]

Dentre as diversas concepções doutrinárias, entendemos o processo administrativo em uma acepção ampla, é dizer, uma sequência concatenada de atos preparatórios de uma decisão final da Administração Pública.[6] Esse é um conceito genérico capaz de abarcar todos os tipos de processos administrativos.[7]

Isso significa que a atividade da Administração é, sobretudo, uma atividade processual, pois os atos administrativos, em regra[8], são produtos de um processo administrativo prévio.[9] Desse modo, o ato administrativo não pode ser considerado de modo isolado, concreto e final[10], ele não deve surgir em um “passe de mágica”[11] à luz da discricionariedade∕liberdade do gestor público[12]. Ele deve perpassar por um iter democrático que lhe garanta maior legitimidade, controle e eficiência, a saber: o processo administrativo.[13] Toda a atuação administrativa, portanto, deve respeitar um devido processo legal.[14]

 É, nesse contexto, que a doutrina administrativista contemporânea elenca o fenômeno chamado de processualização da atividade administrativa, visando representar a crescente transferência da dinâmica da atividade administrativa para o meio processual. Antes de agir, portanto, o gestor público processualiza sua vontade.

Destarte, antes de começarmos à análise do fenômeno da processualização da atividade administrativa em si, temos que compreender as origens do instituto. Ou seja, abordaremos a transição de paradigma[15] do Direito Administrativo do ato administrativo para o processo administrativo, finalizando, assim, a parte propedêutica dessa pesquisa.

2.2. ASPECTOS HISTÓRICOS

Desde o final do século XIX, o edifício teórico do direito administrativo construiu-se sobre a categoria do ato administrativo.[16] Ele foi seu conceito-chave que resumia e condessava todas as especificidades dessa seara do direito e consistia no meio de exercício do poder administrativo.[17]

A doutrina elenca os principais motivos para o ato administrativo ter sido considerado “o” paradigma do direito administrativo tradicional, a saber:

a) Influência da teoria dos atos jurídicos do Direito Civil[18] fez com que a doutrina administrativista se voltasse, prima facie, unicamente para o estudo do momento decisório final da Administração (ato administrativo), e não para o percurso de formação dessa decisão (processo administrativo)[19]; b) A tripartição das funções estatais denotou que cada poder deveria ter uma forma específica de exercer sua função. Assim, o Judiciário agia através da sentença, o Legislativo pela lei e o Executivo pelo ato administrativo[20]; c) A relevância para o controle jurisdicional da Administração Pública, pois a resolução final da Administração é materializada em um ato, e esse é o objeto de impugnação apresentado aos juízes e d) Era a principal forma de atuação de um Estado Liberal que exteriorizava sua vontade de modo autoritário[21] e unilateral[22] sem a participação efetiva dos cidadãos.[23]

Com a mudança do próprio papel do Estado e seu modo de relacionamento com a sociedade, todavia, o Direito Administrativo teve de adaptar seus institutos e conceitos basilares. Assim, no século XX, com a substituição do Estado liberal pelo Welfare State[24] e deste pelo Estado pós-social ou regulador[25], as condições político-jurídicas que levaram o ato administrativo ao centro da dogmática administrativa desapareceram e esse instituto entrou em crise.[26]

Basta percebermos que a Administração Pública a) deixaria de ser mera executora liberal da lei e adquiriu inúmeras novas funções, tais como a prestação, o planejamento, a direção e a regulação[27]; b) tendeu a ser menos imperial, buscando soluções mediante acordo, consenso e participação dos cidadãos[28] e c) buscou produzir atos em massa para satisfazer grande quantidade de interesses e necessidades públicas.[29]

Nesse Estado multifuncional, assim, novos institutos foram desenvolvidos (v.g, contratualização, a consensualização, a processualização e o uso das formas de direito privado) e o ato administrativo deixou de ser “a” instituição por excelência do Direito Administrativo.[30]

Destarte, existe uma tendência contemporânea de deslocar o foco do Direito administrativo do ato administrativo para o seu modo de formação, é dizer, para o processo administrativo que o antecede.[31] Isso já foi percebido, sobretudo, pelas doutrinas italiana e alemã.[32]

Sob esse influxo, a doutrina brasileira contemporânea já qualifica o processo administrativo enquanto a) um instrumento democrático fundamental para a legitimação, controle, eficiência da atividade administrativa[33] e b) requisito de validade de toda a atividade administrativa.[34]

Foi assim que, gradativamente, o processo administrativo deixou de ser o “patinho feio”[35] do Direito Administrativo para se tornar um de seus principais paradigmas atuais, um verdadeiro “sol” a iluminar os caminhos de uma atividade democrática. O “giro copernicano”[36] do direito administrativo contemporâneo, portanto, foi do ato ao processo e isso já começa a ser percebido na realidade jurídica e social brasileira.

 

3. A REALIDADE JURÍDICO-SOCIAL BRASILEIRA E A NECESSIDADE DE PROCESSUALIZAÇÃO DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

 

Com relação a nossa realidade jurídica, o processo administrativo, enquanto um caminho democrático prévio para a atuação administrativa, é um tema extremamente recente no Direito Brasileiro.

Nosso ordenamento jurídico[37] e nossa jurisprudência[38] somente concedeu maior destaque ao processo administrativo em si a partir da década de 90 (noventa). Isso ocorreu, sobretudo, após a Constituição Federal de 1988 ter consagrado o princípio do contraditório e da ampla defesa nos processos administrativos (art.5º, LV da CRFB/88) e da edição da Lei de Processo Administrativo Federal (Lei 9.784∕99).

No aspecto doutrinário, embora os estudos sobre o tema tenham se iniciado desde 1938 com o pioneirismo de Themístocles BRANDÃO[39], a processualização da atividade administrativa é uma tendência doutrinária muito recente e de grande debate na dogmática-administrativa nacional.[40]

Assim, não podemos negar que ainda são gastas muitas folhas de papel com um estudo tradicional do ato administrativo (isolado, concreto e final). Basta percebemos que inexiste a disciplina “Processo Administrativo” nas Faculdades de Direito Brasileiras. Ademais, em regra, os manuais e cursos de Direito Administrativo Brasileiros, por exemplo, dedicam enormes capítulos ao ato administrativo (conceito, elementos, atributos, classificação, extinção, etc.), relegando ao processo administrativo uma síntese superficial e de poucas páginas. Tal fato, a nosso ver, é o reflexo de séculos de uma Administração Brasileira autoritária e arbitrária (baseada no ato e não no processo), desde a Monarquia até a Ditadura Militar, sobre os doutrinadores nacionais. 

O fenômeno da processualização e sua importância para um Estado Democrático de Direito, todavia, já começam a ser ventiladas pela doutrina nacional, sobretudo, por Odete MEDAUAR; José CRETELLA JR.; Carlos Ari SUNFELD; Egon Bockmann MOREIRA; Patrícia BATISTA; Marçal JUSTEN FILHO; Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO; Kaline Ferreira DAVI; Adilson DALLARI e Sérgio FERRAZ.[41]   

Nesse diapasão, no Direito Brasileiro, o processo administrativo, gradativamente, tem deixado de ser o “patinho feio” para tornar-se instrumento democrático fundamental.

Por sua vez, a realidade social brasileira demonstra a necessidade dessa processualização. Basta percebermos que vivenciamos na terrae brasilis diversos hiatos sociais[42] que demandam, por um lado, uma intensificação da atividade administrativa na concretização dos direitos fundamentais e, por outro, uma processualização dessa atividade em prol da construção de um Estado Democrático (e Social) de Direito.

A atividade administrativa põe a Constituição “em movimento”[43], pois de nada adianta a Constituição proclamar que todos têm direito à educação e saúde, v.g, se a Administração Pública não agir para possibilitar a construção de escolas e hospitais; a contratação de professores e médicos e a compra de meios materiais para seu efetivo funcionamento. Sem a atividade administrativa, portanto, os direitos fundamentais nunca passarão de meras proclamações de papel.[44]

Ocorre que essa atividade administrativa brasileira não pode ser baseada no paradigma do ato administrativo (unilateral e arbitrário). O gestor público não pode agir de forma livre (“fiz, porque quis”[45] ou porque o “interesse público abstrato assim o exigiu”[46]), sem a participação popular e com base na sua vontade pessoal[47]. Afinal ele não é o Rei-Sol[48], e o Estado democrático de Direito, não é o seu Palácio de Versailles.  

Ele deve, ao contrário, visar ao interesse público qualitativo no caso concreto[49], buscando, antes de emitir um ato administrativo, seguir um caminho democrático prévio que lhe permita maior eficiência, legitimidade e controle, e esse iter é o processo administrativo.[50]

O agente público brasileiro não pode, v.g, a) contratar quem ele quiser para uma determinada obra, serviço, compra, alienação, concessão, permissão ou locação, sem um procedimento licitatório prévio (Leis nº 8.666∕99, 8.987∕95, 9.472∕98, 10.520∕02 e 11.079∕04)[51]; b) punir um servidor público federal por inimizades ou outros motivos pessoais, desrespeitando um processo administrativo disciplinar prévio (art.143-182 da lei nº 8.112∕90) ou c) nomear alguém para um cargo público efetivo, sem antes realizar um concurso público (Art.37, II, CRFB∕88).

O nosso país deve ultrapassar esse dogma autoritário do “fiz porque quis” (tão evidente no período ditatorial com os Atos Institucionais dos generais brasileiros) e avançar para o fenômeno democrático da processualização. O giro “copernicano” do ato ao processo é um fenômeno mundial e deve ser acompanhado também pelo direito administrativo brasileiro.

A processualização permite que a atividade administrativa concretizadora de direitos fundamentais perpasse por um caminho democrático prévio corroborando com a construção de um verdadeiro Estado Democrático (e Social) de Direito.

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Entretanto, em que sentido essa processualização da atividade administrativa potencializa a construção de um Estado Democrático (e Social) de Direito no Brasil? Quais as funções democráticas dessa processualização?

 

4. AS PRINCIPAIS FUNÇÕES DEMOCRÁTICAS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

                                                                            

O fenômeno da processualização assume na atualidade brasileira três funções democráticas principais, a saber, favorece uma maior legitimação, controle e eficiência da atividade administrativa.

 

4.1 A LEGITIMAÇÃO[52] DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

No final do século XX, as duas bases de legitimação do poder político e da Administração Pública – democracia representativa e a crença liberal de que o Estado seria um mero executor das leis – entraram em crise[53]-[54] e, consequentemente, impulsionaram um déficit de legitimidade democrática da função administrativa.[55]

Essa é a realidade atual brasileira. A crise da democracia representativa e do Estado legalista é evidente. Segundo pesquisa recente da FGV, por exemplo, é notório o descrédito e o desprestígio dos representantes políticos nacionais e da lei como expressão da vontade geral.[56] Diante dessa crise, a nosso ver, devem surgir novas formas de legitimação da Administração Pública Brasileira.

Em um Estado Democrático de Direito, a Administração Pública deve ser consensual, dialogar com o cidadão e permitir que o mesmo influencie nas decisões administrativas nos quais ele é diretamente afetado (cidadania individual)[57] e em defesa dos interesses comuns, coletivos ou difusos (cidadania coletiva).[58] Afinal, se o governo depende da aprovação dos governados, a Administração deve agir com fair play para conquistar a simpatia dos cidadãos e a concretização de um governo democrático.[59]

Nessas pegadas, a participação popular, principal instrumento de diálogo entre Administração e os cidadãos, deve configurar-se como a nova base de legitimação social da atuação administrativa brasileira. Basta percebermos que a participação popular 1) respeita e concretiza os interesses, direitos fundamentais e a dignidade dos cidadãos[60]; 2) possibilita uma decisão administrativa mais imparcial e de maior qualidade[61]; 3) transfere a democracia representativa para a democracia participativa[62]; e 4) garante, ao fim, uma maior legitimidade da atuação administrativa.[63]

O processo administrativo, por sua vez, é a sede por excelência dessa participação administrativa, pois possibilita um maior envolvimento dos cidadãos (principais interessados) na tomada de decisão estatal.[64] Ilustra essa realidade, a Lei do processo administrativo federal brasileiro (Lei nº 9784.99), por exemplo, que dispõe de diversos instrumentos de participação popular como as audiências públicas (Art.31), consultas públicas (Art.32) ou, ainda, a participação dos administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente constituídas (Art.33).[65]

Isso significa que a legitimidade, portanto, é “o efeito de um devido processo participativo”.[66] Com razão, adverte José Joaquim CALMON DE PASSOS que o direito consiste numa decisão e a participação no processo decisório é um elemento do Estado Democrático de Direito, pois confere ao cidadão uma cidadania efetiva, é dizer, um espaço de real liberdade e de efetiva autodeterminação, retirando “os seus direitos fundamentais do mundo do “faz de conta” dos enunciados para colocá-los no mundo real dos acontecimentos.[67]

Diante do exposto, o processo administrativo através da concretização do princípio do contraditório, permite a participação popular (nova base de legitimidade estatal) e assegura, assim, uma maior legitimação da atividade administrativa nacional.

 

               4.2.  O CONTROLE DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

 

O controle da Administração Pública compreende a orientação, fiscalização e correção da atividade administrativa. Ele visa evitar vícios e arbitrariedades; garantir a compatibilidade da atuação administrativa com a juridicidade[68] e concretizar o Interesse Público qualitativo no caso concreto.[69]

Esse controle é imprescindível para a atividade administrativa brasileira.[70] Somos marcados por um longo histórico de corrupção no setor público[71] e isso potencializa ainda mais o entendimento de que o agente estatal não pode ter uma carta branca para dirigir os destinos da coletividade. Ao administrar coisa pública (res publica), o gestor brasileiro deve, em respeito à soberania popular, ter sua atuação efetivamente controlada para que desempenhe suas prerrogativas em prol do interesse público. Afinal, a controlabilidade vincula-se a democracia[72] e a incontrolabilidade ao arbítrio de um Leviatã.[73]

Nessa trilha de raciocínio, o processo administrativo é um instrumento democrático efetivo de controle da atuação administrativa[74], pois possibilita: 1) uma maior transparência e prestação de contas da atividade administrativa (accountability); 2) uma maior limitação do poder estatal em respeito à dignidade da pessoa humana dos cidadãos (função garantística), facilitando a fiscalização, correção e orientação das decisões administrativas.

Com relação à transparência, o processo administrativo gera uma maior publicidade∕visibilidade[75] da formação da decisão administrativa para todos os cidadãos.[76] No âmbito federal, v.g., existe o dever da divulgação oficial dos atos administrativos (Art.2º, inciso V, da Lei 9784∕99), garantindo a ciência da tramitação dos processos administrativos a todos os possíveis interessados (Art. 2º, inciso X; Art.3º, inciso II e Art.9º, inciso II, da Lei 9784∕99). O due process, é um processo público, pois protege as partes contra decisões arbitrárias e secretas e permite o controle democrático sobre essa decisão.[77]

Dessa forma, o processo administrativo remonta ao conceito democrático de Accountability, é dizer, o dever do agente público de prestar contas de seus atos e publicar suas motivações com a maior transparência possível sob pena de responsabilização.[78]

Com relação à limitação do poder estatal, a processualização inviabiliza o exercício concentrado, unilateral e único da competência decisória (paradigma clássico do ato administrativo). Ademais, o processo possibilita a diluição do exercício do poder em um caminho democrático prévio; uma série de atos concatenados[79] e planejados em um postulado de coerência lógica (paradigma contemporâneo da processualização). A própria dialética processual decorrente do contraditório, então, impede a consagração de atitudes precitadas e impulsivas e favorece ao controle administrativo.[80]

No esquema processual, então, o cidadão não encontra ante de si uma Administração livre, e sim uma Administração controlada em sua atuação.[81] O processo administrativo facilita tanto o controle interno (a própria Administração terá registrado os motivos daquela decisão) quanto o externo (controle social, judicial, legislativo, do Tribunal de Contas e de todos os outros entes que fiscalizam a Administração Pública).[82]

 

4.3. A EFICIÊNCIA[83] DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

 

Considerando que a principal finalidade da atuação da Administração Pública Democrática é a satisfação do interesse público qualitativo, quanto mais a atividade administrativa concretizar essa finalidade, mais eficiente ela será.

 A eficiência administrativa, assim, consiste “na melhor realização possível da gestão dos interesses públicos, em termos de plena satisfação dos administrados com os menores custos para a sociedade”.[84] É o denominado princípio (ou postulado)[85] da eficiência (Art.37, caput, CRFB∕88, dentre outros[86]).[87]

Alguns esclarecimentos são fundamentais sobre o tema: 1) a eficiência não se confunde com economicidade (como defendem os adeptos da escola “Law and Economics”[88]), este é apenas um dos seus elementos. Logo, uma atuação administrativa pode ser eficiente, mesmo que não seja a mais econômica (numa relação de custo-benefício), basta que atenda o interesse público qualitativo na concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos[89], pois além do “custo econômico” existe o “custo social” das decisões administrativas[90]; 2) a eficiência não representa uma afronta a legalidade, muito pelo contrário, consiste no aspecto material da lei, valorizando seu conteúdo finalístico na concretização do interesse público[91]. O gestor público, pois, deve atuar com eficiência, dentro da legalidade.[92]

Ilustra essa realidade, v.g, as vagas gratuitas para deficientes, gestantes e idosos nos serviços de transportes públicos. Essas ações, economicamente, geram maiores custos para a Administração Pública, todavia, satisfazem o interesse público qualitativo na medida em que concretizam a dignidade da pessoa humana (pedra angular do nosso ordenamento jurídico) dos deficientes, gestantes e idosos. Essa atuação administrativa é dotada de eficiência administrativa, pois.

Após esse breve e necessário panorama sobre a eficiência administrativa, destacamos que o processo administrativo também consiste em um instrumento democrático primordial para uma atividade administrativa brasileira eficiente, pois possibilita, sobretudo, decisões administrativas mais racionais e direcionadas ao interesse público do que ao interesse pessoal do gestor.

Basta percebermos que o processo administrativo permite uma maior racionalidade da atividade administrativa, pois 1) favorece a atividade cognitiva do gestor de buscar os critérios mais racionais para a tomada de decisão, limitando e direcionando sua discricionariedade ao interesse público[93]; 2) sistematiza a edição de muitos atos administrativos em uma organização racional[94], favorecendo uma maior previsibilidade e orientação da atuação administrativa para otimizar o resultado social, já que o ato decisório será resultado lógico dos eventos apurados ao longo do processo[95]; 3) reúne e compõe, através da participação popular, os interesses públicos e privados necessários para uma decisão administrativa de maior qualidade e eficiência[96].

Ilustra essa situação, o agente público que antes decidir com quem irá contratar para realizar uma obra pública de grande vulto, racionaliza sua vontade administrativa através de um processo licitatório efetivo. O gestor, assim, seguirá uma sequência ordenada e racional de atos (anteprojeto, planejamento, projeto básico e executivo, orçamento detalhado, audiência pública, edital, habilitação, recebimento das propostas, classificação e julgamento, homologação e adjudicação)[97] e tenderá à seleção da melhor proposta possível para executar essa obra pública e atender ao interesse público. Uma contratação mais impessoal, racional e eficiente para a Administração Pública, portanto.

Não desconhecemos que existem diversas formas de fraude ao processo licitatório. É evidente que a má utilização desse instrumento democrático, potencializa atuações corruptas e ineficientes. Todavia, não podemos julgar um instrumento pelo seu mau uso (desvio de finalidade), a licitação, enquanto processualização, é fundamental para garantia de uma contratação administrativa mais impessoal, racional e eficiente, essa é a sua finalidade-mor. [98]

Com efeito, o processo administrativo, do modo em que é compreendido nessa pesquisa, está longe de ser uma burocracia (em sentido vulgar e pejorativo) impeditiva da eficiência estatal[99] ou uma burocracia weberiana (idealizada e desconexa da realidade política).[100] Muito pelo contrário, consiste, em nossa percepção, em um formalismo moderado e garantista a favor do cidadão, é dizer, a medida da racionalização do exercício do poder. [101]

Em suma, o processo administrativo, portanto, na medida em que propicia uma maior racionalidade da atividade administrativa, representa também um instrumento apto para assegurar uma atividade administrativa mais eficiente.

Diante do exposto, a processualização favorece a uma atividade administrativa mais legítima, controlável e eficiente, sendo, portanto, imprescindível na concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos nacionais e na construção de um Estado Democrático (e Social) de Direito Brasileiro.[102]

 

5. CONCLUSÃO    

 

Sintetizando tudo o que foi exposto, temos o seguinte: (i) conceituação do processo e do processo administrativo à luz de uma Teoria Geral do Processo e do Direito Administrativo contemporâneo; (ii) evolução histórica do ato administrativo, desde seu momento áureo como paradigma central do Direito Administrativo liberal até sua crise e substituição pelo instituto do processo administrativo no Direito Administrativo Constitucionalizado; (iii) contextualização do processo administrativo na realidade jurídica e social brasileira e (iv) as funções democráticas do processo administrativo na atividade administrativa brasileira.

Essas foram as linhas mestras traçadas para o desenvolvimento do tema e para extrairmos as conclusões ora expostas:

1.   Entendemos o processo enquanto um procedimento em contraditório que legitima o exercício do poder estatal, e o processo administrativo enquanto uma das espécies do gênero processo que lida diretamente com a função administrativa do Estado. Dessa forma, a nosso ver, o processo administrativo, latu sensu, é um caminho democrático prévio para a formação da atividade administrativa; 

2.  O paradigma liberal do ato administrativo isolado e unilateral não é mais compatível com um Estado Democrático e Social de Direito e com um Direito Administrativo contemporâneo;

3. O giro copernicano mundial do ato ao processo evidencia que a atividade administrativa é eminentemente processual, é dizer, segue, em regra, um iter prévio para sua concretização (processo administrativo), possibilitando que o gestor público não confunda seu interesse privado com o interesse publico;

4. O processo administrativo, em seu sentido amplo, ainda é tema extremamente recente e pouco explorado no Direito Administrativo Brasileiro. Todavia, nossa triste realidade social demanda, por um lado, uma intensificação da atividade administrativa na concretização dos direitos fundamentais e, por outro, a processualização dessa atividade em prol da construção de um Estado Democrático e Social de Direito. O nosso país, nesse diapasão, deve ultrapassar esse dogma autoritário do ato administrativo unilateral e isolado (do “fiz porque quis”) e avançar para o fenômeno democrático da processualização.

5. Entendemos que o processo administrativo, embora não seja a panaceia dos problemas sociais brasileiros, favorece uma maior legitimação, controle e eficiência da atividade administrativa nacional. Ele é um instrumento, um meio, um caminho, que, se for bem utilizado, será um porta-voz da democracia e não do autoritarismo.

6. A legitimação decorre da concretização do princípio do contraditório através da participação popular (nova base de legitimidade estatal) permitida pelo processo administrativo.

7. O controle interno e externo da atividade administrativa, por sua vez, também é potencializado pelo processo administrativo, já que o mesmo permite uma maior transparência; accountability e limitação do poder estatal.

8. A eficiência administrativa é concretizada pela maior racionalidade da atividade administrativa permitida pelo fenômeno processual. O processo administrativo sistematiza a edição de muitos atos administrativos em uma organização racional, favorecendo uma maior previsibilidade e orientação da atuação administrativa para otimizar o resultado social, já que o ato decisório será resultado lógico dos eventos apurados ao longo do processo.

8. Diante do exposto, confirmamos a hipótese inicial dessa pesquisa: a processualização realmente favorece a uma atividade administrativa mais legítima, controlável e eficiente, sendo, portanto, imprescindível na concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros e na construção de um Estado Democrático e Social de Direito no nosso país.

São essas as conclusões que derivam de tudo o que foi desenvolvido ao longo dessa pesquisa. A partir de então, lançamos as bases para um debate acerca do desenvolvimento teórico e prático do processo administrativo na realidade social e jurídica brasileira.

 

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Sobre o autor
Clóvis Mendes Leite Reimão dos Reis

Mestrando em Direito pela Universidade de Lisboa (UL). Pós-graduado em Direito Público e em Direito Processual Civil. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

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