RESUMO: Este artigo tem por objetivo trazer à discussão a aceitação, ou não, das formas alternativas de solução de conflitos individuais trabalhistas, em especial a mediação e a Arbitragem. No desenrolar de diversas reclamatórias em que atuei, observei a necessidade da efetividade nas resoluções dos dissídios trabalhistas, com base em uma análise epistemológica, na qual o fenômeno estudado é a amplitude do acesso à justiça abarcado pelo novo Código de Processo Civil, que poderia ser aplicada às questões trabalhistas. Quais são os pontos positivos e negativos derivados dessa aplicação? Assim, analisei a Lei da Mediação e a Lei da Arbitragem e diversos outros estudos sobre o tema, e concluí que, dentro do nosso ordenamento jurídico trabalhista, as formas alternativas de resolução de conflitos em geral não são acolhidas.
Palavra chave: Solução. Conflitos. Trabalho. Mediação. Arbitragem.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO – 2 MEDIAÇÃO – 3 ARBITRAGEM – 3.1 Arbitragem na Justiça do Trabalho – 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS – 5 REFERÊNCIAS
1INTRODUÇÃO.
As ações extrajudiciais, para a resolução das pendências trabalhistas, são de suma importância. É fato notório o acúmulo de reclamatórias protocolizadas nos Tribunais Regionais. Em setembro de 2015, na 4ª Região, Rio Grande do Sul, foram distribuídos 18.650 processos novos, sendo solucionados 14.422, pendentes de baixa 169.012, segundo dados fornecidos pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.[1] O que equivale a dizer que mais de cento e sessenta mil reclamantes estão aguardando prestação jurisdicional de caráter alimentar. Sabemos que os regionais estão sobrecarregados e que, de forma heroica, desempenham suas atribuições. Contudo, a questão é matemática e a quantidade de processos é assustadoramente maior do que a quantidade de servidores públicos. Isto porque citamos um Tribunal que não é o maior do Brasil em quantidade processos, sendo este o TRT da 2ª Região – SP.
Partindo deste prisma, passemos às formas de solução de conflitos extrajudiciais.
2. MEDIAÇÃO
A mediação é regulamentada pela Lei 13.140/15, sendo, nos termos da lei, meio de solução de controvérsias entre particulares. O parágrafo único do artigo 1º define como mediação “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.[2]
No artigo 2º o legislador determina quais são os princípio norteadores da mediação: I - imparcialidade do mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso; VII - confidencialidade; VIII - boa-fé.
Pelo dispositivo legal, a mediação será realizada por um terceiro imparcial para a solução de conflitos entre particulares, seu procedimento será informal e oral, e deverá ser norteada pela autonomia da vontade das partes e pela boa-fé.
A mediação poderá versar sobre conflitos que envolvam direitos disponíveis e indisponíveis, desde que estes sejam transigíveis, devendo, neste caso, ser homologada em Juízo, sendo exigida a oitiva do Ministério Público. Observadas as garantias individuais constitucionais, as partes não serão obrigadas a permanecer no procedimento da mediação. Aspecto importante é que o mediador não tem poder decisório.
O mediador poderá ser escolhido pelo Tribunal ou entre as partes e deverá buscar o entendimento entre elas a fim de facilitar e agilizar a solução do conflito. A lei assegura a gratuidade da mediação aos necessitados. Ao mediador serão aplicadas as mesmas hipóteses de suspeição e impedimento às quais os juízes estão sujeitos. Pelo princípio da boa-fé, o mediador deverá avisar às partes toda e qualquer circunstância que possa suscitar dúvidas em relação à sua imparcialidade. O artigo 6º da lei determina que o prazo de impedimento do mediador no tocante à representação das partes será de um ano, não podendo, ainda, funcionar como árbitro, como testemunha em processos que tenha atuado como mediador. Serão equiparados a servidores públicos os mediadores e todos aqueles que tenham assessorado a mediação. A nossa legislação permite que toda pessoa capaz que tenha a confiança das partes atue como mediador extrajudicial, não havendo necessidade de estar ligado a qualquer tipo de conselho, de associação, de entidade de classe etc. As partes poderão ser assistidas por advogado ou defensor público. Caso uma das partes esteja acompanhada, a mediação só poderá prosseguir quando as demais estiverem, também, devidamente assistidas.
Os procedimentos regulatórios da mediação extrajudicial estão previstos nos artigos 14 e seguintes da Lei 13.140/15, mas, como não fazem parte do objeto de nosso estudo, não nos alongaremos neste sentido.
Desta forma, a mediação tem por objetivo estabelecer ou restabelecer o canal de comunicação entre as partes, que, ao final, construirão um acordo que satisfaça a necessidade de todos. A mediação não será utilizada como meio procrastinatório.
Dispõe o parágrafo único do artigo 42 da Lei 13.140/15 que a mediação em matéria trabalhista dependerá de regulamentação própria.
A recusa em se adotar o procedimento da mediação frente ao direito do trabalho é oriunda de sua dogmática protetiva. Muitos dos direitos dos trabalhadores têm caráter indisponível e, portanto, não podem ser mediados. Contudo, o novo Código de Processo Civil ampliou o conceito de acesso à justiça. Nos dizeres de Cintra, Grinover e Dinamarco (apud, SILVA, 2015, p.24) “alarga-se o conceito de acesso à justiça, compreendendo os meios alternativos, que se inserem em um amplo quadro de política judicial”.[3]
Essa amplitude deriva da nova redação do artigo 3º do NCPC, com base no disposto no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal, que determina:
“Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.
“§ 1º é permitida a arbitragem na forma da lei”.
“§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.
A questão é: se utilizarmos de forma subsidiária o artigo 3º do NCPC, como é permitido pelo artigo 769 da CLT, poderíamos integrar esse alargamento do conceito de acesso à justiça no direito trabalhista? A resposta não é simples. A jurisprudência majoritária é contrária à utilização de formas alternativas de resolução de conflitos trabalhistas, isto porque o órgão judicante sempre tem em mente a fragilidade do obreiro, pautando-se no trinômio técnico, econômico e social. É dizer que o trabalhador não pode fazer-se representar fora da proteção do Judiciário, isto porque o empregador estará sempre em vantagem técnica, econômica e social. Assim, as decisões proferidas na mediação, de forma específica, neste contexto, poderiam ofender direitos trabalhistas.
A preocupação é correta e sensata. As grandes corporações sempre estarão em outro patamar na relação trabalho e meio de produção, numa visão marxiana. Acordos, mesmo que mediados, realizados na continuidade da vigência dos contratos de trabalho estariam altamente fragilizados, uma vez que o obreiro poderia aquiescer, visando a manutenção do emprego. No entanto, o alargamento da esfera de acesso à justiça pode ser utilizado a partir do momento em que o contrato de trabalho não mais existir. As partes, trabalhador e empregador, podem e devem sentar-se à mesa para averiguarem eventuais verbas controversas. Sem dúvida, as medidas extrajudiciais permitiriam à justiça especializada volverem esforços em causas complexas. Os casos rotineiros, aqueles em que a subjunção é realizada de pronto, sem que haja dúvidas sobre qual lei aplicar, que envolvam matérias transigíveis, deveriam poder ser mediados, muito embora na mediação não haja poder decisório. Já nos casos difíceis, complexos, a aplicação da sanção normativa depende de interpretação do caso concreto frente à legislação vigente, necessitando, pois, da discricionariedade do “aplicador do direito”.
Vejamos se mediação da forma em que está regida oferece riscos às partes.
Ambas podem ser representadas por advogados. Se uma delas não tiver condição financeira, a lei determina que, para essa parte, não haverá custos. Caso o empregador esteja utilizando-se da mediação com finalidade procrastinatória, o mediador tem o dever de suspender o procedimento. Não vemos riscos pontuais para o obreiro, mesmo sendo parte hipossuficiente, estará representado pelo seu advogado de confiança, assim como o estará diante do Judiciário. A mediação poderia ser uma importante ferramenta para a efetivação de outro princípio constitucional previsto na esfera processual no artigo 4º do novo CPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”, ou seja, as partes têm o direito de obterem a solução da questão controversa de forma célere. Vimos na celeridade a grande contribuição das formas extrajudiciais de solução de conflitos.
Na atualidade, até a publicação deste artigo, não tivemos ciência de que tenha sido sancionada uma lei que trate da aplicação da mediação na esfera trabalhista. Passaremos para o estudo sobre a arbitragem, em que, diferentemente da mediação, decisões são proferidas com força de sentença judicial.
3. ARBITRAGEM
A arbitragem não é um instituto novo. Na Constituição de 1824, outorgada por Dom Pedro I, em 25 de março, no artigo 160, já constava a previsão da arbitragem: “Nas cíveis e penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes Árbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim convencionarem as Partes”. Na fase do Brasil colonial vigiam as Ordenações Filipinas, sendo que o Título 17 do Livro III normatizou a arbitragem. Atualmente a arbitragem está regulamentada pela Lei 9.307/96, atualizada pela Lei 13.129/15.
Sendo a arbitragem um instituto que, ao término do procedimento, exare uma decisão com força de sentença judicial, é imperioso que façamos algumas digressões. As pessoas capazes de contratar, nos termos da legislação civil, podem valer-se da arbitragem. A matéria a ser arbitrada é a oriunda de direitos patrimoniais disponíveis, podendo ainda determinar se a resolução do litígio será realizada por meio do direito ou da equidade. [4]Para que a arbitragem se instale, alguns passos iniciais são necessários.
O primeiro deles é a cláusula compromissória, que é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeterem à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativos ao contrato.[5]A cláusula compromissória é estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.[6]Se no transcorrer do termo contratual ou no seu término, surgir alguma questão a ser arbitrada, deve a parte denunciante solicitar a instituição da arbitragem através do compromisso arbitral. O denunciante manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral. Se a parte denunciada não comparecer no dia e hora para firmar o compromisso arbitral, poderá o requerente se socorrer do Poder Judiciário, conforme dispõe o artigo 7º da lei arbitral.[7] Comparecendo as partes, estará instalada a arbitragem e será redigido o compromisso arbitral, que é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.[8]
A arbitragem, assim como o processo judicial, possui seus procedimentos. Diferentemente do processo judicial, na arbitragem, podem ser instituídos, pelas partes, através da convenção arbitral, novos procedimentos, podendo ser delegada ao árbitro a regulação do procedimento. Neste instituto o devido processo legal é observado, princípios, como o contraditório, paridade de armas, imparcialidade do árbitro, livre conhecimento, encontram previsão expressa na lei. As partes poderão ser assistidas por advogados. No procedimento arbitral as partes podem determinar o tempo de duração do processo até a apresentação da sentença. O prazo poderá ser prorrogado a critério dos litigiosos. Não havendo determinação quanto ao termo da arbitragem, esta deverá ser concluída em seis meses.
A celeridade resolutiva é a grande contribuição deste instituto para a obtenção da justiça. O procedimento arbitral não se arrasta por anos até que a sentença seja proferida, por não possuir meios recursais que poderiam retardar o deslinde do litígio. Nesta via particular de solução de conflitos as partes, efetivamente, exercem o direito constitucional de um processo com duração razoável.
Aspecto de especial relevância é que, como já mencionado, a arbitragem somente poderá ser utilizada para dirimir demandas que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis. Todavia, no decorrer do procedimento arbitral, pode o árbitro depara-se com uma questão de direito indisponível. O artigo 25 da lei arbitral resolve a questão ao determinar que o árbitro encaminhe o processo ao Poder Judiciário. O procedimento arbitral será suspenso até que a decisão estatal transite em julgado, momento em que reiniciará o procedimento arbitral, que disporá somente sobre os direitos patrimoniais disponíveis.
Resolvidas todas as questões, a sentença arbitral é proferida, ficando o árbitro com o dever de informar às partes o teor da decisão. Depois de notificadas, estas terão prazo de cinco dias para alegarem eventuais erros materiais da sentença, requerer o esclarecimento de eventuais obscuridades, dúvidas ou contradição, ou ainda para requerer que o árbitro se pronuncie sobre pontos omitidos. O árbitro, em dez dias, deverá manifestar-se sobre os requerimentos aduzidos pelas partes.
Findadas as digressões acima, voltemos ao objeto deste artigo.
3.1. Arbitragem na Justiça do Trabalho
O artigo 114 da Constituição Federal disciplina a competência da Justiça do Trabalho. No inciso IX e seus parágrafos, deste artigo, determina-se que, caso frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. Pela leitura do parágrafo 1º temos a impressão de que a arbitragem é uma faculdade, mas não é. O parágrafo 2º é claro ao determinar que “recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo”. A faculdade é a opção pela Justiça do Trabalho, a regra imposta é primeiramente a tentativa de acordo ou a arbitragem dos litígios. Na esfera coletiva do trabalho a questão da arbitragem caminha pacificamente. A questão que este estudo quer levantar é sobre a utilização da arbitragem na solução dos dissídios individuais na esfera trabalhista.
Quanto à pertinência ou não da arbitragem para a solução do dissídio individual, há correntes favoráveis e desfavoráveis. Os conservadores balizam seu entendimento em princípios constitucionais e dogmáticos do direito trabalhista. Constitucionalmente é observado o comando do inciso XXXV do artigo 5º da CFB, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Tal corrente acredita que, se houver no contrato individual de trabalho a cláusula compromissória, tanto o empregado quanto o empregador poderão se valer da arbitragem. o que excluiria o direito litigado da apreciação do Judiciário. Ainda na esfera constitucional, o artigo 114 da CF defende que a não inclusão da possibilidade da arbitragem nos dissídios coletivos foi intencional, uma vez que este artigo somente admite a arbitragem nas negociações coletivas. A crítica dogmática se estriba no desequilíbrio de forças que existe na relação do empregado com o empregador, na indisponibilidade de direitos trabalhistas, que seria um importante impedidor da realização da arbitragem, já que o trabalhador poderá ter prejuízos.
A corrente favorável não entende que a arbitragem fere o direito fundamental do trabalhador, defende que o artigo 114 da CFB não foi omisso, pois trata, de outra forma, de negociação, e que não há o desequilíbrio de força entre as partes. Seu grande argumento é o benefício que a adoção da arbitragem pode trazer às partes, quais sejam a celeridade e a confidencialidade.
“Em São Paulo encontra-se em atividade o CAESP – Conselho Arbitral do Estado de São Paulo, instituição privada sem fins lucrativos, que já realizou, na esfera dos conflitos individuais de trabalho, no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2004, cerca de 13.770 arbitragens.” (YOSHIDA, 2006).[9] “Os itens mais reclamados foram horas extraordinárias (55% do total de arbitragens), intervalo para repouso e alimentação (27,20%) e verbas rescisórias (14,20%)”. (IDEM). Nas arbitragens trabalhistas realizadas no CAESP, os direitos eram patrimoniais e os trabalhadores foram assistidos por advogados, o que lhes garantiu igualdade de força nas negociações. Na atualidade, o CAESP não mais realiza arbitragens trabalhistas.
A arbitragem não permite que as partes transijam sobre direitos indisponíveis. Esta forma de solução de litígios não é a concretização do injusto e do “antidireito”. A reflexão sobre a adoção da arbitragem na solução de causas trabalhistas não deve ser afastada pela crença de que o empregado seria prejudicado. Há que ser ponderada uma maneira de aprimorar este instituto visando a obtenção da justiça e da duração razoável do processo. Devem ser enfrentadas pelo Direito e pelas autoridades questões como: Estaria o trabalhador, na arbitragem, refém do empregador? Em que momento a cláusula arbitral deve ser pactuada pelas partes? O empregado poderia renunciar direitos no momento da contratação através da arbitragem?
O trabalhador, na arbitragem, não está refém do empregador, porque pode ser assistido por um advogado de sua confiança. A cláusula arbitral pactuada no final do contrato de trabalho evitaria qualquer forma de coação. A renúncia a direitos trabalhistas jamais poderá ser feita pelo obreiro, porque são indisponíveis e protegidos pelo Estado. Porém, os efeitos patrimoniais que tais direitos produzem podem e são transacionados, como são nas audiências, nas semanas de conciliação etc.