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Cobrança desigual de taxa de condomínio em unidades de cobertura: aspectos doutrinários e jurisprudenciais

11/01/2016 às 12:24
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O trabalho trata da cobrança diferenciada de taxa condominial praticada por condomínios com unidades de cobertura. Doutrina e jurisprudência entendem que tal diferenciação não é justa, devendo a taxa ter valor uniforme.

1. Introdução

O número de pessoas adquirindo unidades de cobertura em condomínios verticais cresceu nos últimos anos. Ocorre, contudo, que além do valor elevado pago por tal unidade de luxo, em muitos casos o adquirente se vê obrigado a arcar com valores elevados de taxas condominiais, acima do valor cobrado para as demais unidades do prédio. E na maioria dos casos o adquirente pensa ser uma onerosidade normal, por estar adquirindo uma unidade mais cara que as demais.

Neste aspecto, o presente trabalho visa analisar os aspectos jurídicos da Taxa Condominial, e a posição da Doutrina e da Jurisprudência no tocante à cobrança desigual de Taxa de Condomínio em unidades de cobertura.


2. Natureza Jurídica da Taxa Condominial

A taxa condominial consiste em uma obrigação, imposta a todos os condôminos, para concorrerem com as despesas do condomínio. Juridicamente, é classificada como uma obrigação Propter Rem, que, nas palavras de CARLOS ROBERTO GONÇALVES [1], é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa.

Existem duas formas de taxas condominiais, a chamada Taxa Ordinária e a Taxa Extra. A primeira tem como objetivo custear as despesas comuns e indispensáveis ao condomínio, como salários de funcionários e encargos sociais, consumo de água, energia, gás, esgoto, limpeza, conservação, manutenção de equipamentos, seguro, honorários de administradora, isenção do síndico, dentro outros que são comuns e de uso igualitário de todos os condôminos.

Sobre a obrigatoriedade da Taxa Condominial Ordinária, ensina com precisão os professores CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD [2]: Todos os condôminos têm a obrigação de concorrer para as despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio na proporção de suas frações ideais (art. 1.336, I, do CC). Quando a norma se refere as "despesas do condomínio", quer explicar que o condômino não arcará com as despesas que não lhe concedam qualquer forma de fruição, mas apenas aproveitem a outros condôminos.

A chamada Taxa Extra advém, como o nome sugere, de situações imprevistas, não corriqueiras, como reformas, consertos de grande porte, modernização de equipamentos de segurança, de esporte, de telefonia interna (interfones), ou até mesmo alguma confraternização.

No caso específico da Taxa Condominial Ordinária, a mesma deve ser aprovada mediante Assembleia Geral Ordinária, conforme a regra determinada no Código Civil:

Art. 1.350 do CC. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

Como se observa, cabe à Assembleia Geral Ordinária não somente a aprovação do orçamento, mas a forma como tais custos serão arcados pelos condôminos e, mais ainda, promover alterações no regimento interno do condomínio, sendo que por força do art. 1.351, também do Código Civil, deve haver aprovação de dois terços dos condôminos para tal fim.

Interessante observar que o Legislador previu a hipótese de, mesmo estando todos os condôminos devidamente convocados, a Assembleia Geral Ordinária não ocorrer por falta de quórum. Caso isto ocorra, o parágrafo 2º do Art. 1.350 do Diploma Civil traz a solução:

Art. 1.350 do CC.

(...)

§ 2.º Se a assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino.

Esclarecida, portanto, a natureza jurídica, bem como a importância da Taxa Condominial, passa-se a analisar os critérios de cobrança de tal obrigação, e a atual posição doutrinária e jurisprudencial.


3. Critérios de cobrança da Taxa Condominial

Antes do advento do Código Civil de 2002, a legislação aplicada aos condomínios, que determinava como seria feita a cobrança das Taxas Condominiais, era a Lei 4.591/1964, que determina em seu art. 12:

Art. 12 da Lei 4.591/1964 . Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

Após a entrada em vigor da Lei 10.406/2002 (atual Código Civil), a Lei 4.591/1964 passou a ser utilizada apenas subsidiariamente, pois a lei mais recente trata dos mesmos assuntos que a lei de 1964:

Art. 1.336. São deveres do condômino:

I - contribuir para as despesas do condomínio, na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;

A Fração Ideal é definida também pelo Código Civil de 2002, em seu art. 1.331, parágrafo 3º, que diz: A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.

Tal termo foi criado para facilitar o cálculo do valor da unidade a ser repassado para o promitente comprador da unidade. Sendo ainda mais preciso, é salutar o ensinamento do Professor e Mestre em Direito do Consumidor ESTEVÃO ZIZZI : A fração ideal, via de regra, é calculada dividindo-­se a metragem total da área construída do edifício pela área do terreno, multiplicando-­se o resultado pela área construída de cada unidade. Portanto, foi criada para dividir os custos com as obras e a mão-­de-­obra para construir o prédio

A legislação, portanto, faculta ao condomínio se utilizar do critério da fração ideal para atribuir a contribuição de cada condômino com as despesas condominiais. Ou seja, não existe obrigatoriedade de se utilizar o critério da fração ideal para mensurar quanto cada unidade deverá contribuir.

Nesse ponto, cumpre salientar que a Taxa Condominial é referente a serviços e despesas de uso COMUM do condomínio, isto é, que são utilizados de maneira igualitária por todos os condôminos, independente da natureza da unidade imobiliária que possua. O proprietário da unidade de cobertura, por exemplo, usufrui dos serviços do porteiro, interfone, limpeza da área comum, dentre outros, da mesma forma que o proprietário do apartamento do térreo.

Diante disto, surgiu a controvérsia acerca de qual seria o melhor critério a ser utilizado para definir como cada unidade contribuiria para as despesas condominiais, uma vez que o fato de um imóvel ser maior que o outro não implica em maior uso dos serviços comuns do condomínio, restando o critério da fração ideal injusto.

Discorrendo sobre o tema, FARIAS e ROSENVALD elucidam que as despesas condominiais visam ao rateio das despesas do condomínio, desde que o façam obedecidos os requisitos formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos. Pode ocorrer do rateio ser estipulado no mesmo valor, independente da fração ideal de cada condômino, não caracterizando enriquecimento ilícito daquele proprietário da fração ideal maior. Os custos, em regra, não são proporcionais ao tamanho das unidades, mas referem-se à manutenção das áreas comuns, aos pagamentos de impostos e funcionários. De fato, não é raro que, injustificadamente, um condômino culmine por suportar determinada despesa que não lhe diga respeito ou que seja substancialmente direcionada a outros moradores.

ESTEVÃO ZIZZI complementa: Considerando que o morador de uma cobertura não utiliza nada a mais dos porteiros, da faxina, energia elétrica, área de lazer e outros serviços em relação às unidades­tipo, não se justifica o apartamento maior pagar mais por essas despesas. Não tem nenhum sentido cobrar a mais do morador do apartamento de cobertura pela compra de um sofá, tapete, uniformes, interfone ou troca do cabo do elevador e das plantas do jardim.

Portanto, resta evidente que o critério mais justo é o critério da divisão igualitária entre as unidades do condomínio. Inclusive o assunto chegou ao Superior Tribunal de Justiça, em 2003, que decidiu pela adoção do critério igualitário:

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DIREITO CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. CRITÉRIO DE RATEIO NA FORMA IGUALITÁRIA ESTABELECIDO EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL. ADMISSIBILIDADE.

A assembléia dos condôminos é livre para estipular a forma adequada de fixação da quota dos condôminos, desde que obedecidos os requisitos formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos. O rateio igualitário das despesas condominiais não implica, por si só, enriquecimento sem causa dos proprietários de maior fração ideal. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 541.317/RS, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma. Julgado em 09/09/2003, publicado em 28/10/2003.)

Ao proferir seu voto, o Ministro CESAR ASFOR ROCHA pontuou que “o rateio igualitário das quotas não implica, por si só, a ocorrência de enriquecimento sem causa dos proprietários de maiores unidades, uma vez que os gastos mais substanciais suportados pelo condomínio - v.g. o pagamento dos funcionários, a manutenção das áreas comuns e os encargos tributários incidentes sobre essas áreas - beneficiam de forma equivalente todos os moradores, independentemente de sua fração ideal.”.

Desde então o STJ vem adotando o mesmo entendimento, salientando-se que desde 2003 a maioria dos condomínios vem utilizando o critério isonômico justamente para evitar discussões judiciais que invariavelmente terminariam com a decisão judicial de se adotar a forma igualitária de divisão dos custos condominiais.

Ademais, o proprietário da cobertura já suportou valor elevado ao adquirir o imóvel, o que é justo, pois o valor venal do mesmo é calculado pela fração ideal. Contudo, não é justo que pague a mais pelos mesmos serviços que os proprietários da unidade do térreo, por exemplo, usam de maneira igualitária.


4. Conclusões

Diante do exposto, observa-se que a Taxa Condominial é necessária para a manutenção das estruturas e serviços comuns do condomínio, que são usufruídos igualitariamente por todos os proprietários de unidades domiciliares, independentemente de ser cobertura ou não.

O critério de fração ideal como base para o cálculo da Taxa Condominial fere o Princípio da Isonomia, uma vez que o proprietário de uma unidade de cobertura usufrui igualmente dos serviços gerais do condomínio.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, desde 2003, entende claramente que o critério isonômico é o mais justo para se estabelecer a cobrança de Taxas Condominiais.

Por fim, é fundamental que os proprietários de unidades de cobertura saibam de seus direitos. Não é o fato de ter adquirido um apartamento mais caro que justifica uma cobrança maior de Taxa de Condomínio.


5. Referências

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 2. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de; & ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Volume 5. 8ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2012

[3] ZIZZI, Estevão. Condomínio – Cobertura ­ Despesas pela fração ideal não têm relação direta com o tamanho do imóvel. Artigo publicado em Março de 2014 no Jus Navigandi. Disponível em http://jus.com.br/artigos/27200. Acessado em 29/10/2015.

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Sobre o autor
Julio Faria

Advogado e consultor jurídico

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, Julio. Cobrança desigual de taxa de condomínio em unidades de cobertura: aspectos doutrinários e jurisprudenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4576, 11 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45716. Acesso em: 18 nov. 2024.

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