A inconstitucionalidade da desvinculação de receitas da União do art. 76 do ADCT

13/01/2016 às 11:51
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DRU representa um fundo em prol do Poder Executivo Federal, o qual é provido com percentual de 20% das receitas provenientes da arrecadação dos tributos federais, o que se afigura decididamente inconstitucional.

1. CONCEITUAÇÃO

A Desvinculação de Receitas da União - DRU representa um fundo em prol do Poder Executivo Federal, o qual é provido com percentual de 20% das receitas provenientes da arrecadação dos tributos federais, excetuadas aquelas da contribuição para o salário-educação, como bem salienta o art. 76 do ADCT, que assim afirma:

Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

§1° O disposto no caput não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do §5º do art. 153, do inciso I do art. 157, dos incisos I e II do art. 158 e das alíneas a, b e d do inciso I e do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, nem a base de cálculo das destinações a que se refere a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal.

§2º Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o §5º do art. 212 da Constituição Federal. 

§3º Para efeito do cálculo dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, o percentual referido no caput será nulo.


2. BREVE HISTÓRICO

Em apertada síntese histórica, o primeiro fundo foi criado originalmente por meio da Emenda Constitucional de Revisão – EMR em 1994, com a denominação de Fundo Social de Emergência, sendo posteriormente prorrogado pela EC 10/96, adquirindo a nomenclatura de DRU com o advento da EC 27/2000, com prorrogação feita pela EC 42/2003 e pela EC 57/2008, como expresso no art. 76 do ADCT (Brasil, 1998).

Segundo o entendimento do Governo, a DRU tem por escopo possibilitar uma margem de folga, uma flexibilidade financeira ao Poder Executivo, com poderes para destinar recursos, de plano, segundo seu bel-prazer, salientando que a referida desvinculação alcança somente os valores da União Federal, excluídas, portanto, as transferências constitucionais da repartição das receitas tributárias. (art. 159, CF)

Conforme o ponto de vista do Governo Federal, a referida desvinculação não se sujeitaria a nenhuma alteração numérica no orçamento da União, seja porque não ecoa nas transferências constitucionais, conforme anteriormente explicado, seja porque os ativos financeiros continuariam no campo de gestão federal. 


3. DIVERGÊNCIA ENTRE A INSTITUIÇÃO DO TRIBUTO E SUA RESPECTIVA FINALIDADE

Com a devida vênia, o autor dessa pesquisa advoga em sentido contrário, compartilhando do entendimento defendido por Eduardo Marcial Ferreira Jardim[1], de que existem perdas, sim, donde temos uma de duas: ou se compromete a seguridade social, situação já lamentável, que se torna ainda pior; ou o governo, por via transversa, eleva a carga tributária, como forma de recompor a inacreditável preferência orçamentária do Executivo em detrimento do orçamento em sua acepção tradicional; em qualquer hipótese, há grave prejuízo ao contribuinte e à cidadania.

É necessário afirmar que todos os tributos, mesmo os impostos, abrigam uma feição contraprestacional substanciada na consecução do bem comum.  Logo, abstrair de forma absoluta o liame entre tributo e a sua arrecadação implicaria admitir que os impostos, taxas e demais espécies tributárias poderiam ser instituídas para custear o Poder Público ou quem lhes faça às vezes, sem qualquer comprometimento com a cidadania, o que seria um completo absurdo.

É forçoso reconhecer que a desvinculação dos recursos financeiros advindos da tributação em prol do orçamento do executivo representa um inconcebível desvio de finalidade, o qual culmina por comprometer a validade do percentual de 20% do objeto da acoimada desafetação. 

É importante lembrar que o Princípio da Finalidade é o que afirma que o administrador deve sempre procurar o fim público previsto em lei. Assim, fere o princípio da finalidade tanto o administrador que não busca um fim público como um administrador que a pretexto de buscar um fim público, busca um fim não previsto em lei ou diferente.

Helly Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello trazem como exceção ao princípio da finalidade a chamada tredestinação lícita. Ocorre quando a Administração Pública dá um destino diferente ao bem que estava previsto, podendo ser lícito ou ilícito.

Será lícita quando o novo fim for público e ilícita quando o novo fim for privado. Porém, se o novo fim for lícito, não existe o direito a retrocessão[2], ficando o agente passível de responder.

As receitas e despesas do Governo devem seguir um planejamento, que, primeiramente, é a elaboração do Plano Plurianual – PPA, que identifica as prioridades da gestão durante quatro anos, principalmente os investimentos de maior parte, para posterior aprovação por parte do Congresso Nacional.

Segundo, depois de votada e aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, que é a responsável pelas prioridades do ano seguinte. Assim, tudo que for aprovada na LDO deve ser levada em conta para elaboração da Lei Orçamentária Anual – LOA, esta revelará a origem, o montante e o destino dos recursos a serem gastos no País.

Por ser um procedimento formal legislativo, o orçamento passa pelo crivo do Congresso onde recebe o “carimbo” de legalidade, situação que só acontece nas verdadeiras democracias, o referido diploma é o conjunto da manifestação de uma maioria 513 deputados e 81 senadores da república.

Para a proposição de emendas ao orçamento, há uma série de regras e normas a serem observadas. Essas normas estão previstas na Constituição e em diversas leis, sendo as mais importantes a LRF, a Lei 4.320/1964 e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Essas normas visam garantir, por exemplo: o limite de gastos com pessoal seja respeitado; não haja despesa sem receita correspondente; o orçamento seja equilibrado; e não haja desvio de recursos para interesses privado.

Para garantir a efetividade das leis aprovadas pelos representantes do povo e sua fiel execução aos ditames e princípios legais, deve-se evitar a grande margem de discricionariedade e consequentemente desvios de finalidade que por ventura o gestor possa realizar com a desafetação desses recursos financeiros, porque ao Executivo incube tão somente obedecer à lei e aplicá-la.

No presente caso, ou o Poder Executivo usurparia função legislativa por meio de atos administrativos ou adquiriria poderes inerentes ao da lei delegada, sendo ambas as situações vedadas pela Lei Fundamental, pois, no primeiro caso, fere o princípio da legalidade, quanto, no segundo, destoa-se do mandamento inserto no art. 68, §1º, inciso III, da CF, também poderia se falar que feriu o princípio da independência e harmonia dos Poderes, art. 2º da CF.

Tal postura, além de ferir a gênese das obrigações, eivando-as de nulidades de pleno direito, ofende também o padrão ético e o princípio da boa-fé que deve presidir todos os quadrantes de um Estado Democrático de Direito. 


4. A INCONSTITUCIONALIDADE DA DESVINCULAÇÃO DE RECEITAS DA UNIÃO - DRU

Realmente, o apontado desvio de finalidade chega ao cúmulo de enganar o contribuinte, fazendo-o de forma compulsória, pois este é instado a pagar um tributo para um determinado fim, mal sabendo que 20% do valor do pagamento será desviado para outros objetivos do Governo.

Induz a erro também o cidadão, o qual supõe que os tributos recolhidos diretamente pelos contribuintes, cujos valores comumente integram o preço de mercadorias e serviços, deveriam ser empregados conforme sua vontade permeada nos membros do Congresso Nacional, quando, na verdade, uma dada porcentagem é atribuída ao Executivo para fazer aquilo que lhe aprouver.

As receitas dos impostos não podem ser comprometidas com qualquer Fundo, órgão ou despesa, porquanto destinadas ao orçamento púbico genericamente considerado, como bem elencado no art. 167, da CF, devido possuírem arrecadação não vinculada.

Já as contribuições sociais e interventivas no domínio econômico, a mercê de sua própria gênese, são instituídas com o desígnio de custear a ordem social ou a atividade interventiva da União, arrecadação vinculada, daí a manifesta inconstitucionalidade da questionada desvinculação daquelas receitas em prol do orçamento particular do Executivo.

É importante relembrar a discussão acerca da natureza jurídica específica do tributo, que segundo o Art. 4º do CTN é determinada pelo fato gerador, não importando a denominação dada ou a destinação legal do produto de sua arrecadação, uma vez que o próprio código adotou a teoria tripartite das espécies tributárias.

Todavia, com o advento da Constituição Federal de 1988, os empréstimos compulsórios (art. 148 da CF) e as contribuições sociais (arts. 149 e 149-A da CF) assumiram o status de espécies tributárias, tendo algumas dessas exações fatos geradores idênticos ao dos impostos, tornando inaplicável a regra do art. 4º do CTN.

Ricardo Alexandre defende que o art. 4º foi parcialmente não recepcionado pela Carta Magna, não se aplicando às contribuições especiais nem aos empréstimos compulsórios, “salvando”, assim, a teoria da pentapartição.

Nessa linha de raciocínio, Luciano Amaro[3] afirma:

Se classificar é necessário, não se pode negar que se trata de um critério jurídico hábil à especificação do tributo, ou seja, idôneo para particularizar uma espécie tributária, distinta de outras. E, obviamente, não se deve invocar o art. 4º do Código Tributário Nacional, mesmo porque ele não condiciona o trabalho do legislador constituinte, que pode utilizar critério da destinação para discriminar esta ou aquela espécie tributária, sem que a norma infraconstitucional o impeça. Nem se diga, para aprovar a irrelevância da destinação, que o desvio dos recursos arrecadados não contamina a relação jurídica tributária. Isso é verdade, mas não prova o que se pretende. Com efeito, temos de distinguir duas situações: ou o desvio de finalidade está na aplicação dos recursos arrecadados, ou ele radica na própria criação do tributo. Na primeira hipótese, se, por exemplo, uma contribuição para seguridade social é validamente instituída e arrecadada pelo órgão previdenciário, o posterior desvio dos recursos para outras finalidades é ilícito das autoridades administrativas que não invalida o tributo. Mas, na segunda hipótese, se o tributo é instituído sem aquela finalidade, a afronta ao perfil constitucional da exação sem dúvida a contamina. É nesse sentido que afirmamos a relevância da destinação para caracterizar a espécie tributária. O tributarista que não der importância a esse aspecto não irá enxergar a inconstitucionalidade do tributo, pois a contribuição, embora irregularmente criada, corresponderá ao modelo teórico com que ele trabalha.

A destinação específica é uma característica essencial das contribuições, um requisito diferenciador do respectivo tributo segundo a classificação pentapartite, classificação essa defendida pelo Supremo e abordada pela Carta Magna, sendo a desvinculação das receitas no percentual de 20% manifestamente inconstitucional.

Não se pode esquecer que, para piorar as coisas, os recursos desvinculados geram lacunas orçamentárias, tanto que 20% dos valores recolhidos à seguridade e desviados para o Executivo haverão de fazer muita falta àquele setor já tão carente, não só por falta de meios, como também por má gestão.

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São revestidas de natureza pétrea no plano das vedações implícitas segundo a classificação de Michel Temer, 1987, pois a desafetação representa um embuste à cidadania.

Eduardo Marcial Ferreira Jardim defende que também são afetadas as receitas dos impostos, porquanto são destinadas a prover o orçamento público e, por isso, não poderiam ser desvinculadas do orçamento da União e, depois, vinculadas ao Fundo DRU, sendo a matéria expressamente vedada pelo comando inserto no art. 167, IV, da CF.

Ademais, essa regra não poderia ser alterada por emenda, por ser revestida de fisionomia pétrea implícita, porquanto os impostos concorrem substancialmente para prover o orçamento público, donde a generalidade típica dessa espécie tributária não poderia, jamais, ser modificada, sob pena de instabilizar o Estado Brasileiro.

Na realidade, caso houvesse a afetação dos impostos para outros Fundos, tal medida comprometeria a segurança do orçamento, repercutindo negativamente em toda ordem social.

Dessa forma, a DRU ofende o nexo causal que legitima a natureza de qualquer obrigação, à luz da lógica e da teoria geral do direito, pois não é lídimo utilizar um meio de cobrança para um dado fim e dar outra destinação aos valores da prestação, objeto do liame obrigacional.


5. CONCLUSÃO

Diante de todo exposto, é mister depreender que a porcentagem de 20% dos impostos e das contribuições federais integrantes do Fundo DRU previstas no art. 76 do ADCT afigura-se decididamente inconstitucional.

Devido à retirada de recursos financeiros com destinação afetada, dando-lhe outra aplicação e gerando, assim, lacunas no orçamento com efeitos lastimáveis em algumas áreas, especialmente a seguridade social, uma vez que a espécie tributária contribuição apresenta destinação vinculada segundo o próprio texto da Carta Magna.

No caso dos impostos, as receitas não podem ser comprometidas com qualquer Fundo, órgão ou despesa, porquanto destinadas ao orçamento púbico genericamente considerado, como bem elencado no art. 167 da CF, por possuírem arrecadação não vinculada.


6. REFERÊNCIAS

Alexandrino, Marcelo, Direito tributário na Constituição e no STF/Marce alexandrino, Vicente Paulo, 17° ed., rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, MÉTODO, 2014.

Alexandre, Ricardo, Direito tributário esquematizado / Ricardo Alexandre, 9°. edição revista, atualizada e ampliada, Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, MÉTODO, 2015.

Amaro, Luciano, Direito Tributário, 13º Ed. São Paulo, Saraiva, 2007.

Carvalho, Paulo de Barros, Curso de direito tributário / Paulo de Barros Carvalho, 25° edição, São Paulo, Saraiva, 2013.

Ministério do Planejamento, O que é Lei Orçamentária Anual - LOA, disponível em: http://www.planejamento.gov.br/servicos/faq/orcamento-da-uniao/leis-e-principios-orcamentarios/o-que-e-lei-orcamentaria-anual-loa , acessado em: 11/01/2016.

Planalto, Normas Gerais de Direito Financeiro, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4320.htm , acessado em: 11/01/2016.

Senado, Orçamento, disponível em: http://www12.senado.gov.br/orcamento/ldo , acessado em: 11/01/2016.

Souza, Arivaldo de; Santos, Guilherme; Machado, Hugo de Brito; Martins, Ives Gandra da Silva; Direito tributário: estudos avançados em homenagem a Edvaldo Brito; São Paulo, Atlas, 2014.

Werdenberg, Eloísa Cristina, O direito de retrocessão em face do não atendimento à destinação do bem desapropriado, disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/viewFile/11573/10269 , acessado em: 11/01/2016.


Notas

[1] Eduardo Marcial Ferreira Jardim

[2] Direito que surge quando se está diante de uma tredestinação ilícita. Direito esse que para o Superior Tribunal de Justiça – STJ é o direito de reaver o bem, enquanto que para o Supremo Tribunal Federal – STF, é o direito de receber os prejuízos comprovados.

[3] Amaro, 2007, p. 78-79.

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Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Orientadores: Prof. Ricardo Russell Brandão e Prof. Manoel Erhardt

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