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Processo penal cautelar e polícia judiciária

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4 Legitimados para pleitear medidas cautelares

Sujeitos do processo cautelar civil, como se dá também nos processos de cognição e de execução, são as partes [21]. Nos processos de jurisdição voluntária, são os interessados.

Com efeito, só existem duas partes ou interessados na relação jurídica material e na ação que lhe é conecta: sujeito ativo e sujeito passivo. Naquele pólo, em relação às ações penais de natureza pública, só o Ministério Público, nas ações penais públicas incondicionadas ou condicionadas à representação, tem legitimação para a causa. "Legitimados ativo e passivo são aqueles que devem ser partes em juízo como autor e réu, a fim de que o juiz possa pronunciar-se sobre determinado objeto" [22].

No processo penal, há, ainda, a substituição processual no caso de queixa-crime, que materializa a ação penal de iniciativa privada. Embora seja o Estado o titular exclusivo do ius puniendi, este é substituído, na relação processual, pelo ofendido ou seu representante legal.

De qualquer forma, nos termos do art. 43, III, do CPP, a denúncia ou a queixa será rejeitada quando "manifesta a ilegitimidade da parte".

Assim, não se afasta, sob nenhum prisma, a legitimidade do Ministério Público para buscar a aplicação de "medidas cautelares" no processo penal. Entretanto, tais medidas cautelares não podem ser confundidas com os atos investigativos privativos da Polícia Judiciária, assim considerados aqueles tendentes a apurar autoria e materialidade dos delitos, esgotando-se em si mesmos, a exemplo de colheita de depoimentos, requisição de documentos para determinados órgãos públicos etc. Na prática, entretanto, a diferença é de difícil evidenciação.

Na estrutura do atual Código de Processo Penal, pode o Delegado de Polícia requerer algumas "providências cautelares" diretamente ao Juízo. Dentre elas, existem as de requerer a instauração de incidente de insanidade mental (art. 149, §1º, do CPP), buscas e apreensões domiciliares (art. 240, §1º, do CPP c/c art. 5º, XI, CF), representar pela prisão preventiva do indiciado (art. 311 do CPP) e pela prisão temporária (art. 2º, da Lei 7.960/89) e formular "requerimento" judicial para que se proceda à escuta telefônica (art. 3.º da Lei n.º 9.296/96) .

Na verdade, conforme já destacado, é difícil se diferenciar medidas cautelares de atos investigativos, em face de se tratar o processo penal de meio de aplicação da chamada jurisdição voluntária e o inquérito policial procedimento que vista resguardar o próprio processo penal [23].

Estes atos investigativos, em sentido "lato sensu" podem, em regra, nos termos do parágrafo único do art. 4º do CPC, ser praticados tanto pelo Ministério Público quanto por demais autoridades administrativas, conforme abaixo se demonstrará. Contudo, os atos investigativos "stricto sensu", na apuração de delitos penais, tais como redução a termo de depoimentos, condução coercitiva, solicitação de quebra de sigilo bancário e fiscal, solicitações de busca e apreensão pessoal e domiciliar só podem ser praticados pela Polícia Judiciária, segundo orientação do STF.

Os atos de investigação "stricto sensu" cabem tão somente à autoridade policial, sobretudo para assegurar o princípio constitucional da paridade de armas, conforme se demonstrará a seguir, sendo que a atuação do Ministério Público, em tais casos, se dá como fiscal da lei.


5 Polícia Judiciária

A Constituição Federal, em seu artigo 144, ao tratar da segurança pública, consignou que esta é exercida com o escopo de garantir a ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, através: 1) da polícia federal; 2) polícia rodoviária federal; 3) polícia ferroviária federal; 4) polícias civis; 5) polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Nos § 1º e § 4º do referido artigo, o constituinte firmou orientação no sentido de competir à polícia a investigação das infrações penais. Estabeleceu que cabe à Polícia Federal "exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União" (art. 144, § 1º, IV, da CF/88) [24]. "Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares" (art. 144, § 4º, da CF/88).

Verifica-se que a CF/88 conferiu o poder de investigação às autoridades policiais. É a Investigação Preliminar Policial, que faz com que toda a formalização dos atos e a diretriz investigativa seja direcionada pela Polícia [25]. Tal método é adotado também na Inglaterra.

Entretanto, podem ser listados mais dois métodos de investigação com órgãos diversos legitimados a exercê-la.

O primeiro seria a investigação preliminar judicial, que teria o juiz como instrutor, sendo responsável pela direção das investigações [26]. Colhe o magistrado os elementos para que o membro do Ministério Público possa denunciar, para que o mesmo juiz possa, posteriormente, receber ou não a acusação e, ao final, decidir. Em face da parcialidade existente em tal sistema, a Espanha, país que adota tal método, criou o critério bifásico, em que o juiz que instruía não julgava o caso [27].

Há, também, a hipótese do Promotor Investigador, que seria o titular da instrução. É grande o movimento neste sentido [28]. O membro do Ministério Público atuaria diretamente na investigação, por si próprio ou por meio da Polícia, que lhe estaria necessariamente subordinada [29]. Tal sistema tem sido adotado, por exemplo, na Itália (1988) [30], Alemanha (1974) [31] e Portugal (1995).

A atividade de polícia judiciária consiste na realização de uma investigação preliminar ao processo penal, materializada pelo inquérito policial [32], que é um procedimento administrativo.

No Brasil, o fundamento da atividade da Polícia Judiciária decorre do poder de polícia inerente à Administração [33], tendo como finalidades: 1) garantir a eficácia do processo penal; 2) dar subsídios para a interposição de eventuais ações penais, funcionando, ademais, como filtro processual; 3) manter a regularidade das relações sociais, desestimulando a prática de novas infrações.

Entretanto, a atividade de investigação "lato sensu" não é exclusiva da autoridade policial. O parágrafo único do art. 4º do CPP estabelece que, quando houver determinação legal, outras autoridades administrativas poderão apurar infrações penais e sua autoria. O doutrinador Julio Fabbrini Mirabete lista alguns casos de investigação não realizados pela polícia judiciária, verbis:

"Ao juiz também é cedida a função investigatória do inquérito judicial referido na Lei de Falências (arts. 103 e ss). As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, § 3º, da CF), tendo sua atuação regulamentada atualmente pela Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, que disciplina o inquérito parlamentar. O Código de Processo Penal Militar prevê o inquérito policial militar (IPM). Prevê-se a possibilidade de inquérito em determinadas infrações ocorridas nas áreas alfandegárias (art. 33, b, da Lei nº 4.771, de 15-9-1965)." (34)

Entendemos, entretanto, que tais autoridades não podem, à exceção das Comissões Parlamentares de Inquérito, realizar atos de investigação "stricto sensu". Tais autoridades administrativas podem fazer um levantamento sobre eventual existência de crime, comunicando à autoridade policial, que iniciará a investigação, ou dirigir-se ao Ministério Público para que este a requisite.

Quanto ao Ministério Público, embora caiba a este o controle da atividade policial, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a possibilidade deste órgão realizar investigações de infrações penais.

Doutrinadores de escol apresentam o entendimento de que o Parquet pode realizar atos de investigação para fins de eventual oferecimento de denúncia, podendo requisitar esclarecimentos ou diligenciar de forma direta, buscando subsídios para a propositura da ação penal [35]. O Superior Tribunal de Justiça apresenta entendimentos cristalizados neste sentido, verbis:

"CRIMINAL. HC. DETERMINAÇÃO DE COMPARECIMENTO AO NÚCLEO DE INVETIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEPOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. Tem-se com válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denúncia. Ordem denegada." (HC 13368/DF, 5ª Turma. Rel. Min Gilson Dipp, DJ de 03.04.2001)

"CRIMINAL. RHC. ABUSO DE AUTORIDADE. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. COLHEITA DE ELEMENTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. LIMINAR CASSADA. RECURSO DESPROVIDO. Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. A simples participação na fase investigatória, coletando elementos para o oferecimento da denúncia, não incompatibiliza o Representante do Parquet para a proposição da ação penal. A atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial – o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação." (RHC 8106/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 04.06.2001)

"PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. DISPENSABILIDADE. PROPOSIÇÃO DE AÇÃO PENAL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE. DENÚNCIA. DESPACHO DE RECEBIMENTO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INÉPCIA. INEXISTÊNCIA. CRIME EM TESE. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1 – Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fins de eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do órgão ministerial." (RHC 11670/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 04.02.2002)

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O STJ não adotou a tese da necessidade do Promotor Prevento, conforme se percebe do entendimento cristalizado na Súmula nº 397/STJ:

"A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia."

Já o Supremo Tribunal Federal tem entendimento totalmente contrário [36], conforme se percebe das seguintes decisões, verbis:

"MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. INQUÉRITO PENAL. LEGITIMIDADE. O Ministério Público (1) não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; (2) nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes." (RE 233072/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 03.05.02)

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. C.F., art. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º. I. - Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior. II. - R.E. não conhecido." (RE 205473/AL, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 19.03.99)

O STF também entende que, mesmo nos casos em que haja competência originária em relação a julgamento por prerrogativa de função, o relator não teria poderes investigatórios, verbis:

"EMENTA: I. STF: competência originária: habeas corpus contra decisão individual de ministro de tribunal superior, não obstante susceptível de agravo. II. Foro por prerrogativa de função: inquérito policial. 1. A competência penal originária por prerrogativa não desloca por si só para o tribunal respectivo as funções de polícia judiciária. 2. A remessa do inquérito policial em curso ao tribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a um relator não faz deste ‘autoridade investigadora’, mas apenas lhe comete as funções, jurisdicionais ou não, ordinariamente conferidas ao juiz de primeiro grau, na fase pré-processual das investigações. III. Ministério Público: iniciativa privativa da ação penal, da qual decorrem (1) a irrecusabilidade do pedido de arquivamento de inquérito policial fundado na falta de base empírica para a denúncia, quando formulado pelo Procurador-Geral ou por Subprocurador-Geral a quem delegada, nos termos da lei, a atuação no caso e também (2) por imperativo do princípio acusatório, a impossibilidade de o juiz determinar de ofício novas diligências de investigação no inquérito cujo arquivamento é requerido." (HC 82507/SE, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence)

Parece ser mais acertado entendimento do Supremo Tribunal, com algumas ressalvas, conforme a seguir se aduzirá.

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Sobre o autor
Gladson Rogério de Oliveira Miranda

delegado da Polícia Federal, pós-graduado em Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Gladson Rogério Oliveira. Processo penal cautelar e polícia judiciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 154, 7 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4586. Acesso em: 19 abr. 2024.

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