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A perda do mandato dos parlamentares condenados criminalmente e o esvaimento da representatividade popular

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03/03/2016 às 13:24

Resumo:


  • A perda do mandato parlamentar por condenação criminal transitada em julgado é um tema complexo e controverso no Brasil.

  • Existem duas correntes principais de interpretação da Constituição sobre a perda do mandato de parlamentares condenados criminalmente.

  • A questão da representatividade popular e a incompatibilidade da manutenção de mandatos de parlamentares condenados criminalmente são pontos cruciais a serem considerados nesse debate.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Discorre-se sobre a perda do mandato parlamentar por condenação criminal transitada em julgado, apresentando as principais correntes referentes ao tema, e como a manutenção ou não do mandato afeta a questão da representatividade popular.

Resumo: O presente artigo versará acerca da perda do mandato parlamentar por condenação criminal transitada em julgado, apresentando as principais correntes referentes ao tema, de modo a esmiuçar qual delas se afigura de maneira mais coerente frente à realidade nacional, e como a manutenção ou não do mandato afeta a questão da representatividade popular, por muitos tida como alicerce do entendimento favorável à manutenção do parlamentar em sua função.  

Palavras-chave: Constituição; Parlamentares; Mandato; Perda; Representatividade.


Introdução

Conforme disposto na Constituição Federal de 1988 em seu art. 14, §3º, II, pode- inferir que se uma pessoa perde ou tem suspensos seus direitos políticos, a consequência disso é que ela perderá o mandato eletivo que ocupa, já que o pleno exercício dos direitos políticos é uma condição de elegibilidade.

Seguindo-se na análise da Carta Magna nacional, há de se ressaltar que em seu art. 15, III, a Constituição é clara ao dispor que o indivíduo que sofre condenação criminal transitada em julgado fica com seus direitos políticos suspensos enquanto durarem os efeitos da condenação.

O grande dilema reside no aparente “conflito” entre aqueles dispositivos e o conteúdo do art. 55, §2º, da CF/88, qual seja:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

[...]

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (Grifou-se).

Nesse diapasão, se um deputado federal for condenado por crime, com sentença transitada em julgado, levando em consideração o art. 55 da CF/88, a perda do seu mandato não será automática, a vista de que tal efeito haverá de ser decidido pela Câmara dos Deputados.

E o que dizer a respeito da suspensão dos direitos políticos decorrentes da condenação? Mesmo desatendendo a requisitos constitucionais de elegibilidade, estaria tal deputado apto a continuar no exercício de sua função? Em caso afirmativo, como se falar de representação popular se tal parlamentar perfizer seu mandato em uma prisão, por exemplo?

Este artigo buscará responder a tais questionamentos de forma a compatibilizar a norma abstrata com a realidade brasileira circundante, o que não será evidentemente fácil, frente ao emaranhado de posicionamentos tendenciosos e políticos que “embaçam” uma correta e justa análise de tais indagações.


1. Primeira Corrente: a condenação criminal transitada em julgado como insuficiente para a perda do mandato eletivo dos Parlamentares.

Primeiramente, há de se fazer menção à ação penal AP 470/MG[1], mais conhecida com processo do “Mensalão”, onde o STF condenou, dentre outras pessoas, três deputados federais e um prefeito.

No caso do prefeito condenado não houve maiores controvérsias, ficando acertado que basta a decisão condenatória, não sendo necessária nenhuma outra providência adicional por parte do Poder Legislativo, para que o mesmo perdesse seu mandato. Os Ministros concordaram, sem questionamentos, que, em caso de condenação criminal transitada em julgado, haverá a perda imediata do mandato eletivo no caso de Vereadores, Prefeitos, Governadores e Presidente da República.

Tal conclusão está prevista expressamente no art. 15, III c/c art. 14, §3º, II, da CF/88. Em contrapartida, no caso de Deputados Federais e Senadores houve divergência entre os Ministros.

Nessa toada, prescreve o art. 92 do Código Penal:

Art. 92 - São também efeitos da condenação:

       I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

        a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

        b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

       II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; 

        III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.  

        Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. (Grifou-se).

Seguindo na discussão, para a primeira corrente a regra acima explicada não se aplica no caso de Deputados Federais e Senadores. Isso porque, segundo defendem, no caso desses parlamentares há uma norma específica que excepciona a regra geral – trata-se do art. 55, VI e §2º da CF/88.

Tal regra, conforme exposta anteriormente, implica que a perda do mandato do parlamentar no caso de condenação criminal transitada em julgado será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, o que se traduz em decisão política, sobre a qual não cabe interferência do Judiciário frente ao princípio da separação dos poderes. Nesse sentido:

À incidência da regra do art. 15, III, da Constituição, sobre os condenados na sua vigência, não cabe opor a circunstância de ser o fato criminoso anterior à promulgação dela a fim de invocar a garantia da irretroatividade da lei penal mais severa: cuidando-se de norma originária da Constituição, obviamente não lhe são oponíveis as limitações materiais que nela se impuseram ao poder de reforma constitucional. Da suspensão de direitos políticos – efeito da condenação criminal transitada em julgado, ressalvada a hipótese excepcional do art. 55, § 2º, da Constituição, resulta por si mesma a perda do mandato eletivo ou do cargo do agente político. (BRASIL. RE 418.876, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 30-3-2004, Primeira  Turma,  DJ  de  4-6-2004, grifo nosso).

Logo, para esta primeira corrente, mesmo o Deputado Federal ou o Senador tendo sido condenado criminalmente, com sentença judicial transitada em julgado, ele somente perde o mandato se assim decidir a maioria absoluta da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por meio de votação secreta, assegurada ampla defesa[2].

Essa foi a tese defendida pelos Min. Ricardo Lewandowski, Min. Rosa Weber, Min. Dias Toffoli e Min. Cármen Lúcia na AP 470/MG. A Min. Rosa Weber apontou como argumentos:

a) a Constituição, deliberadamente, tratou de maneira diversa a sanção à prática de improbidade administrativa e a condenação criminal;

b) é contrário à boa técnica hermenêutica interpretar os incisos IV e VI, do art. 55 da Constituição à luz do que prescreve o art.92 do Código Penal, norma infraconstitucional[3], o que importaria em uma inversão da hierarquia das fontes.  (BRASIL. MS 32.326 MC/DF).

Outro argumento que merece destaque é o referente à representatividade popular, a qual confere embasamento para tal decisão política por parte das Casas do Congresso Nacional, o que será tratado em tópico ulterior deste artigo.


2.  Segunda Corrente: a não aplicação do art. 55, §2º da CF/88 a todos os casos.

Para a segunda corrente, o §2º do art. 55 da CF/88 não precisa ser aplicado em todos os casos nos quais o Deputado ou Senador tenha sido condenado criminalmente, mas apenas nas hipóteses em que a decisão condenatória não tenha decretado a perda do mandato parlamentar por não estarem presentes os requisitos legais do art. 92, I, do CP ou se foi proferida anteriormente à expedição do diploma, com o trânsito em julgado em momento posterior.

Em outras palavras: se a decisão condenatória não determinou a perda do mandato eletivo, nos termos do artigo 92, I, do CP, a perda do mandato somente poderá ocorrer se a maioria absoluta da Câmara ou do Senado assim votar; caso a decisão tenha determinado a perda do mandato eletivo, tal perda ocorrerá sem necessidade de votação pela Câmara ou Senado.

Nesse sentido, o procedimento estabelecido no art. 55 da CF disciplinaria circunstâncias em que a perda do mandato eletivo parlamentar poderia ser decretada com base em juízo político. Em contrapartida, esse procedimento não é aplicável quando a aludida perda foi determinada em decisão do Poder Judiciário como efeito irreversível da sentença condenatória, possuindo mero caráter declaratório.

Essa foi a tese defendida pelos Min. Joaquim Barbosa, Min. Luiz Fux, Min. Gilmar Mendes, Min. Marco Aurélio e Min. Celso de Mello na referida ação penal. Assim, trecho do voto do Ministro Celso de Mello, que aduz o seguinte:

A reserva constitucional do Parlamento, fundada no art. 55, § 2º, da CF, aplicar-se-ia a condenações criminais que não envolvessem delitos apenados com sanções superiores a 4 anos ou que, embora inferiores a este patamar, não dissessem respeito a infrações cujo tipo penal contivesse como elementar ato de improbidade administrativa.

Ainda nessa discussão, o Min. Celso de Mello aduziu que não há esvaziamento da norma do art. 55, §2º, da CF, no sentido de que remanescem na esfera das Casas legislativas os casos em que o crime pelo qual foi condenado o parlamentar não contém, como elementar típica do tipo penal, ato de improbidade administrativa. Enfatizou ainda que se deve notar a inter-relação entre a concepção de Estado Democrático de Direito e a prevalência de decisão transitada em julgado, além de que a Constituição brasileira de 1988 confere ao Supremo Tribunal Federal o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas constitucionais. Encerrou afirmando que “a insubordinação legislativa ou executiva ao comando emergente de uma decisão judicial revela-se comportamento intolerável, inaceitável e incompreensível”. 

Interessante a leitura de trecho do voto do Min. Gilmar Mendes, o qual rebate a primeira corrente no tocante à suposta “inversão” da hierarquia das normas, afirmando que a redação do art. 92 do Código Penal constitui interpretação[4] da Constituição levada a efeito pelo Poder Legislativo.

Desse modo, garante-se efetividade ao princípio republicano, ao da moralidade pública e ao da isonomia, bem como às decisões do Supremo Tribunal Federal; ao mesmo tempo, preserva-se amplo campo de aplicação à norma contida no art. 55, VI, e § 2º, da Constituição, tendo em vista que as Casas legislativas deliberarão sobre a perda do mandato em todas as hipóteses de condenação criminal transitadas em julgado decorrentes de crime outros que não aqueles de maior potencial ofensivo ou que contenham em seus respectivos tipos a improbidade administrativa da conduta, em todos os casos com fundamentação expressa na decisão condenatória. A interpretação proposta neste voto afirma que, nos casos mencionados (improbidade administrativa contida no tipo penal e condenação à pena privativa de liberdade superior a quatro anos), a suspensão dos direitos políticos poderá ser decretada pelo Judiciário com a consequente perda do mandato eletivo. Por outro lado, consoante exposto acima, remanesce com as Casas legislativas o poder de decidir sobre a perda do mandato em diversas outras hipóteses de condenação criminal, não abarcadas pela interpretação proposta, especialmente quanto aos crimes de menor potencial ofensivo. (Destacou-se).

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3.  A questão da representatividade popular e sua incompatibilidade com a manutenção de mandato eletivo de parlamentar condenado criminalmente.

Como bem explica Renato Cancian:

As democracias extraem sua legitimidade a partir da realização de eleições periódicas, em que os eleitores escolhem os seus representantes que ocuparão os cargos políticos nas instituições que compõem as várias esferas de poder. O governo representativo está inserido num contexto histórico bastante peculiar e se diferencia de outras formas de exercício do poder político.

[...]

Com base nessas considerações, conclui-se que o princípio da representação política está associado a uma modalidade de controle regular do poder governamental por parte daqueles que não podem exercê-lo pessoalmente, transferindo para outros essa tarefa. (Destacou-se).

Logo, supõe-se que o povo, ao escolher seus representantes, espera que os mesmos atuem de forma a maximizar e catalisar ações[5] que façam jus à “procuração” que lhes fora outorgada, de forma coerente com os preceitos legais e morais estabelecidos, visando à contemplação das suas necessidades individuais e coletivas.

Esclarece Eneida Desiree Salgado:

A relação de representação, juridicamente, forma-se por uma autorização do corpo eleitoral para o corpo representativo, ambos tomados como sujeitos coletivos. Autorização por prazo certo e cuja motivação pode ter qualquer conteúdo não vedado pelo Direito. Sua invalidade somente pode ser declarada se a autorização for viciada: por fraude, corrupção, captação ilícita de sufrágio, qualquer forma de abuso. Mas não é dado seu afastamento se o que a constitui é um critério subjetivo qualquer: a beleza, a amizade, uma forma de protesto, uma manifestação de pilhéria. (Grifou-se).

Feitas essas considerações gerais acerca da representação popular, tenta-se responder ao questionamento feito no início deste artigo: como conciliar representação popular com a manutenção do mandato de parlamentar condenado criminalmente?

Conforme exposto até então, há duas correntes que se destacam no embate quanto à perda automática ou não do mandato do parlamentar que sofrer condenação criminal. No entanto, muito se fala de conflitos aparentes de normas ou inversão de hierarquia normativa, sem, contudo, dar-se a importância devida aos “atores” principais dessa “tragédia político-social”, rebaixando aqueles a meros coadjuvantes sociais – o povo.

Obviamente não se pode deixar de adentrar no mérito legal da questão quanto à automaticidade ou não da perda do mandato eletivo pelo parlamentar condenado por crime, porém, faz-se mister a verificação da incoerência que se enraíza na relação “parlamentar – povo”: este não elege seus representantes para que os mesmos cometam crimes, sejam eles da natureza que forem, e muito menos esperam ser representados por pessoas que sequer fisicamente poderão exercer sua função, no caso de se encontrarem presas.

Poder-se-ia alegar que a representação popular não está necessariamente direcionada àqueles que foram condenados criminalmente, mas às respectivas Casas Congressuais, que, em virtude do mandato a eles conferido, podem e devem aquiescer ou não quanto ao cabimento da perda do mandato de seus colegas parlamentares. Tal alegação é deveras rasa e digna de críticas, de modo que, de fato, há a representação popular por parte dos deputados e senadores, contudo, isso não os torna onipotentes e beneficiários de sua própria torpeza.

A segunda corrente acertou ao delimitar a aplicação do art. 55, §2º aos casos em que o parlamentar incorra em crime de menor potencial ofensivo, ou que não corresponda a ato abusivo ou contra a Administração Pública. Imagine-se que Deputado Federal tenha sido condenado a seis anos de reclusão pelo crime de peculato: aqui, além de ser um crime contra a Administração Pública, a pena imposta já é de duração tal que se impossibilita o cumprimento do mandato pelo parlamentar, mesmo em caso de manutenção do mesmo.

Infelizmente, o argumento supracitado apresenta brechas, uma delas a explicitada em trecho de Despacho proferido pelo Min. Roberto Barroso, no Mandado de Segurança n. 32.326/DF[6]:

36. De acordo com a legislação em vigor e a interpretação judicial que lhe tem sido dada, o preso em regime aberto e semiaberto pode ser autorizado à prestação de trabalho externo, independentemente do cumprimento mínimo de 1/6 da pena. Este tem sido o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, podendo-se citar, exemplificativamente, os acórdãos proferidos no HC 251.107 e no HC 255.781, ambos julgados este ano. Por outro lado, no tocante ao preso em regime fechado, a Lei de Execuções Penais (arts. 36 e 37) não apenas restringe o trabalho externo como exige o cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena. Reiterando: o preso em regime fechado tem restrições severas ao trabalho externo, além de não poder prestá-lo antes do cumprimento do sexto inicial da pena. (Destacou-se).

Como se nota, o argumento de que o parlamentar condenado por crime não poderá exercer seu mandato por impossibilidade física pode ser derrubado facilmente se observado que o regime inicial de cumprimento de sua pena não é o fechado, ou se o for, se ele já houver cumprido 1/6 da pena imposta.

Em contrapartida, resta um argumento de difícil refutação: não se pode conciliar lesão aos interesses do Estado e de seu povo com a representação popular dos próprios lesados pelos parlamentares condenados. Assim:

“A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não impede a suspensão dos direitos políticos. No julgamento do RE 179.502/SP, rel. min. Moreira Alves, firmou-se o entendimento no sentido de que não é o recolhimento do condenado à prisão que justifica a suspensão de seus direitos políticos, mas o juízo de reprovabilidade expresso na condenação.” (RE 577.012-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 25-3-2011.) Vide: RMS 22.470-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 11-6-1996, Primeira Turma, DJ de 27-9-1996. (Destacou-se)

A ideia central é: aquele que detiver mandato em nome do povo, pelo povo e para o povo, e, mesmo com a consciência de seus deveres legais e morais, os infringir, sendo condenado, não pode alegar que sua manutenção em tal cargo deve, necessariamente, ser decidida por outros parlamentares, por, justamente, possuírem autorização do próprio povo para tanto, o que configura um silogismo deveras impróprio e socialmente ilógico:

  • 1ª Premissa: Ser parlamentar implica em possuir “procuração” social para seus atos;
  • 2ª Premissa: Perder o mandato implica em cancelamento da “procuração” social;
  • Conclusão: Logo, só o mandante pode cancelar o instrumento de procuração, qual seja, o povo, por meio de seus representantes.

Levado a cabo tal silogismo, a primeira corrente exposta neste artigo seria a correta, já que há dispositivo constitucional explícito conferindo à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal o poder de decisão sobre o mandato de parlamentar condenado criminalmente, além de possuírem legitimação social para tanto.

Contudo, como bem coloca o Min. Marco Aurélio Mello, em artigo de sua autoria:

O mandato não pertence ao parlamentar nem aos pares, mas àqueles que o outorgaram, aos eleitores, em última análise, ao povo brasileiro, de quem emana o poder e o qual espera a desejável correção de rumos, caminhando-se para o surgimento de um Brasil melhor.

Outro questionamento que se pode firmar: o que justificaria a mitigação da isonomia dentro do próprio âmbito representativo, quando dos efeitos da condenação criminal transitada em julgado, em relação a Deputados Federais e Senadores e os demais representantes do povo, como Vereadores, Prefeitos, Governadores e Presidente da República?

Não há maiores problemas quanto a esses últimos, sendo cediço que perderão seus mandatos automaticamente quando condenados criminalmente em sentença transitada em julgado. Já aqueles, em tese e, aparentemente, constitucionalmente, possuem uma “segunda chance”, em situações análogas.

Não se questiona aqui a força e extensão do poder constituinte em estabelecer norma que trata de forma especial – termo em sentido duplo, indicando tanto diferenciação que beneficia, quanto especificidade – os parlamentares, mas os efeitos que tal “favorecimento” acarreta em termos sociais.

O instituto da imunidade parlamentar ou demais prerrogativas de função são devidas e se justificam para que aquele consiga exercer suas funções sem medo de represálias e demais intempéries, o que beneficia, mesmo que indiretamente, o próprio povo. Contudo, isso não pode servir de justificativa para a aplicação irrestrita do art. 55, §2º, da CF/88.

Nesse sentido, aduz Luis Felipe Bicalho:

Assim, a ideia de separação dos poderes legitima-se na medida em que busca concretizar os meios para que cada esfera governamental possa exercer suas atribuições sem interferências indevidas dos membros dos demais poderes. E, para consolidar a independência entre os poderes – sem independência não há efetiva separação – concebeu-se garantias específicas aos membros das instituições estatais que, eventualmente, poderiam ser utilizadas em face de seus pares. Nesse aspecto, figuram-se as imunidades parlamentares, as quais se estabelecem normativamente como instrumento essencial à independência e liberdade dos membros do Parlamento. (Grifou-se).

Nesse diapasão, aqueles representantes do povo que não sejam Deputados Federais ou Senadores possuiriam uma procuração social menos abrangente que a fornecida a estes? Eis, pois, outra incongruência na manutenção de parlamentar condenado criminalmente em sua função: o povo, mais especificamente os eleitores, quando escolhem seus representantes, o fazem com vistas a que estes atuem com probidade, independentemente do tipo de mandato que exercerão, e, caso não cumpram com o esperado legal e moralmente, devem ser punidos de tal forma a coibir a prática delituosa e reparar o dano causado.

Quando a Constituição traz tratamento diferenciado a determinada função ou órgão, tal tratamento deve ter uma justificação[7], um nexo causal ou, pelo menos, uma correlação com o contexto social. Um presidente condenado por crime contra a Administração Pública deve ser condenado e perder seu mandato, sem sombra de dúvidas; por que, então, um Senador que comete o mesmo crime vai poder continuar exercendo um mandato cujo pressuposto é zelar pelo bem que ele próprio lesou?

Teleológica e socialmente falando, tal mandato restaria vazio, carecendo de legitimidade social e sua permanência implicaria em constante lembrete da mitigação do princípio da isonomia frente aos demais representantes do povo.    

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Sobre o autor
Lucas Leal Sousa

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Lucas Leal. A perda do mandato dos parlamentares condenados criminalmente e o esvaimento da representatividade popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4628, 3 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45917. Acesso em: 23 dez. 2024.

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