Raquel Santos: suicídio involuntário ou homicídio culturalmente programado?

19/01/2016 às 07:47
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O texto traz uma breve análise do mais recente episódio trágico provocado pela ditadura midiática da beleza.

O falecimento da modelo Raquel Santos http://gente.ig.com.br/2016-01-15/modelo-tomou-suplemento-de-uso-animal-antes-de-morrer.html é lamentável. Jovem e bonita, ela morreu porque utilizou anabolizante para cavalo com o intuito de aumentar os glúteos.

A ditadura da beleza já fez várias outras vítimas no Brasil http://noticias.uol.com.br/album/2013/01/15/relembre-casos-de-mortes-apos-cirurgias-esteticas.htm#fotoNav=10. As estatísticas são alarmantes:

“A International Society of Aesthetic Plastic Surgery divulgou um relatório com números sobre cirurgia plástica ao redor do mundo em 2013. Ao todo foram 23 milhões de cirurgias plásticas no ano passado. O Brasil ocupa posição de destaque no levantamento: o país foi o que mais realizou procedimentos cirúrgicos, ficando a frente dos EUA com 1.491.721 do total. O país da América do Norte, no entanto, ainda lidera quando o volume total de cirurgias plásticas – cirúrgicas e não cirúrgicas – são considerados.”

http://www2.cirurgiaplastica.org.br/de-acordo-com-a-isaps-brasil-lidera-ranking-de-cirurgias-plasticas-no-mundo/

Os conflitos e tragédias provocados pela beleza são constantes na mitologia grega. Paris foi amaldiçoado porque preferiu a beleza de Afrodite ao poder lhe oferecido por Hera https://pt.wikipedia.org/wiki/Julgamento_de_P%C3%A1ris. A irresistível beleza de Helena provocou a Guerra de Tróia. Narciso definhou e morreu ao ficar imobilizado contemplando a própria imagem https://pt.wikipedia.org/wiki/Narciso. Medéia assassinou Glauce, Creonte e os próprios filhos, porque Jasão, a quem ela havia dado o Tosão de Ouro, traindo o próprio pai, resolveu se casar com uma mulher mais jovem https://pt.wikipedia.org/wiki/Medeia_(Eur%C3%ADpides).  

A fixação neurótica pela beleza em tempos modernos, contudo, tem três agravantes. O primeiro é a definição rígida de padrões estéticos pela mídia. O segundo é a associação automática que os publicitários fazem entre beleza e poder, sucesso, influência, bom gosto e produtos de todos os tipos (mulheres bonitas vendem cervejas, roupas, carros, cigarros etc.).  O terceiro é a oferta de cirurgias plásticas de todos os tipos, com preços para todas as bolsas.  Os procedimentos estéticos constituem um mercado em expansão no Brasil, garantindo lucro para médicos e fabricantes de próteses. Quem não pode pagar cirurgia numa clínica corre o riscos exagerados realizando procedimentos escabrosos (como a aplicação de silicone industrial nas coxas e na bunda).

Sou advogado e já atuei em dois casos envolvendo erros médicos ocorridos em procedimentos estéticos. Num deles, uma cirurgia para extração de um pequeno cisto dermóide nas costas, minha cliente sofreu queimaduras de 3º grau em razão de um curto circuito no bisturi elétrico que incendiou os campos cirúrgicos. No outro, uma aplicação de laser no rosto para minimizar uma marca de expressão facial vulgarmente chamada de “bigode chinês”, a paciente teve queimaduras profundas no rosto em razão de ter sido exposta a níveis de radiação exageradamente elevados. Os dois casos resultaram em indenização, mas os traumas experimentados pelas duas mulheres dificilmente será esquecido.

A morte, contudo, é irreversível. Nenhuma indenização será capaz de devolver a vida da falecida. Raquel Santos fez uso de uma substância inadequada para o consumo humano. É fácil e cômodo culpar apenas a vítima neste caso. Mas, para fazer isto, a vítima tem que ser retirada do contexto em que estava e isolada. Se for recolocado no mesmo, somos obrigados a admitir que o que ocorreu não foi um “suicídio involuntário”, e, sim, de um “homicídio culturalmente programado” para ser ignorado.

A ditadura da beleza e o mercado de cirurgias plásticas fazem parte do show da vida ocidental. E o show tem que continuar. O problema, entretanto, é o conflito que existe entre os parâmetros desumanos do mesmo e a valorização da vida pelo nosso sistema constitucional.   

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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