Bens transindividuais.

Natureza jurídica e tutela ressarcitória em caso de danos

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O presente trabalho objetiva trazer à baila a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de reparação indenizatória por danos morais causados a bens de natureza transindividual.

 

                                                     

Resumo: O presente trabalho objetiva trazer à baila a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de reparação indenizatória por danos morais causados a bens de natureza transindividual. Para tanto, inicia-se com uma breve conceituação acerca da natureza dos direitos transindividuais, em seguida, parte-se para a análise do dano moral, iniciando-se pela sua conceituação doutrinária, passando pela sua evolução dogmática e jurisprudencial para que, posteriormente, se inicie à discussão sobre a possibilidade de reparação por danos morais causados aos direitos metaindividuais;  imprescindível que se estabeleça, ainda, o posicionamento da doutrina e dos tribunais superiores em relação ao tema.

Palavras-chave: direitos fundamentais; direitos transindividuais; meio ambiente; responsabilidade civil; dano moral; jurisprudência.

1.1.          Dos direitos transindividuais

 

De inicio, não é demasiado ressaltar a mudança de paradigma principiológico que o direito privado passou ao longo dos anos. Nessa esteira, o direito civil, antes concebido sob um viés eminentemente individualista, passou a ter um respaldo interpretativo embasado na leitura dos valores constitucionais.

Dessa forma, o Estado passou a intervir nas relações privadas não apenas no que concerne à expansão dos bens dignos de tutela jurídica (em especial os direitos sociais) como também através de uma modificação valorativa dos direitos fundamentais de primeira dimensão, o direito de propriedade, por exemplo, passou a ser limitado pela função social. Trata-se do que a doutrina mais moderna denomina de “constitucionalização do Direito Civil” e, sobre o tema, imperioso se fazer menção às explanações de Cristiano Chaves (2007, p. 27 e 28):

A expressão Direito Civil Constitucional quer apenas realçar a necessária releitura do Direito Civil, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológico constitucionais, da tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), solidariedade social (art. 3º, III) e na igualdade substancial (arts. 3º e 5º). Ou seja, a Constituição promoveu uma alteração interna, modificando a estrutura, o conteúdo, das categorias jurídicas civis e não apenas impondo limites externos. Tome-se como exemplo o direito de propriedade. Ao impor uma função social à propriedade privada (arts. 5º, XXII, e 170, III), o constituinte não está apenas limitando o exercício da (histórica) propriedade privada, talhada no liberalismo oitocentista, porém transcendendo as velhas ideias postas, exigindo uma nova compreensão da propriedade privada, a partir dos valores sociais e humanitários apresentados pela Constituição.

Logo, o que se depreende é que, em que pese o Direito Civil ter nascido com base nos pressupostos individuais e liberais dos séculos XVIII e XIX, cujo alicerce principiológico era a liberdade (formal) e a não intervenção estatal nas relações privadas (senão para garantir a viabilidade da proteção patrimonial dos homens), hoje, com o advento do Estado Democrático de Direito, tal concepção quedou-se limitada, quando não, ultrapassada. Sob essa perspectiva, e com o advento de novas demandas sociais, a velha estrutura patrimonialista do direito civil cedeu espaço a uma interpretação constitucional, primando pela igualdade material e pela valorização da dignidade da pessoa humana.

Frise-se, contudo, que apesar de tais demandas sociais terem surgido no decorrer do século XIX, com o alastramento das discrepâncias sociais e a organização dos trabalhadores em sindicatos e categorias, essa interpretação humanitária do direito civil só encontrou relevo doutrinário no século XX.

No caso do Brasil, a constitucionalização dos direitos privados teve grande respaldo após o advento da Constituição Federal de 1988, se solidificando após o Código Civil de 2002.  É nessa linha de interpretação que se encontram os princípios da boa-fé objetiva nas relações negociais, função social da propriedade, dignidade da pessoa humana, abuso de direito, função social do contrato, enriquecimento sem causa etc. Acerca do tema, cumpre citar, mais uma vez, Cristiano Chaves (2007, p. 28):

Ramo da ciência Jurídica vocacionado para a tutela da vida humana, o Direito Civil teve seus alicerces estruturados, historicamente, no individualismo que marcou o século XIX, a partir das inspirações da Revolução Francesa, fundado na proteção patrimonial do homem. Aquela estrutura ruiu, suplantada pela tábua axiológica imposta pela Magna Carta de 1988, a partir do ideal de justiça distributiva e igualdade substancial, ao lado do binômio dignidade da pessoa humana e solidariedade social.

Nesse contexto, os direitos fundamentais deixaram de ser vistos sob o enfoque jurídico de direito público e passaram a se estender sobre todos os ramos do direito, a exemplo do direito privado-trabalhista e do próprio direito civil. Mesmo porque, com respoaldo no positivismo “Kelseniano”, apresentado por meio da obra “teoria pura do direito”, a Constituição passou a ser analisada como norma suprema da qual todos os demais ramos do direito devem se embasar para construir seus alicerces valorativos. Com base nesse raciocínio, todos os ramos do direito (não apenas o direito público) devem procurar respaldo e limites nas normas extraídas da Constituição, o que significa dizer que os direitos fundamentais positivados têm seu âmbito de incidência em todo o ordenamento. Após a sedimentação da teoria da “constitucionalização dos direitos”, a possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas ganhou uma maior guarida doutrinária e jurisprudencial.

Importante destacar, ainda, que em meados do século XX, mais precisamente após segunda guerra mundial, o mundo se polarizou em dois distintos sistemas político-econômicos, quais sejam o capitalismo e o socialismo. Trata-se da chamada “guerra fria”, marcada por disputas pela hegemonia entre tais sistemas. Ocorre que, com a queda do modelo socialista (simbolizada através da reunificação do Estado Alemão), surgiram novas demandas sociais que extrapolavam a dicotomia “burguesia-proletariado”, e é nesse contexto histórico que surgem os direitos fundamentais de terceira dimensão (ou geração), cuja abrangência pauta-se em direitos de titularidade coletiva, também chamados de direitos metaindividuais.

Em assim sendo, nos dias atuais, há outros bens sujeitos à tutela estatal, quais sejam, os bens de natureza metaindividual que, por sua vez, afetam um grupo de pessoas ou toda a coletividade, possuindo, portanto, âmbito de atuação mais extenso do que os bens jurídicos do Estado Liberal do século XVIII, marcado pelo individualismo, e, do mesmo modo, extrapolam a perspectiva economicista do Estado Social, que, por sua vez, garantiu uma expansão dos direitos sociais das categorias econômicas.

 É nessa esteira que se pautam os direitos fundamentais de terceira dimensão, cuja base de proteção estrutura-se em valores de natureza coletiva, ou social, é o que se infere das lições extraídas de Ingo Sarlet (2005, p. 57):

Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se depreenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Para outros, os direitos da terceira dimensão têm por destinatário precípuo “o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”.

Nessa seara, compreende-se que os direitos fundamentais de terceira dimensão se instrumentalizam por meio de interesses coletivos. Em relação a tais interesses transindividuais, convém ressaltar que alguns doutrinadores, em especial Oliver Nay, afirmam que a concepção da realidade social como organismo comunitário teve a sua gênese na América do Norte, mais notadamente nos Estados Unidos da América, nas décadas de 60 e 70 do século passado. Trata-se do que o autor denomina de “pensamento comunitário” ou “comunitarismo”. É o que se pode constatar nas linhas que seguem (2007, p. 506):

O pensamento “comunitariano” parte de uma constatação severa. Segundo seus partidários, o pensamento liberal seria incapaz de dar uma resposta apropriada às desigualdades. Seu primeiro erro é pensar a sociedade como a soma aritmética de indivíduos autônomos e do mesmo status, considerados independentemente das representações e dos valores que os ligam a grupos de pertença. Ora, a sociedade não se resume a uma agregação de indivíduos. O indivíduo não apenas só se “constrói” por referência a uma cultura, mas também a própria sociedade se compõe de uma pluralidade de culturas. O segundo erro do pensamento liberal é considerar que as próprias desigualdades atingem essencialmente indivíduos, ao passo que, a simples observação mostra que elas são exercidas sobretudo entre comunidades.

Nesse diapasão, os direitos de terceira dimensão são também chamados de direitos de solidariedade (ou fraternidade), de titularidade coletiva, ou seja, os sujeitos detentores dos direitos metaindividuais são indeterminados (no caso específico dos direitos difusos) ou, quando não, determináveis (direitos coletivos), vez que abrange interesses de toda a comunidade. É o caso, por exemplo, dos direitos ambientais, do consumidor etc. Quanto a esses novos anseios sociais, cite-se Daniel Sarmento (2004, p. 192):

[...] se no Estado Liberal o núcleo da proteção outorgada à autonomia privada centrava-se na proteção do patrimônio individual e nos direitos que lhes são correlatos, no Estado contemporâneo o foco deve se deslocar para a esfera das decisões existenciais, de caráter afetivo, sexual, religioso, artístico, ideológico etc., abrindo espaço para limitações muito mais extensas e profundas às liberdades de contratar e de desfrutar de direitos patrimoniais, como a propriedade, desde que estas se justifiquem em função da necessidade de promoção da igualdade substantiva ou de outros valores solidarísticos.

Dessa forma, partindo-se do pressuposto de que a função do Direito Civil é definida de acordo com os valores ético-morais tuteláveis em determinado contexto histórico, é possível se notar uma maior preocupação jurídica com a dignidade da pessoa humana, e não apenas ao seu patrimônio ou à autonomia da vontade, é o que se depreende das lições extraídas de Gustavo Tepedino (2006, p. 423):

Propriedade, empresa, família, relações contratuais tornam-se institutos funcionalizados à realização da dignidade da pessoa humana, fundamento da República, para a consagração de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivo central da Constituição brasileira de 1988.

Isto significa que o indivíduo, elemento subjetivo basilar e neutro do direito civil codificado, deu lugar, no cenário das relações de direito privado, à pessoa humana, para cuja promoção se volta a ordem jurídica como um todo.

Doutrinariamente, e para fins meramente didáticos, passou-se a estabelecer uma divisão do Direito, definindo-o como público e privado. Sob esse prisma, direito público tem a função de regular os interesses eminentemente estatais, segmento em que encontrar-se-iam o Direito Administrativo, o Direito Penal, Processual, etc. No que concerne ao direito privado, a este cumpre a função de regular as relações entre os indivíduos, a exemplo do direito civil, do direito do consumidor, comercial e o trabalhista. A partir dessa constatação, é possível se afirmar que, antes do advento do Estado democrático de direito, a área civilista abarcava, tão somente, as relações individuais (e, na maior parte dos casos, patrimoniais), assim, não havia de se falar em ingerência estatal nas reações travadas entre os cidadãos. 

Hodiernamente, contudo, não há mais a possibilidade de concepção do direito em compartimentos estanques, haja vista que todos os ramos legislativos estão diretamente alicerçados no texto constitucional e nos valores principiológicos inerentes à condição humana, consoante o magistério de Cristiano Chaves (2007, p. 28):

A sociedade contemporânea (pós-moderna, na compreensão de Erik Jaime, de Heidelberg) é aberta, plural, porosa, multifacetária e globalizada, trazendo consigo incontroverso caráter humanista, almejando a proteção dos interesses socialmente relevantes, exigindo, naturalmente, nova postura jurídica.

Advirta-se, todavia, não se tratar de uma simples adequação, mera adaptação, do Direito Civil clássico à norma constitucional, dando-lhe nova roupagem. É preciso o rompimento definitivo com o sistema tradicional, que o concebia pelo prisma individual e patrimonialista. Impõe-se uma nova visão, a partir das premissas e garantias constitucionais.

Nesse prisma, uma análise objetiva em relação à definição de bem jurídico dará ensejo a uma maior compreensão no que concerne aos valores individuais e coletivos protegidos em dado momento histórico. Em assim sendo, a conceituação epistemológica do que se entende como bem juridicamente tutelável sofreu mutações desde a sua origem, passando por uma fase de proteção aos direitos tidos como individuais evoluindo-se, posteriormente, para o que se denomina “direitos difusos”, em que a lesão atinge a coletividade como um todo, como é o caso, por exemplo, da proteção jurídica ao meio ambiente, ao direito do consumidor etc.

Com base na mutabilidade dos bens e valores protegidos pelo Estado, a definição objetiva de bem jurídico deve estar em compasso com uma análise de seu contexto histórico. Desta forma, com a evolução do Estado Liberal para o Estado democrático de direito, o ordenamento jurídico ampliou consideravelmente o seu âmbito de atuação, haja vista que há interesses que extrapolam a esfera individualista do direito privado e, do mesmo modo, há direito coletivos que não podem ser divididos, ou seja, estes, são usufruídos integralmente (sem cisões) por todos os cidadãos, é o caso, por exemplo, do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural, etc. Acerca do tema, importante fazer menção a José Marcelo Vigliar que assim sintetiza a questão (2005, p.33):

 Há interesses que apenas podem ser aproveitados, fruídos, ou utilizados de forma coletiva. A abordagem desses interesses de dá de forma diversa daqueles que são defensáveis pelo sistema processual do Código: ou todos aproveitam igualmente desses interesses, ou esses interesses não podem ser considerados, porque perdem sua característica essencial que é a indivisibilidade [...].

A natureza coletiva e indivisível de determinados direitos encontra-se catalogada doutrinariamente como “direitos fundamentais de terceira dimensão”, também chamados de direitos de solidariedade e fraternidade. Não há de se falar em titularidade específica e determinada desses direitos, por esse motivo, Ingo Sarlet destaca que os seus destinatários são o “gênero humano”, termo este que abarcaria, por exemplo, a família, o povo, a nação etc. É o que se depreende nas linhas que seguem (2005, p. 57):

“A nota distintiva destes direitos da terceira dimensão reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especificamente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada a sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia de proteção.”

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Portanto, os direitos fundamentais de terceira dimensão, fruto da complexidade dos fatores sociais, sedimenta-se pela valorização do ser humano como ser gregário e, como tal, detentores de direitos que extrapolam a esfera meramente individualista. Surge, então, os chamados direitos indivisíveis.

A principal característica de um bem indivisível está, justamente, na coletividade de sua fruição bem como no fato de que, uma vez lesado, todos os cidadãos serão afetados. Contudo, ainda no que concerne aos direitos de natureza indivisível, necessário que se faça uma distinção entre interesses indivisíveis de natureza difusa e direitos indivisíveis de natureza coletiva. O primeiro, refere-se a interesses indivisíveis cuja titularidade é indeterminada, abarcando assim, a coletividade como um todo, ou seja, nos interesses difusos não é possível se individualizar, com precisão, o detentor do direito, por esse motivo tais direitos são também denominados de metaindividuais, haja vista o fato de não se poder determinar, tão pouco quantificar, quem são os seus titulares. Já os direitos coletivos, por sua vez, também possuem a marca da indivisibilidade, ocorre que, nestes, há a possibilidade de se definir o grupo ou categoria que os titulariza.

Dessa forma, são exemplos de direitos difusos, o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural etc. Já os direitos coletivos referem-se a categorias específicas, tais como, associações, grupo de consumidores lesados por algum motivo, sindicatos, etc. Em síntese, Rosmar Antonni Alencar distingue tais interesses da seguinte forma (2008, p. 52):

O sentido de interesse difuso refere-se a bens jurídicos de natureza indivisível, de um grupo indeterminado de pessoas, unificando-as em face de identidade de situações de fato. Estes interesses abarcam os interesses privados metaindividuais e interesses públicos. De outro lado, a noção de interesse coletivo liga-se a titulares por categoria, classe ou grupo, coesos por um vínculo juris, também de natureza indivisível.

Com base na conceituação acima explanada, é possível se afirmar, em síntese, que os interesses indivisíveis são aqueles de titularidade coletiva. Tais interesses são gênero dos quais os direitos difusos e os coletivos são espécies.

Os direitos difusos, por sua vez, se caracterizam em razão da impossibilidade de se determinar os seus titulares. Ou seja, além de serem essencialmente indivisíveis (não sendo possível a sua cisão entre os respectivos titulares), há a “dispersão” dos seus detentores. Com base nessa perspectiva, cite-se José Marcelo Vigliar (2005, pag. 22):

A dispersão dos interessados, quando se consideram os interesses difusos, se apresenta em seu grau máximo, não exigindo dos indivíduos nenhuma condição especial, nenhuma relação jurídica especial entre eles para que assim se qualifiquem.

Ora, se não há nenhuma condição especial que deva se verificar entre os interessados e se a presença da indivisibilidade é essencial para que se possa considerar um interesse como difuso, qualquer pessoa pode se apresentar como interessada. A indivisibilidade alcança proporções extremas, sendo impossível considerar quantos ou quais sejam os interessados.

Diferentemente do que ocorre com os direitos difusos, é perfeitamente possível se determinar os detentores dos interesses coletivos. Assim, é correta a firmação de que em tais direitos, os interesses são indivisíveis porém os seus interessados são determináveis. Tratam-se, assim, de direitos relativos à determinada classe, categoria, etc.

Portanto, entende-se por bens jurídicos metaindividuais aqueles de titularidade geral, ou seja, as pessoas lesadas não podem ser individualizadas. Importante destacar, ainda, que os interesses indivisíveis extrapolam a esfera do direito privado, já que estes se encontram insertos na Constituição Federal, (em especial no que tange ao direito do consumidor, ao meio ambiente, à saúde), no direito administrativo (a exemplo da proteção ao patrimônio histórico cuja lesão pode ser, inclusive, objeto de ação popular) e até mesmo no direito penal.

Os Direitos Fundamentais de terceira dimensão, caracterizado pelo seu caráter indivisível e de titularidade coletiva, têm ampla aceitação na jurisprudência brasileira. Assim, as cortes superiores entendem que á direitos que extrapolam o panorama individualista, perpassando por interesses de toda a coletividade (no caso dos direitos difusos) ou de um grupo determinado de indivíduos (como é o caso dos direitos coletivos). Cite-se, a título exemplificativo, a proteção que o STF garante ao meio ambiente, caracterizando-o como um direito fundamental metaindividual protegido pela carta magna.

Cumpre salientar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal é pacífico no entendimento de que o Ministério Publico tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa de direitos de natureza difusa ou coletiva. Tal legitimidade é conferida inclusive em sede constitucional, haja vista o papel, destinado ao parquet no art. 127 da referida carta, de defender os direitos sociais e individuais indisponíveis.

Nessa linha de intelecção, e tendo como premissa basilar o fato de que o ordenamento jurídico brasileiro é assente em relação à necessidade de proteção à bens que extrapolam a esfera meramente individual, o direito civil possui papel fundamental no que se refere à proteção, (ou quando não, reparação indenizatória), a tais direitos.

Tais direitos indivisíveis são de tamanha importância na sociedade pós-moderna que até mesmo o Direito Penal possui mecanismos hábeis a fim de tutelá-los. Não é demasiado salientar, contudo, o fato de que apenas os bens jurídicos tidos como “fundamentais” devem estar sob o crivo da atuação punitiva do Estado; no mais, acrescente-se que, partindo-se do pressuposto de que o Direito Penal é a forma mais violenta de intervenção estatal na esfera de direitos do cidadão, este, só deverá ser aplicado quando todos os outros meios de tutela jurídica se mostrarem insuficientes, tal premissa encontra fundamentação no princípio da ultima ratio. Alinhando-se a tal posicionamento, cumpre mencionar entendimento de Claus Roxin (2006, p. 16) acerca da função social do Direito Penal:

Eu parto de que as fronteiras da autorização de intervenção jurídico-penal devem resultar de uma função social do Direito Penal. O que está além dessa função não deve ser objeto do Direito Penal. A função do Direito Penal consiste em garantir a seus cidadãos uma existência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando essas metas não possam ser alcançadas com outras medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos cidadãos.

Ainda no que concerne à proteção pública dos direitos indivisíveis, importante fazer menção à Ação Popular, instituto previsto no art. 5º da Constituição Federal cujo objeto repousa na proteção a interesses de caráter coletivo, tais como meio ambiente, patrimônio histórico e cultural, moralidade administrativa etc. Por se tratar de direitos de natureza coletiva, qualquer cidadão (aqui entendido de modo strictu sensu, ou seja, aquele que porta título de eleitor) é parte legítima à propositura dessa demanda. Acerca da garantia constitucional da Ação Popular, importante fazer breve menção à explanação de Rosmar Antonni Alencar (2008, pag. 54): “A proteção de interesses difusos e coletivos é a finalidade, lato sensu, da ação popular e, conforme tais interesses, que são defendidos pelo autor popular, é que será compreendido o real interesse processual com que ele age”.

Dessa forma, cumpre ao Estado o papel de garantir a eficácia e viabilidade dos direitos de natureza transindividual, essa garantia se dará através da proteção normativa, da indenização cível (por meio das ações populares, ação civis públicas etc) e pela sanção, esta, por sua vez poderá ter natureza administrativa ou penal, conforme o caso e a gravidade do delito.

A responsabilidade civil surge, então, como mecanismo hábil à tutela desses interesses, impondo, ao poder público ou ao particular, indenizações de caráter reparatório, cuja função é de restituir o bem jurídico lesado ao status quo ante ou, quando isso não for mais possível, minimizar o dano.

1.2. Dano moral transindividual

A lei nº 7.347/85 regula o procedimento de ação civil pública de responsabilidade em caso de danos causados ao meio ambiente e ao consumidor. Tal norma dispõe, em seu art. 1º, acerca da possibilidade de reparação por danos morais ou patrimoniais em caso de lesão a meio ambiente, aos direitos do consumidor ou a qualquer outro bem de natureza difusa ou coletiva.

Ainda quanto ao dano moral de natureza coletiva, cumpre asseverar que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), em seu art. 6º, VI dispões que “são direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. 

Conforme se observa, a possibilidade de reparação por danos morais decorrente de lesão a bens de natureza transindividual não é mera divagação doutrinária, trata-se, pois, de garantia conferida positivamente pelo ordenamento, o que se discute é a aplicabilidade prática de tal dispositivo.

A doutrina contrária a esse entendimento, contudo, afirma que o dano moral abarca a pessoa enquanto ser individual, não havendo de se falar, então, de lesão a direitos da personalidade de natureza coletiva ou grupal.

Importante que se destaque que, para parte importante da doutrina, a vítima do dano moral transindividual não é o bem lesado, e sim as pessoas que se sentiram atingidas (em sua honra) pela violação a esse bem, nesse sentido, cumpre trazer à baila lições explanadas por Rui Stoco (2004, p. 49-50):

O primeiro reparo que se impõe é no sentido de que não existe dano moral ao meio ambiente, muito menos ofensa moral aos mares, rios, à Mata Atlântica ou mesmo agressão moral a uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas. A ofensa moral sempre se dirige a uma pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único.

Assim, a lesão a determinado patrimônio histórico, por exemplo, acarreta lesão por dano moral à coletividade que se sentiu atingida por tal ato ilícito, ou seja, as vítimas são pessoas, o direito lesado é que extrapola a esfera individualista. É o que se observa do texto que segue:

Para Teori Albino Zavascki, não resta duvida de que a lesão a um direito de natureza difusa, como por exemplo, uma lesão ao meio ambiente natural ou ecológico, pode, em tese, acarretar dano moral. Assim, a destruição de um conjunto florestal plantado por um antepassado de determinado indivíduo, para quem as plantas teriam, por essa razão, grande valore afetivo, seguramente pode ensejar a configuração de duplo dano, ou seja, ambiental e moral. Da mesma forma que a destruição de um patrimônio artístico ou cultural ou a outros direitos transindividuais pode desencadear danos morais. Contudo, isso não que dizer que o dano moral assuma, ele próprio, a natureza transindividual.

Em uma sociedade globalizada há valores que extrapolam a esfera individualizada, ou seja, há bens de natureza coletiva cuja titularidade abarca um número indeterminado de sujeitos. Tais bens jurídicos, no entanto, uma vez violados são sujeitos à tutela e à reparação cível, inclusive quanto ao dano moral.

Assim, o que difere a responsabilidade civil por danos morais de natureza transindividual da responsabilidade por dano moral civil é o caráter coletivo (e, muitas vezes, indeterminado) das vítimas. A favor de tal posicionamento, cite-se entendimento plasmado pelo Ministro do STJ, José Augusto Delgado:

Com a aceitação de que a proteção dos valores morais não está restrita aos valores morais individuais da pessoa física, tem-se o primeiro passo para que se admita a reparabilidade do dano moral em face da coletividade que, apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal que merece proteção.

O que observa, portanto, é que o ser humano possui valores que transcendem a esfera individual, valores advindos de sua cultura e identificação como seu coletivo. Nessa seara, a violação a esses direitos geram danos que extrapolam a perspectiva patrimonial, gerando sofrimento em sua honra e personalidade. Nessa linha de intelecção, válido fazer menção a entendimento de Carlos Alberto Bittar (2005, p.388):

O direito vem passando por profundas transformações, que podem ser sintetizadas pela palavra “socialização”; efetivamente, o direito, como um todo, está sofrendo ao logo das últimas décadas, grandes mudanças, sob o impacto da evolução da tecnologia em geral e das alterações constantes havidas no tecido social; todas essas mutações têm direção e sentido certos: conduzem o Direito ao primado claro e evidente do coletivo sobre o individual. Como não poderia deixar de ser, os reflexos desse panorama de mudanças estão fazendo-se sentir na teoria do dano moral, dano origem à notável figura do dano moral coletivo. Ora, se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, não há por que não possa sê-lo a coletividade.

Com base nesse raciocínio cumpre notar que a violação ao direito ambiental ultrapassa uma esfera meramente patrimonial, não raro, a degradação ao meio ambiente gera um enorme sofrimento aos indivíduos, como é o caso, por exemplo, do desmatamento de áreas indígenas. Nesse caso, ninguém pode negar o elo extrapatrimonial dessa população com o ambiente que a cerca, local em que cultiva sua cultura, suas raízes e as lembranças dos ensinamentos de seus antepassados.

Portanto, entende-se por dano moral coletivo toda lesão que gere sofrimento à coletividade no que concerne à sua condição de cidadã. Ainda em relação ao tema (mais especificamente quanto ao dano moral ambiental), cite-se artigo publicado por Carlos Alberto Bittar Filho, ao comentar a apelação cível nº 2001.001.14586 proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

No Brasil, a noção de dano moral ambiental foi objeto de brilhante consagração, em acórdão modelar, constante da Apelação Cível nº 2001.001.14586 (TJRJ, rel. Des. Maria Raimunda T. de Azevedo, 6/3/02) e publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico ( http://conjur.uol.com.br/). Vale a pena transcrever-lhe a ementa:

Reforma da sentença para inclusão do dano moral perpetrado à coletividade. Quantificação do dano moral ambiental razoável e proporcional ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justificam a condenação em dano moral pela degradação ambiental prejudicial à coletividade. Provimento do recurso.

Nesse lapidar julgado, foram estabelecidas diretrizes fundamentais para a devida aplicação em casos futuros. Assim, a condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não impede o reconhecimento de reparação do dano moral ambiental. Ademais, a indenização por dano moral comporta pedido genérico, deixando-se a quantificação ao prudente arbítrio do julgador. Outrossim, em se tratando de proteção ambiental, a responsabilidade é objetiva, bastando a demonstração do dano existente com a prova do fato perpetrado contra a coletividade pela degradação do ambiente (damnum in re ipsa). Por outro lado, o dano moral ambiental apresenta como características a impossibilidade de mensuração e a de restituição do bem ao estado anterior. Por fim, os danos ao meio ambiente, dada a insensibilidade de seus causadores, hão de ser reprimidos em benefício da coletividade. 

A lei 7347/85 dispõe que cada estado, bem como a União, deverá possuir um fundo ao qual deverão ser destinados os valores referentes à condenação pelos danos causados ao meio ambiente e aos demais direitos difusos e coletivos explanados no art. 1º da respectiva norma. Os valores referentes a tais fundos terão a finalidade de reestruturar o bem jurídico lesado e, se possível, restabelecê-lo ao estado ao qual se encontravam ates da lesão. Cumpre salientar, sem embargo, que a Justiça Federal já possui esse fundo (criado pela Lei 9088/95), denominado Fundo de Defesa aos Interesses Difusos (FDD), cuja gestão compete a um conselho federal, também criado pela norma respectiva.

2. Posicionamento dos tribunais

Embora doutrina e jurisprudência ainda não sejam unânimes acerca da viabilidade de imputação condenatória por dano moral a direitos transindividuais, alguns tribunais têm se manifestado favoravelmente sobre o tema, é o que se pode observar do julgado que segue:

INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. Vazamento de substância química (catalisador) de unidade de refino de petróleo da empresa Petrobrás. Nuvem de pó branco que atingiu comunidades próximas à refinaria. Transtornos aos moradores que, diante dos antecedentes, acidentes ecológicos, já produzidos pela Petrobrás, certamente ocasionaram o temor por danos físicos e sequelas. Configuração do dano moral puro. Procedência do pedido. Irresignação das partes. Razões autorais que merecem acolhida para majorar o quantum indenizatório. Dar provimento ao recurso autoral e negar provimento ao recurso da ré. (AC nº 2004.001.02890, 9ª câmara cível, Rel. Des. Renato Simoni, julgado em 25/05/2004).

Conforme se observa, o julgado acima exposto inova não somente ao aplicar o dano moral decorrente de lesão ao meio ambiente como também, por conceder reparação indenizatória decorrente de exclusivamente do dano moral, ou seja, no caso em tela, não há danos patrimoniais aliados aos morais, hipótese, frise-se, perfeitamente possível, conforme preleciona o art. 186 do Código Civil.

O STJ vem, paulatinamente, consolidando o seu posicionamento acerca da aplicabilidade de indenização decorrente de dano moral a bem transindividual, a exemplo de violação aos direitos coletivos do consumidor, bem como a lesão ao meio ambiente. É o que se percebe no seguinte julgado:

AMBIENTAL. DESMATAMENTO. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO).  POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DA NORMA AMBIENTAL.

1.  Cuidam os autos de Ação  Civil  Pública  proposta  com  o  fito  de  obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de área de mata nativa. A instância ordinária considerou provado o dano ambiental e condenou o degradador a repará-lo; porém, julgou improcedente o pedido indenizatório.

2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer e indenizar. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

3. A restauração in natura nem sempre é suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, o dano ambiental causado, daí não exaurir o universo dos deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

4. A reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área  lesionada  não  exclui  o  dever  de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento  do  meio  ambiente  afetado  (=  dano  interino ou intermediário ), bem  como pelo dano  moral  coletivo e pelo dano  residual (= degradação  ambiental  que  subsiste,  não  obstante  todos  os  esforços  de restauração).

5. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos.

6. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e para fixar eventual quantum debeatur. (Grifou-se).

Acerca do entendimento explanado pelo respectivo tribunal superior, cumpre fazer menção ao artigo publicado em seu próprio site no qual há referência à pacificação jurisprudencial acerca da possibilidade de indenização por dano moral transindividual, conforme se vislumbra no trecho que segue:

A possibilidade de indenização por dano moral está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso V. O texto não restringe a violação à esfera individual, e mudanças históricas e legislativas têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial.  O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de valores coletivos, atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico. Essas ações podem tratar de dano ambiental (lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade), desrespeito aos direitos do consumidor (por exemplo, por publicidade abusiva), danos ao patrimônio histórico e artístico, violação à honra de determinada comunidade (negra, judaica, japonesa, indígena etc.) e até fraude a licitações.

Cite-se, ainda, outro julgado, referente a dano moral coletivo do STJ:

ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA  DOR  E  DE SOFRIMENTO  -  APLICAÇÃO  EXCLUSIVA  AO  DANO  MORAL  INDIVIDUAL  - CADASTRAMENTO  DE  IDOSOS  PARA  USUFRUTO  DE  DIREITO  -  ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.

2.  O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis  de  apreciação  na  esfera  do  indivíduo,  mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

3.  Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos  interessados,  quando  o  Estatuto  do  Idoso,  art.  39,  §  1º  exige  apenas  a apresentação de documento de identidade.

4.  Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo.

5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem  prequestionamento  o  Estatuto  do  Idoso,  mantém-se  a decisão.

5. Recurso especial parcialmente provido.

Conforme se observa, o dano moral a bens de natureza transindividual não se aplica apenas ao meio ambiente, mas aos valores que tenham importância aos cidadãos em sua concepção coletiva.

3. Considerações finais

À guisa de conclusão, e sem ter a pretensão de esgotar o tema, percebe-se que a responsabilidade civil vêm passando por um progressivo avanço doutrinário e jurisprudencial, à luz de um direito civil-constitucional que, por sua vez, tem por enfoque a valorização da dignidade humana acima de qualquer outro valor patrimonial.

A complexidade dos fatores sociais extrapola a esfera patrimonialista ou individual. Há interesses de natureza coletiva que abarcam os cidadãos enquanto seres gregários, que possuem valores e se identificam em grupos. Nascem, então, os direitos fundamentais de terceira dimensão, também chamados de direitos de solidariedade. Nestes, compreendem-se os direitos do consumidor, direito ao patrimônio histórico, direito ambiental, dentre outros.

O ordenamento jurídico brasileiro, embasado na CF/88, eleva o meio ambiente à bem de natureza fundamental, devendo, pois, ser protegido por todas as esferas da federação. Nessa esteira, toda a ordem infraconstitucional tem a função de zelar pela garantia dos bens de natureza transindividual, mais notadamente, o meio ambiente sadio e equilibrado. E é por esse motivo que a Lei nº 7.347/85, ao regulamentar a ação civil pública, dispõe, em seu art. 1º, a possibilidade de reparação por dano patrimonial e moral ao meio ambiente, ao direito do consumidor, e aos direitos difusos e coletivos em geral.

No que diz respeito à responsabilidade civil, durante muito tempo a doutrina conceituava dano moral como lesão aos direitos da personalidade. Ocorre que, de acordo com tal conceito, os bens sujeitos à reparação por dano moral seriam de natureza eminentemente individualista, o que não se aplica no atual contexto de valores fundamentais de terceira geração.

Com efeito, é pacífico na jurisprudência a reparabilidade por dano material causado ao meio ambiente e aos demais bens de natureza difusa e coletiva. Contudo, a possibilidade de reparação por dano moral a tais bens jurídicos ainda não está totalmente sedimentada, em que pese haver normas que disponham expressamente sobre o tema.

A dignidade da pessoa humana abarca uma série de direitos que ultrapassam a esfera privatista. Há valores coletivos que são imanentes à natureza humana, tais como direito ao patrimônio histórico, cultural, turístico, paisagístico; direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, dentre outros. Nessa esteira, não há como se negar o dano moral em caso de lesão a tais bens.

Como exemplo de lesão moral a bens transindividuais, pode-se citar o caso de dano a documentos históricos de determinado grupo social, ou destruição de patrimônio artístico de grande importância para certa comunidade ou, ainda, desmatamento de reserva ambiental de populações indígenas, ribeirinhas, etc.

Cumpre destacar, ainda, que a Lei 7347/85 dispõe que cada estado bem como a União deverá criar um fundo próprio ao qual serão destinados os valores referentes à indenização por danos materiais morais decorrentes da violação a bens de natureza transindividual.

Por fim, saliente-se que os tribunais superiores, principalmente o STJ, vêm arbitrado indenização para danos decorrentes ao meio ambiente, bem como aos demais bens de natureza difusa e coletiva.

Referências

 

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 182847/RS, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 6ª Turma, julgado em 09/03/1999, DJ 05/04/1999. Disponível em: <http:// www.stj.gov.br>. Acesso em: 18 nov. 2010.

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Sobre a autora
Flávia Grazielle da Silva Araújo

Advogada. Pós graduada em Direito Civil. Professora de Direito Civil<br>

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