Possibilidade de recusa do investigado a ser submetido a identificação criminal

28/01/2016 às 22:15
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A identificação criminal sempre foi assunto polêmico que desperta debates calorosos, pois, é um procedimento realizado em desfavor de investigados, acusados e condenados, que muitas vezes se recusam a fornecer elementos para esta identificação.

1.Como é tratada a identificação criminal na legislação nacional.

            A identificação criminal possui fundamentação constitucional nos termos do artigo 5º, LVIII, com a seguinte redação: “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”. Com o texto constitucional fica clara a intenção do constituinte em afirmar que em regra não deve ser feita a identificação criminal de ninguém e que a mera identificação cível é o suficiente para qualquer finalidade, mas como os direitos previstos na Constituição Federal são na maioria das vezes de natureza relativa, ele deve ser ponderado.

            A norma constitucional relacionada a identificação criminal possui eficácia contida, pois, tem aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmente não integral, a norma estabelece uma regra a não identificação criminal e logo em seguida traz uma exceção que deve ser regulamentada por lei infraconstitucional, se esta lei não existisse a norma possuiria efeito integral e somente seria permitida a identificação civil, não é o que ocorre atualmente visto que existe lei especifica que delimita a identificação criminal (Lei 12.037/09), e mesmo antes deta já existiram hipóteses regulamentadas em leis anteriores como:

  1. Art. 109 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e adolescente): “O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada”.
  2. Art. 5º da Lei 9.034/95: “Art. 5º A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil”.
  3. Lei nº 10.054/00.

Além de possuir respaldo constitucional e legal a possibilidade de identificação criminal possui chancela do Supremo Tribunal Federal através da Súmula 568: “A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”.

            Com exceção do Estatuto da Criança e Adolescente todas as normas anteriores encontram-se tacitamente revogadas, é a previsão legal do art. 1º: “O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei”. A única lei vigente que atualmente dispõe sobre todas as forma de identificação criminal é a Lei 12.037/09 que recebeu alterações da Lei 12.654/12 que trata da coleta e armazenamento de perfil genético.

2. Identificação criminal no inquérito policial

            Assunto polêmico que comumente atinge os aplicadores da lei processual penal é a  possibilidade e forma de se realizar a identificação criminal, que é permitida como diligência a ser realizada pela autoridade policial nos termos do artigo 6º, VIII do Código de Processo Penal:

Art. 6o  Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

(...) omissis;

VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico (...)

            No que tange a identificação criminal apontada na primeira parte do artigo 6º, VIII do Código de Processo Penal, não pode ser a diligência tratada de forma isolada em relação ao processamento datiloscópico, como explica Paulo Rangel (2014, p.171) que a identificação criminal poderá ser realizada por três métodos:

a) identificação fotográfica;

b) identificação datiloscópica;

c) coleta de material biológico para obtenção de perfil genético.

            O dispositivo legal que apresenta um rol taxativo sobre as justificações de serem realizada a identificação criminal, encontra-se previsto no art. 3º da Lei 12.037/09:

Art. 3ºEmbora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado ;

III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; (grifo nosso)

V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

            Verifica-se que as hipóteses apresentadas nos incisos descritos permitem a atuação de oficio da autoridade policial, ou seja, pode ser feita a identificação criminal sem que seja necessária autorização do Poder Judiciário, com a única exceção prevista no inciso IV, o qual enseja a representação da autoridade policial, ministério público ou defesa, para que a autoridade judiciária possa conceder tal medida, que poderá determinar a identificação criminal de ofício, hipótese criticada, por Aury Lopes Júnior (2013, p.312) que veementemente diz que foi rasgado tudo o que se sabe acerca do sistema acusatório e imparcialidade.

            Ressalta-se que a lei não fala nada sobre o ofendido, apesar da lacuna legislativa, deveria ser permitido o requerimento deste, pois, será o titular de eventual e futura ação penal privada, coaduna do mesmo entendimento Renato Brasileiro de Lima (2014, p.120).

            Se for apresentada identificação civil suficiente para elucidar a verdadeira identidade do investigado as hipóteses previstas no art. 3º da Lei 12.037/09 ficaram prejudicada, com exceção do art. 3, IV da Lei 12.037/09, que permite à identificação criminal concomitante a identificação civil as quais constarão nos registros do inquérito.

           

3.(In)Possibilidade de identificação criminal contra a vontade do investigado

            No caso da identificação criminal em regra a prova é não invasiva, mas, diante das questões apresentadas surge a seguinte dúvida: “O investigado pode ser identificado criminalmente contra a sua vontade?”

            A resposta só pode ser positiva, podendo inclusive ocorrer sua condução coercitiva, sem eventual prejuízo de responsabilidade criminal pelo delito de desobediência, existindo permissivo legal, inclusive de prisão preventiva, nos termos do art. 313, paragrafo único do CPP. Não há violação do direito a não autoincriminação, pois, há permissivo constitucional no art. 5º, LVIII, neste sentido se manifesta Renato Brasileiro (2014, p. 122), entendimento que é compartilhado por Nestor Távora e Rosmar Alencar, (2014, p. 141).

            Em posição contrária encontra-se o magistério de Aury Lopes Jr.(2013, p.309) afirmando que trata-se de uma burla a garantia constitucional do nemo tenetur se deteger.

            O que deve-se entender de forma clara é que o acusado pode ser identificado criminalmente contra a sua vontade, porém, este não é obrigado a tomar comportamentos ativos sendo sujeito apenas de comportamentos passivos. Renato Brasileiro (2015, p.80), afirma que o acusado, não é obrigado a se autoincriminar, permitindo provas invasivas, podendo validamente recusar-se a colaborar com a produção de prova, sem sofrer qualquer gravame.

            O art. 5º, paragrafo único da L. 12.037/09:   “Art. 5º, parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético”.

            Apresentou possibilidade de se obter material biológico para obtenção do perfil genético (DNA), durante a investigação, para provar caso concreto e determinado, esta modalidade de identificação deve ser necessária para as investigações. A identificação somente é feita quando a polícia já tem suspeito, existe para fins de identificar o investigado e não para se saber se ele é o autor do fato como explica de forma categórica Paulo Rangel (2014, p. 173). Não pode ser permitido que o perfil genético extraído do investigado seja utilizado para finalidade diversa e o conteúdo da analise deve possuir caráter sigiloso.

            Sem autorização judicial não será possível à realização da coleta de material genético, salvo se o próprio investigado, espontaneamente, através de seu advogado, se oferecer para fornecer o material e mesmo se aceitar a se submeter poderá a autoridade policial, por precaução, tomar por termo ato de liberalidade do investigado com duas testemunhas, esta medida de precaução é citada por Paulo Rangel (2014, p. 173).           

            Por outro lado, se simplesmente houver material genético descartado na cena do crime não haverá necessidade de autorização judicial para que a autoridade policial possa recolher este material abandonado. 

            Outra questão que gera dúvidas seria no sentido em que o investigado se recusasse a sofrer intervenção corporal para retirar material genético, neste caso poderia a autoridade fazê-lo compulsoriamente?

            Existe divergência quanto à resposta apresentada pela doutrina, Paulo Rangel (2014, p.17) afirma que se o investigado não quiser fornecer o material genético, não poderá o magistrado obriga-lo a fornecer, no mesmo sentido encontra-se o entendimento de Nestor Távora e Rosmar Alencar (2014, p.142);

            Agrega-se a este entendimento Renato Brasileiro (2015, p.142) que ainda pondera da seguinte forma:

O acusado não é obrigado a praticar nenhum comportamento ativo capaz de incriminá-lo, nem tampouco a se submeter a provas invasivas sem o seu consentimento, de modo algum pode ser obrigado a fornecer material biológico. Porém, se este material for descartado de forma voluntaria ou não na cena do crime ou em outro local, não há óbice para a sua coleta.

            O autor cita o emblemático caso da cantora mexicana Glória Trevi que acusou policiais federais de terem abusado sexualmente engravidando-a que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal[1], neste caso foi realizado exame de DNA na placentra descartada, após o parto, fato ocorrido fora da cena do crime, neste fato a Corte optou pela admissibilidade do exame.

            Em sentido contrário o professor Aury Lopes Júnior (2013, 312), de forma categórica, afirma que a lei disciplina a retirada coercitiva utilizando técnica adequada e indolor, porque voluntariamente sempre esteve autorizado e nem precisaria de qualquer disciplina legal , pois, integra o direito de defesa positivo.

            Norberto Avena (2014, p. 227), entende que é possível o uso da força para extração do material relacionado à identificação criminal:

Eventualmente, pode acontecer que o indivíduo, comparecendo perante a autoridade (espontaneamente ou por meio de condução), recuse-se ao procedimento de colheita de impressões digitais, de material fotográfico e de material biológico (na hipótese prevista no art. 5.º, parágrafo único, da Lei 12.037/2009 e no art. 9.º-A da Lei 7.210/1984). Nesse caso, presentes as situações legais, faculta-se o uso da força para obrigá-lo à prática do ato. Logicamente, deve ser usada a força moderada, isto é, apenas aquela necessária e suficiente para a realização da identificação criminal. Excessos injustificados tipificam o crime de abuso de autoridade, contemplado no art. 4.º, b, da Lei 4.898/1965 (“submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”).

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            O autor apresenta possibilidade de utilização da força para extração de material biológico, isto não quer dizer que será causada lesão corporal, existe advertência que a força deve ser somente a necessária e suficiente para a identificação.

4.Possibilidade de não ter a identificação criminal relatada em certidões e direito de retirar.

            O investigado possui o direito de não ter a identificação criminal constatada em certidões ou atestados enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, ressalvada as requisições do Juiz, Ministério Público e Autoridade Policial, que são autoridades públicas ligadas à persecução penal, e para estas não há reserva de sigilo, no exercício da função.  

            Haverá possibilidade de o investigado requerer a retirada da identificação criminal dos autos nas hipóteses previstas no art. 7º da Lei 12.037/09:

 No caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.

            Como também pode ocorrer encerramento do lapso temporal relacionado ao prazo de armazenamento do material genérico que coincide com o prazo prescricional do crime a ser investigado, nos termos do art. 7º-A da Lei 12.037/09: “A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito”.

5.Aplicação da Lei 12.654/12 com alteração da Lei de Execução Penal

A identificação criminal utilizando perfil genético prevista no art. 3º, IV da Lei 12.037/09 pode ser utilizada durante a investigação criminal ou processo, por outra vertente e em momento distinto da persecução criminal, quando já existe condenação, poderá ser utilizada a identificação do perfil genético para formação de banco de dados que está prevista na Lei de Execução Penal.

            Esta possibilidade de extração de perfil genético ocorreu por permissivo da Lei 12.654/12 que alterou também a Lei de Execução Penal (Lei. 7.208/84) para inserir o art. 9º-A:

Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.

§ 1o  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.

§ 2o  A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.

            Observa-se que esta hipótese de extração atinge apenas condenados, e não é necessário autorização judicial para o feito, só sendo necessário autorização para acesso do banco de dados se a autoridade policial assim o requerer, esta ferramenta de investigação visa auxiliar a elucidação de diversos crimes, tem como propósito a investigações de crimes dolosos praticados com violência de natureza grave contra a pessoa, observa-se que há delimitação dos crimes, apesar de não especificar quais são eles fora deixado de forma clara alguns limites, poderia ser inserido neste rol o crime de Homicídio, Latrocínio, Estupro, Extorsão mediante sequestro e diversos outros com naturezas afins.

            Existem muitos outros crimes de natureza grave que não podem ser abrangidos pela coleta compulsória de perfil genético como os crimes de Tráfico de Drogas e seus equiparados, Crimes contra o Sistema Financeiro, Lavagem de Capitais e assim sucessivamente.

6.Considerações Finais

            Diante dos apontamentos doutrinários realizados para a edição deste artigo, se faz pertinente estabelecer as possibilidades em que podem ser realizada a investigação criminal em caso de recusa a participar da identificação criminal.

            A regra é a possibilidade desta ser realizada mesmo contra a vontade nas hipóteses de identificação datiloscópica e fotografia de frente e perfil, utilizando inclusive a força de forma moderada se necessário, pois, como afirmado anteriormente existe previsão constitucional que permite esta atuação e caso não se permitisse a identificação constitucionalmente estabelecida haveria um contrassenso, pois, a própria lei afirma que pode ser estabelecida determinação judicial para realização de identificação criminal, de forma semelhante envolvendo direitos da personalidade como a intimidade como a interceptação telefônica, mandado de busca e apreensão e etc..

            Se nestas situações é permitido a relativização de direitos constitucionalmente assegurados, porque não seria razoável diante da recusa do investigado em descumprimento de mandado judicial ser utilizado os meios necessários para obtenção do perfil, pois, onde existe a mesma razão deve existir o mesmo direito.

            Apesar de divergências doutrinárias o que não pode ser feito é a extração de DNA contra a vontade do investigado, por se tratar de prova invasiva, o que não impede a coleta deste material quando for descartado de forma voluntária no local do crime ou não.

           

Referências Bibliográficas.

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 9ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm. 2014.

AVENA. Norberto. Processo penal esquematizado.6ª Ed. São Paulo: Método, 2014.

LIMA. Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm. 2014.

LIMA. Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ªEd. Salvador: Editora JusPodivm. 2015.

LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva.2013.

RANGEL. Paulo. Direito Processual Penal. 22ª Ed. São Paulo: Atlas. 2014.


[1] STF – Rcl-QO 2.040/DF – 2003.

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Sobre o autor
Felipe Ghiraldelli

Professor de Processo Penal da UNIFEG; Aprovado no concurso de Delegado da Polícia Civil da Bahia, Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal, Coach do Canal Carreiras Policiais

Informações sobre o texto

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