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A viabilidade do reconhecimento de efeitos trabalhistas na relação entre os profissionais do sexo com as casas de prostituição

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01/02/2016 às 10:23
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3. CONCLUSÃO

Defender o direito dos prostitutos, tal qual o reconhecimento do vínculo empregatício de que se tratou neste trabalho, é “nadar contra a maré”, pois qualquer forma de “fomento” a essas atividades (ditas imorais) deve, para muitos, ser evitada.

Mas tal circunstância nem de longe reduz a importância do debate. Pelo contrário: a estimula.

O Direito, instrumento de efetivação da justiça, não pode fechar os olhos à realidade das minorias. Seus operadores, tampouco. Pôr o tema em tela e suscitar inquietações a seu respeito, de certa forma, já colabora para a evolução deste quadro. Se o debate lograr ser feito à míngua de preconceitos, tanto melhor.

O reconhecimento, pelos magistrados trabalhistas, do vínculo empregatício dos prostitutos com as casas de prostituição trará direitos sociais a estes agentes, que se esforçam diariamente tanto, quanto qualquer outro trabalhador, na busca pela subsistência. Gerará isonomia e findará com um quadro de privilégios que vem sendo conferido aos agenciadores do sexo (já que não têm que arcar com obrigações como qualquer outro empregador). Ainda, chamará a atenção das autoridades para tal questão social. E é bom que se diga: tal reconhecimento não implica em agir contra ou mesmo praeter lege.

Onde os demais Poderes falham (notadamente, no caso, o Legislativo), o Judiciário não pode se quedar inerte.

Seja como for, e a despeito de todas as controvérsias que circundam o assunto, cremos que uma coisa é certa: o profissional do sexo que tem coragem suficiente debater às portas do Judiciário Trabalhista em busca da efetivação dos seus direitos sociais não pode ser privado destes em decorrência de premissas falhas e contraditórias ou de argumentos metajurídicos de índole subjetiva como “moral e bons costumes”.

Cabe aos magistrados trabalhistas, cumprindo a sua missão constitucional de concretizar a justiça social àqueles que a procuram, e superando antigos preconceitos, reconhecer que não há óbices jurídicos ao reconhecimento de efeitos trabalhistas neste tipo de atividade, mesmo diante da nulidade do contrato de trabalho (em decorrência do art. 229, cujo sujeito ativo é o possível empregador), à luz da teoria trabalhista das nulidades (que deve ser aplicada de forma plena).


4. REFERÊNCIAS

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BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 4 : parte especial : dos crimes contra a dignidade sexual até dos crimes contra a fé pública – 6. ed. Ver. E ampl. – São Paulo : Saraiva, 2012.

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DA CUNHA, Dirley. Curso de Direito Constitucional. Salvador : Editora JusPodivm, 2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 1 : teoria geral do direito civil. 22ª ed. rev e atual. de acordo com o Novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei n 6.960/2002. São Paulo : Saraiva, 2005.

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GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume I : parte geral. 13ª ed. São Paulo : Saraiva, 2011.

GÍMENO, Beatriz. La prostitución: aportaciones para um debate abierto. Disponível em: [http://www.ciudaddemujeres.com/articulos/La-prostitucion-aportaciones-para]. Acesso em 20 de janeiro de 2016.

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19ª ed. Rio de Janeiro : Editora Forense, 2009.

HART, Herbert L. A. O conceito de direito. 3ª Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

LEITE, Gabriela. Filha, mãe, avó e puta. A história de uma mulher que decidiu ser prostituta. Rio de Janeiro : Objetiva, 2008.

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 3º Ed. São Paulo : RT, 2010.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho : relações individuais, sindicais e coletivas de trabalho. 4ª ed. São Paulo : Saraiva, 2013.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 29ª ed.. São Paulo : Atlas, 2013.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico : plano da existência. 18ª ed. São Paulo : Saraiva, 2012.

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ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de direito penal brasileiro, volume 1 : parte geral – 8ª ed, rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009.


notas

[1] Não se incluiu o contrato de estágio na presente classificação pelo fato de haver divergência na doutrina sobre se tal pacto efetivamente consubstancia ou não um contrato de trabalho. Nesse sentido, defendendo a existência de disparidades entre um e outro, aponta Sérgio Pinto Martins (2013, p. 180) que “a diferença entre o estágio e o contrato de trabalho é que no primeiro o objetivo é a formação profissional do estagiário, tendo, portanto, finalidade pedagógica, embora haja pessoalidade, subordinação, continuidade e uma forma de contraprestação”.

[2] Vide, por exemplo, o CC 92.519/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 16.02.2009

[3] Outra corrente prefere definir a competência da justiça do trabalho em todas hipóteses em que existe prestação de serviços por pessoas físicas, considerando que a competência da justiça do trabalho abarca toda relação de trabalho, e esta pode ser entendida como qualquer atividade humana que gere alguma utilidade.

A vingar essa tese, todavia, parece que haveria um abarrotamento da Justiça do Trabalho, com o inviável deslocamento de milhões de processos da Justiça Comum para aquela Justiça Especializada.

[4] O preceito previsto no art. 5º, XIII é tido como uma norma de eficácia contida, assim entendida como “normas que incidem imediatamente, independentemente de ulterior integração legislativa. Contudo, preveem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites. Quer dizer, embora não necessitem de lei integrativa para incidir, esta pode ser editada, porque assim prevista, para lhes reduzir a eficácia” (DA CUNHA, 2010, p. 168). Daí se diz que ela são normas de aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmente não integral.

[5] Marcos Bernardes de Mello (2013, p. 102) afirma ser um erro considerar o ato inexistente como “uma categoria jurídica, quando se trata, na realidade, de mera situação fática, exatamente porque o ato não chegou a entrar no mundo do direito por não se haver realizado, suficientemente, o seu suporte fático; inexistência é conceito próprio do mundo dos fatos, jamais do mundo jurídico”.

[6] A doutrina acrescenta ainda, além dos requisitos enumerados pelo Código Civil, a necessidade de uma manifestação de vontade livre e de boa-fé.

[7] DANÇARINA DE CASA DE PROSTITUIÇÃO – POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Restando provado que a autora laborava no estabelecimento patronal como dançarina, sendo revelados os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, em tal função, não se tem possível afastar os efeitos jurídicos de tal contratação empregatícia, conforme pretende o reclamado, em decorrência de ter a reclamante também exercido a prostituição, atividade esta que de forma alguma se confunde com aquela, e, pelo que restou provado, era exercida em momentos distintos. Entendimento diverso implicaria favorecimento ao enriquecimento ilícito do reclamado, além de afronta ao princípio consubstanciado no aforismo utile per inutile vitiari non debet. Importa ressaltar a observação ministerial de que a exploração de prostituição, pelo reclamado, agrava-se pelo fato de que "restou comprovado o desrespeito a direitos individuais indisponíveis assegurados constitucionalmente (contratação de dançarinas, menores de 18 anos), o que atrai a atuação deste ministério público do trabalho, através da coordenadoria de defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis – Codin".

(TRT 3 - Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região – MG - Relator: Relª Juíza Rosemary de Oliveira Pires Data de Publicação: 18/11/2000 - Referência: RO 1.125/00 – 5ª T. – DJMG 18.11.2000)

[8]RELAÇÃO DE EMPREGO – Garçonete e copeira. Bar e boate. Reconhecido pelas testemunhas do próprio reclamado os serviços de garçonete e copeira, com habitualidade e subordinação jurídica, a atividade de prostituição imputada à autora, mesmo que fique demonstrada, não é fato impeditivo de que se reconheça relação de emprego pelo exercício concomitante de outra atividade. Vínculo empregatício reconhecido. Remessa à origem. Apelo provido

(TRT 4 - Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Relator: Armando C - Data de Publicação: 06/10/1999 - Referência: Ac. 01279.371/97-8 RO – 1ª T. – Macedônia Franco – DOERS 06.10.1999)

[9]VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIMENTO.A ilicitude da atividade de prostituição desenvolvida no bar da reclamada não deve ser óbice ao reconhecimento do vínculo empregatício da laborista que atuava como caixa do estabelecimento, na cobrança dos produtos lícitos ali vendidos, quando relevados os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, em tal função, sob pena de se favorecer o enriquecimento ilícito da ré e negar-se o valor social do trabalho (inc. IV, art. 1º, CR/88) licitamente desenvolvido pela obreira.

(TRT 3 – Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região.8ª Turma. Relatora: Adriana G. de Sena Orsini – Data de Publicação: 18/08/2007 – RO 01344.2006.103.03.00-0)

[10] Na classificação da CBO, disponível no site do Ministério do Trabalho e Emprego [http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoOcupacaoMovimentacao.jsf], a rubrica atribuída às prostitutas é a de “profissionais do sexo”, que envolve os seguintes títulos: “Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo”. Como descrição sumária, as profissionais do sexo “Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”.

Denota-se que o Poder Executivo encontra-se passos a frente do Poder Legislativo (cujos membros mantêm posicionamentos sempre antiquados, raramente se propondo a adotar posições mais vanguardistas a fim de não se indisporem com seus futuros (re)eleitores) e, curiosamente, do próprio Poder Judiciário no que tange à proteção dos prostitutos.

Com efeito, reconhecendo a prostituição como ocupação regular, os prostitutos podem ser contribuintes da Previdência Social, nos termos da Lei n° 8.212/1991, assegurando-lhes código próprio de contribuição, sob o numero 1007, fazendo jus a alguns direitos próprios deste regime contributivo, como o salário-maternidade e auxílio-doença, bem como à aposentadoria, todos, em regra, mediante contribuição de 20% sobre o salário de contribuição.

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[11] Inclusive, segundo entendimento do STJ constante no enunciado 51 da sua Súmula, “a punição do intermediador, no jogo do bicho, independe da identificação do ‘apostador’ ou do ‘banqueiro”.

[12] Nesse sentido, afirma Cezar Roberto Bittencourt (2012, p. 166) que “sujeito passivo [do delito do art. 229 do Código Penal] será sempre a pessoa prostituída, homem ou mulher, que permanece no local (bordel, casa de prostituição ou estabelecimento de exploração sexual), ou a ele se dirige para fim libidonoso”. Assim também é o posicionamento de Luiz Regis Prado (2011, p. 872) e Fernando Capez (2013, p. 146)

[13] Como se a atividade dos prostitutos não o fosse...

[14] Consumo este, aliás, muito mais lesivo do que a prática da prostituição - vide o número cada vez crescente de motoristas embriagados que são cabo à própria vida, ou pior, ceifam a vida alheia. Nem por isso o consumo de bebida alcoólico é proibido, como querem fazer com a prostituição.

[15] Merece transcrição, ainda, a perfeita observação do referido autor: “há comércio sexual em vários planos: (a) mulheres/homens que se casam por dinheiro, em nítida troca de sexo jovem por bens materiais; (b) mulheres/homens solteiros que vendem sexo por dinheiro, de maneira rápida e variada; (c) mulheres/homens solteiros que se vendem a pessoas casadas em busca do sexo jovem, em troca de bens materiais, sem maiores vínculos; (d) mulheres/homens jovens que se vendem por proteção, fascinados pelo poder de homens/mulheres mais velhas e ricas. Geralmente, resta ao conceito de prostituição apenas a relação descrita na alínea ‘b’ e, mesmo assim, quando a(o) prostituta(o) é pobre. O elitismo domina até mesmo a definição de prostituição. Sabe-se, no entanto, haver mulheres prostituídas, casadas e com filhos, levando vida mais digna e fiel do que outras, mulheres casadas, que para atingir o matrimônio, venderam-se e continuam traindo seus maridos, com outros homens, sempre em busca de ganho material – quanto mais, melhor. Qual dessas mulheres é moralmente mais elevada? A prostituta pobre de vida familiar digna ou a mulher rica, prostituída pela vida que leva? Nunca é demais refletir, antes de lançarmos críticas à prostituição” (NUCCI, 2014, p. 64-65)

[16] Obviamente, não se defende que todos os casamentos entre jovens e pessoas mais velhas sejam movidos por interesse material, embora seja ingenuidade crer que tais situações não existam.

[17] A própria Beatriz Gímeno (2008, p. 5) entende: “es posible darles derechos básicos sin necesidad de legalizar la prostitución”. É o que se ocorreria, a vingar o que ora se defende.

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Sobre o autor
Darlon Costa Duarte

Analista Judiciário - Área Judiciária do Supremo Tribunal Federal. Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Pós-graduando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Darlon Costa. A viabilidade do reconhecimento de efeitos trabalhistas na relação entre os profissionais do sexo com as casas de prostituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4597, 1 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46181. Acesso em: 25 abr. 2024.

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