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A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas

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Resumo:


  • Os direitos fundamentais, historicamente vinculados à proteção do indivíduo contra o Estado, evoluíram para também regular as relações entre particulares, fenômeno conhecido como eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

  • A doutrina e a jurisprudência brasileira reconhecem a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, exigindo que os particulares respeitem esses direitos em suas interações, sob pena de limitação da autonomia privada para assegurar o respeito a outros direitos fundamentais.

  • A aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é uma questão ainda em desenvolvimento e discussão no ordenamento jurídico brasileiro, carecendo de estudos aprofundados para sua plena compreensão e efetivação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A adoção da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, mormente a divergência em relação às teorias adotadas, ainda é questão que não se encontra pacificada.

RESUMO: O presente trabalho teve como escopo principal apontar os aspectos encontrados, na jurisprudência e na doutrina pátria, que evidenciam a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Com efeito, o surgimento desses direitos remonta ao início do Liberalismo, quando havia a necessidade de o cidadão, particular, defender-se do Estado que antes era autoritário. Nessa época, os direitos fundamentais eram aplicados apenas nas relações entre Estado e particular, garantindo a este liberdades individuais. Todavia, com a evolução da sociedade, para garantir-se a efetiva observância a esses direitos, fez-se necessário que eles fossem aplicados também nas relações privadas. Sendo assim, o objetivo do presente artigo foi demonstrar como esses direitos podem ser aplicados quando um particular relaciona-se com outro, analisando, a princípio, a evolução dos direitos fundamentais durante os anos, o seu conceito e a sua classificação, evidenciando, ao final, que esta aplicação ainda carece de estudos aprofundados, tendo em vista que não se encontra pacificada, em especial, no ordenamento jurídico brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais. Eficácia Horizontal. Garantias Fundamentais. Eficácia Vertical. 


1 INTRODUÇÃO

O tema da eficácia horizontal, também chamada de eficácia externa ou privada, dos direitos fundamentais vem ganhando muita relevância entre a doutrina e a jurisprudência, carecendo ainda de desenvolvimento mais aprofundado.

Com efeito, o constitucionalismo atual tem reconhecido, cada vez mais, a expansão da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Não se trata, no entanto, de deixar de aplicar o princípio constitucional da autonomia da vontade, mas de restringir a atuação dos particulares todas as vezes que estes, em detrimento dos demais, abusarem de suas liberdades, ofendendo os preceitos de direitos fundamentais.

Nesse sentido, leciona Nelson Nery Costa:

É preciso que se construa uma muralha para que o Poder Público ou outros cidadãos não interfiram naquilo que se manifesta no aspecto mais pessoal dos indivíduos. Existe um limite intransponível, dentro do qual a pessoa faz o que quer, e desde que não esteja cometendo um crime, nem uma infração civil ou administrativa, não precisa dar satisfação a ninguém, nem ao Poder Público.

Os direitos fundamentais foram, a princípio, positivados pelas constituições para serem aplicados em oposição ao Estado, garantindo aos particulares o exercício de suas liberdades públicas. Por esse motivo, a questão da eficácia desses direitos nas relações privada é um tema ainda controvertido. Entretanto, importante perceber que as ofensas aos direitos fundamentais não são exclusivas do Estado, sendo, muitas vezes, advindas de particulares que, ao exercerem sua autonomia, podem afetar direitos garantidos constitucionalmente. Em razão disso, não se pode olvidar de reconhecer a aplicação desses direitos garantias também aos particulares em face dos demais indivíduos e não do Estado.

Tendo em vista essa situação, o presente trabalho tem por escopo fundamental abordar a questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, trazendo uma breve caracterização desses direitos e citando o entendimento doutrinário a respeito das teorias que fundamentam essa eficácia. Ademais, a título de complementação, far-se-á uma breve análise da jurisprudência pátria no que concerne à aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas.


2 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais constituem elementos necessários à concretização do direito público interno de cada Estado, especialmente do direito constitucional, e são considerados os direitos do homem que estão objetivamente vigentes numa ordem jurídica positivada. Tais direitos, estabelecidos pelo ordenamento de determinada comunidade politicamente organizada, têm o escopo principal de satisfazer os ideais ligados à dignidade da pessoa humana e, sobretudo, à liberdade, igualdade e fraternidade.

Nos termos das lições de Canotilho, os direitos fundamentais, em sentido próprio, são:

(...)essencialmente direitos ao homem individual, livre e, por certo, direito que ele tem frente ao Estado, decorrendo o caráter absoluto da pretensão, cujo o exercício não depende de previsão em legislação infraconstitucional, cercando-se o direito de diversas garantias com força constitucional, objetivando-se sua imutabilidade jurídica e política. (...) direitos do particular perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa.

Do mesmo modo, para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.

Ademais, para aclarar a definição de direitos fundamentais, interessante trazer à baila alguns termos que, por vezes, são confundidos com o conceito alhures evidenciado. 

2.1 Direitos fundamentais X Direitos humanos

Hodiernamente, no Brasil e em diversos outros países, constate-se uma verdadeira confusão terminológica entre direitos fundamentais e direitos humanos. Não se tratam, pois, de expressões sinônimas.

Com efeito, os direitos humanos são vistos como proposições jurídicas de caráter universal e atemporal que beneficiam qualquer indivíduo, independentemente da ordem estatal a que ele esteja vinculado. São direitos reconhecidos pelo direito internacional como se existissem antes mesmo dos próprios documentos que os declaram.

Por sua vez, os direitos fundamentais, diferentemente dos direitos humanos que se fundamentam no jusnaturalismo, possuem fundamentação positivista, consistindo naqueles direitos estabelecidos pelo Estado e cuja existência se dá apenas após a promulgação das normas estatais.

Tratam-se, pois, os direitos fundamentais de verdadeiros direitos humanos positivados por uma ordem jurídica.

2.2 Direitos fundamentais X Deveres fundamentais 

A Constituição Federal de 1988 (CF/88), ao estabelecer os direitos fundamentais, menciona tanto o termo “direito” quanto o termo “dever” sem, no entanto, fazer qualquer especificação ou enumeração quanto ao último. Outrossim, para parcela da doutrina, essa omissão constitucional foi intencional, posto que no momento em que a CF/88 estabelece determinado direito fundamental em favor de um sujeito passivo também está estabelecendo o respectivo dever que as demais pessoas têm de cumprir e observar o direito concedido, razão pela qual não haveria necessidade de tratar-se dos deveres intrínsecos aos direitos fundamentais.

Essa correspondência, no entanto, é criticada por alguns autores, como Canotilho. Este afirma que os direitos fundamentais podem também vincular entidades privadas sem que haja nisto um dever fundamental, senão apenas uma eficácia daqueles direitos em face da ordem jurídica privada.

2.3 Direitos fundamentais X Garantias fundamentais 

Para a maior parte da doutrina há que se fazer uma distinção entre os direitos e as garantias fundamentais, embora, no termos exatos, estas não deixem de ser também uma forma de exercício dos direitos fundamentais.

Pois bem, embora os direitos sejam gênero do qual as garantias constituem espécie, insta consignar que estas últimas costumam ser normas que visam proteger o exercício dos direitos fundamentais, estes estabelecidos por normas meramente enunciativas.

Com efeito, interessante compilar a análise de Rui Barbosa sobre o tema, veja-se:

As disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito.

Assim, por exemplo, enquanto o inciso XV do artigo 5º da CF/88 aduz um direito fundamental à livre locomoção no território brasileiro em tempos de paz, o inciso LXVIII do mesmo dispositivo garante esse direito à liberdade ao cuidar do habeas corpus, remédio constitucional específico que pode ser utilizado pelo indivíduo que se vê ameaçado de locomover-se livremente.

2.4 Características dos direitos e garantias fundamentais 

A caracterização dos direitos e garantias fundamentais é uma tarefa da qual já se desincumbiram muitos doutrinadores.

Com efeito, Pedro Lenza, ao destacar tais atributos, menciona a classificação feita por David Araújo e Serrano Nunes.

Segundo os referidos doutrinadores, os direitos humanos são dotados de historicidade, isto é, possuem caráter histórico, tendo nascido com o Cristianismo, passado por diversas revoluções e chegado aos dias atuais. Com efeito, afirmou Noberto Bobbio:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (...) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras cultuas.

É característica dos direitos fundamentais, também, a universalidade. Isto porque os direitos e garantias fundamentais destinam-se, de modo indiscriminado, a todos os seres humanos, independentemente de raça, credo, cor, nacionalidade ou convicção política. Todavia, nem todos os direitos fundamentais possuem essa característica, tal como obtempera Gilmar Mendes:

Não é impróprio afirmar que todas as pessoas são titulares de direitos fundamentais e que a qualidade de ser humano constitui condição suficiente para a titularidade de tantos desses direitos. Alguns direitos fundamentais específicos, porém, não se ligam a toda e qualquer pessoa. Na lista brasileira dos direitos fundamentais, há direitos de todos os homens – como o direito à vida – mas há também posições que não interessam a todos os indivíduos, referindo-se apenas a alguns – aos trabalhadores, por exemplo.

Do mesmo modo, a limitabilidade constitui outra característica dos direitos e garantias fundamentais. Segundo esse atributo, esses direitos não são absolutos, são, ao contrário, relativos. Havendo conflitos entres os direitos, no caso concreto, um deles deverá prevalecer, devendo-se levar em consideração a máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos e, ao mesmo tempo, a sua mínima restrição.

Os direitos e garantias fundamentais são, ainda, concorrentes entre si já que podem ser exercidos cumulativamente. Isto é, o exercício de um determinado direito fundamental não exclui, por si só, o exercício de outro direito.

Além disso, é característica desses direitos a irrenunciabilidade. Os direitos e garantias fundamentais não podem ser renunciados pelo seu titular. Admite-se, no entanto, que o sujeito ativo titular do direito não o exerça, sem que isso signifique que renunciou àquele direito.

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Consoante entendimento de José Afonso da Silva, os direitos fundamentais ainda possuem outras duas características, quais sejam, a inalienabilidade e a imprescritibilidade. Ou seja, os direitos e garantias fundamentais não possuem conteúdo econômico-patrimonial, não podendo ser alienados e, ademais, não estão sujeitos à prescrição, já que podem, a qualquer tempo, ser exercidos.


3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) caracteriza-se por ser uma Constituição pluralista, isto é, idealizada para acolher em seu texto as diversas necessidades e os fins pretentidos por toda uma coletividade. Sendo assim, a CF/88 acaba por positivar posições que chegam a ser controvertidas entre si. No que tange aos direitos fundamentais, por exemplo, a Carta Magna não acatou uma teoria única, o que influenciou diretamente na catalogação desses direitos dentro de seu texto. Com efeito, os direitos fundamentais encontram-se espalhados por todo o texto constitucional.

Em seu Título II, a CF/88 classifica o gênero direitos e garantias fundamentais em alguns grupos, tais como, direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos políticos, dentre outros.

Embora não haja um rigor científico na disposição desses direitos na Constituição Federal, importante ressaltar, ainda, que a Carta Magna de 1988 foi a primeira a trazer em seu bojo normas fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões. Ademais, cabe frisar, ainda, que em seu artigo 60, § 4º, estabelece que os direitos e garantias individuais não poderão ser objeto de emenda que os tenda a abolir, incluindo-os no rol das chamadas cláusulas pétreas.


4 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (DIMENSÕES DE DIREITOS) 

A evolução dos direitos fundamentais está intimamente ligada aos lemas e objetivos da Revolução Francesa. Assim, a liberdade, a igualdade e a fraternidade, respectivamente direitos de 1ª, 2ª e 3ª dimensões, anunciavam o progresso, com o passar dos anos, dos direitos fundamentais.

Com efeito, os direitos fundamentais são históricos, nascidos de modo gradual, um de cada vez com o decorrer do tempo. Por isso que a doutrina tradicional reconhece a evolução desses direitos, conforme ver-se-á a seguir.

4.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão 

Os direitos de primeira dimensão são aqueles considerados como um direito de defesa do indivíduo contra o Estado. Tratava-se de uma perspectiva social de absenteísmo estatal, possuindo um caráter negativo, ligada profundamente ao ideal de liberdade.

Surgiram com o constitucionalismo do século XVIII e seu reconhecimento deu-se quando da passagem do Estado autoritário para o Estado de Direito que primava pelas liberdades individuais.

Segundo Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna:

Traduzem-se como faculdades pessoais a serem utilizadas tanto como direitos potestativos, a cujos efeitos o Estado se sujeita juridicamente (direito a não prestar serviço militar em razão de convicção religiosa, por exemplo), quanto como direitos subjetivos à prestação de deveres estatais negativos (direito de ir e vir, liberdade de reunião, etc).

Esses direitos consubstanciam-se nos direitos individuais, civis e políticos.

4.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão 

Surgiram a partir do século XIX com o início da Revolução Industrial europeia. As péssimas condições de vida e emprego dos trabalhadores da época fez eclodir diversas manifestações em busca de normas assistenciais que pudessem garantir melhoria da qualidade de vida desses indivíduos.

Fez-se presente, portanto, a necessidade de garantir-se à população os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos. Estes são direitos atrelados ao ideal de igualdade e relacionam-se com o trabalho, o seguro social, o amparo à velhice e à doença, dentre outros.

Os direitos fundamentais de segunda dimensão possuem um caráter eminentemente positivo, visto que exigem uma atuação do Estado para sua concretização.

4.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão

Essa dimensão de direitos está relacionada com o ideal de fraternidade e surgiu em decorrência das mudanças ocorridas na comunidade internacional. Nesse contexto, a preocupação dos indivíduos passou a ser com os direitos difusos, tais como, a proteção ao meio ambiente, aos consumidores e ao patrimônio comum da humanidade.

Tais direitos possuem um elevado teor de humanismo e universalidade, visto que não se direcionam especificamente à proteção de um indivíduo em si considerado, mas à proteção dos interesses de vários ramos da sociedade. São também exemplos desses direitos o direito ao desenvolvimento, à paz, à autodeterminação dos povos etc.

4.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão

Considerando que os direitos fundamentais são dotados de historicidade, isto é, vêm sendo adquiridos pelos indivíduos com o passar dos anos, e considerando, ainda, o desenvolvimento tecnológico e a globalização política, é possível defender a existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais.

Segundo Noberto Bobbio, essa dimensão seria caracterizada pela existência dos direitos à democracia, ao pluralismo e à informação. Abrangendo, ainda, direitos ligados à informática, biociências, alimentos transgênicos, sucessão de filhos gerados por inseminação artificial, clonagens, dentre outros.

Há, ainda, autores que afirmam existir uma quinta dimensão dos direitos fundamentais que enquadraria direitos relativos à paz ou, ainda, à era virtual, mas não há uma consolidação de tais pensamentos.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Kerinne Maria Freitas. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4601, 5 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46244. Acesso em: 22 dez. 2024.

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