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Uma análise crítica dos projetos de leis que dispõem sobre a prostituição no Brasil

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03/02/2016 às 14:24
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4. O PROJETO DE LEI 377/2011, DE AUTORIA DO DEPUTADO FEDERAL JOÃO CAMPOS.

Finalmente, tramita, também, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 377/2011, de autoria do Deputado Federal João Campos. Tal projeto, que conta com dois artigos, (um dos quais trata da vigência da lei), visa acrescer[12], nos termos do seu art. 1º, o art. 231-A ao Código Penal, com a seguinte redação:

Contratação de serviço sexual

Art. 231-A. Pagar ou oferecer pagamento a alguém pela prestação de serviço de natureza sexual:

Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem aceita a oferta de prestação de serviço de natureza sexual, sabendo que o serviço está sujeito a remuneração.

Trata-se, como se vê, de crime de mera conduta, pois o mero oferecimento de pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual, por si só, já consuma o delito.

Ademais, note-se que o oferecimento de contraprestação por qualquer do povo para fins de prestação de tais serviços, mesmo que não a prostitutos (assim entendidos como aqueles que têm, na prestação de serviços sexuais, a sua atividade profissional), também dá ensejo à penalidade descrita no preceito secundário.

Segundo o autor do projeto,

a venda do corpo é algo não tolerado pela sociedade. A integridade sexual é bem indisponível da pessoa humana e, portanto, não pode ser objeto de contrato visando a remuneração.

O quadro negativo da prostituição não envolve apenas o sacrifício da integridade pessoal. A atividade é tradicionalmente acompanhada de outras práticas prejudiciais à sociedade, como o crime organizado, lesões corporais, a exploração sexual de crianças e adolescentes além do tráfico de drogas. 

A criminalidade da contratação de serviços sexuais tem por fim, também, a proteção das pessoas e o combate à opressão sexual.

É de se questionar, todavia, se tal opção atende aos interesses nacionais.

Sob o pálio de defender os prostitutos, parece que tal opção legislativa, na verdade, visa extirpá-los do seio social, consubstanciando verdadeira medida de caráter “profilático”.

Sequer as leis vigentes que criminalizam os agenciadores da prostituição são efetivas. Pouco se vê, na prática, a atuação policial na efetiva penalização dos diversos bordéis ao longo da cidade, com base no art. 229 do Código Penal. Trata-se de verdadeira lei morta.

Agora, pretende-se, além de tudo, punir a clientela dos prostitutos.

Se nem mesmo condutas “mais graves”, como os delitos previstos nos arts. 228 e 229, são, efetivamente, reprimidas pela máquina pública, que dirá o delito que ora se pretende acrescer. Será mais um artigo de lei que, desde o seu nascimento, está fadado a integrar o já extenso rol de crimes sem efetividade prática, previstos no excessivo arcabouço normativo-penal.

Na Suécia, onde vigora modelo penal semelhante ao que se pretende adotar, são efetivamente tomadas medidas públicas em prol dos prostitutos tendentes a dar-lhes alternativas fora do comércio sexual, coisa que não se vê no Brasil.

Nem os agenciadores dos prostitutos, mesmo os que efetivamente trazem benefícios a estes sujeitos (dando-lhes oportunidades de trabalho mais dignas do que o oferecimento dos seus serviços ao relento das ruas da cidade), encontram-se livres da reprimenda penal: meros auxílios materiais podem ser apenados com 2 a 5 anos de reclusão (CP, art. 228).

O que fazer então como os milhões de brasileiros que, por falta de alternativas, recorrem à prostituição para garantir o pão de cada dia? Não têm direito a empregadores formais; agora, também, não terão direito a ter clientes (ao menos, não de forma lícita). Como irão se manter?

O Projeto de Lei 37/2011 não dispensa um único artigo, um único parágrafo, um único inciso ou uma única alínea para tratar de políticas públicas em prol dos prostitutos, como se uma lei penal incriminadora contivesse a solução mágica de todos os problemas, ou se ela bastasse em si mesma.

Certamente, a atividade, que já é severamente marginalizada, piorará; a clandestinidade vigorará com ainda maior pujança (o que foi verificado até mesmo na Suécia). Os prostitutos, que hoje, em muitos casos, já se submetem a condições aviltantes, passarão a exercer as suas atividades em condições sub-humanas. Tudo isso por uma justificativa moralista de punir uma atividade amplamente aceita no seio social (sendo, data venia, verdadeira falácia a afirmativa de que “a venda do corpo não é algo tolerado pela sociedade”).

Por outro lado, não se encontraram, em pesquisas realizadas sobre o Projeto de Lei ora analisado, quaisquer consultas públicas tendentes a conhecer a opinião da população sobre esta medida, especialmente dos grupos sociais afetados por ela – diferentemente do que ocorre com o Projeto de Lei “Gabriela Leite”.

É mais uma tentativa de fazer com que o povo, detentor do poder (CF, art. 1º, parágrafo único), seja submetido às vontades e às concepções unilaterais do parlamento, que certamente não se revela consentânea com a opinião da maioria da população, especialmente dos milhões de prostitutos que serão frontalmente afetados por esta iniciativa legislativa, e que sequer tiveram a oportunidade de se manifestar a seu respeito.

O Projeto de Lei ora analisado teve parecer favorável pela Comissão de Constituição e Justiça e pende de apreciação pela Câmara dos Deputados.


5. CONCLUSÃO

A legalização da prostituição (tal qual proposto pelo Projeto de Lei 98/2003 e pelo Projeto de Lei “Gabriela Leite”) ou a criminalização da atividade da clientela dos prostitutos (conforme preconizado pelo Projeto de Lei 377/2001) é tema dos mais polêmicos, cujas conseqüências atingirão não só os profissionais do sexo, mas a sociedade como um todo.

Um assunto tão delicado e com tamanha repercussão social merece a atenção e o debate do Congresso e da população. As críticas feitas aos projetos em questão no presente trabalho buscam contribuir para a reflexão a respeito do tema.

O que não pode ser aceito, contudo, é a adoção de modelos legislativos que externem concepções pessoais e estigmas morais que não encontram apoio no seio social, cuja opinião deve pautar a edição das leis que o atingem.


6. REFERÊNCIAS

BARROS, Guilherme Freire de Melo. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/1990. 8ª Ed. Salvador : JusPodivm, 2014.

DA SILVA, Andréa. O processo de trabalho de mulheres prostitutas de rua de Florianópolis e sua qualidade de vida [dissertação]. Florianópolis: Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, 2000.

GAGLIANO, Novo curso de direito civil, volume II : obrigações. 12ª ed. São Paulo : Saraiva, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Prostituição, lenocínio e tráfico de pessoas. Aspectos Constitucionais e Penais. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014.

QUEIROZ, Paulo. Prostituição é legal? Disponível em: [http://pauloqueiroz.net/prostituicao-e-legal/]. Acesso em 20 de dezembro de 2015.

ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Pequenas notas sobre o contrato de prostituição. Disponível em: [http://direitocivilemdebate.blogspot.com.br/2010/05/pequenas-notas-sobre-o-contrato-de.html]. Acesso em 24 de dezembro de 2015.

WYLLYS, Jean. As prostitutas também são mulheres trabalhadoras. Disponível em: [http://www.cartacapital.com.br/sociedade/cut-as-prostitutas-tambem-sao-mulheres-trabalhadoras-5575.html]. Acesso em 22 de dezembro de 2015.


Notas

[1]Como justificativa do Projeto, defendeu o Deputado Fernando Gabeira: “Já houve reiteradas tentativas de tornar legalmente lícita a prostituição. Todas estas iniciativas parlamentares compartilham com a presente a mesma inconformidade com a inaceitável hipocrisia com que se considera a questão.

Com efeito, a prostituição é uma atividade contemporânea à própria civilização. Embora tenha sido, e continue sendo, reprimida inclusive com violência e estigmatizada, o fato é que a atividade subsiste porque a própria sociedade que a condena a mantém. Não haveria prostituição se não houvesse quem pagasse por ela.

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Houve, igualmente, várias estratégias para suprimi-la, e do fato de que nenhuma, por mais violenta que tenha sido, tenha logrado êxito, demonstra que o único caminho digno é o de admitir a realidade e lançar as bases para que se reduzam os malefícios resultantes da marginalização a que a atividade está relegada. Com efeito, não fosse a prostituição uma ocupação relegada à marginalidade – não obstante, sob o ponto de vista legal, não se tenha ousado tipificá-la como crime – seria possível uma série de providências, inclusive de ordem sanitária e de política urbana, que preveniriam os seus efeitos indesejáveis.

O primeiro passo para isto é admitir que as pessoas que prestam serviços de natureza sexual fazem jus ao pagamento por tais serviços.

Esta abordagem inspira-se diretamente no exemplo da Alemanha, que em fins de 2001 aprovou uma lei que torna exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual. Esta lei entrou em vigor em 1º de janeiro de 2002.

Como consectário inevitável, a iniciativa germânica também suprimiu do Código Penal Alemão o crime de favorecimento da prostituição – pois se a atividade passa a ser lícita, não há porque penalizar quem a favorece.No caso brasileiro, torna-se também consequente suprimir do Código Penal os tipos de favorecimento da prostituição (art. 228), casa de prostituição (art. 229) e do tráfico de mulheres (art. 231), este último porque somente penaliza o tráfico se a finalidade é o de incorporar mulheres que venham a se dedicar à atividade.

Fazemos profissão de fé que o Legislativo brasileiro possui maturidade suficiente para debater a matéria de forma isenta, livre de falsos moralismos que, aliás, são grandemente responsáveis pela degradação da vida das pessoas que se dedicam profissionalmente à satisfação das necessidades sexuais alheias”.

[2] Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as: I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões; II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno; III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias; IV – de iniciativa popular; V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

[3] Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal: “Art. 187: A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

[4][http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=518106&filename=VTS+2+CCJC+%3D%3E+Projeto de Lei+98/2003]. Acesso em 23 de janeiro de 2015.

[5] Visto em: [http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm]. Acesso em: 24 de janeiro de 2015.

[6] Visto em: [http://www.camara.gov.br/sileg/integras/518382.pdf]. Acesso em: 24 de janeiro de 2015.

[7] Na época, não havia sido incorporado ao Código Penal o dispositivo previsto no art. 231-A (Tráfico interno de pessoa para fins de exploração sexual), o que só foi feito em 2009 pela Lei 12.015.

[8]  Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:

Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Na mesma pena incorre quem: (...) II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

[9]A continuidade típico normativa ocorre quando, a despeito de ter havido revogação de um determinado tipo penal, não se entende pela abolitio criminis em virtude de a conduta descrita a norma revogada continuar sendo tipificada em outro dispositivo penal.

[10] [http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1012829]. Acesso em 25 de janeiro de 2015.

[11] O art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê dispositivo semelhante. Todavia, em função do critério cronológico, conforme Guilherme Freire de Melo Barros (2014, p. 312), o entendimento doutrinário é no sentido de que a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente foi revogado pelo art. 218-B do Código Penal, com redação dada pela Lei 12.015 de 2009.

[12]O autor do projeto repetiu a numeração de um artigo que já existe no Código Penal. Com efeito, o art. 231-A trata do Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual.

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Sobre o autor
Darlon Costa Duarte

Analista Judiciário - Área Judiciária do Supremo Tribunal Federal. Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Pós-graduando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Darlon Costa. Uma análise crítica dos projetos de leis que dispõem sobre a prostituição no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4599, 3 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46246. Acesso em: 23 dez. 2024.

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