A eficácia executiva das sentenças meramente declaratórias

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Aferição da possibilidade de se promover, via cumprimento de sentença, a execução de sentenças meramente declaratórias, ante o disposto no artigo 475-N, I, do CPC, que atribui natureza de título executivo à sentença que reconhece a existência de obrigação

SUMÁRIO: 1. O surgimento do cumprimento de sentença como fase do processo de conhecimento no CPC – 2. Os títulos executivos judiciais – 3. A eficácia executiva das sentenças declaratórias – 4. Considerações finais.

1. O SURGIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA COMO FASE DO PROCESSO DE CONHECIMENTO NO CPC

Logo de início, convém trazer à tona que o cumprir de uma sentença, no Direito processual civil brasileiro, nem sempre ocorreu da forma como atualmente se vê. Isso porque, resolvida a crise de certeza em torno da qual litigavam inicialmente as partes e formado o título executivo judicial, tem-se, por certo, que o momento do processo que expõe as partes à solução de uma crise de adimplemento já foi alvo de significativas – e, sobretudo, louváveis – mudanças legislativas, as quais, grosso modo, acabaram por transforma a ação autônoma de execução de título judicial em mera fase, é dizer, em mais uma etapa do processo de conhecimento.

Antes de tudo, sem deixar, evidentemente, de reconhecer a importância das inovações surgidas sobre o tema em leis extravagantes, a exemplo da lei que rege os procedimentos judiciais em trâmite no âmbito dos juizados especiais cíveis dos Estados, que, já em 1999, trazia a possibilidade de execução de sentença nos moldes atuais, convém afirmar que o presente estudo será voltado às disposições do Código de Processo Civil.

Em poucas linhas, a mudança de paradigma da execução de título judicial, no Código de Processo Civil, despontou com a edição da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que, além de outras tantas alterações importantes introduzidas no Código de Processo Civil, serviu para possibilitar, em certas hipóteses, a sua execução imediata, é dizer, sem a necessidade de ajuizamento de processo executivo autônomo fundado em título judicial, tornando mais célere e, portanto, mais efetiva a prestação jurisdicional.

Nesse momento, a execução passou a ser, pelos menos para as obrigações de fazer e não fazer, um dos efeitos naturais e imediatos da sentença, prescindindo da adoção das medidas executivas tradicionais, tais como o ajuizamento de ação executiva autônoma e a realização de nova citação do devedor, para a satisfação dos direitos já reconhecidos judicialmente. No que toca às execuções de obrigações de fazer e não fazer, a propositura de ação autônoma para tal fim ficou reservada para os casos em que o credor fundasse seu direito em título executivo extrajudicial.

Fredie Didier Jr., aludindo à reforma trazida pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, afirma categoricamente que:

As sentenças que impõem o cumprimento de uma prestação de fazer e de não-fazer efetivam-se no mesmo procedimento em que são proferidas. (…) podem ser efetivadas sine intervalo, é dizer, podem ser executadas no mesmo processo em que foram proferidas, mediante a tomada de providências executivas numa fase complementar à fase de certificação do direito. É preciso destacar, porém, que essa característica já fora generalizada, para essas sentenças, desde 1994, com a reformulação do art. 461 do CPC [2].

Marcus Vinícius Rios Gonçalves, tratando, em sua obra, sobre as alterações legislativas que culminaram na priorização da tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, assim dispõe:

Na busca por um processo mais efetivo, alterações foram introduzidas na lei para a satisfação mais rápida e eficaz das decisões judiciais.

Entre elas, a execução imediata dos títulos judiciais, fundados em obrigações de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar.

A primeira modificação foi atribuir às sentenças condenatórias em obrigação de fazer ou não fazer cunho mandamental. O juiz, quando condena o devedor, expede uma ordem, que, se não cumprida, implica na adoção das medidas previstas nos §§4º, 5º e 6º do art. 461. Não haverá um processo autônomo de execução, mas apenas uma fase de cumprimento de sentença. A execução tradicional das obrigações de fazer ou não fazer, tratada nos arts. 632 e s. do CPC, ficou reservada para os títulos extrajudiciais [3].

No bojo do movimento intitulado a reforma da reforma sistema processual civil brasileiro foi alvo de algumas pontuais, mas importantes alterações, sendo que foi nessa fase que restou editada a Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002 [4], cujo advento estendeu às obrigações de entregar coisa distinta de dinheiro o mesmo tratamento que a reforma de 1994 havia previsto para as obrigações de fazer e não fazer.

Justamente por terem sido muito bem recepcionadas as alterações introduzidas em 1994, cumprindo com bastante eficiência a finalidade a que se destinavam, que, a partir daí, sentiu-se a necessidade de ampliar a novel sistemática de execução, conferindo o mesmo tratamento a outros tipos de obrigações.

E assim foi feito, tendo como alvo, já em 2002, as obrigações de entregar coisa distinta de dinheiro.

Também tratando sobre a reforma que culminou na previsão de procedimento diferenciado para proporcionar tratamento adequado à satisfação de direitos que reclamavam o cumprimento de obrigação de entregar coisa, Marcus Vinícius assim assevera:

Na sequência, a lei alterou as execuções de obrigação de entrega de coisa fundadas em título judicial. A sentença que condena o réu também se tornou mandamental. Sem o processo de execução, o juiz determinará as providências para que a sua sentença seja cumprida. Só há processo de execução para entrega de coisa se a obrigação decorrer de título extrajudicial [5].

A partir da vigência da Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002, o cumprimento das obrigações de entregar coisa distinta de dinheiro também passou a ser submetido ao mesmo procedimento previsto para as obrigações de fazer ou não fazer. Tanto é que o §3º do artigo 461-A [6], do Código de Processo Civil prevê a aplicação integral do artigo 461 para a resolução do conflito ajuizado com fundamento em obrigação de entregar coisa.

Sem dúvidas, a reforma de 2002 também contribuiu bastante para o aprimoramento das técnicas processuais dispostas no processo civil brasileiro. A essa altura, vale dizer, o juiz já dispunha de mecanismos procedimentais aptos a conceder ao credor de obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa distinta de dinheiro exatamente aquilo a que faz jus segundo as normas de direito material.

Com a reforma ocorrida em 2002, tornou-se desnecessário o ajuizamento de ação executiva autônoma fundada em título judicial para que a parte favorecida pela sentença alcançasse a realização de seu direito não pecuniário. E mais do que simplesmente desnecessário, tornou-se inadequada essa via processual para impor ao devedor o cumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa distinta de dinheiro.

Sem menor importância para o desenvolvimento do tema; ao revés, com maior relevância para o objeto deste estudo, há que se dar destaque também à reforma processual ocorrida nos idos do ano de 2005.

Trata-se da alteração trazida pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005 [7], responsável por estabelecer, de uma vez por todas, o modelo processual sincrético, que concentra os poderes de conhecer e executar na atividade jurisdicional do mesmo juízo, tornando o cumprimento das sentenças proferidas no processo de conhecimento em mera fase processual, independentemente se oriunda de uma ação que vise ao cumprimento de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia.

Além de alterar o conceito de sentença [8], por exigência da própria reforma, a Lei nº 11.232/2005 redundou inclusive na inaplicabilidade de todos os dispositivos relativos à execução autônoma de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia quando fundada em título judicial, com exceção dos casos de execução de sentença penal, arbitral ou estrangeira, cuja efetivação ainda dependerá de ordem de citação do devedor para que se proceda à liquidação da dívida ou execução da obrigação, conforme o caso [9] [10].

2. OS TÍTULOS EXECUTIVOS JUDICIAIS

À época de sua edição, o Código de Processo Civil trazia o rol de títulos executivos judiciais no artigo 584, dispositivo que acabou por ser revogado pela citada Lei nº 11.232/2005, que estabeleceu nova lista no artigo 475-N.

Dentre as alterações promovidas, importa para este estudo o cotejo entre o que previa o artigo 584, I, e o que agora dispõe o 475-N, I, do Código de Processo Civil, ao passo que o primeiro dizia ser título executivo judicial “a sentença condenatória proferida no processo civil” enquanto o segundo atribui tal status à “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”, sendo certo que a realização de obrigação de fazer ou não fazer, de entregar coisa distinta de dinheiro e, por último, de pagar quantia seguem, respectivamente, o regramento dos artigos 461, 461-A e 475-J a 475-R.

Atualmente, assim estabelece o Código de Processo Civil:

Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;

II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;

III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo;

IV – a sentença arbitral;

V – o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;

VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;

VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal.

Como dito, ao diante, restringir-se-á o objeto de estudo ao exame das sentenças declaratórias, com vistas a aferir a possibilidade, ou não, de sua execução, é dizer, com o intuito de verificar a sua aptidão para ser considerada como título executivo judicial.

3. A EFICÁCIA EXECUTIVA DAS SENTENÇAS DECLARATÓRIAS

Tradicionalmente, as sentenças que estariam aptas a subsidiar subsequente processo de execução, seja ele autônomo seja compreendido como uma das fases processuais, seriam aquelas que veiculassem algum comando sentencial de cunho condenatório ou mandamental, que delas pudessem se extrair uma ordem de cumprimento de determinada obrigação dirigida àquele a quem, ao final do processo judicial de conhecimento, restou designada a condição de vencido, sucumbente.

Adiantando-se à conclusão, é seguro afirmar, que, atualmente, ainda que se considere a inexistência de condenação expressa do devedor ao cumprimento de determinada obrigação, não há que se cogitar da impossibilidade de o credor pretender, em juízo, a realização de seu direito, provocando, para isso, o início da atividade executiva, porquanto, como será explicitado, em que pese inexista condenação expressa, há o reconhecimento da obrigação. E isso basta.

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Entrementes, a atual sistemática processual permite à parte executar não só a sentença condenatória, a mandamental e a executiva lato sensu, mas também a constitutiva e a declaratória, bastando, nesse último caso, que ela reconheça, por exemplo, a existência da obrigação de pagar, sendo despicienda para a hipótese a constatação de condenação expressa por parte do magistrado que proferiu a sentença.

Feitos esses esclarecimentos iniciais, importa dizer que, em momento anterior ao advento da Lei nº 11.232/2005, vigia, no Código de Processo Civil, o artigo 584, que, fazendo as vezes do atual artigo 475-N, elencava o rol de títulos executivos judiciais. Nesta toada, já no inciso I, o (revogado) artigo 584 dispunha:

Art. 584. São títulos executivos judiciais:

I – a sentença condenatória proferida no processo civil;

Ao entrar em vigor 06 (seis) meses após a data da sua publicação, a Lei nº 11.232/2005, que, em seu artigo 9º, expressamente, revogou o citado artigo 584 do Código de Processo Civil, tratando ela mesma sobre a fase de cumprimento de sentença, acabou por estabelecer novo rol de títulos executivos judiciais, bem parecido, de fato, com o que, até então, vigia, mas com algumas notas diferenciadoras, dentre as quais, e com evidente relevância para o presente estudo, merece destaque o disposto no artigo 475-N, I, do CPC:

Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;

Perceba-se, que, enquanto o inciso I, do artigo 584 era expresso ao preceituar a sentença condenatória como título executivo judicial, a reforma legislativa pela qual passou o Código de Processo Civil acabou por determinar, no inciso I, do correlato artigo 475-N, que, para ser título executivo judicial, basta que a sentença reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia, o que, por certo, acabou por, inequivocamente, emprestar carga executiva também às sentenças declaratórias.

Segundo Fredie Didier Jr., que, ressalte-se, já defendia a eficácia executiva das sentenças declaratórias mesmo antes da mencionada alteração legislativa [11]:

O art. 475-N, I, prescreve que é título executivo judicial a “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Retirou-se do texto legal a menção que havia à sentença condenatória (CPC, art. 584, I, ora revogado), para deixar claro que qualquer sentença que reconhecer a existência de uma obrigação exigível, o que inclui a declaratória, tem eficácia executiva [12].

Sem a menor pretensão de, nesta oportunidade, levantar quaisquer discussões acerca da possibilidade de se executar as sentenças declaratórias mesmo antes da reforma ocorrida em 2005, importa, por ora, apenas consignar que, com o advento da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, encerraram-se as dúvidas porventura ocorrentes acerca a eficácia executiva das sentenças que se atêm a reconhecer a existência de certa obrigação.

Há muito, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a eficácia executiva das sentenças declaratórias, é dizer, daquelas decisões que certificam o direito que uma parte tem em relação à outra, ou, nos dizeres do próprio legislador, das sentenças que reconheçam a existência de determinada obrigação. Exemplo disso é o julgado abaixo colacionado [13]:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SENTENÇA DECLARATÓRIA DO DIREITO DE CRÉDITO CONTRA A FAZENDA PARA FINS DE COMPENSAÇÃO. SUPERVENIENTE IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAR. EFICÁCIA EXECUTIVA DA SENTENÇA DECLARATÓRIA, PARA HAVER A REPETIÇÃO DO INDÉBITO POR MEIO DE PRECATÓRIO.

1. No atual estágio do sistema do processo civil brasileiro não há como insistir no dogma de que as sentenças declaratórias jamais têm eficácia executiva. O art. 4º, parágrafo único, do CPC considera “admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito”, modificando, assim, o padrão clássico da tutela puramente declaratória, que a tinha como tipicamente preventiva. Atualmente, portanto, o Código dá ensejo a que a sentença declaratória possa fazer juízo completo a respeito da existência e do modo de ser da relação jurídica concreta.

2. Tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. E instaurar um processo de cognição sem oferecer às partes e ao juiz outra alternativa de resultado que não um, já prefixado, representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional.

3. A sentença declaratória que, para fins de compensação tributária, certifica o direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo, contém juízo de certeza e de definição exaustiva a respeito de todos os elementos da relação jurídica questionada e, como tal, é título executivo para a ação visando à satisfação, em dinheiro, do valor devido.

4. Recurso Especial a que se nega provimento.

O informativo 487 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, dentre outras decisões de especial relevância jurídica e de notória repercussão, veiculou a divulgação do julgado abaixo colacionado, por meio do qual se reconhece a eficácia executiva da sentença que tão somente declara, que apenas certifica a existência de obrigação exigível [14]:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. SENTENÇA QUE CONDENA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER (IMPEDIMENTO DE CORTE NO FORNECIMENTO) E DECLARA LEGAL A COBRANÇA IMPUGNADA EM JUÍZO, SALVO QUANTO AO CUSTO ADMINISTRATIVO DE 30% REFERENTE A CÁLCULO DE RECUPERAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 475-N, INC. I, DO CPC PELA CONCESSIONÁRIA EM RELAÇÃO À PARTE DO QUE FOI IMPUGNADO PELO CONSUMIDOR NA FASE DE CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO.

1. Com a atual redação do art. 475-N, inc. I, do CPC, atribuiu-se “eficácia executiva” às sentenças “que reconhecem a existência de obrigação de pagar quantia”.

2. No caso concreto, a sentença que se pretende executar está incluída nessa espécie de provimento judicial, uma vez que julgou parcialmente procedente o pedido autoral para (i) reconhecer a legalidade do débito impugnado, embora (ii) declarando inexigível a cobrança de custo administrativo de 30% do cálculo de recuperação de consumo elaborado pela concessionária recorrente, e (iii) discriminar os ônus da sucumbência (v. fl. 26, e-STJ).

3. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/08.

É muito comum que a sentença proferida ao final de uma ação declaratória de inexistência de dívida, em detrimento do pedido do autor, reconheça a legalidade da cobrança perpetrada pelo réu, sendo que, nestes casos, torna-se mais fácil a compreensão da eficácia executiva da sentença declaratória, dada a natureza dúplice da ação que a contém.

Entrementes, não se pode negar que a situação inversa também é plenamente possível, significando dizer que há sentenças, de fato, absolutamente claras em reconhecer a existência da obrigação do devedor, certificando, por óbvio, o direito do credor de ver cumprida a prestação respectiva a que faz jus, valendo isso, indistintamente, tanto para os casos em que se pede a declaração de existência quanto para aqueles em que se pugna pela declaração de inexistência da obrigação.

Além disso, mesmo em ações condenatórias, ainda que se afirme não ter havido condenação expressa do devedor ao cumprimento de determinada obrigação, isto é, por mais que se diga, por exemplo, que não consta da sentença a expressão “condeno o réu ao pagamento”, não se pode, por outro lado, negar que, em tais casos, subsiste sim, o reconhecimento da existência da obrigação, não sobejando discussões a respeito, notadamente quando exsurge da decisão os efeitos da coisa julgada material.

De toda sorte, se a sentença, conquanto não tenha efetivamente cuidado de emitir comando expresso para condenar o devedor ao cumprimento da obrigação, tenha, ao revés, cerificado o direito do credor, é dizer, reconhecido a existência da obrigação, é certo que tal sentença se afigura certamente como título executivo judicial, nos moldes do artigo 475-N, I, do Código de Processo Civil.

Em complemento à elogiável exposição de seu entendimento, Fredie Didier Jr. ainda afirma o seguinte:

De fato, se uma decisão judicial reconhece a existência de um direito a uma prestação exigível (definição completa da norma jurídica individualizada), em nada ela se distingue de uma sentença condenatória, em que isso também acontece. (...). O que importa, para que uma decisão seja título executivo, é que haja o reconhecimento da existência de um dever de prestar, qualquer que seja a natureza da sentença ou da prestação [15].

No mesmo sentido, e de maneira categórica, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascky, em obra de sua autoria, assim leciona:

Se a norma jurídica individualizada está definida, de modo completo, por sentença, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. Instaurar a cognição sem oferecer às partes e principalmente ao juiz outra alternativa de resultado que não um já prefixado representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional [16].

Sobre esse tema, linha de argumentação interessante adota Humberto Theodoro Júnior, outro processualista de renome no país, segundo o qual, em síntese, se o Direito Processual positivo brasileiro, no artigo 585, II, in fine, do Código de Processo Civil, atribui força executiva a qualquer documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas, por mais fortes razões é que se deveria reconhecer a carga executiva de sentenças que declarem a existência de direitos, uma vez que pronunciadas por autoridade judiciária competente, no exercício da atividade jurisdicional, cujo conteúdo é imutável porquanto acobertado pelos efeitos da coisa julgada material, estabilizando, portanto, definitivamente a norma jurídica individualizada aplicável ao caso concreto [17].

De fato, assiste razão ao citado autor, quando, em juízo de ponderação, acertadamente defende que a sistemática processual exige seja atribuída eficácia executiva às sentenças declaratórias, pena de tornar incoerente o fato de um documento particular gozar de mais força executória do que uma sentença, sendo esta proferida por autoridade estatal investida dos poderes de jurisdição, a quem cabe, no mais das vezes, substituir a vontade das partes na busca de solução para um caso concreto.

Como visto, a evolução do sistema processual civil brasileiro não deixa margens a que não se atribua – ou melhor, reconheça – eficácia executiva às sentenças declaratórias, desde que se atenham ao desiderato de efetivamente reconhecer a existência de determinada obrigação, definindo integralmente a norma jurídica individualizada, aquela que rege o caso concreto submetido à apreciação judicial.

Ora, se a reforma promovida no Código de Processo Civil bastou para a inclusão da sentença que reconhece a existência de um dever de prestar no rol de títulos executivos judiciais, constante de seu artigo 475-N, é certo que a sentença que apenas declara a existência desse direito pode, sim, sem a menor sombra de dúvidas, embasar execução fundada em título executivo judicial, sendo, nestes casos, despiciendo que a sentença, de fato, condene o devedor ao cumprimento da obrigação.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato, ante a completa definição da norma jurídica individualizada – a norma que regula o caso concreto – através da sentença, não subsistem razões para que não seja atribuída eficácia executiva às sentenças meramente declaratórias quando elas se prestem a reconhecer a existência de determinada obrigação, seja ela de fazer, de não fazer, de entregar coisa distinta de dinheiro ou mesmo de pagar.

Isso porque, como bem afirmado, por exemplo, pelo E. Ministro Teori Zavaski, não haveria lógica alguma em submeter a questão a um segundo juízo de certificação quando a vindoura sentença não poderia chegar a resultado diverso daquele alcançado pela anterior, pena de malferir a garantia da coisa julgada.

Além disso, hoje, a própria redação do artigo 475-N, I, do Código de Processo Civil é clara e expressa ao atribuir status de título executivo à sentença que reconheça a existência de obrigação, de um dever de prestar, sendo indiferente a natureza da sentença ou da prestação por ela reconhecida.

A ordem processual vigente apresenta-se, em tudo, condizente com a atribuição de eficácia executiva às sentenças meramente declaratórias que reconheçam a existência de determinada obrigação. O Superior Tribunal de Justiça, examinando a questão, já tem precedentes neste sentido, devendo este entendimento, de fato, prevalecer na doutrina e jurisprudência, por se afigurar absolutamente acertado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em 10/07/2015.

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 10/07/2015.

BRASIL. Lei nº. 8.952, de 13 de dezembro de 1994. Altera dispositivos do Código de Processo Civil sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8952.htm>. Acesso em 10/07/2015.

BRASIL. Lei nº. 10.444, de 07 de maio de 2002. Altera a Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L1044.htm>. Acesso em 10/07/2015.

BRASIL. Lei nº. 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Altera a Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, para estabelecer a fase de cumprimento de sentença no processo de conhecimento e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título judicial, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/11232.htm>. Acesso em 10/07/2015.

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: execução e processo cautelar. 5ª Edição. Vol. 03. Ed. Saraiva. São Paulo, 2012.

JUNIOR, Fredie Didier et al. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 05. 4ª Edição. Jus Podivm. 2012.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. As Novas Reformas do Código de Processo Civil. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 2006, p. 135.

TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Tutela específica dos direitos: obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. Ed. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2011.

ZAVASCKY, Teori Albino. Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados. Leituras complementares de processo civil. 3ª Edição. Jus Podivm, 2005, p. 31-32.

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Sobre o autor
Rafaello Lamboglia Medeiros Correia

Advogado militante, com atuação na área cível e previdenciária. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC e especialista, com pós-graduação "lato sensu", em Direito e Processo Constitucional. Aprovado nos concursos públicos para provimento de cargo de Procurador do Município de São Paulo (PGM/SP 2014), de Procurador do Estado do Paraná (PGE/PR 2015), Procurador do Município de Salvador (PGM/SSA 2015) e de Analista Judiciário, com área de especialidade em Execução de Mandados, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE 2014).

Informações sobre o texto

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