Resumo: A terceirização ainda não está regulada em legislação específica, embora haja projeto em lei em tramitação na Câmara dos Deputados (PL. 4330/2004). A normatização da terceirização no ordenamento jurídico brasileiro é feita de forma esparsa, sendo crucial, no âmbito trabalhista, a análise da Súmula 331 do Colendo TST. A responsabilidade subsidiária do tomador do serviço possui contornos diferentes entre os tomadores entes públicos e os tomadores privados. A regra é a não responsabilização do ente público, conforme o art. 71 da lei 8.666/1993. Entretanto, há a possibilidade de responsabilização em caso de omissão do poder público em relação à sua obrigação de fiscalizar. Para evitar uma possível responsabilização subsidiária, e em cumprimento ao seu dever de fiscalização e de apenas manter relações contratuais com empresas regulares, o ente público pode usar da ação de consignação em pagamento, sendo a Justiça Especializada do Trabalho competente para conhecer desta ação.
Palavras-chave: Responsabilidade subsidiária. Ente público.
1 INTRODUÇÃO
Neste trabalho abordaremos o conceito de terceirização e sua regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro. Abordaremos de maneira especial a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e seus desdobramentos no âmbito público e privado.
Será analisada, de forma especial, a possibilidade de responsabilização subsidiária do ente público em caso de inadimplemento quanto às obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte do prestador do serviço.
Entendida a hipótese de cabimento da responsabilização subsidiária da administração pública, passaremos a estudar o cabimento da ação de consignação em pagamento como meio de afastar a referida responsabilidade. Além disso, será a analisada a competência para a propositura da ação, se da Justiça Comum (Federal ou Estadual) ou da Justiça Especializada do Trabalho.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Terceirização de responsabilidade trabalhista
A terceirização é definida no âmbito da Ciência da Administração como sendo:
A transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenha esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade (SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. p. 30).
Assim, percebe-se que a terceirização é o fornecimento de uma atividade especializada e não o fornecimento de trabalhadores (RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho esquematizado. p. 194).
O fenômeno da terceirização tem sua origem no período da 2ª guerra mundial, na qual foi constatada a necessidade de especialização na produção industrial, com o fim de aumentar a quantidade do produto e a sua qualidade, bem como gerar celeridade na produção (ALELUIA, Tais Mendonça. Direito do Trabalho. p. 187).
No âmbito do Direito do trabalho a doutrina também conceitua a terceirização. Para Rogério Neiva, “a terceirização consiste numa forma de contratação de força de trabalho sem o estabelecimento de uma relação jurídico-empregatícia direita com o trabalhador” (Direito do trabalho aplicado à administração pública e fazenda pública, p. 67). Já para Tais Mendonça, a terceirização consiste “na transferência de parte da atividade da empresa para outra. Transfere-se, assim, para uma outra empresa, atividades que não compõe o foco daquela primeira (ALELUIA, Tais Mendonça. Direito do Trabalho. p. 187).
A natureza da relação jurídica mantida entre o tomador do serviço e o terceiro é uma relação típica do Direito civil, e não do Direito do trabalho. No caso de o tomador ser uma pessoa jurídica de direito pública, a natureza da relação será administrativa.
Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, uma legislação especifica sobre a temática da terceirização. O que encontramos são normas esparsas sobre o tema. Não obstante, há um projeto de lei - PL. 4330/2004 - em tramitação, tendo sido aprovado pela Câmara dos Deputados no mês de abril do ano de 2015.
O referido projeto de lei trata sobre os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes. Ocorre que o PL 4330/04 tem gerado bastantes discussões, pois envolve algumas questões consideradas polêmicas. Entre os principais pontos de discussão podemos citar a abrangência das terceirizações para atividades-meio, bem como para atividades-fim; a questão das obrigações trabalhistas serem de responsabilidade somente da empresa terceirizada, tendo a contratante apenas a obrigação de fiscalização; e, ainda, questões atinentes à representatividade sindical e à terceirização no serviço público.
O que temos hoje de mais concreto, em termos de regulação da terceirização, é a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
A súmula proíbe, expressamente, a terceirização da atividade-fim ao estabelecer que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços. O que se permite é a contratação de atividade-meio, na qual se configura um vínculo de natureza civil – prestação de serviço - entre o tomador e o prestador e outro vínculo, regido pela legislação trabalhista, entre o prestador e o seu empregado.
No caso de contratação irregular é possível a caracterização de vínculo trabalhista entre o tomador e o empregado do prestador. Entretanto, sendo o tomador a administração pública direita, indireta ou fundacional, não será possível o reconhecimento do vínculo de emprego, pois a administração pública é regida por normas de direito público, estando estabelecida expressamente no art. 37, II, da Constituição Federal a necessidade de aprovação em concurso público para o ingresso no quadro de pessoal de tais entes.
A súmula 331 do TST afirma, expressamente, que não há a formação de vínculo empregatício quando o tomador contrata serviços relacionados à atividade-meio da empresa. Ainda, cita como exemplos de atividades que não formam vínculo com o tomador o serviço de vigilância e o de conservação e de limpeza. Para tanto, é necessário que inexista a pessoalidade e a subordinação direta, pois estas são características próprias da relação de emprego.
A grande polêmica sobre a terceirização é a identificação de quem será o responsável pelas verbas devidas ao empregado em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas.
A jurisprudência sumulada do TST afirma que o tomador do serviço poderá ser responsabilizado subsidiariamente, nos casos de inadimplemento das verbas trabalhistas pelo prestador, desde que aquele esteja inserido na relação processual em que o empregado requer seus direitos e que seu nome conste de forma expressa no título executivo. Neste caso, a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
2.2 Responsabilidade subsidiária dos entes públicos na terceirização lícita
Na terceirização, o tratamento conferido aos entes públicos não é o mesmo referente aos entes privados. A própria súmula 331 do TST traz de forma específica o procedimento a ser adotado.
Primeiramente, identificamos na súmula a impossibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício com os entes públicos nos casos de terceirização ilícita. Como afirmado anteriormente, no caso de terceirização ilícita com particulares, é possível o reconhecimento da relação empregatício entre o tomador e o empregado. Já no caso da administração pública esse reconhecimento é impossível, haja vista a exigência constitucional de concurso público para a contratação de pessoal. Aqui, podemos citar a OJ-SDI1-383, a qual afirma que “a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974”.
Um segundo ponto de suma importância é a questão da possibilidade ou não de responsabilização dos entes públicos no caso de inadimplemento do prestador em relação às obrigações trabalhistas do empregado.
Na sua redação original, a súmula 331 do TST previa que: o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). Ocorre que esse inciso foi bastante questionado, sendo alegada a sua inconstitucionalidade, com fundamento no art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, o qual estabelece a forma de responsabilidade dos entes públicos. Outro argumento a favor da não aplicação da súmula era o de que a administração pública contrata nos termos da lei, não podendo ser responsabilizada por culpa in elegendo ou in contrahendo.
Na doutrina de Rogério Neiva:
“Na redação original da Súmula 331, não havia construção específica tratando da administração pública, o que permitia o debate sobre o alcance do referido entendimento jurisprudencial consolidado e a lei 8.666/1993. Em um segundo momento, o TST alterou a redação da Súmula de modo a deixar claro que a responsabilidade do tomador alcançaria a administração pública.
No entanto, havia teses que refutavam o referido posicionamento do TST, no sentido de que a Súmula 331 teria adotado a teoria do risco integral, na medida em que não admitia a possibilidade de a administração demonstrar que agiu sem culpa, ao passo que o texto constitucional teria adotado a teoria do risco administrativo.” (Direito do trabalho aplicado à administração pública e a fazenda pública. p. 75).
O assunto foi levado ao Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Constitucionalidade de número 16 (ADC 16), com o intuito de declarar a constitucionalidade do art. 71 da lei 8.666/1993, o qual afirma que, no caso de inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, não haverá transferência à Administração Pública da responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
A ADC foi julgada procedente, tendo sido declara a constitucionalidade do art. 71 da lei 8.666/1993.
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. Processo: ADC 16 DF, Relator: MIn. Cezar Peluzo, julgamento: 24/11/2010, órgão julgador: tribunal pleno, publicação: DJe-173, divulgado 08-09-2011.
Diante de tal decisão, o Colendo TST promoveu alteração na Súmula 331 para se alinhar à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Assim, a redação atual é a seguinte: “V – Os entes integrantes da administração pública direita, indireta e fundacional, respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”.
Assim, é possível a responsabilização dos entes públicos quando houver descumprimento das obrigações estabelecidas na lei 8.666/1993, principalmente no que tange à fiscalização. A possibilidade de responsabilização subsidiária não decorre da mera inadimplência da empresa contratada. É preciso que haja, de fato, a verificação da falha ou omissão da administração pública em relação a sua obrigação de fiscalizar a regularidade da empresa contratada e de seus contratos.
2.3 Possibilidade do uso da ação de consignação em pagamento no caso de irregularidades com a empresa contratada.
Conforme visto no tópico anterior, a regra geral é que, no caso de inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, não há a transferência à Administração Pública da responsabilidade por seu pagamento, conforme o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, julgado constitucional pelo STF na ADC 16 (DJe 9/9/2011).
Porém, há exceção a essa regra, tendo a Administração Pública a responsabilidade subsidiária se ficar comprovada a sua falha ou omissão em fiscalizar os contratos, ou seja, no caso da culpa "in vigilando".
Diante dessa possibilidade real de responsabilização subsidiária, surge a questão quanto à possibilidade ou não de o ente público propor uma ação de consignação em pagamento no caso de a empresa contratada estar em situação irregular em relação a suas obrigações trabalhistas e previdenciárias.
No cotidiano, já observamos que os advogados públicos têm usufruído deste instrumento para cumprir a obrigação dos entes públicos, após fiscalizar e constatar irregularidades na contratada, de manter relações contratuais apenas com empresas regulares.
A utilização da ação de consignação em pagamento é um excelente instrumento para que a administração pública afaste a responsabilidade subsidiária em caso de eventual demanda trabalhista. Isso porque o uso da referida ação é uma forma de a administração comprovar que cumpre sua obrigação de fiscalização, pois constatou a irregularidade, e se mostrou proativa para resolver a questão.
Em caso de utilização da ação de consignação pelo ente público, esta deve ser ajuizada na Justiça Especializada do Trabalho, conforme entendimento recente do STF, pois a questão central está mais relaciona à questão trabalhista.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO PROPOSTA PELA UNIÃO PARA AFASTAR EVENTUAL RESPONSABILIZAÇÃO TRABALHISTA SUBSIDIÁRIA.
A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação de consignação em pagamento movida pela União contra sociedade empresária por ela contratada para a prestação de serviços terceirizados, caso a demanda tenha sido proposta com o intuito de evitar futura responsabilização trabalhista subsidiária da Administração nos termos da Súmula 331 do TST.
De acordo com o item IV da referida Súmula, "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial". Além disso, dispõe o item V que "Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora.
A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada". Posto isso, deve-se ressaltar que a competência para o julgamento de demanda levada a juízo é fixada em razão da natureza da causa, que, a seu turno, é definida pelo pedido e pela causa de pedir deduzidos. Nesse sentido, a partir da análise do pedido e pela causa de pedir deduzidos do caso aqui mencionado, verifica-se que a lide tem natureza predominantemente trabalhista.
Ademais, deve-se destacar que a EC 45/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho, tornando incontroversa a competência desta para, nos termos do art. 114, IX, da CF, conhecer e julgar "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho", como a aqui analisada. Além disso, nessa hipótese, a Justiça do Trabalho é quem terá melhores condições de apreciar as alegações da autora, bem como de extrair e controlar suas consequências jurídicas. CC 136.739-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 23/9/2015, DJe 15/10/2015.
3 CONCLUSÃO
A terceirização ainda não está regulada em legislação específica, embora ressaltamos a existência de projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados. Assim, a normatização da terceirização no ordenamento jurídico brasileiro é feita de forma esparsa, sendo crucial, no âmbito trabalhista, a análise da Súmula 331 do Colendo TST.
Verificamos que responsabilidade subsidiária do tomador do serviço possui contornos diferentes entre os entes públicos e os privados.
A regra é a não responsabilização do ente público, conforme o art. 71 da lei 8.666/1993. Entretanto, há a possibilidade de responsabilização em caso de omissão de poder público em relação à sua obrigação de fiscalizar. Perceba que a responsabilidade subsidiária decorre da falta de fiscalização do ente público, e não do mero inadimplemento da empresa contratada.
Para evitar uma possível responsabilização subsidiária, e em cumprimento ao seu dever de fiscalização e de apenas manter relações contratuais com empresas regulares, o ente público pode usar da ação de consignação em pagamento, sendo a Justiça Especializada do Trabalho competente para conhecer desta ação.
REFERÊNCIAS
ALELUIA, Tais Mendonça. Direito do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2014.
NEIVA, Rogério. Direito do trabalho aplicado à administração pública e fazenda pública. 2ª Ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: São Paulo: Método, 2015.
RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho esquematizado. 3ª Ed.Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo: LTr, 1997.