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Estabilidade do portador do vírus HIV

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20/12/2003 às 00:00
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IX – A REINTEGRAÇÃO DO TRABALHADOR AIDÉTICO E A CIÊNCIA ACERCA DA DOENÇA PELO EMPREGADOR.

E, ao se falar na questão da reintegração do trabalhador ao emprego surge uma nova problemática: qualquer doente ou portador do vírus HIV que for despedido poderá ter direito à reintegração?

Como dissenso em discussão doutrinária e jurisprudencial, a maioria revela que a reintegração só poderá ser admitida quando o empregador ao tempo da despedida já havia sido informado da doença, diferente do que ocorre no caso da empregada gestante, que mesmo o empregador não sabendo da gravidez, ela faz jus à reintegração.

Segundo assegura MAURO CÉSAR MARTINS DE SOUZA, "havendo prova de que o trabalhador é portador da Síndrome de Deficiência Imunológica Adquirida – SIDA (HIV reagente) -, ou seja, soropositivo acometido da AIDS, e que o empregador tinha prévio conhecimento de tal doença, o mesmo não pode ser dispensado, imotivadamente, sob pena de caracterizar-se discriminação". [7]

Dessa forma, observe-se a jurisprudência trazida por MAURO CÉSAR MARTINS DE SOUZA: Reintegração. Empregado portador do vírus da AIDS. Não obstante inexista no ordenamento jurídico lei que garanta a permanência no emprego do portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS, não se pode conceber que o empregador, munido de poder potestativo que lhe é conferido, possa despedir de forma arbitrária e discriminatória o empregado após tomar ciência de que este é portador do vírus HIV – Tal procedimento afronta o princípio fundamental da isonomia insculpido no caput do artigo quinto da Constituição Federal."(grifo nosso). (TST, nos ERR n° 205359/1995, Ac. da SBDI 1, Rel.: Min. LEONARDO SILVA, in DJU de 14/05/1999, p.43). [8]

De certa modo, pode-se dizer que quando o empregador não tomou ciência da situação do empregado, mesmo que seja realmente mais entendível que não se constitui uma despedida arbitrária, tem-se procedido no sentido de por acordos, se perfazer a reintegração, o que representa um grande avanço.


X – A ESTABILIDADE DO DOENTE E DO PORTADOR É REAL?

A estabilidade do doente e do portador do vírus HIV não pode ser meramente analisada à luz da legislação, nem tampouco em afirmações ou negativas, sem o vislumbramento de um estudo mais apurado acerca do assunto em tela.

Diz a Constituição Federal, no inciso IV, do artigo 3º: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". (grifo nosso). Em meio a análise do artigo da Lei Maior, deve-se crer na origem constitucional da estabilidade, visada na situação em pauta, uma vez que a estabilidade é a única forma de minar o preconceito específico aos doentes incuráveis.

Nesses ditames, diz a Constituição Federal em seu artigo 7º, I "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos".(grifo nosso). No entanto, observe-se a omissão de lei complementar que faça executar tal norma constitucional, uma vez que o dispositivo abstrato não é auto-aplicável.

Revela a lei 9.029/95, embora não destinada especificamente ao acometido por esta doença e ao portador do seu vírus, que não pode haver ruptura da relação de emprego por ato discriminatório. Entenda-se dessa forma que, nesse diapasão, já se descarta a possibilidade de despedida arbitrária, pelo empregador e se prevê a pronta reintegração. Segundo incita o art. 4º da citada lei nestes moldes: "O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, faculta ao empregado optar entre: I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais; II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais". Como se pode inferir, a lei em pauta deve ser aplicada para casos onde se perceba a discriminação não só para efeitos de continuação do vínculo empregatício, mas também para admissão no emprego. Em sendo assim, o portador do vírus ou o doente não pode ser obrigado a prestar-se à realização de exames que coloque em pauta tal condição e, ainda, não deve por eventual condição de saúde ser discriminado, sob pena da sanção anteriormente descrita ser imposta.

No tocante ao portador do vírus HIV, não há óbice a mantença do emprego, referente ao seu estado de portador. Isto caracterizaria uma discriminação, e sendo assim ter-se-á a reintegração citada pela Lei 9.029/95. Além disso, os Tribunais vêm entendendo que caso se faça o exame demissional e se observe a existência da doença, a anulação da despedida deve ser atendida, o que vem acontecendo ultimamente.

Já analisando o doente propriamente dito, nesse percalço é que se deve ser ainda mais atinente à estabilidade no emprego, tanto é que se levanta a hipótese da expectativa de direito aos benefícios do auxílio doença em referência à suspensão do contrato de trabalho, sobremaneira que a dispensa sem justa causa é proibida por impedir a concessão dos direitos previdenciários, sejam estes a aposentadoria (não defendida nesta argumentação) e o auxílio-doença.

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No entanto, apesar de estar-se relatando algumas hipóteses, a discussão em pauta deveria ter justamente como premissa à estabilidade relativa do doente e do portador como auge e não as meras eventualidades que podem ocorrer.

Todos devem se posicionar a favor da estabilidade relativa, de modo a impedir a despedida arbitrária. Ser a favor da estabilidade relativa, que possibilite a reintegração do doente quando for despedido sem um justo motivo por parte do empregador. Não se pode aceitar que o individuo seja despedido sem um motivo justo e que em troca de seu emprego receba uma mera indenização. E a dignificação do trabalho humano, onde ficaria? Precisa-se do emprego.

Comentou-se inicialmente que várias são as teses fundamentadas pelos doutrinadores brasileiros que se dedicam no assunto, a exemplo de Mauro César Martins: uns tendem a defender a instabilidade do doente de AIDS, por falta de amparo legal; outros se refutam também na instabilidade deste, só que tomando por base o princípio da igualdade, já que doentes de moléstias, como a hanseníase, nunca tiveram tal estabilidade (essa tese pode ser apreciada tida como a igualdade desigual – totalmente desprotecionista); há ainda aqueles que fazem uma mesclagem dos dois argumentos acima citados e esquecem que este doente é um ser humano, e esquecem o próprio princípio da igualdade material, levando em conta meramente a igualdade formal e esquecendo os fins sociais do Direito; ainda bem que existem aqueles que lutam pela estabilidade desses indivíduos, embora alguns com argumentos não tão bem estruturados, como é o caso daqueles que revelam que o portador da SIDA deve fazer jus a estabilidade que os outros doentes não fazem por serem aqueles acometidos de um mal mais grave.

Na realidade, deve-se optar por entender que deve existir a estabilidade do portador do vírus HIV, bem como do doente, e não só destes, mas também a de todos os portadores de doenças similares, pelo caráter de cura improvável, discriminação e preconceito. Deve-se partir para a justiça, deve-se aceitar o princípio da igualdade, mas da igualdade material, e não meramente da igualdade formal como fazem tantos magistrados no momento em que decidem.

Hoje, a realidade deve se modificar e os magistrados estão realmente interpretando o sentido correto da Lei de Introdução ao Código Civil, quando este revela, em seu art.5º, o caráter de atendimento aos fins sociais da lei na aplicação desta. As decisões passam a ser no sentido de proteção ao trabalhador. O próprio STJ terminou por criar jurisprudência no entendimento de indenização para aqueles que adquirissem a doença em hospitais públicos, o que já demonstra um profundo avanço em questão de proteção e solidariedade humana.

Neste pequeno desenvolver de uma temática voltada para a proteção do trabalhador acometido pela doença supramencionada ou portador do vírus HIV, foram citadas algumas formas de entendimento, algumas extremamente voltadas para o positivismo Kelseniano; outras que optam, involuntariamente, por esta corrente anterior ao defender uma igualdade formal, relegando ao segundo plano a igualdade material.

Admite-se que o entendimento mais humano, e ao mesmo tempo mais corajoso nessa situação de discriminação é o de garantir a estabilidade ao empregado doente de AIDS ou portador do vírus HIV, e também aos doentes tidos como incuráveis, pois eles necessitam de proteção contra o desemprego diante da situação que são coagidos a enfrentar todos os dias. O mercado de trabalho não permitiria, no âmbito das flexíveis relações empregatícias e das tendências modernas de mão de obra, a sobrevivência destes doentes, que sem emprego, sem convívio social, sem salário, sem condições de pagar tratamentos, terminariam também sem o direito a dignidade humana.


NOTAS

01. HENRY, Blaise, IN SEROPOSITIVITÉ, Sida et Relations de Travail, p. 163, do livro LE SIDA – ASPECTS JURÍDIQUES. Apud Maria das G. Oliva Boness, A Aids e o Contrato de Trabalho, in Revista do TRT-5ª Região, 1998.

02. BONESS, Maria das Graças G. Oliva. A Aids e o Contrato de Trabalho, in Revista do TRT-5ª Região, 1998.

03. DE SOUZA, Mauro César Martins. Estabilidade provisória do trabalhador aidético: posição jurisprudencial e efetividade do processo. GENESIS, Curitiba, 17(99): 329-373 – março de 2001.

04. SÜSSEKIND, Arnaldo. INSTITUIÇÕES DE DIREITO DO TRABALHO. Vol. 01, p. 507.

05. Ob. Cit., p. 507.

06. IN: www.senado.gov.br/web/senador/lucalc/1999/projetos/portahiv.html.

07. DE SOUZA, Mauro César Martins. Estabilidade provisória do trabalhador aidético: posição jurisprudencial e efetividade do processo. GENESIS, Curitiba, 17(99): 329-373 – março de 2001.

08. Ob. Cit.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONESS, Maria das Graças G. Oliva. A Aids e o Contrato de Trabalho, in Revista do TRT-5ª Região, 1998

DE SOUZA, Mauro César Martins. Estabilidade provisória do trabalhador aidético: posição jurisprudencial e efetividade do processo. GENESIS, Curitiba, 17(99): 329-373 – março de 2001.

IN: www.senado.gov.br/web/senador/lucalc/1999/projetos/portahiv.html.

SÜSSEKIND, Arnaldo. INSTITUIÇÕES DE DIREITO DO TRABALHO. Vol. 01.

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Sobre a autora
Jólia Lucena da Rocha

Juíza Federal do Trabalho, especialista em Direito Processual Civil e especializanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Jólia Lucena. Estabilidade do portador do vírus HIV. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 167, 20 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4639. Acesso em: 23 dez. 2024.

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