Os advogados do Diabo: de Luiz Gonzaga Pinto da Gama ao Tribunal de Nuremberg.

Do advogado dos negros aos advogados dos nazistas

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Para os que desconhecem a CF/88, os advogados de defesa são “advogados do Diabo”, para quem a conhece, cidadãos a serviço da Justiça humanitária.

Em época de enormes comoções sociais, diante dos crimes praticados no Mensalão e na Lava Jato, é oportuno falar sobre a função dos advogados de defesa.

No Brasil, advogado de defesa de bandido é um sem vergonha, que só quer ganhar dinheiro. Não entendem, tais opositores desses profissionais, que a lei existe para todos, independentemente de etnia, posição social, sexualidade, se cidadão criminoso ou não.

Diante do caldeirão vociferável que acontece nas ruas e na internet é preciso explanar sobre o fundamento do Direito, não o direito subjetivo, que está na consciência de cada pessoa, que muda conforme os temperamentos diante de circunstâncias diversas, mas o Direito objetivo o qual está escrito nas normas jurídicas.

O advogado do Diabo brasileiro

Retornemos ao início do século XIX. A sociedade brasileira [elitizada ou “sangue azul”] considerava o negro um ser sem alma, sem vontade, pior que um mísero animal rastejante. O Brasil foi o maior importador de escravos, e o último a dar abolição a todos os escravos negros. Uma sociedade altamente dependente da mão de obra dos escravos, jamais permitiria que os negócios fossem comprometidos por fugas ou ideais de liberdade.

Eis que se insurge contra a normalidade sociopolítica da época, o negro Luiz Gonzaga Pinto da Gama. Um negro que desafiou os ditames de valores sociopolíticos considerados “supremos”. Luiz Gama conseguiu ingressar, em 1850, no Curso de Direito do Largo do São Francisco — Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo —, no entanto, por ser negro, enfrentou a hostilidade de professores e alunos. Infelizmente não concluiu o curso de Direito, todavia, pela sua persistência [autodidata], adquiriu vasto conhecimento jurídico.

Em 1860 se destacou como jornalista — se Luiz estivesse atualmente entre nós, com certeza, defenderia a liberdade de expressão e a não exigência de diploma para jornalistas e, muito menos, a obrigatoriedade do Exame da Ordem dos Advogados — com diversos periódicos progressistas para sua época. Com seu ânimo iluminista, e pela sua capacidade de ser autodidata, como foi Machado de Assis, outro negro sem graduação acadêmica, mas combatido ferrenhamente, o negro abolicionista Luiz Gama se destacou pelos seus poemas satíricos contra a aristocracia e os poderosos de sua época — imagino a fé inabalável de Luiz em um Ser Supremo para seguir seu objetivo humanístico.

Luiz Gama conseguiu libertar mais de 500 negros, com sua oratória e conhecimento jurídico, sem diploma, sendo sua mais notável atuação jurídica a tese de que o escravo que age em legítima defesa não pode ser condenado ao matar seu senhor.

Os advogados do Diabo no Tribunal de Nuremberg

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota dos nazistas, processou-se o julgamento dos algozes nazistas. O Julgamento de Nuremberg foi um marco para o Direito Internacional. Também foi uma marco, quando analisado friamente que guerra é guerra, e todos cometeram crimes, mesmo os Aliados. Numa guerra, não há justificativa plausível para o que seja razoável ou não, pois corpos destruídos são corpos de seres vivos. A premissa que se tira de Nuremberg é que, por mais que se tenha um julgamento imparcial, o sangue verte nas veias. Acusados e acusadores se digladiaram entre si para justificar suas atrocidades. Os excessos cometidos pelo Eixo e pelos Aliados confirmam a natureza humana: a civilidade é uma fina pintura de verniz a qual pode ser retirada por uma pequena adoção de removedor. O removedor é a guerra, o verniz é a cobertura aparente de civilidade, a superfície que recebe o verniz é a essência humana. Isso não quer dizer que a essência do ser humano é má em si, mas a essência real é a ignorância humana diante de sua própria existência frágil, como de qualquer ser vivo: nada é supremo, intangível, eterno, imbatível. A concepção teórica de supremacia humana se deve ao próprio reconhecimento humano [consciente ou inconsciente] sobre sua existência passageira, frágil, mesmo diante das grandes invenções tecnológicas e científicas.

Os réus eram, no Tribunal de Nuremberg, Hermann Goering, Rudolf Hess, Joachim Von Ribbentrop, Robert Ley, Wilhelm Keitel, Emst Kaltenbrunner, Alfred Rosemberg, Hans Frank, Wilhelm Frick, Julius Streicher, Wilhelm Funk, Hjalmar Sclacht, Gustav Krupp, Karl Donitz, Erich Raeder, Baldur Von Schirach, Frita Sauckel, Alfred Jodl, Martins Borman, Franz Von Papen, Arthur Seyss-Inquart, Albert Speer, Constantin Von Neurath e Hans Fritz-che.

Os advogados dos réus eram:

  • OTTO STAHMER, representando: Hermann Göering, Franz von Papen e Julius Streicher;
  • FRITZ SAUTER, representando: Joachim von Ribbentrop, Walther Funk e Baldur von Schirach;
  • RUDOLF DIX, representando: Hjalmar Schacht, Albert Speer e Wilhelm Frick;
  • OTTO KRANZBUHLER, representando: Karl Dönitz, Ernst Kaltenbrunner e Alfred Rosemberg;
  • FRANZ EXNER, representando: Alfred Jodl, Hans Frank e Konstantin von Neurath;
  • ROBERT SERVATIUS, representando: Fritz Sauckel, Arthur Seyss-Inquart, Wilhelm Keitel;
  • GUNTHER VON ROHRSCHEIDT, representando: Rudolf Hess, Erich Raeder e Hans Fritzsche.

Termino o artigo aqui, pois ele não se esgota em si. Acredito que muito já ouviram, leram ou assistiram alguma obra sobre o Julgamento de Nuremberg. Também acredito que pouquíssimos conhecem a história de Luiz Gama, porque é negro e a história brasileira sempre apaga dos “pergaminhos” o que não satisfaz aos “faraós” [elites discriminantes] — quero deixar claro que não são todos os cidadãos elitizados que exercem o darwinismo sociais, mas, pela historicidade brasileira, a maioria o faz. Malgrado ver que tal concepção ideológica contaminou a maioria dos brasileiros ao longo dos séculos, mesmo não possuindo “sangue azul”.

A síntese deste artigo é de que o Direito não é uma ciência exata. O Direito evolui, ou até retrocede, conforme os ânimos humanos, porque as leis são criadas pelos ânimos humanos. Em tempos difíceis que vive o Brasil, como nos casos de maiores repercussões, Mensalão e Lava Jato, os “justiceiros” querem cabeças rolando ao solo, outros querem guilhotinas aos moldes da Revolução Francesa. E mesmo nesta houve excessos. Quando o verniz é arrancado pela substância corrosiva, à qual possui em sua composição os “mecanismos de defesa”, principalmente a racionalização, a projeção e a sublimação, o Estado de Direito não passa de causa impossível e até “infantil”. Os olhos se arregalam, as suprarrenais vertem mais noradrenalina, os músculos se contraem, o troglodita se manifesta.

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Por isso, o Estado Democrático de Direito, mesmo que pareça absurdamente impossível de se materializar, não pode, jamais ser esquecido no consciente individual e coletivo. Quando o troglodita surge, as leis de papéis se mostram meras tintas a cobrir os resquícios do que foi uma árvore, ou bits desperdiçados nas funções intrínsecas de das leis da informática. Tempos perdidos! Por isso, é preciso sempre acreditar nas instituições democráticas, mas conhecer a Constituição Federal de 1988, a sua excelência em proteger aos direitos humanos, estes direitos que sempre foram violados por séculos em solo pátrio. Como cidadãos conscientes das atrocidades da história brasileira, à qual evidenciou que sempre é possível descaracterizar as Constituições promulgadas, por decretos ou atos institucionais.

E o que é o Estado Democrático de Direito senão o que a Lex Maior preceitua. Ela é a diretriz para todos os cidadãos brasileiros, independentemente de etnia, sexualidade, agente público ou não, crença, ideologia política. Todos estão abaixo dela, não como servos, mas como filhos protegidos por uma “pai” que, dentro dos limites, tenta ser o mais justo possível. Cometer atos contrários às normas constitucionais é retornar aos perídios bárbaros da história humana. Sei que alguns dirão que o articulista, de forma sagaz, está defendendo os advogados dos acusados da Lava Jato. Nada disso!

Os operadores de Direito, os quais atuam profissionalmente na área penal sabem como suas profissões são “ingratas” diante da ignorância do povo diante das normas Constitucionais — para alguns cidadãos, a CF/88 é um tributo da “anarquia” e defesa dos “bandidos” —, os bravos operadores de Direito na área penal sofrem penosas injúrias, por que defendem bandido. Estranhamente, quando algum cidadão do “bem” avança semáforo na cor vermelha e mata atropelado o infeliz e inoportuno pedestre, o qual atravessara no momento do avanço de semáforo pelo condutor, o “sábio”, o “justo”, o “inteligente” advogado criminalista, de defesa, não é uma “bandido”, mas “herói”.

Aos bravos advogados, como Luiz Gama, os advogados de defesa dos acusados no Julgamento de Nuremberg, assim como os advogados do Mensalão e Lava Jato, os advogados de “porta de cadeia”, e até os advogados que defendem os “cidadãos de bem”, que lançam seus automotores como aríetes, jamais esqueçam de que suas condutas consagram e materializam o Estado Democrático de Direito. Não menos importante, os advogados de defesa que atuaram no Golpe Militar [1964 a 1985], mesmo diante de severas críticas sociais, e a vigilância de "ponta de baioneta" dos militares, ainda assim, agiram com ombridade profissional.

Para os que desconhecem a CF/88, os advogados de defesa são “advogados do Diabo”, para quem a conhece, cidadãos a serviço da Justiça humanitária.

Referências:

Instituto Luiz Gama. Disponível em: http://institutoluizgama.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=section&layout=blog...

Nacional Net. O Julgamento de Nuremberg. Disponpivel em: https://www.nacionalnet.com.br/wp-content/uploads/2014/03/Guia-de-Estudos_Tribunal-de-Nuremberg.pdf

OAB-SP. O Tribunal de Nuremberg. Disponível em: http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/grandes-causas/o-tribunal-de-nuremberg

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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