Palavras chave: Ministério Público, revisão criminal, ordem jurídica.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho acadêmico está situado no ramo do Direito Processual Penal, no livro III, título II, do Código de Processo Penal (Dos Recursos), sendo que o tema a ser desenvolvido é “A legitimidade de o Ministério Público ajuizar a revisão criminal”.
O estudo do tema é de imensurável importância, tanto no aspecto social quanto para a vida acadêmica. O legislador, no art. 623 do CPP, enumerou de forma taxativa os legitimados a propor a ação revisional, sendo que não fez menção ao Ministério Público, situação que acarretou diversas críticas da comunidade jurídica. Todavia, praticamente não existem trabalhos científicos específicos relacionados à matéria.
A idéia do tema adveio de uma aula de Direito Processual Penal, e diante do incitamento, tive bastante entusiasmo, haja vista que tenho muita aptidão pela área penal, em decorrência de um estágio que fiz junto ao Ministério Público, ou seja, saí da aula com a convicção de desenvolver este trabalho.
O trabalho irá investigar a possibilidade ou não de o Ministério Público ajuizar a revisão criminal, seja pela classificação incorreta da infração, para absolver, modificar sua pena ou até mesmo anular o processo.
Neste trabalho pretende-se enfrentar a seguinte questão: é possível o Ministério Público postular a revisão criminal?
Existem duas correntes: uma favorável e a outra desfavorável. A corrente desfavorável entende que o parquet não teria interesse jurídico em ajuizar uma ação de revisão criminal, uma vez que não tem mais o direito de punir na ação, além de haver uma omissão legislativa a respeito. Por outro lado, a corrente favorável entende pela legitimidade do Ministério Público, fundamentando-se na sua função de tutelar pela ordem jurídica.
Para atingir os objetivos propostos, utiliza-se o método de pesquisa bibliográfica, recorrendo-se a doutrina, artigos, com o ensinamento teórico de autores. Cabe ressaltar que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, mas de levantar as questões mais relevantes da legitimidade de o Ministério Público postular a revisão criminal.
A LEGITIMIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO AJUIZAR A REVISÃO CRIMINAL
O Código de Processo Penal enumera em seu art. 623 os legitimados para a propositura da revisão criminal, sendo eles o réu, que no caso de seu falecimento poderá ajuizar a ação revisional, seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, além do procurador legalmente habilitado.
Para MIRABETE (2004), o mencionado dispositivo legal carece de um comentário analítico, dividindo-o em duas partes. Primeiramente, é de suma pertinência para a comunidade jurídica ter ciência da discussão no que tange à legitimidade de o próprio réu ajuizar a ação revisional, o que se deve em razão do art. 1º, inciso I, da Lei nº. 8.906/94.
Nessa mesma esteira ressalta-se que o teor do dispositivo legal induz o leitor à interpretação, no sentido de que houve uma revogação do art. 623 do CPP[2] na parte que legitima o réu a propor a ação, inclusive em decorrência de princípios basilares, ou seja, a lei que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é posterior ao Código de Processo Penal (MIRABETE, 2004).
Apesar dessa peculiaridade deve-se interpretar o artigo com um filtro constitucional. Dessa forma, utilizando-se da interpretação sistemática, verifica-se que o dispositivo está entrelaçado com o direito de petição, conforme dispõe o art. 5º., XXXIV, a, da Constituição Federal[3].
O processualista TOURINHO FILHO (2007) revela que por meio de uma interpretação teleológica fica indubitável que o retrocitado dispositivo processual não foi revogado, haja vista que, se o legislador tivesse intenção de retirar a eficácia do artigo no que tange à legitimidade do réu, teria regido de forma expressa.
O artigo 623 é taxativo, ou seja, não existem possibilidades de outros parentes ajuizarem a revisão e a observação da ordem do dispositivo que deverá ser respeitada.
Há, contudo, uma discussão jurídica no que se refere à legitimidade de o Ministério Público para ajuizar a revisão criminal, e tal problemática comporta uma divisão em duas correntes doutrinárias. A corrente desfavorável utiliza como argumentos para a não admissão do parquet a omissão legislativa e a carência de interesse processual, sendo que esses fundamentos são refutados pela corrente favorável sob os fundamentos da interpretação sistemática do art. 623 do CPP e a função do Ministério Público de fiscal da lei.
Para PINTO (2006), destaca que:
a maioria da doutrina é favorável ao Ministério Público ajuizar a ação revisional, dentre eles destacam-se: Ada, Magalhães e Scarance, Tourinho Filho, Demercian e Maluly e Sérgio de Oliveira Médici, já a corrente desfavorável conta igualmente com renomados nomes, são eles: Júlio Fabbrini Mirabete e Guilherme de Souza Nucci. (pp. 2-4).
Ainda FILHO (2007), ao discorrer do assunto, esclarece que:
Pode o Ministério Público? A lei, conforme vimos, não lhe confere legitimidade. Os anteriores Regimentos Internos do STF permitiam. O atual, vigorando desde 1980, não. E é profundamente estranha essa exclusão do Ministério Púbico. Se pode impetrar ordem de habeas corpus, se pode recorrer pró-réu, por que razão não pode requerer a revisão criminal?
Tucci, citado por Médici, entende que a legitimidade para qualquer atuação defensiva no ramo do processo penal, seja em favor do indiciado, do acusado ou do condenado, é do Ministério Público.
O Ministério Público no processo penal exerce uma função de custos legis, tanto que ele pode impetrar habeas corpus em favor do réu, ajuizar recurso em prol do réu. Então, porque que razão não postular a revisão criminal para desconstituir o trânsito em julgado? Aponta Rangel (2007) que o parquet não estará postulando a revisão criminal em favor do réu, mas sim para o restabelecimento a ordem jurídica violada por um erro processual, e o único meio jurídico apto a corrigir esse equivoco é por meio da revisão criminal. Assim o Ministério Público estará cumprindo o mandamento constitucional do art. 127[4] da Carta Magna, que disciplina a incumbência do parquet em tutelar pela ordem jurídica.
Rangel (2007) ainda assevera que esse problema da omissão legislativa, em não incluir o Ministério Público como parte legítima a postular revisão criminal, é resolvido pela interpretação sistemática, ou seja, deve interpretar o art. 623 do CPP à luz do art. 127 da Carta Magna, e não o contrário; devem-se interpretar as normas jurídicas em estrita obediência a pirâmide de Hans Kelsen, na qual a Carta Política está no topo.
O Ministério Público no ordenamento jurídico brasileiro tem a incumbência de tutelar pela ordem jurídica, de sorte que sua atuação no processo penal não deve ter a finalidade de buscar a condenação, e sim a correta aplicação da lei ao caso concreto, sendo que ele deve postular a revisão criminal para corrigir um erro jurídico da condenação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Código de Processo Penal, ao prever os legitimados para a propositura de revisão criminal foi omisso em relação ao Ministério Público, ou seja, criou um rol sem a previsão do parquet como parte legítima a ajuizar ação de revisão criminal. Todavia com o advento da Carta Magna de 1988, que atribuiu a ele as funções de tutelar pela ordem jurídica e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis, diversas discussões por parte da comunidade jurídica tiveram início.
Uma parte dos estudiosos entende pela impossibilidade de o Ministério Público postular a revisão criminal, uma vez que não há previsão legislativa, ou melhor, o legislador não teve o interesse na legitimidade do parquet, logo, por ausência de previsão legal ele não poderia postular. Além disso, o órgão ministerial agiu durante o processo visando a uma condenação, e sendo ela proferida, não haveria interesse recursal.
A maioria da sociedade é formada por grupos que têm poucas condições financeiras para constituir um advogado que acompanhe com diligência o processo, e a defensoria pública de um modo genérico está abarrotada de atividades jurídicas a desempenhar, o que infelizmente deixa o órgão agir com negligência em determinadas situações.
O Ministério Público como legitimado da revisão criminal atuaria para quaisquer processos, mais na prática iria ajudar a parcela desfavorecida da sociedade, que infelizmente está à margem.
A maioria dos juristas, dentre eles Fernando da Costa Tourinho Filho, defende que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar revisão criminal, uma vez que o artigo 623 do Código de Processo Penal exige uma interpretação à luz da Constituição Federal. Assim sendo, o parquet como órgão incumbido da tutela da ordem jurídica, bem como dos interesses sociais e individuais indisponíveis, deve postular para corrigir erros judiciários.
Conforme dito anteriormente, o presente trabalho não tem por intuito esgotar a discussão sobre o tema e sim apresentar os pontos mais importantes da discussão, até em virtude da problemática jurídica que o envolve.
Pelo exposto, desta forma, tem-se que a tendência da moderna visão jurídica em admitir a postulação pelo Ministério Público, pela utilização do método interpretativo sistemático, que resolve a questão através de um “elo de ligação”, entre o art. 623 do CPP com um fulcro Constitucional, mais precisamente com o artigo 127 da Carta Política, adapta as exigências constitucionais do dispositivo legal.
REFERÊNCIAS
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Art. 623. Disponível em: < www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 abril. 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. Art. 5º, inc. XXXIV, a. Disponível em: < www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 abril. 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. Art. 127º. Disponível em < www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 abril. 2010.
MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Revisão Criminal, São Paulo: Revista dos tribunais, 1998 apud TUCCI, Rogério Lauria. Devido processo legal.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, São Paulo: Atlas, 2004.
PINTO. Ronaldo Batista. Da legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de revisão criminal. Revista IOB de direito penal e processual penal , v.7, nº. 40-out-nov/2006. p.72/74.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, v. 04. 29ª. Edição revista e atualiz
VIEIRA, Liliane dos Santos. Pesquisa e Monografia Jurídica na era da informática, 2ª edição, Brasília-DF: Brasília Jurídica. 2005.
Notas
[2] Art. 623. A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
[3] a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
[4] Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis