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A lavagem de dinheiro e suas peculiaridades

25/08/2016 às 11:23
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Como o assunto vem tomando mais espaço no cenário jurídico atual, é importante termos o conhecimento, pelo menos no que se refere aos aspectos gerais, sobre o que realmente é o delito de lavagem de dinheiro.

Como o assunto vem tomando espaço no cenário jurídico atual, é importante termos o conhecimento, ainda que de forma não aprofundada, sobre o que realmente é o delito em estudo.

A terminologia adotada no Brasil é muito similar àquela utilizada em outros países, onde se fala de blanqueo de capitales, money laundering, blanchiment d’argent, geldwashing e riciclaggio di denaro sporco.

Nossa legislação, entretanto, não menciona exatamente as palavras “dinheiro” ou “capital”, optando por referir à lavagem de bens, direitos ou valores, o que confere maior abrangência ao conceito de lavagem, porém, o termo que ficou nacionalmente conhecido foi “lavagem de dinheiro”.

O crime de “lavagem de dinheiro” consiste na conduta de quem oculta ou dissimula a origem de bens, direitos ou valores provenientes de crime.

Haverá a infração penal na ocultação, localização, movimentação, propriedade ou origem desses valores ou ainda na conduta de quem, sabendo serem tais valores produto de crime, transforma-os em ativos lícitos, negocia-os, movimenta-os, guarda-os ou transfere-os, ou mesmo os utiliza na atividade econômica ou financeira.

Analisando o que diz o art. 1° da Lei 9.613/98, temos:

Art. 1o  Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Vale ressaltar que o dispositivo fala em infração penal. Infração Penal = Crime ou Contravenção Penal.

CRIME: de acordo com o art. 1° da Lei de introdução ao Código Penal, considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.

Os crimes estão previstos no Código Penal e nas Legislações Especiais (como a Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas).

CONTRAVENÇÃO: de acordo com o art. 1° da Lei de introdução ao Código Penal, 2° parte, considera-se contravenção a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

As contravenções penais estão tipificadas na Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n° 3.688/41).

As condutas típicas descritas no art. 1°, caput, consistem em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Ocultar expressa o ato de esconder, encobrir, não revelar.

Dissimular equivale a encobrir com astúcia, disfarçar, esconder.

Nota-se que a distinção entre ocultar e dissimular está no fato de que no primeiro há o mero encobrimento, enquanto no último há emprego de astúcia, de engano, para encobrir, para tornar imperceptível, ou não visível.

A ocultação ou dissimulação devem referir-se à: NATUREZA (essência, condições, peculiaridades, especificidade); ORIGEM (procedência ou forma de obtenção); LOCALIZAÇÃO (local onde se encontra ou situa); DISPOSIÇÃO (emprego, uso, utilização, seja gratuito ou oneroso); MOVIMENTAÇÃO (deslocamento, mobilização, mudança, circulação); ou PROPRIEDADE (titularidade, domínio, direito de gozar e dispor da coisa, bem como de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a detenha) de bens, direitos ou valores.

Importantíssimo para o estudo elencado, definirmos os objetos materiais do delito de “lavagem de dinheiro”. São eles:

Bem: vem a ser toda espécie de ativos, seja material, ou, ainda, qualquer benefício que tenha valor econômico ou patrimonial; é tudo que tem utilidade, podendo satisfazer uma necessidade ou suprir uma carência, mas sempre com valor econômico.

Direito: é tudo que se atribui ou que pertence a determinado sujeito.

Valor: em sentido econômico, exprime o grau de utilidade das coisas ou bens ou a importância que lhes concedemos para a satisfação de nossas necessidades.

O valor é indicado pela soma pecuniária, que determina o preço das coisas, ou pela qual se estima a sua valia, para efeito de troca, ou venda.

Indispensável que esses bens, direitos ou valores sejam oriundos, direta ou indiretamente, da prática de uma infração penal anterior, sob pena de a conduta ser atípica.

Com os termos “direta” diz-se de modo reto, imediato, sem intermediações, e “indireta” significa de modo mediato, oblíquo, por interposição ou intermediação.

IMPORTANTE: não havendo uma infração penal anterior, não existirá o crime de lavagem de capitais.

São  3 (três) as fases (etapas) principais do delito:

  • 1) Colocação ou Inserção > introduz-se o dinheiro líquido no mercado financeiro (ex: banco, corretora);

  • 2) Ocultação, Encobrimento ou Cobertura > escamoteia-se sua origem ilícita (ex: paraíso fiscal, superfaturamento);

  • 3) Integração, Conversão ou Reciclagem > objetiva-se a reintrodução do dinheiro reciclado ou lavado na economia legal (ex: aquisição de bem, empréstimo).

O tipo subjetivo é representado pelo dolo (direto ou eventual), ou seja, a consciência do agente de que o bem, direito ou valor são provenientes, direta ou indiretamente, de uma infração penal, e pela vontade de ocultar ou dissimular sua natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade.

Importante frisar que, no crime de “lavagem de dinheiro”, não se admite a forma culposa (por imperícia, imprudência e/ou negligência).

Por mais que não se admita a forma culposa, considera-se desnecessária a existência de um conhecimento exato, preciso ou detalhado sobre a procedência criminosa dos bens, capitais ou valores, sendo que se conforma com um mero conhecimento superficial ou vago, sobre a origem delitiva do bem.

O erro versando sobre o elemento fático, como o erro de tipo, opera a exclusão do dolo (art. 20, caput, do CP).

A consumação do delito se dá com a realização das condutas de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de uma infração penal.

Consuma-se com a simples realização da conduta típica, sem a necessidade de produção de um resultado ulterior, pois trata-se de delito de mera atividade.

Suas formas equiparadas são:

§ 1o  Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I - os converte em ativos lícitos - Transformar em patrimônio legítimo, abrangendo quaisquer bens, valores, direitos, créditos e semelhantes que formam o patrimônio de uma pessoa física ou jurídica.

Com essa conduta, busca-se a separação física entre o criminoso e o produto do seu crime para assegurar uma aparência de legitimidade que possibilite sua fruição sem riscos pelos autores dos crimes pressupostos.

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere - Adquire > obtém a propriedade do bem, direito ou valor de forma onerosa (compra) ou gratuita (doação); Recebe> implica a posse da coisa maculada pela prática de qualquer dos crimes referidos neste artigo, sem o animus de proprietário; Troca > permuta, consiste na recíproca transmissão de coisas ou objetos; Negocia > comercializa, compra, vende, ajusta; Dá ou Recebe em garantia > aceita ou entrega bem, direito ou valor para assegurar a satisfação de um crédito se inadimplente o devedor; Guarda > tem consigo, sem ser, entretanto, o proprietário da coisa; Tem em depósito > recebe bens, direitos ou valores oriundos de tais crimes, para que os conservem e os retenham consigo, em nome próprio ou de terceiro, podendo tratar-se de depósito a título oneroso ou gratuito; Movimenta > diz respeito à circulação dos bens, seja financeira, bancária etc; Transfere > transmite ou cede a outrem bens, direitos ou valores, observadas as formalidades legais.

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Ressalta-se que as modalidades “guardar” e “ter em depósito” são delitos permanentes, ou seja, a consumação se protrai no tempo, o que possibilita a prisão em flagrante do agente enquanto perdurar essa situação.

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros – Incrimina-se, aqui, a conduta artificiosa daquele que subfatura ou sobrefatura os bens, isto é, há uma discrepância (a menos ou a mais), entre o valor nominal dos bens importados ou exportados e seu efetivo valor de mercado.

Com essa conduta, visa o agente “encobrir o patrimônio ilícito para depois utilizá-lo no mercado econômico e financeiro com aparência de licitude”.

§ 2o  Incorre, ainda, na mesma pena quem:  (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

 I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;  (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Isso quer dizer que os bens, direitos ou valores, aqui, devem proceder diretamente de infração penal (forma direta).

Um ponto que merece atenção é diferenciar a atividade econômica da atividade financeira.

 A atividade econômica é aquela que diz respeito a produção, distribuição, circulação e consumo de bens e serviços; A atividade financeira refere-se a obtenção, gestão e aplicação de recursos financeiros.

Nesse particular aspecto, tem-se como suficiente a mera utilização, sem ter o agente por objetivo a ocultação ou a dissimulação da origem dos bens, direitos ou valores.

A conduta aqui tipificada é independente das infrações precedentes, isto é, o sujeito ativo não precisa haver participado da infração penal antecedente para a configuração dessa modalidade delitiva.

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

Trata-se de uma forma especial de concorrência que permitirá a imputação típica mesmo que o sujeito não esteja praticando os atos característicos da lavagem ou de ocultação descritos pelo caput do art. 1° e do respectivo § 1° (já descritos).

O delito em apreço consuma-se com a mera participação na associação, grupo ou escritório; a simples associação é suficiente, ou seja, pune-se o simples fato de se figurar como integrante de associação. O delito em tela é permanente.

Ressalta-se, ainda, que por falta de técnica legislativa, o legislador não especificou um número mínimo de agentes para que a associação fosse tipificada.

Dessa forma, não há de se confundir com o número exigido no art. 288 (associação criminosa) do CP, que estabelece um número mínimo de 3 agentes.

A associação deve apresentar estabilidade ou permanência, não sendo suficiente um simples ajuste de vontades. Cada caso em específico deverá ser analisado dentro de suas peculiaridades.


Bibliografia

Direito penal econômico / Luiz Régis Prado – 6 ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014.

Direito Penal Econômico / Thiago Bottino do Amaral – 3. ed. – FGV Rio de Janeiro, 2011.

Códigos 3 em 1 Saraiva : Penal, Processo Penal e Constituição Federal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 11. Ed. – São Paulo : Saraiva, 2015.

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Sobre o autor
Denis Caramigo Ventura

Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais; www.caramigoadvogados.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Denis Caramigo Ventura Twitter: @deniscaramigo Instagram: @deniscaramigoventura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARAMIGO VENTURA, Denis. A lavagem de dinheiro e suas peculiaridades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4803, 25 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46828. Acesso em: 21 nov. 2024.

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