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O projeto de lei do terrorismo

27/02/2016 às 13:24
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O artigo discute acerca da cautela com a qual deve ser visto o projeto de lei do terrorismo, inclusive no que toca aos chamados movimentos sociais, para que aquele não se transmute em ameaça contra a democracia.

O projeto, que vai à sanção da presidente Dilma Rousseff, diz que é terrorismo o ato praticado por um ou mais indivíduos por razões de xenofobia, discriminação e preconceito de raça, cor, etnia e religião, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. As manifestações foram excluídas da lei.

Ele prevê pena de até trinta anos de reclusão para quem praticar, financiar ou incitar o terrorismo no país. É um crime de ação múltipla.

Durante a tramitação do projeto no Congresso houve divergência entre deputados e senadores sobre o tema. Os deputados rejeitaram a inclusão da expressão “extremismo político” como caracterização de terrorismo, aprovada anteriormente pelos senadores. E voltaram a incluir no texto artigo que tinha sido excluído no Senado que evita a criminalização de movimentos sociais.

Assim, os deputados mantiveram no projeto aprovado a ressalva de que não serão enquadrados como terrorismo atos individuais ou coletivos de pessoas em manifestações políticas, protestos sociais, movimentos sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, com propósito social ou reivindicatórios. Os protestos dos grupos de black blocks, por exemplo, não poderão ser enquadrados como terrorismo. A inclusão da ressalva foi exigência de partidos “mais à esquerda”, como PT e PCdoB.

Os atos violentos em protestos ou manifestações sociais devem ser sujeitos a aplicação do Código Penal e não de lei extravagante.

A competência para instruir e julgar essas ações penais que envolvam o crime de terrorismo é da Justiça Federal.

É certo que há pressões externas.

O Gafi exige que o Brasil adote leis com punições específicas para o financiamento do terrorismo. Desde 2010, o Brasil se comprometeu a construir uma legislação neste sentido e, recentemente, o grupo começou a pressionar o país.

O Anteprojeto do Código Penal prevê, em seu artigo 239, o crime de terrorismo, como crime contra a paz pública,  com a seguinte redação: Causar terror na população mediante condutas descritas nos parágrafos deste artigo quando: tiverem por fim forçar autoridades públicas nacionais  ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe; tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem  contra a ordem constitucional e o estado democrático de direito; forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas. Ainda seria  crime de terrorismo: sequestrar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer prédio público ou privado; interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados ou sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios ou comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares, com pena prevista de oito a quinze anos de prisão, além das sanções correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas, que viriam em concurso material.

Há uma forma qualificada prevista no Anteprojeto, no parágrafo sexto, que retrata conduta praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos, com pena de prisão de doze a vinte anos, além das penas correspondentes a ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas.

São ainda crimes ali previstos: financiamento do terrorismo (oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativos, bens e recursos financeiros com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática do terrorismo, atos relativos a este não venham a ocorrer, que se trata de  crime formal e de perigo abstrato); favorecimento pessoal no terrorismo (dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou se tenha fortes motivos para saber, que tenha praticado ou esteja por praticar crime de terrorismo, crime de fusão, formal). No entanto, o Anteprojeto estabelece, para este último tipo penal, como forma de escusa absolutória, forma de exclusão da punibilidade, se o agente for ascendente ou descendente em primeiro grau, cônjuge, companheiro estável ou irmão da pessoa abrigada ou recebida. Tal escusa não alcançaria os partícipes, que não ostentem idêntica condição.

No Projeto do Senador Jucá as penas são mais pesadas, podendo variar de quinze a trinta anos de reclusão.

O terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população, destinado a incutir medo, terror, com o objetivo de obter efeitos psicológicos que ultrapassem o círculo das vítimas. Há terrorismo no atentado individual indiscriminado contra a vida, a integridade corporal ou liberdade das pessoas. O crime de terrorismo se caracteriza por causar dano considerável a pessoas e coisas; pela criação real ou potencial do terror ou intimidação generalizada, e pela finalidade político-social. Dano considerável resulta de estragos e destruição, em geral decorrente de violência contra pessoas e coisas. Por sua vez, o terror e a intimidação resultam de emprego de meios capazes de causar perigo comum ou que conduzam à difusão de enfermidades, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso (Terrorismo e criminalidade política, 1981). 

Listam-se cerca de 16 (dezesseis) tratados internacionais que acabaram por constituir o regime global de repressão ao terrorismo. A isso se somaram diversas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas a respeito da Al Quaeda e do Talibã. Penso que tal regime se aplica ao Brasil, pois é Estado Parte dos tratados e membro da ONU, aplicando-se, sempre, o princípio da boa-fé, essencial na interpretação dos tratados, do que se lê da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, adotada em 22 de maio de 1969, que codificou o direto internacional consuetudinário referente aos tratados, entrando em vigor em 27 de janeiro de 1980. Aliás, o Brasil é parte da Convenção de Viena desde 25 de outubro de 2009, aceitando os princípios do livre consentimento, da boa-fé e da norma pacta sunt servanda.

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No entanto, o próprio Anteprojeto, de forma salutar, no parágrafo sétimo do artigo 239, exclui o crime, apresenta forma atípica, quando há conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, dentro do âmbito da normalidade social, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade. Assim, quem desvirtuar esse sentido de manifestação deve ser enquadrado nos crimes previstos no Código Penal, como incêndio, dano, inclusive o qualificado, outros crimes contra a incolumidade pública, homicídios, sejam dolosos ou culposos, lesões corporais, dolosas ou culposas, e ainda, se for o caso, a lesão corporal grave ou gravíssima seguida de morte, em sua forma preterdolosa. Sabe-se que, nas teorias sobre a conduta, a teoria social considera que o direito penal somente deverá cominar pena às condutas socialmente dolosas, e como socialmente relevante tem-se toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio. Sem relevância social, não há relevância jurídico-penal. Somente haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação, isto porque a ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo porque se realiza dentro do âmbito da normalidade social.

São conhecidos os problemas que uma legislação antiterror pode trazer dentro de um Estado democrático, em algo próprio do direito penal do inimigo, com a adoção de medidas como aumento da duração da prisão preventiva, acesso a dados de caráter pessoal, criação de tribunais militares de exceção.

Não se pode perder de vista o perigo da solução que, na matéria do combate ao terrorismo, pode chegar ao Brasil, no sinistro direito penal do inimigo, que, além de instalar uma política de medo, de neurose na população, ajude a proteger políticos desonestos ou que defendam apenas seus direitos pessoais contra manifestações populares exercidas de forma pacífica, que contra eles apresente uma irresignação. Essas manifestações populares, vindas do povo, são a veia da democracia.

Já temos na França, com a chamada legislação de emergência, por exemplo, suspensão de garantias constitucionais em perigoso caminho contra a Democracia.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O projeto de lei do terrorismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4623, 27 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46839. Acesso em: 4 nov. 2024.

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