Afinal, o que é delação premiada?

01/03/2016 às 01:01
Leia nesta página:

O artigo trata dos contornos da colaboração premiada, instituto tão comentado nesta quadra histórica em que vivemos.

Diariamente somos bombardeados por notícias de corrupção. A bola da vez são os escândalos envolvendo a Petrobras. A operação Lava Jato descortinou uma série de irregularidades na empresa, envolvendo agentes públicos graúdos e a nata das empreiteiras brasileiras. Parte da cúpula dessas grandes companhias encontra-se presa; outros tantos estão em prisão domiciliar, submetidos a uma série de restrições e constrangimentos, inclusive submetidos ao uso de tornozeleiras eletrônicas. Ex - parlamentares de grande influência no meio político e empresarial passam por situações semelhantes. E inúmeros deputados e senadores correm atrás de renomados advogados criminalistas, cientes de que tiveram seus nomes envolvidos na investigação.

Enfim, muito se descobriu até agora. E fatos bastante complexos, envolvendo redes de pessoas e organizações empresariais e financeiras, nacionais e internacionais, foram – e continuam sendo – revelados a cada dia. Grande parte dessas descobertas adveio de um instituto até então pouco conhecido – no meio jurídico e, sobretudo, no âmbito da sociedade civil: trata-se da célebre delação premiada ou, tecnicamente, colaboração premiada.

Esse instituto, hoje, está presente no direito processual penal de variados países, a exemplo de França, Reino Unido, Espanha e EUA. Neste, grande parte dos processos criminais são solucionados por força desse acordo.  O ex- presidente da CBF José Maria Marin pode ser um dos próximos colaboradores da Justiça daquele país. A negociação avança, e pode repercutir aqui no Brasil, onde outra CPI envolvendo a entidade de futebol  foi instalada.

No âmbito brasileiro, o instituto foi baseado nas experiências encontradas nos EUA e Itália, onde o mecanismo teve muito sucesso no combate aos grupos terroristas e mafiosos. Embora estivesse prevista nas Ordenações Filipinas, que valeram no Brasil entre 1603 e 1830, até a entrada em vigor do Código Penal do Império, surgiu legalmente há cerca de 25 anos, com o advento da Lei nº 8.072/90, que trata dos crimes hediondos. Ao acrescentar um parágrafo ao art. 159 do Código Penal, possibilitou a aquele que denunciasse eventual coautor ou partícipe do crime de extorsão mediante sequestro, facilitando a libertação do sequestrado, uma sensível redução na sua pena, caso condenado ao final do processo penal.

A colaboração premiada foi regulamentada posteriormente em outras leis, como a que trata da lavagem de dinheiro (9.613/98), do combate às drogas (11.343/06) e a que disciplina a proteção às testemunhas (9.807/99). Tem previsão ainda na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado (Convenção de Palermo ou UNTOC) e na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida ou UNCAC), concluídas nos anos de 2000 e 2003.

Todavia, foi apenas há pouco tempo que a delação ganhou contornos mais nítidos e uma forma mais robusta. Com a entrada em vigor da Lei 12.850, em 2013, há cerca de 2 anos, portanto, o instituto cristalizou-se.

Prevendo o mecanismo expressamente no art. 3º, I, com a denominação de colaboração premiada, a lei avançou na definição do instituto nos artigos seguintes. Especificou o procedimento, os requisitos, os direitos do colaborador, os efeitos e benefícios deste pela cooperação na investigação.

Mas, afinal, o que vem a ser delação premiada?

“O instituto da delação premiada consiste em ato do acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime.” 1

Mais um dentre tantos instrumentos e meios de prova previstos em lei, a colaboração premiada, portanto, é considerada uma técnica especial de investigação para crimes graves, onde o colaborador, além de confessar a autoria de um fato criminoso, indica a participação de terceiros envolvidos com a prática do mesmo ou de outro delito, em troca de benefícios penais.

O delator, no fundo, à luz da Constituição, é um colaborador da Justiça”. 2

Há certo caminho até a delação, entretanto. Algumas etapas devem necessariamente ser percorridas. Identificado o colaborador, o Ministério Público inicia tratativas com seu advogado, de onde poderão resultar reuniões para tratar do assunto, com ou sem a participação do colaborador. Definidos os termos do acordo, o texto final com a proposta é encaminhado ao juiz criminal competente, para homologação. Certificado judicialmente, a cooperação se inicia de fato, podendo ser realizadas diligências adicionais durante a execução do acordo, a fim de colher provas que corroborem as afirmações do delator.

Como já afirmado, a colaboração, como é hoje, existe no Brasil desde 1990, trazida pela lei dos crimes hediondos. Depois desta, outras normas passaram a prever o instituto, culminado com a elaboração da lei que define as organizações criminosas. Cada uma delas, com suas limitações, estipulou os efeitos e os benefícios ao colaborador. Em suma, os benefícios previstos são os seguintes: a) causa de diminuição de pena de até 2/3. Caso condenado, o colaborador da Justiça pode ter sua pena diminuída em cerca de 66 por cento; b) substituição  de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Em vez de ser preso, pode o colaborador cumprir sua pena prestando serviços à comunidade, por exemplo; c) perdão judicial. Pode o colaborador ver-se livre de qualquer sanção penal caso sua ajuda revele de grande importância na descoberta dos fatos investigados; d) acordo de imunidade. Na eventualidade de ficar caracterizado (art. 4º, paragrafo 4º, Lei 12.850/13) que o colaborador não foi o líder da organização criminosa investigada e, ainda, caso seja o primeiro a prestar efetiva colaboração com a Justiça, o Ministério Público pode deixar de processá-lo criminalmente. Fica, assim, imune de responder em eventual ação penal.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Embora utilizada com muita frequência em outros países, como nos EUA, a delação premiada divide opiniões.

Considerado um dos eventos de maior prestígio no Direito Penal no Brasil, o seminário do IBCCRIM este ano também foi afetado pelo instituto. Grandes escritórios de advocacia decidiram retirar o patrocínio ao evento. O motivo: a participação, como convidado, do juiz Sergio Moro, responsável pela operação Lava Jato e fervoroso defensor do mecanismo. Um dos advogados foi enfático ao afirmar que não pagaria para dar palco a quem viola constantemente o direito de defesa e que, no evento, falaria sobre algo (delação) que “sabemos como se dão”.3

Ferrenhos críticos do instituto, renomados advogados criminalistas bombardeiam a delação com uma série de argumentos em seu desfavor. “Não se pode premiar quem delata, porque é conduta que denota caráter deformado e deformador, conduta reprimida até mesmo pela "lei do cão" vigente nas cadeias”, sustentam alguns. 4

Segundo outros, o uso dessa técnica é prova inconteste da incompetência do Estado no combate ao crime. Ao associar-se a supostos criminosos na busca de informações sobre  infrações penais graves, o Estado estaria atestando sua inoperância na solução de questões desse tipo.

Independentemente das críticas - e há muitas outras -, a colaboração premiada apresenta importância premente sobretudo quando se enfrenta o crime organizado. Os instrumentos tradicionais são absolutamente ineficazes frente às novas formas de criminalidade

Para bem (de muitos) e para mal (de poucos), a eficácia do mecanismo chama a atenção. Nos escândalos anteriores – na grande maioria – pouco se avançou nas investigações. O alto escalão parecia inatingível. Apenas personagens menores eram alcançados. Quando envolvidos e decidem colaborar com a descoberta dos acontecimentos, em troca de benefícios penais, as apurações ganham velocidade e alcance. Isso ficou evidente na operação Lava Jato.

1 STJ, AgRg no Ag no 1.285.269/MG, Relator o Ministro OG FERNANDES , Dje de 29/11/2010).

2 (STF, 1.ª Turma, HC 90.688/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 12/02/2008.).

3 http://direito.folha.uol.com.br/blog/petrolao-retirada-de-patrocinio-e-a-melhor-solucao).

4 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2608200509.htm).

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Emmanuel Levenhagen Pelegrini

Promotor de Justiça em Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos