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Ponderação da eficácia jurídica das normas de direito fundamental social

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5. Estrutura lógica e fenomenização da incidência e da aplicação da norma jurídica de índole principiológica.

A partir do constitucionalismo, muito se discutiu sobre as disposições constitucionais que encerram princípios: se eram normas e como tais efetivamente dotadas de normatividade, o que equivale a dizer: se tais prescrições legislativas detinham poder vinculante e idoneidade para obrigar os destinatários; ou, por outra, se eram modalizadas deonticamente de modo a implicar certo e previsto comportamento; e, ainda, se haveria razão ontológica ou deontológica que autorizasse e justificasse o isolamento de enunciados da mesma proveniência (normas de estrutura, normas de fazer direito, no sentido positivo.) e, assim, confrontá-los; e, por fim, se a incidência e a aplicabilidade de uma ou outra se revestem de particularismos capazes de estabelecer distinção útil e impor uma categorização de prevalência.

Não se pode negar a natureza jurídico-normativa das normas de índole principiológica (dos princípios), na medida em que derivam e originam-se da mesma fonte, do mesmo insumo e do mesmo processo produtivo das intituladas regras, às quais se identifica aquele caráter distintivo. Assim, pelo “critério da dedutibilidade ... uma norma pertence ao sistema quando é conseqüência lógica de normas pertencentes ao sistema.”[41] Desse modo, tem-se que “os princípios gerais do direito não são exteriores à ordem jurídica positiva: fazem parte dela.”[42]

Ilustre-se com as normas de índole principiológica atinentes aos princípios do Estado de direito democrático e da república, na vertente do primado da igualdade, a partir da expressão de Pontes de Miranda, quando diz que “o princípio de isonomia ou igualdade perante a lei não é mais do que regra jurídica, embora tão importante, que se haja feito regra de direito constitucional e tenha de ser, algum dia, regra de direito das gentes.”[43] Tais ponderações doutrinárias bem evidenciam o caráter normativo da norma de índole principiológica.

Daí a razão de se utilizar da expressão qualificativa ‘de índole principiológica’, porquanto não se compreende que eventual diferença do ponto de vista lógico-estrutural ou quanto ao mecanismo de fenomenização da incidência e aplicação dessas normas com as demais, de índole, digamos, ordinativas, seja capaz de desfalcá-las de eficácia normativa e jurídica.

No que respeita à estrutura lógico-formal da norma jurídica de índole principiológica, tem-se que não é pela vagueza, indeterminabilidade, abertura que se aparta uma norma dessa natureza das ordinativas, pois que ditas características nem sempre estão ausentes nas normas ordinativas, e, embora aquelas sejam invariavelmente marcadas por tais distinções semânticas, haverá situações da vida real em que a descodificação do seu suporte fático e do seu prescritor apresentar-se-á nítida, desnecessitando-se de ponderação.

Confira-se a precisa lição de Pontes de Miranda[44], elaborada para o gênero norma jurídica, que, tratando das regras jurídica stricti iuris e das regras latas, as distingue dizendo que nas primeiras o suporte fático é preciso, o que implica a precisão da regra jurídica e, de conseguinte, da sua incidência, enquanto que, para as segundas, mercê da multiplicidade e heterogeneidade dos fatos da vida, “sem se abandonar o propósito de precisão, que tanto se dirige a conceitos estritos quanto a conceitos gerais, é de conveniência político-jurídica (de iure condendo, portanto) abranger-se grande número de fatos, ainda não enumerados com exatidão, ainda não arrolados exaustivamente, ou demasiado ricos de variedades para que tivesse bom êxito aquela enumeração ou esse arrolamento”, impõe-se que se redijam regras jurídicas não-estritas, exemplificando com expressões encontradiças do tipo ‘circunstâncias’, ‘ao que for razoável’, ou ‘ao que mais atenda ao contrato’, ao ‘perigo’, porém, advertindo que “a regra jurídica ampla, não é menos regra jurídica que a regra jurídica estrita”, apenas porque “os interessados ou os juízes exercem função de determinação, dentro de certo branco: não lhes cabe arbítrio puro”, adindo que o “que o juiz resolve não é regra jurídica, e não no seria, se se tratasse de julgar caso em que se invocasse direito estrito; mas é-o, sem qualquer dúvida, o com que ele resolve. A sua função não é, aí, de modo nenhum, criadora; não passa de função aplicadora, apesar da latitude da lei”.

Bergel{C}[45], tecendo considerações acerca das prescrições jurídicas imperativas, diz que “há umas cuja aplicação supõe uma grande liberdade de ‘descodificação’ de interpretação”.

Barros Carvalho{C}[46] assevera que não pode existir norma, unidade irredutível de significação, sem que haja “enunciados prescritivos na ordenação total, revestindo todos os caracteres formais exigidos pelo sistema...”, pois que “as construções de sentido têm de partir da instância dos enunciados lingüísticos, independentemente do número de formulações expressas que venham a servir-lhe de fundamento. Haveria, então, uma forma direta e imediata de produzir normas jurídicas; outra, indireta e mediata, mas sempre tomando como ponto de referência a plataforma textual do direito posto”.

Disso se conclui que o traço distinguidor da norma de índole principiológica não reside em sua formulação lógico-estrutural, pois que, “tanto las reglas como los princípios son normas porque ambos dicen lo que deve ser. Ambos pueden ser formulados com la ayuda de las expressiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición. Los princípios, al igual que las reglas, son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de um tipo muy diferente. La distinción entre reglas y princípios es pues uma distinción entre dos tipos de normas[47]{C}.”

Assim, tal como as demais também ela é dotada de todos os elementos delineados pela doutrina, com visto acima. Confira-se, exemplificativamente, a dicção do art. 1.º caput, e inc. V, da CF/88, que institui o princípio fundamental do pluralismo político, assim expresso:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

V - o pluralismo político. 

Forte na advertência antes feita, acerca da necessidade do processo hermenêutico sistemático, tem-se que esse enunciado há de ser compreendido em comunhão com as seguintes disposições constitucionais, que também cuidam do pluripartidarismo:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§ 1º - Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.

Coteje-se a norma constitucional de índole principiológica que estatui o pluralismo político como um fundamento da República Federativa do Brasil com as seguintes disposições da Lei n.º 9096/95:

Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles. (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8)

Art. 41. O Tribunal Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios: (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8)       

 I - um por cento do total do Fundo Partidário será destacado para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral;  (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8)     

 II - noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8)

Art. 48. O partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral que não atenda ao disposto no art. 13 tem assegurada a realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de dois minutos. (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8)       

Art. 49. O partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurado: (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8)

Art. 56. No período entre a data da publicação desta Lei e o início da próxima legislatura, será observado o seguinte: (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8)

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte: (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8)

II - vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para distribuição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;

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O STF[48] o fez recentemente, concluindo pela inconstitucionalidade dos fragmentos acima destacados. Confira-se:

“O Tribunal julgou procedente pedido formulado em duas ações diretas ajuizadas, (...), para declarar a inconstitucionalidade do art. 13; da expressão ‘obedecendo aos seguintes critérios’, contida no caput do art. 41; dos incisos I e II do art. 41; do art. 48; da expressão ‘que atenda ao disposto no art. 13’, contida no caput do art. 49, com redução de texto; e da expressão ‘no art. 13’, constante do inciso II do art. 57, todos da Lei 9.096/95. O Tribunal também deu ao caput dos artigos 56 e 57 interpretação que elimina de tais dispositivos as limitações temporais deles constantes, até que sobrevenha disposição legislativa a respeito, e julgou improcedente o pedido no que se refere ao inciso II do art. 56, todos da referida Lei. Os dispositivos questionados condicionam o funcionamento parlamentar a determinado desempenho eleitoral, conferindo, aos partidos, diferentes proporções de participação no Fundo Partidário e de tempo disponível para a propaganda partidária (‘direito de antena’), conforme alcançados, ou não, os patamares de desempenho impostos para o funcionamento parlamentar. Entendeu-se que os dispositivos impugnados violam o art. 1º, V, (...); o art. 17, (...); e o art. 58, § 1º, (...), todos da CF. Asseverou-se, relativamente ao inciso IV do art. 17 da CF, que a previsão quanto à competência do legislador ordinário para tratar do funcionamento parlamentar não deve ser tomada a ponto de esvaziar-se os princípios constitucionais, notadamente o revelador do pluripartidarismo, e inviabilizar, por completo, esse funcionamento, acabando com as bancadas dos partidos minoritários e impedindo os respectivos deputados de comporem a Mesa Diretiva e as comissões. Considerou-se, ainda, sob o ângulo da razoabilidade, serem inaceitáveis os patamares de desempenho e a forma de rateio concernente à participação no Fundo Partidário e ao tempo disponível para a propaganda partidária adotados pela Lei. Por fim, ressaltou-se que, no Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais da minoria, tais como a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública.” (ADI 1.351 e ADI 1.354, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo 451)

A par das características lógico-estruturais da norma jurídica, é possível distingui-los na referida norma jurídica de índole principiológica, utilizando-se a estrutura analítica da norma jurídica traçada por Maria Helena Diniz, inspirada em Carlos Cossio:

Da endonorma (a que prevê a conduta conforme a Direito):

  1. Fato temporal (FT) = Regulamentação do funcionamento parlamentar.
  2. A cópula lógica do dever-ser.
  3. A prestação de alguém (P) = promoção do pluripartidarismo.
  4. Sujeito passivo = legislador.
  5. Sujeito ativo = População (partidos políticos)
  6. Partícula neutra ou (que caracteriza a cópula disjuntiva que delimita a endonorma e a passagem para a perinorma).

Da perinorma (a que estabelece a sanção pela conduta não-conforme a Direito):

  1. Ilícito (não-P) = ofensa ao postulado do pluripatidarismo a partir da restrição aos direitos e liberdades fundamentais das minorias (expressão, organização, representação, participação plena na vida pública).
  2. A cópula lógica do dever-ser.
  3. A sanção do responsável (S) = Invalidação do ato.
  4. Sujeito passivo – funcionário obrigado a isto (FO) = Estado-juiz.
  5. Sujeito ativo = pretensão da comunidade (PC)

No que concerne à incidência e à aplicação, tome-se a observação de Mello[49] segundo a qual, “quando o Judiciário decreta a inconstitucionalidade de certa lei por conflitar com determinado princípio constitucional, está, em última análise, a aplicar aquele princípio, que declara incidente sobre a situação concreta (ato legislativo) e, por conseqüência, que o comportamento do legislador está a ele vinculado”.

Assim, se o propósito é diferençar, impõem-se sublinhar as características, qualidades e propriedades fundamentais que não se encontrem em mais nenhum outro objeto. Atende a essa necessidade de distinção o aspecto qualitativo da norma jurídica de índole principiológica, o seu caráter de fundamentalidade, a sua importância estruturante  e a sua natureza normogenética, pois que “se os princípios têm suas propriedades, diferenciando-se por sua natureza (qualitativamente) dos demais preceitos jurídicos, a distinção está em que constituem eles expressão primeira dos valores fundamentais expressos pelo ordenamento jurídico, informando materialmente as demais normas (fornecendo-lhes a inspiração para o recheio)”.[50]{C}/{C}[51]

Por esse prisma, tem-se que a norma jurídica de índole principiológica expressa valor estruturante e conglobante, possui antecedente e conseqüente latos, mas plenamente determinável, e, por isso, destina-se à ordenação-regulação macro; ao passo que a norma de índole precognitiva expressa valor segmentário e setorizado, podendo seu antecedente ser lato ou estrito, mas o seu conseqüente é sempre estrito e determinado, e, assim, serve à ordenação-regulação micro.

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Sobre o autor
Adriano Luís de Almeida Silva

Especialista e mestre em direito. Assessor Jurídico e Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Adriano Luís Almeida. Ponderação da eficácia jurídica das normas de direito fundamental social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4636, 11 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46982. Acesso em: 22 nov. 2024.

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