O crime do colarinho branco e as mãos sujas do crime

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Edwin Hardin Sutherland (1883-1950), foi um sociólogo americano da famosa “Escola de Chicago”, que se destacou, tanto o proeminente sociólogo quanto a “Escola” pela análise crítica dos tipos e situações sociais que envolvem certos tipos penais.

INTRODUÇÃO

Edwin Hardin Sutherland (1883-1950), foi um sociólogo americano da famosa “Escola de Chicago”, que se destacou, tanto o proeminente sociólogo quanto a “Escola” pela análise crítica dos tipos e situações sociais que acarretaram em uma abordagem criminológica de primeira monta, por exemplo, Howard Becker e seu “Outsiders” de 1961 entre outros.

Ora, a “Escola de Chicago” foi uma espécie de “continuação” da “Escola de Frankfurt “, abortada e transferida para New York devido à perseguição nazista. Ainda em um momento inicial, percebemos certo receio de alguns criminólogos em aceitar o livro de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, Punishment and Social Structure (1939), pelo suposto viés marxista que lhe pintaram. Garland imediatamente define o livro:

   “...Is the seminal Marxian analysis of punishment as a social institution. It represents the ‘most sustained and comprehensive account of punishment to have emerged from within the Marxist tradition’ and ‘succeeds in opening up a whole vista of understanding which simply did not exist before it was written’”[2]

Uma excelente coincidência é que a frase “white-collar crime”, foi pronunciada pelo emérito Sutherland em 1939, ano da publicação do livro de Rusche e Kirchheimer.

  • O que é?   

            “The phrase "white-collar crime" was coined in 1939 during a speech given by Edwin Sutherland to the American Sociological Society. Sutherland defined the term as "crime committed by a person of respectability and high social status in the course of his occupation."[3] Essa é a definição de Sutherland.

            No Brasil, parece sereno o caput do art. 5º da Lei Maior. Digo sereno, pois o Brasil é um país atípico com relação ao resto do mundo. Fomos o último país da América a abolir a escravidão negra. Pacificamente fizemos um Código Penal em 1890 com a preocupação de “garantir” o direito dos negros na Carta Republicana de 1891.Segundo dados do jornal burguês New York Times, a maior população negra fora da África está no Brasil.[4]

            Entre muitas mazelas aqui ocorridas, o caput do art. 5º da CF/88, continua a dizer que “todos são iguais perante a lei”.  É horripilante e desagradável fazer uma exegese do que acabamos de ler. O deboche parece campear pelas ruas e ninguém se dá conta. Perdoem-me, todavia, o caput do art. 5º da Lei Maior se aplica a “Pretos, pobres, prostitutas, desprovidos de recursos para custear advogado etc.”.  

            Ao me remeter ao já lido e relido Montesquieu e seu “O espírito das leis” de 1748, livro que me segue desde a faculdade de filosofia, faço uma observação filosófica: se a lei possui espíritos, alguns são demoníacos.

            O Poder judiciário não se importa com quantas operações se dará a “Lava jato”, que no bom português é “lava a jato”, vez que “a jato” é locução adverbial e a palavra jato sendo masculina, não comporta crase. 

  • As mãos sujas

Sem entrar na celeuma do “locus criminis” o tal lava a jato de Curitiba, vemos o desfilar debochado dos indiciados que com as mãos para trás, sim, aqui respeita-se o verbete nº 11 da Súmula Vinculante do STF [5], eles desfilam com expressão de soslaio de quem possui o direito de permanecer fora dos presídios e manter o silêncio constitucional a que possuem direito, ainda de usarem suas roupas caras e colarinhos brancos e se socorrerem no belo instituto da delação premiada[6] importado da Itália, claro, se reconhecermos que a MÁFIA está instalada no Brasil . 

Aqui cabe uma observação:

Em 1982, a Itália mergulha na Operação Mãos Limpas, um enorme esforço da justiça, iniciado pelo promotor Antonio Di Pietro para combater a corrupção. Com a finalidade de restabelecer a ordem no país, através da contenção da violência e minimização da impunidade, nasceu a Lei misure per la difesa dell ordinamento constituzionale[7], que instituiu a delação premiada, permitindo a extinção da punibilidade do colaborador.

Crime é crime e o Brasil é um pais que desrespeita os direitos humanos, logo, não respeita o pacífico art. 5º da Constituição. Recentemente foram listados 7 (sete) direitos fundamentais descumpridos pelo Brasil e que figuram esculpidos na Carta republicana. O órgão que avaliou os descumprimentos diz:

“O poder público também se mostra implacável, conforme o estudo, no atendimento às necessidades de saúde. "É possível observar graves indícios de falta de acesso aos serviços de saúde e desumanização no atendimento", aponta a pesquisa. "Há indícios de privatização das ações básicas de saúde, há indícios de um caminho transverso para privatizar os serviços de segundo e terceiro níveis mediante os mutirões, há falta de atendimento no segundo e terceiro níveis de atenção", critica. Sem contarem com acesso amplo à Justiça e sem a devida fiscalização dos órgãos competentes, os trabalhadores brasileiros ainda têm de se expor a jornadas de trabalhos extenuantes, em condições insalubres e a rendimentos baixíssimos. Para mulheres e crianças, a exploração se manifesta ainda em forma de assédio moral e exploração sexual.[8]

As mãos sujas dos crimes que se assemelham às de Pilatos, onde a figura do delator foi Judas, e aquele lavou as mãos com água para simbolizar ausência de culpa, são figuras que se aproximam de senhores que trataram o erário como se deles fossem e desviaram dinheiro da educação, da saúde, da segurança e ainda conseguem manter a frieza e a empáfia e não podem serem chamados de bandidos, não são comuns.

CONCLUSÃO

A criminologia procura seu espaço. Desnecessário é dizer que o autor da história é o homem e que fatos há, mesmo com diversas interpretações, aqui parafraseando Nietzsche. A que se presta o Direito? Sendo o homem o agente propulsor das modificações históricas é o responsável direto por suas ações.

O professor Arnaldo Godoy[9], em texto marcado pela justeza de suas idéias e merecedor de reflexão mais aguda pelo leitor, ao falar de Gustav Radbruch e seus “Cinco minutos de filosofia do Direito” obra de 1945, cita o mestre prussiano na seguinte passagem:

“Há também princípios fundamentais de direito que são mais fortes do que todo e qualquer preceito jurídico positivo, de tal modo que toda a lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada de validade. Há quem lhes chame direto natural e quem lhes chame direito racional. Sem dúvida, tais princípios acham-se, no seu pormenor, envoltos em graves dúvidas. Contudo o esforço de séculos conseguiu extrair deles um núcleo seguro e fixo, que reuniu nas chamadas declarações dos direitos do homem e do cidadão, e fê-lo com um consentimento de tal modo universal que, com relação a muitos deles, só um sistemático cepticismo poderá ainda levantar quaisquer dúvidas. Na linguagem da fé religiosa estes mesmos pensamentos acham - se expressos em duas passagens do Novo Testamento. Está escrito numa delas (S. Paulo, Aos romanos, 3,1): “deveis obediência à autoridade que exerce sobre vós o poder”. Mas, numa outra (Atos dos Apost. 5, 29) está escrito também: “deveis mais obediência a Deus do que aos homens”. E não é isto aí, note-se, a expressão dum simples desejo, mas um autêntico princípio jurídico em vigor. Poderia tentar-se resolver o conflito entre estas duas passagens, é certo, por meio de uma terceira, também do Evangelho, que nos diz: “dai a Deus o que é de Deus e a César que é de César”. Tal solução é, porém, impossível. Esta última sentença deixa-nos igualmente na dúvida sobre as fronteiras que separam os dois poderes. Mais: ela deixa afinal a decisão à voz de Deus, àquela voz que só nos fala à consciência em face de cada caso concreto”[10] (Nós negritamos).

Eis o âmago da questão suscitada por Radbruch: a consciência. De forma filosófica e despretensiosa pretendo opinar: sabedores da paráfrase usada pelo Santo na frase lapidar, sendo César roubado Deus também o é, logo, não há consciência no homem que frauda, desvia, comete peculato, descaminho, ele é um corrupto, como tal, a igualdade do tratamento da Lei, no “ monte do desespero último é o último pedaço de rocha de esperança”,  que a igualdade da pena lhes sejam aplicadas, ou precisaremos de muita, muita água para lavarem as mãos “limpas” dos senhores de colarinhos brancos.    

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BIBLIOGRAFIA

Becker, H. Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. (New York: The Free Press, 1963). ISBN 978-0-684-83635-5

Garland, D. (1990) Punishment and Modern Society. Chicago, IL: University of Chicago Press.

Rusche, G. and O. Kirchheimer (1939) Punishment and Social Structure. Columbia University Press (edn.) (1968).

White-Collar Criminality, Edwin H. Sutherland, American Sociological Review,Vol. 5, No. 1 (Feb., 1940), pp. 1-12


[2] Garland, D.  Punishment and Modern Society. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1990, p. 89.

[3] Tradução livre do mestrando: A frase "crime do colarinho branco" foi cunhada em 1939 durante um discurso proferido por Edwin Sutherland na American Sociological Society. Sutherland definiu o termo como "crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e alto status social no curso da sua profissão”. Grifo nosso. In: https://www.law.cornell.edu/wex/white-collar_crime (visitado em 29/02/2016)

[4] racismo-na-sociedade.html" style="font-size: 1.1em; line-height: 1.6; text-indent: 3.5em;">http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/new-york-times-brasileiros-ainda-negam-o-peso-do-racismo-na-sociedade.html  (Consulta em 29/02/2016)

[5] Súmula Vinculante 11:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Litteris.

[6] Delação premiada, na legislação brasileira, é um benefício legal concedido a um réu que aceite colaborar na investigação ou entregar seus companheiros. Esse benefício é previsto em diversas leis brasileiras: Código Penal, Leis n° 8.072/90 – Crimes hediondos e equiparados, 9.034/95 – Organizações criminosas, 7.492/86 – Crimes contra o sistema financeiro nacional, 8.137/90 – Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, 9.613/98 – Lavagem de dinheiro, 9.807/99 – Proteção a testemunhas, 8.884/94 – Infrações contra a ordem econômica e 11.343/06 – Drogas e afins. In: Marcella Sanguinetti Soares Mendes. "A delação premiada com o advento na Lei 9.807/99". In: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11229&revista_caderno=3  (Consulta feita em 29/02/2016).

[7] http://www.archivio900.it/it/documenti/doc.aspx?id=368 (Consulta em 29/02/2016).

[8] http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-gerais/2007/maio-2007/direitos-humanos-sao-profundamente-desrespeitados-no-brasil (Consulta em 29/02/16).

[9] Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP, professor e pesquisador visitante na Universidade da Califórnia (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

[10] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit. Apud http://www.conjur.com.br/2014-jun-22/gustav-radbruch-pensamento-cinco-minutos-filosofia-direito (Consulta em 29/02/2016).

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Sobre o autor
Sérgio Ricardo de Freitas Cruz

Mestre e doutorando em Direito. Membro do IBCCRIM e do IBDFAM.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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