Mulher e filha de Cunha, por luxos e prazeres, podem ser investigadas em Curitiba?

08/03/2016 às 09:38
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Nenhum bandoleiro ou bandoleira escroque pode desfilar impunemente com carteira ou bolsa Louis Vuitton comprada com dinheiro público. Se não radicalizarmos nas questões morais (que não têm nada a ver com os fanáticos princípios do moralismo), nunca...

Nenhum bandoleiro ou bandoleira escroque pode desfilar impunemente com carteira ou bolsa Louis Vuitton comprada com dinheiro público. Se não radicalizarmos nas questões morais (que não têm nada a ver com os fanáticos princípios do moralismo), nunca deixaremos de ser uma desprezível ameba humana.

O PGR acaba de oferecer nova denúncia contra Eduardo Cunha pela apropriação de propina superior a 5 milhões de dólares que ele teria recebido ‘para viabilizar a aquisição de um campo de petróleo em Benin, na África, pela Petrobrás’. Depois da compra a Petrobras descobriu que o campo estava seco.

Cunha tem foro especial no STF por ser parlamentar. É a 2ª denúncia contra Cunha no STF. Ainda há uma terceira investigação em andamento. Seu afastamento da direção da Câmara assim como sua cassação está mais do que justificado (essa deve ser a decisão do STF e dos seus pares).

Sua mulher e sua filha (Cláudia Cordeiro Cruz e Danielle Dytz da Cunha Doctorovich) estariam envolvidas em parte dos crimes a ele atribuídos.  Sobretudo na era do consumo desenfreado, cada um tem direito de gastar o seu dinheiro da maneira que lhe aprouver. Abaixo os moralismos de São Jerônimo!

Quando o consumo alheio é, no entanto, feito com dinheiro público, a história é outra. Em nenhum lugar do mundo se aceita impunemente o gozo (freudiano) com o chapéu dos outros.

Eis a questão: “Cláudia é titular da conta Kopek – uma das contas clandestinas na Suíça pela qual transitou dinheiro ilícito, segundo a investigação. Nessa conta aparece como beneficiária de um cartão de crédito Danielle”. Entre abril de 2014 e junho de 2015, conforme informação do Ministério Público da Suíça, Cunha transferiu parte do dinheiro da propina para uma conta no banco Julius Baer, em nome da offshore Netherton Investment. Uma parcela do dinheiro, R$ 661,6 mil, teria sido transferida para a conta Kopek, de Cláudia Cruz.

Mais: Cláudia, ‘nada obstante tenha declarado ser dona de casa nos documentos bancários suíços gastou US$ 7,7 mil na loja da Chanel em Paris em 9 de janeiro de 2014′; em 11 de janeiro de 2014 US$ 2,64 mil na Christian Dior, mais US$ 4,18 mil na Loja Charvet Place Vendôme e ainda US$ 2,94 mil na loja de roupas Balenciaga; no dia 2 de março de 2014, agora em Roma, a mulher do presidente da Câmara gastou US$ 4,49 mil na Prada e seis dias depois, já em Lisboa, outros US$ 3,53 mil na Louis Vuitton”.

Cláudia e Danielle devem ser investigadas e julgadas também no STF ou seria o caso de se remeter os eventuais crimes delas para Curitiba (para o juiz Moro)?

O PGR diz que não há nenhum argumento razoável para que elas e outros envolvidos sejam investigados e julgados pelo STF. Ficaria no Supremo apenas o processo contra Cunha, que tem um elevadíssimo padrão de vida, mesmo para os parâmetros da megalomaníaca cleptocracia brasileira.

Seus gastos são completamente incompatíveis com a renda declarada (e já divulgada pela Receita Federal). Num jantar em um restaurante em Miami (em 28/12/14), o presidente da Câmara teria desembolsado US$ 1.040,60, equivalentes a R$ 4 mil. Com outras despesas pessoais o deputado (no mesmo dia) teria gastado US$ 824 (algo em torno de R$ 3,2 mil). A investigação ainda apurou o uso de hotéis de luxo e lojas de roupas caras. Durante 9 dias nos Estados Unidos o nababesco gastou US$ 42,2 mil, leia-se, cerca de R$ 169,5 mil.

Análise jurídica

A regra: Quando várias pessoas cometem os mesmos crimes ou quando um crime tem vínculo probatório com outro manda a lei (Código de Processo Penal) que se faça um único processo, perante o mesmo juiz. Processo único (simultaneus processus) e julgamento único (para evitar decisões divergentes ou até mesmo contraditórias). A regra geral é essa.

Exceção: o art. 80 do CPP diz que o juiz pode separar os processos (e as investigações) quando as infrações tiverem sido cometidas em tempo ou lugar diferentes, quando há muitos réus ou quando o juiz entender conveniente a separação. Mais: por força da súmula 704 do STF, não há violação das garantias quando um corréu é julgado na Corte Máxima juntamente com quem tem foro especial (a súmula não aplica ao homicídio doloso, porque nesse caso o corréu deve ser julgado pelo Tribunal do Júri).

O problema: a lei é muito vaga, daí a jurisprudência (decisões dos tribunais) ser casuísta. No caso mensalão tentou-se a separação, mas o STF não aceitou (os 40 réus foram julgados pela Corte Suprema). No caso Petrobras, desde 2014 o STF firmou o entendimento de que réu sem foro especial deve ser julgado em Curitiba. Mas há poucos dias o STF aceitou julgar uma ex-deputada (Solange Almeida) que teria cometido crime de corrupção juntamente com Eduardo Cunha. Ou seja: cada caso é um caso (e isso dá margem para arbitrariedades). Se “navegar é preciso” (Fernando Pessoa), a lei também deveria ser mais precisa.

Aparentemente, no caso da mulher e filha de Cunha realmente não faz sentido que elas sejam investigadas e julgadas no STF. O luxo e os prazeres delas podem ser desmembrados e apreciados sem nenhum prejuízo probatório pela primeira instância. Se o STF deferir a separação dos casos isso significará mais um golpe profundo em Eduardo Cunha. Nenhum império do mundo durou toda eternidade. “Entre a guerra e a desonra, quem escolhe a desonra terá a guerra” (Churchill). Guerra contra-hegemônica para debelar a roubalheira institucionalizada na cleptocracia brasileira é o que a Lava Jato está fazendo. E tem nosso apoio enquanto dentro do Estado de Direito.

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Corrupção é imposto pago pelos mais pobres

A corrupção, especialmente a cleptocrata (leia-se: dos donos do poder = elites políticas, econômicas, financeiras e corporativas que dominam ou governam o País), como bem sublinhou José Ugaz[1] (presidente da Transparência Internacional, em Berlim, que mede a percepção da corrupção em 168 países – Brasil é o 76º colocado), “Afeta mais agudamente os brasileiros mais pobres. Quando o corrupto rouba dinheiro para benefício próprio, saúde, educação, alimentação, saneamento e outros direitos humanos básicos são negados aos setores mais vulneráveis da sociedade. A corrupção é um imposto pago pelos mais pobres de nossos países”.

A corrupção não é a única causa, mas inequivocamente constitui um dos fatores da desigualdade social extrema no Brasil. A percepção dela se agravou em virtude do escândalo da Petrobras, mas a investigação do petrolão (e outros casos de corrupção envolvendo quem quer que seja) é muito positiva. A investigação e punição da grande corrupção (a institucionalizada) revela comprometimento público de um setor do Estado que não está maculado pela desonestidade.

Somente a Lava Jato, no entanto, consoante a opinião de José Ugaz, “não é suficiente para acabar com a corrupção no País. Nenhum país foi bem-sucedido na luta contra a corrupção com medidas isoladas – é sempre uma combinação de reformas e esforços persistentes. No entanto, a Lava Jato é extremamente importante e deve ser defendida. Existem várias pessoas, e pessoas poderosas, querendo ver a operação enfraquecida, a nulidade dos processos e a impunidade como resultado final. Claro, se equívocos e abusos foram cometidos nos procedimentos da operação, eles devem ser corrigidos. Entretanto, como dizem os procuradores da força-tarefa, não se deve demolir um prédio inteiro porque se encontrou um vazamento na tubulação. A corrupção no Brasil [na verdade não é somente no Brasil, é praticamente no mundo todo] parece ser sistêmica [efetivamente é sistêmica] e a investigação e sanção de um caso não mudará as estruturas da sociedade brasileira”.

Quais outras medidas são necessárias?

“Em primeiro lugar, a sociedade brasileira deve assegurar os avanços já alcançados. Há tentativas frequentes de alterar e abrandar as importantes leis anticorrupção aprovadas nos últimos anos. Também é importante promover reformas sistêmicas Há necessidade, ainda, de uma mudança cultural. Os cidadãos precisam entender que é possível viver sem o desrespeito às leis para benefício pessoal”[2].

CAROS internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: sou do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos comprovadamente desonestos assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados) que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção (PT, PMDB, PSDB, PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são fisiológicos (toma lá dá cá) e ultraconservadores não do bem, sim, dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda imoralmente os defende. 

[1] Ver http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,corrupcao-e-imposto-pago-pelos-mais-pobres,10000018684, consultado em 07/03/16.

[2] Ver http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,corrupcao-e-imposto-pago-pelos-mais-pobres,10000018684, consultado em 07/03/16.

*É livre a divulgação deste Artigo, por qualquer meio ou veiculo.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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