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Tribunal do júri: uma breve reflexão

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4. QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA PRONÚNCIA NO TRIBUNAL DO JÚRI (por Alexandre Vasconcelos)

O ponto fulcral a ser abordado agora localiza-se nas questões acerca da "sentença" de pronúncia e seus desdobramentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes. Enfim, serão trazidos à tona, ao longo do texto, os aspectos mais divergentes que permeiam a pronúncia e seus respectivos posicionamentos, abordando-os sempre com um prisma analítico e crítico.

Assim, serão enfrentados os questionamentos mais relevantes no tocante ao tema, como, por exemplo, tem a pronúncia natureza jurídica de sentença ou de decisão interlocutória ? A prisão do réu na pronúncia é facultativa ou não? A falta de intimação pessoal do réu enseja realmente a nulidade absoluta do processo?

A título conceitual, a pronúncia pode ser entendida como "decisão processual de conteúdo declaratório em que o juiz proclama admissível a imputação, encaminhando-a para julgamento perante o Tribunal do Júri".A sentença é, portanto, mero juízo de admissibilidade, com o escopo de submeter o acusado ao julgamento popular.

A pronúncia está localizada na primeira fase do Júri, fase esta que se inicia com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e se encerra justamente com a pronúncia. Fala-se em fases nesse rito procedimental, porque além dessa primeira fase já citada, tem-se, ainda, uma segunda fase, que tem seu início com o libelo e o seu desfecho com julgamento pelo Tribunal do Júri.

No que tange ao seu nomen iuris, "sentença de pronúncia", tem-se o primeiro aspecto controvertido do tema em estudo, que é a sua natureza jurídica. Segundo a lei processual ordinária no seu art. 408, § 1º, a pronúncia tem caráter de sentença. Tal assertiva, porém, é equivocada como proclama a maioria da doutrina, que prefere trata-la como verdadeira decisão interlocutória. Tal fundamentação doutrinária está alicerçada no fato de tal decisão tratar-se apenas de mero juízo de admissibilidade, tendo, portanto, natureza processual, não produzindo assim coisa julgada, já que o Tribunal do Júri pode decidir de forma contrária ao mencionado na pronúncia. A decisão é, assim, de cunho processual não podendo o juiz fazer um exame profundo do mérito, pois se assim o fizesse, estaria adentrando-se na competência do júri, o que acarretaria na nulidade da sua decisão. Além disso, o juiz não poderá reexaminar o que foi decidido na pronúncia, exceto por fato superveniente. Caberá aos jurados decidirem sobre o mérito, por ocasião do julgamento pelo Tribunal do Júri.

"É inadmissível na sentença de pronúncia fazer o magistrado menção a circunstância agravantes, sob pena de invadir o julgador atribuição privativa dos jurados".(TJMT- RC - Rel. Milton Figueiredo Ferreira Mendes – RT 525/402 )".

Para Fernando da Costa Tourinho da Costa Filho, não seria impróprio falar-se em "sentença processual", haja vista que, embora não se aplique nenhuma sanção penal, reconhece-se a existência de provas sobre autoria e materialidade, e só cabendo alteração após o trânsito em julgado, repita-se, com a verificação de circunstância superveniente que modifique a classificação do delito, nos termos dos art. 416, do CPP.

Outro aspecto relevante e merecedor de discussões diz respeito a prisão do réu na pronúncia. Ao se examinar os arts. 408, § 2º, e 594, vislumbra-se que, em sendo, o réu primário e de bons antecedentes, ao magistrado facultará a decretação de sua prisão na hora da pronúncia. Trata-se, portanto, de mera faculdade, pois o magistrado deverá avaliar a existência de elementos que indiquem a necessidade da prisão (CPP art. 312 ).

Tal facultatividade enseja uma discussão acerca do princípio da presunção de inocência previsto no art. 5º da Carta Magna de 1988. Reza esse princípio constitucional, que ninguém poderá ser considerado culpado antes da sentença penal condenatória transitar em julgado. Para alguns doutrinadores, este poder de decisão facultado ao juiz confronta-se com o referido princípio, pois este não admite a suspeita de culpa, devendo antes haver trânsito em julgado. José Frederico Marques, em parecer dado em 18/04/90, escreveu que o "estado de inocência não se finda com a pronúncia em face do cânone constitucional relativo ao estado de inocência do réu, antes de passar em julgado a sentença de condenação, não pode haver prisão obrigatória...assim sendo, arbitrária, contra legen e em conflito com o art.5º, LVII, da C.F., a prisão decretada... em conseqüência da sentença de pronúncia".

Na fase da pronúncia vigora o princípio in dúbio pro societate, pois em caso de dúvida deve o juiz pronunciar o réu, para que não subtraia a apreciação do caso do Tribunal do Júri.

Para alguns doutrinadores, a pronúncia, como decisão fundada na admissibilidade da acusação constitui juízo de suspeita, pautado em indícios de autoria e da materialidade do delito e não juízo de certeza, que é elemento fulcral exigido para a condenação. Daí a incompatibilidade entre a pronúncia e o provérbio in dúbio pro réu, adotando-se, neste caso, o provérbio in dubio pro societate.

Para outros autores, o princípio in dubio pro reu, significa que na dúvida decide-se a favor do réu, isso nada mais é que presumir que ele seja inocente. Segundo eles a Constituição diz que ninguém poderá ser considerado culpado, antes da sentença condenatória transitada em julgado, então se o juiz tem dúvidas ou não tem provas suficientes, por que optar pela pronúncia, se a impronúncia é um meio de colocar em prática o princípio constitucional em tela?

Outrossim, na própria jurisprudência existem opiniões que ratificam isso:

"A lei exige para a pronúncia, a prova da existência de autoria. Faltando qualquer desses requisitos, é caso de impronúncia". (HC 111 514, do TJSP, de 17.08.71)

Na maioria da doutrina vigora, porém que a pronúncia impõe a prisão do réu, salvo na faculdade que o juiz tem de não a decretar, ou de revogar a prisão já existente, no caso do réu ser primário e de ter bons antecedentes.

A possibilidade de decretação da prisão provisória independente da presença dos pressupostos da cautelar tem ensejado divergência entre o STJ e o STF.

A prisão provisória é uma medida cautelar pessoal detentiva, de caráter excepcional, que só se justifica como um meio indispensável para assegurar a eficácia de um futuro provimento jurisdicional, presentes que estejam o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Ausentes os requisitos gerais da tutela cautelar, e, não servindo apenas como instrumento do processo, a prisão provisória não seria nada mais do que uma execução antecipada da pena privativa de liberdade, e, isto, violaria o princípio da presunção de inocência.

Em conseqüência dos princípios constitucionais, no ordenamento pátrio, o juiz não pode alicerçar, a prisão apenas na sua convicção, deve ordena-la com base no poder geral de cautela, demonstrando a necessidade da prisão vinculada a um dos motivos que a lei processual respalda.

Neste sentido tem seguido a orientação do STJ que, em face do princípio da presunção de inocência, somente é permitida prisão em razão de pronúncia, quando demonstrada, por decisão motivada, a necessidade de cautela.

Já para o STF, a prisão provisória obrigatória, nos casos dos artigos 594 e 408, § 2º, do CPP é perfeitamente possível.

Outra questão polêmica no tocante a pronúncia diz respeito a intimação do réu. Sabe-se que ao se tratar de crime inafiançável, o acusado deve ser intimado pessoalmente (art. 414, CPP ), pois se assim não for o processo terá nulidade absoluta. Em caso de fuga desse réu, ou estando este em local desconhecido ou incerto, o processo sofrerá ima paralisação até a sua localização e conseqüente intimação. Tal paralisação recebe o nome de crise de instância. Até este ponto a doutrina a doutrina e a jurisprudência são pacíficas.

Agora ainda se tratando de crime inafiançável, caso o acusado ao ser intimado pessoalmente da decisão de pronúncia, não vier a comparecer à sessão de julgamento, pra a maioria da doutrina, esse julgamento deve ser adiado já que o réu não poderá ser julgado a revelia. Só que já existem decisões em tribunais em sentido contrário, tendo como supedâneo a idéia de que, mesmo intimado pessoalmente, o réu não precisa comparecer para o julgamento ainda que se trate de crime inafiançável, já que ele tem o direito constitucional de permanecer calado.

4.1. CONCLUSÃO

A decisão de pronúncia, como parte integrante da primeira fase do Tribunal do Júri, tem despertado na doutrina e na jurisprudência posicionamentos divergentes acerca de alguns dos seus pontos peculiares.

No que concerne a questão da pronúncia se tratar de sentença ou decisão interlocutória, a despeito do nosso código de processo penal referir-se a ela como sentença, posiciono-me no sentido de entendê-la como verdadeira decisão interlocutória. Destarte, pelo fato do magistrado não se adentrar nas questões de mérito, ela passa a ser mero juízo de admissibilidade, não fazendo assim coisa julgada. Logo trata -se, efetivamente, de decisão interlocutória.

No segundo ponto em tela, discutiu-se a facultatividade da prisão do réu na pronúncia. Posiciono-me no tocante a esse ponto, segundo uma visão legalista calcada nos arts. 408, §2º, e 594, que autorizam a prisão no momento da pronúncia, caso o réu seja reincidente e detenha maus antecedentes. Acredito, porém, caso o réu possua os elementos favoráveis a sua não prisão, ainda assim o magistrado deve levar em conta as circunstâncias do caso concreto, ficando ao seu livre alvitre tal decisão, sendo que esta deve está, indubitavelmente, motivada.Logo, embasando-se no seu poder de cautela, o juiz pode sim decretar a prisão do réu na pronúncia sem que com isso esteja ferindo o princípio da presunção de inocência.

Por fim analisou-se a questão da intimação do réu, onde abordou-se o seu comparecimento ou não à sessão de julgamento, caso seja intimado pessoalmente e suas conseqüências. Na minha opinião, ao ser intimado pessoalmente, e em caso de não comparecimento, deve realmente ser adiado tal julgamento, pois o seu julgamento a revelia representaria um afronte ao princípio da verdade real. Mesmo que este tenha o direito constitucional de permanecer calado, ainda assim, entendo ser imprescindível a sua presença na sessão de julgamento, para que realmente se busque a famigerada verdade real.


5. A COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI (por João Mário Botelho Nascimento)

O Tribunal do Júri é constituído de um juiz de direito, que é o seu presidente e vinte e um jurados, dentre os quais, sete serão sorteados e constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento (art. 433/CPP).

O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de vinte e um anos de idade, isentos os maiores de sessenta (art. 434/CPP).

Os jurados serão escolhidos dentre cidadãos da comunidade, de notória idoneidade, a critério do juiz. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de vinte e um anos de idade, isentos os maiores de sessenta (art. 434/CPP).

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O serviço do Júri será obrigatório, dele não podendo se afastar nenhum cidadão, salvo nos casos de escusa legítima ou por previsão legal. A recusa ao serviço do Júri, motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, importará a perda dos direitos políticos (art.435/CPP), conforme dispõe a Constituição Federal.

São isentos do serviço do Júri, no entanto, todas as pessoas enquadradas no art. 436/CPP, a saber: o Presidente da República e os ministros de Estado; os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal e seus respectivos secretários; os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional, das Assembléias Legislativas dos Estados e das Câmaras Municipais, enquanto durarem suas reuniões; os prefeitos municipais; os magistrados e órgãos do Ministério Público; lista geral, publicada em novembro de cada ano, poderá ser os serventuários e funcionários da justiça; o chefe, demais autoridades e funcionários da Polícia e Segurança Pública; os militares em serviço ativo; as mulheres que não exerçam função pública e provem que, em virtude de ocupações domésticas, o serviço do Júri lhes é particularmente difícil, e por um período de 1 (um) ano, mediante requerimento, os que tiverem efetivamente exercido a função de jurado, salvo nos lugares onde tal isenção possa redundar em prejuízo do serviço normal do Júri. Ainda, é prevista pelo citado artigo a dispensa do jurado quando o requererem e o juiz reconhecer a necessidade da dispensa: os médicos, os ministros de confissão religiosa, os farmacêuticos e as parteiras.

Anualmente, serão alistados pelo juiz-presidente do Júri, sob sua responsabilidade e mediante escolha por conhecimento pessoal ou informação fidedigna, 300 (trezentos) a 500 (quinhentos) jurados no Distrito Federal e nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes, e 80 (oitenta) a 300 (trezentos) nas comarcas ou nos termos de menor população. O juiz poderá requisitar às autoridades locais, associações de classe, sindicatos profissionais e repartições públicas a indicação de cidadãos que reúnam as condições legais. A lista geral, publicada em novembro de cada ano, poderá ser alterada de ofício, ou em virtude de reclamação de qualquer do povo, até à publicação definitiva, na segunda quinzena de dezembro, com recurso, dentro de 20 (vinte) dias, para a superior instância, sem efeito suspensivo (art.439). Nas comarcas ou nos termos onde for necessário, organizar-se-á lista de jurados suplentes, depositando-se as cédulas em urna especial (art.441/CPP).

A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa, onde houver, ou em editais afixados à porta do edifício do tribunal, lançando-se os nomes dos alistados, com indicação das residências, em cartões iguais que, verificados com a presença do órgão do Ministério Público, ficarão guardados em urna fechada a chave sob a responsabilidade do juiz (art.440/CPP).

O sorteio dos jurados far-se-á a portas abertas, e um menor de 18 (dezoito) anos tirará da urna geral as cédulas com os nomes dos jurados, as quais serão recolhidas a outra urna, ficando a chave respectiva em poder do juiz, o que tudo será reduzido a termo pelo escrivão, em livro a esse fim destinado, com especificação dos 21 (vinte e um) sorteados (art.428/CPP).

Concluído o sorteio, o juiz mandará expedir, desde logo, o edital a que se refere o art.427 do Código de Processo Penal, dele constando o dia em que o Júri se reunirá e o convite nominal aos jurados sorteados para comparecerem, sob as penas da lei, e determinará também as diligências necessárias para intimação dos jurados, dos réus e das testemunhas. O edital será afixado à porta do edifício do tribunal e publicado pela imprensa, onde houver. Em todo caso, entender-se-á feita a intimação quando o oficial de justiça deixar cópia do mandado na residência do jurado não encontrado, salvo se este se achar fora do município (art.429/CPP).

No dia e hora designados, presente o Ministério Público, o presidente, depois de verificar se a urna contém as cédulas com os nomes dos 21 jurados sorteados, mandará que o escrivão lhes proceda a chamada, declarando instalada a sessão. Há necessidade de comparecimento de pelo menos quinze jurados. Caso contrário, será convocada nova reunião para o dia útil imediato.

Defesa e Acusação poderão recusar até três jurados sem necessidade de justificativa, chamadas de recusas peremptórias, como determina o art. 459, § 2°/CPP.

Como visto, o nosso Código de Processo Penal determina uma série de procedimentos que buscam garantir a isenção do corpo de jurados por ocasião dos julgamentos. Assim, exige que os jurados sejam escolhidos mediante sorteio, entre cidadãos de notória idoneidade, a partir da lista geral formada pelo próprio juiz.

O que se observa é que o número maior de pessoas que têm seus nomes na lista geral é de funcionários públicos, embora nas cidades pequenas esteja presente um maior número de pessoas representantes da comunidade. Uma maior representatividade popular no Conselho de Sentença esbarra nas dificuldades impostas para aqueles que o compõem, pois embora não seja feito nenhum desconto nos vencimentos do jurado sorteado que comparecer às sessões do Júri, esta não se trata de função remunerada, que não permite subsídios ou comodidades extras aos jurados, o que faz com que as atividades profissionais ou familiares do cidadão o impeçam de participar como jurado, implicando na perda da representatividade social do Conselho de Sentença, base de legitimidade do Júri Popular. Assim, a participação de apenas uma determinada parcela ou de algumas poucas classes sociais na constituição do Júri, pode provocar julgamentos que indiquem a forma de pensar de alguns desses grupos, dificultando que o réu possa ter um julgamento considerado justo, o que não representaria a vontade da sociedade e seus interesses.

A própria escolha feita pelo juiz, de cidadãos de notória idoneidade, para compor a lista geral, se faz na sua maior parte, principalmente nas grandes concentrações urbanas, não de cidadãos de conhecimento pessoal do juiz, mas de pessoas indicadas por serventuários da Justiça, terceiros em geral, e mesmo de outras pessoas cujos nomes já se acham insertos na lista. Não há assim, nenhum mecanismo efetivo de averiguação da idoneidade desses cidadãos, limitando-se a informações prestadas por órgãos públicos, em se tratando de candidatos a jurado que sejam funcionários do Estado, o que torna o perfil ideológico do corpo de jurados uma incógnita, não se sabendo como verificar as tendências e opiniões de seus membros.

Apesar de opiniões contrárias a sua existência, o anteprojeto sobre o Tribunal do Júri, reitera a manutenção desta instituição em nosso ordenamento jurídico, basicamente no que tange a sua previsão constitucional. Busca o anteprojeto alcançar de alguma maneira os anseios da sociedade e acompanhar a evolução do pensamento jurídico, através da alteração de diversos dispositivos referentes ao Tribunal do Júri.

A preocupação com a renovação da lista geral dos jurados está indicada no anteprojeto quando este deixa expresso que "nenhum jurado poderá permanecer na lista por mais de dois anos consecutivos", evitando-se a "profissionalização" do jurado, o que levará o Presidente do Tribunal do Júri a uma renovação periódica dos alistados, mas poderá trazer dificuldades, em comunidades menores. Prevê também, uma série de alterações com relação ao sorteio dos jurados, ampliando de um modo geral a participação das partes, ao garantir que ele só será realizado depois de organizada a pauta de julgamento, intimando-se, para esse fim, tanto o representante do Ministério Público quanto os defensores dos acusados que serão julgados ao longo da concretização da pauta. De igual sorte, não mais será necessário que um menor retire as cédulas. O número de jurados sorteados, que atualmente se conta em 21 (vinte e um), passará para 35 (trinta e cinco), segundo o mesmo anteprojeto.

No ato convocatório dos jurados, a ser realizado pelo correio, deverão ser encaminhadas cópias da pronúncia e do relatório, procurando-se, com isso, munir os jurados de peças importantes para o processo, para situá-los melhor sobre os casos que irão julgar. Com essa determinação, o relatório do juiz, sobre o processo a ser submetido a julgamento, não mais deverá ser feito em plenário, mas antes dele.

Democratizam-se as regras sobre o alistamento de jurados, ampliando-se a possibilidade de sua arregimentação através das autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários.

O rol dos isentos é reduzido de modo a afastar apenas os maiores de 70 anos e os médicos, somente quando eles próprios requeiram sua dispensa, que não poderá ser negada. Retira-se a previsão de multa ao jurado faltoso, impondo-lhe apenas perda do benefício de presunção de idoneidade moral, de prisão especial e de preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento de cargo, função ou promoção funcional.

Afasta-se qualquer possibilidade de tratamento discriminatório na convocação dos jurados, prevendo-se que nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do Júri ou deixar de ser alistado em razão da cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução.

Evidencia-se a justa preocupação com os elementos que possam causar um desequilíbrio na indispensável isenção e serenidade dos jurados, impedindo que haja imparcialidade e legalidade no julgamento. Esses elementos podem decorrer de fatores externos decorrentes da insatisfação e perplexidade da sociedade diante da atrocidade e violência desmedidas no cometimento de alguns crimes.

Outro importante fator de influência externa capaz de impedir que o réu tenha um julgamento justo e na forma da lei, decorre da influência exercida pela opinião da mídia, capaz de exercer um forte apelo junto à opinião pública. Em verdade, a imprensa possui o poder de absolver ou condenar previamente um réu e, com isso, influir no convencimento dos jurados e na atuação da acusação e da defesa em plenário. É um poder de influência, que não pode ser desprezado, visto que exercido de forma quase imperceptível, principalmente em se tratando de casos que alcançam grande repercussão pública.

O chamado pré-julgamento realizado pela imprensa pode levar a erros judiciários em que a busca pela verdade foi soterrada quando da exposição exagerada dos operadores jurídicos, aí incluídos os advogados, os promotores, os juízes e, sobretudo, os jurados, ao fascinante poder exercido pela mídia.

Este entendimento já o possuía Evaristo de Morais, que no início do século passado advertira: "Repórteres e redatores de jornais, iludidos pelas primeiras aparências, no atabalhoamento da vida jornalística, cometem gravíssimas injustiças, lavram a priori sentenças de condenação ou absolvição, pesam na opinião pública e têm grande responsabilidade pelos veredictos". A mídia pode assim, antecipadamente absolver ou condenar (o que o faz na maioria das vezes), direcionando desta forma a opinião pública ou publicada e o juízo de convencimento do juiz e dos jurados.

Impede-se assim a aplicação do princípio da presunção de inocência, que nem sempre prevalece no Júri, restando mais prejudicada a descoberta da verdade real, princípio norteador do processo penal.

É sabido ser o corpo de jurados a instância representativa da sociedade, uma vez que esta não poderia participar por inteiro para manifestar o seu veredicto, quando do julgamento. Ao corpo de jurados então é dado o direito de colaborar diretamente na administração da justiça ou, mais precisamente, no ato de fazer e aplicar a justiça. Deveria assim, representar o pensamento e o posicionamento da sociedade a respeito do caso concreto a ser submetido a julgamento.

O sentimento de justiça que espera-se ver aplicado pelos jurados, quando do julgamento do caso, pode ser prejudicado pela exposição destes, a fatos que não dizem respeito à causa, mas revestidos de uma "verdade"determinada por alguns segmentos da imprensa e, revestidos de aparente legitimidade em função da aquiescência que a opinião pública lhes outorga. O excesso de emotividade, os fatos narrados de forma teatral, às vezes sem apoio nas provas colecionadas aos autos, a pressão discreta da opinião pública, tudo isso afeta sobremaneira a atuação do jurado na sessão de julgamento, a tal ponto que, principalmente em casos de grande repercussão, seu veredicto já encontra-se elaborado antes mesmo do sorteio de seu nome para compor o Conselho de Sentença, a despeito do que ele possa ouvir ou ver durante a sessão.

Admite-se assim, a fragilidade do corpo de jurados quando da exposição a fatores externos, como o clamor da opinião pública e o poder da mídia, o que o impediria de exercer de forma correta o seu papel legal, resguardado na Constituição Federal. O corpo de jurados, composto de leigos, sem formação jurídica, estaria assim mais fadado ao erro em seus julgamentos, do que o juiz, conhecedor da técnica e dos elementos jurídicos, embora também exposto a influências externas. A este, é dado o treinamento e toda preparação para que suas decisões sejam motivadas pela busca incessante de que o réu seja submetido a um julgamento justo e na forma da lei.

Assim mesmo, é preciso admitir que o livre convencimento do juiz sofre influências externas ao processo, resultante da exaltação da mídia a um determinado evento criminoso, pois o sensacionalismo, a repercussão, as versões e opiniões apresentadas na imprensa, ou seja, fatores externos ao processo, podem e certamente influenciam as decisões das autoridades, pois não há como isolar os juízes da vida em sociedade para tentar garantir sua isenção.

A extinção do Tribunal do Júri impediria que o réu fosse julgado por juízes leigos, formadores do Conselho de Sentença. São os jurados indagados, em geral, em extensos questionários, sobre matérias que muitas vezes nem sequer compreendem perfeitamente. Diferentemente do juiz que preside o Júri, não têm que motivar as suas decisões, o que faz com que o resultado do julgamento possa refletir não o pensamento independente do jurado, mas a somatória dos diversos fatores externos que o influenciaram, bem como a sua incapacidade de entender os fatos com o mínimo de senso jurídico, visto que os jurados, em regra, são cidadãos do povo, sem noção da ciência jurídica. Isto se reveste da maior importância por ser a decisão do Conselho de Sentença soberana.

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Sobre os autores
Melissa Campos Cady

acadêmica de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Cheng Wai Yin

acadêmico de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Jorge Pereira de Araújo Filho

acadêmico de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Alexandre Vasconcelos

acadêmico de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

João Mário Botelho Nascimento

acadêmico de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Anilton de Jesus Cerqueira

acadêmico de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Maria Olívia Sarno Setúbal

acadêmica de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Orocil Pedreira Santos Junior

acadêmico de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Rogério Belens Pessoa

acadêmico de Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CADY, Melissa Campos ; YIN, Cheng Wai et al. Tribunal do júri: uma breve reflexão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 203, 25 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4720. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho coordenado por Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo (professor da Universidade Católica do Salvador e da Faculdade Baiana de Ciências).

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