O Supremo Tribunal Federal julgou, em 9 de março de 2016, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 388, ajuizada com pedido de medida cautelar contra ato presidencial consistente na nomeação do procurador de justiça Wellington César Lima e Silva para o cargo de Ministro da Justiça[1].
A tese sustentada na referida ação está ancorada no argumento de que a nomeação de procurador de justiça para cargo do Poder Executivo viola os princípios constitucionais da independência do Ministério Público e a forma federativa de Estado, sendo incompatível, por tanto, o ato de nomeação[2], com os preceitos da Constituição Federal.
Durante o julgamento, frisou-se que a Constituição Federal é expressa no sentido de que “são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”[3]. Dessa forma, partindo-se da premissa de que o Ministério Público não se sujeita a nenhum dos demais Poderes, a sua independência funcional está inserida na Constituição Federal como um preceito fundamental, o que viabiliza a análise da questão por meio de ADPF.
Conforme referido, os ministros do Supremo Tribunal Federal também votaram no sentido de que a nomeação de membro do Ministério Público para um cargo do Poder Executivo viola a forma federativa de Estado, na medida em que o ato questionado sujeita o respectivo agente subordinado ao chefe do Poder Executivo Federal. Nessa esteira, ficou registrado que a Constituição Federal estabelece que a única possibilidade de acumulação funcional para membros do Ministério Público é com o magistério[4]-[5].
O entendimento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), interpretando a norma constitucional ao seu modo, é de que não existe qualquer proibição, pois os integrantes da instituição podem “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”[6].
Após decidir pela inconstitucionalidade do ato de nomeação de Wellington César Lima e Silva, os ministros debateram sobre a validade dos atos por ele praticados, considerada a ilegalidade do emposse. Neste ponto, os ministros esclareceram a necessidade de se observar a teoria do servidor de fato[7], admitindo-se válidos os atos praticados, ainda que existente vício de investidura, sob a justificativa da aparência de legalidade do ato administrativo.
Na decisão em comento, ainda, os ministros do STF determinaram a suspensão imediata da eficácia da resolução 72/2011 CNMP[8] e decidiram que, para além do caso analisado, deve-se garantir a eficácia do julgamento, de modo que todos aqueles ocupantes de cargos públicos que se encontrem em situação de desconformidade com a interpretação fixada possuem o prazo de 20 dias, contados da publicação da decisão, para se ajustarem ao regramento legal, sob pena de exoneração.
[1] O objeto da ação é, cautelarmente, a suspensão da nomeação e, no mérito, a procedência para declarar a inconstitucionalidade do exercício de cargo de ministro de Estado por um membro do Ministério Público, bem como declaração de nulidade absoluta do ato de nomeação.
[2] Conforme salientado pelos ministros, não se trata de anulação da nomeação do novo ministro. Trata-se do julgamento de uma tese abstrata, a qual deve ser acolhida como padrão de entendimento em um Estado Democrático de Direito. Isto é, caso um membro do Ministério Público pretenda ocupar cargo do Poder Executivo, como o de ministro de Estado, deverá, obrigatoriamente, exonerar-se do cargo até então ocupado, a fim de que o chefe do Poder Executivo possa nomeá-lo, nos termos do artigo 84, inciso I, da Constituição Federal.
[3] Artigo 127, §1º, da Constituição Federal.
[4] Artigo 128, §5º, inciso II, “d”, da Constituição Federal.
[5] Insta referir, por pertinente, que há a possibilidade de atuação acumulativa em cargos de administração superior dentro da própria instituição. Cumpre asseverar que, segundo alguns, é possível a acumulação de cargos públicos caso o ingresso na carreira do Ministério Público tenha se dado antes da Constituição Federal de 1988, o que não foi abordado de forma profícua na decisão em comento.
[6] Artigo 129, inciso IX, da Constituição Federal.
[7] De passagem, anote-se que o defeito invalidante da investidura de um agente não acarreta, por si, a invalidade dos atos que este praticou. É a conhecida teoria do “funcionário de fato”, ou “agente público de fato”. O Funcionário de fato é aquele cuja investidura foi irregular, mas cuja situação tem a aparência de legalidade. Em nome do princípio da aparência, da boa-fé dos administrados, da segurança jurídica e do princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos reputam-se válidos os atos por ele praticados, se por outra razão não foram viciados. (MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 32ª edição, pág. 251).
[8] A Resolução CNMP nº 72/2011 revogou os artigos 2º a 4º da Resolução CNMP nº 5/2006, de 20 de março de 2006, que proibiam a participação de membros da instituição na esfera federal e estadual de atuarem em outro Poder constituído, a não ser nos casos do magistério, ou seja, como professores. As alegações da Resolução nº 72/2011 estavam calcadas no argumento de que a interpretação sistemática dos artigos 128, º 5º, II, "d" e 129, IX, da Constituição Federal geravam dúvida acerca da possibilidade – ou não – de afastamento do membro do Ministério Público para o exercício de outro cargo público, pelo que não seria conveniente a expedição de ato regulamentar restritivo de direito em matéria controvertida.