Direito e Arte

Uma simbiose necessária para uma construção mais humanista e crítica dos juristas

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A Arte possibilita uma nova maneira de pensar, onde Direito e criatividade não são excludentes. O alcance do conhecimento demanda muitas pontes, inúmeras viagens e constantes peregrinações através de muitos campos de artes e saberes.

Justitia Mater[3]

Nas florestas solenes há o culto

Da eterna, íntima força primitiva:

Na serra, o grito audaz da alma cativa,

Do coração, em seu combate inulto:

 

No espaço constelado passa o vulto

Do inominado Alguém, que os sóis aviva:

No mar ouve-se a voz grave e aflitiva

D'um deus que luta, poderoso e inculto.

 

Mas nas negras cidades, onde solta

Se ergue, de sangue medida, a revolta,

Como incêndio que um vento bravo atiça,

 

Há mais alta missão, mais alta glória:

O combater, à grande luz da história,

Os combates eternos da Justiça!

 

“A cultura é uma dimensão constitutiva da existência humana, como as mãos são um atributo do homem”, e “cultura não é ler muito, nem saber muito; é conhecer muito”.[4] Como afirma Francis Bacon, “o conhecimento é em si mesmo um poder”,[5] e o alcance desse conhecimento demanda muitas pontes, inúmeras viagens e constantes peregrinações através de muitos campos de ideias, talentos e mestrias, das mais variadas ciências, disciplinas, artes e saberes.

A interseção entre Direito, Arte e Cultura[6] pode se revelar das mais diversas formas. O estudo integrado de formações socioculturais fundamentais como direito, filosofia, sociologia, psicologia, psicanálise, cinema, literatura, pintura, música e manifestações artísticas em geral, é um campo pautado pela interdisciplinaridade, em franca e vertiginosa ascensão.[7] O Direito pode estar na Arte, a Arte pode estar no Direito. Pode-se ver ainda o Direito como uma Arte e a Arte como Direito.[8]

“Direito e Cinema” é considerada a ramificação mais recente de gêneros acadêmicos interdisciplinares nesse viés, inaugurado pelo “Direito e Literatura”. Na década de 1980 e na década de 1990, publicações acadêmicas pioneiras iniciaram um projeto para combinar o estudo de temas jurídicos com filmes, narrativas cinematográficas e imagens visuais populares. Desde então, as combinações “Direito e Cinema” e “Direito e Literatura” têm sido cada vez mais visíveis em palestras, cursos, disciplinas de faculdades de Direito e sites de cultura pop.[9] Assim, há quem se refira a “Direito e pop culture” ou simplesmente “Pop Law”.[10]

A maneira em que a ciência jurídica[11] e os operadores do Direito são retratados no cinema e na literatura popular é um assunto fascinante, não apenas para o cientista social, como também para o jurista e para o estudante de Direito. Essa junção, cada dia mais proliferada pelos cursos jurídicos, projetos[12] e disciplinas extracurriculares, traz filmes, seriados e literatura com temas jurídicos ou relações afetas ao Direito, de maneira a identificar vários aspectos da atividade jurídica.

Desta forma, pode-se analisar desde a prática forense propriamente dita (ou seja, habilidades intrínsecas ao advogado, ao defensor, ao promotor, como retórica e argumentação jurídica, negociação) a vários aspectos do processo judicial (como a função do juiz e do júri, fases processuais e recursos, estratégias e artifícios instrumentais, por exemplo), bem como elementos importantes relacionados à teoria geral, filosofia e ética jurídicas.[13]

Diálogos e influências recíprocas entre Direito e Arte podem ser exploradas a vários níveis. Nomeadamente em relação aos filmes, novelas e seriados que tratem de questões jurídicas (quando identificados e analisados em confronto com o outro) estruturas legais e cinematográficas (técnicas, imagens, símbolos, ideologias, funções sociais e impactos das duas formações socioculturais) podem ser vistas sob uma nova luz e roupagem. Essa análise de múltiplas perspectivas faz um convite ao desenho de  um novo quadro teórico, levando a uma compreensão mais profunda dos vários panoramas de cada questão, através da análise interdisciplinar.

O Direito seduz, a Justiça vivifica a alma, a iniquidade gera repulsa. Talvez por isso existam inúmeras séries de televisão que giram em torno tramas legais: Suits, The Good Wife, How to Get Away with Murder, Law & Order, só para citar alguns. Outros tantos como House of Cards e Scandal (cujos enredos não se desenrolam em escritórios de advocacia e tribunais) também articulam-se com a ciência jurídica, já que focalizam-se na política e, consequentemente, no Legislativo, no Executivo e no lobby relativo à edificação e aprovação de legislações. Também abordam os conflitos inerentes àquela ambiência, conectando-se à ideia de ética, justiça e probidade administrativa, entre outros elementos. Não raras vezes, as tramas evidenciadas nas ficções televisivas parecem ter saído dos noticiários diários e vice-versa (sendo comum observar nas redes sociais, vinculações de políticos reais a determinados personagens fictícios), em uma lógica de que a Arte imita a Vida (ou seria mais acertado dizer que a Vida imita a Arte?).

A recente obra cinematográfica A Dama Dourada ou Woman in Gold, estrelado por Ryan Reynolds e Hellen Mirren, é um drama baseado em fatos reais, que consegue fazer uma simbiose quase completa das possibilidades de interseção entre Direito e Arte. O filme, que retrata uma história real, gira em torno de um célebre quadro de Gustav Klimt que fora confiscado pelos nazistas e anos depois foi objeto de uma disputa judicial entre a sobrinha da mulher retratada – Adele Bloch Bauer – e o Estado da Áustria, revelando o Direito na Arte. No filme, são abordadas questões relacionadas a testamento e direito das sucessões, posse, propriedade, confisco e legislação concernente a obras de arte, onde se tem a Arte como Direito ou objeto de regulamentação legal. Também são reavivadas lembranças de episódios que marcaram a Humanidade, especificamente o nazismo, que sinalizou a necessidade e impulsionou o florescimento dos Direitos Humanos.

Relativamente aos Direitos Humanos, diversos filmes retrataram os julgamentos que tiveram lugar em Nuremberg - Alemanha, para processar e condenar figuras proeminentes do regime nazista, considerados responsáveis pelo holocausto.  O Tribunal de Nuremberg decretou diversas penas de morte, prisões perpétuas e outras condenações que variaram entre 10 e 20 anos de reclusão a diversos alemães, acusados dos mais diversos crimes contra a vida e a humanidade. De todos as películas que retrataram o tema, recomenda-se ver O Julgamento de Nuremberg (de 1961), estrelado por Spencer Tracy no papel do juiz Dan Haywood, que fora designado para levar a cabo o último dos julgamentos de Nuremberg, relativo a quatro magistrados[14] nazistas. Os juízes alemães foram acusados de permitirem diversas atrocidades, como esterilização forçada e assassinatos de judeus (pelo simples fato de se relacionarem com arianos, por exemplo). O filme gira em torno da ideia de justiça do Juiz Haywood e da sua postura firme em relação à independência e imparcialidade[15] do judiciário.[16]

Note-se que não apenas os filmes e séries constituem mecanismos artísticos de revelação e aproximação do Direito. A ciência jurídica, a justiça e diversos direitos fundamentais (como vida, liberdade, igualdade, dignidade, parentalidade, honra, saúde, família, entre tantos outros) podem ser apresentados e representados na literatura,[17] poesia,[18] na pintura, em esculturas[19] e artes plásticas em geral, no teatro, na música.[20] Afirma-se que algumas narrativas literárias conseguem se evidenciar mais importantes para o estudo da ciência jurídica do que a maioria dos manuais de Direito, já que promovem a desconstrução do que Luis Alberto Warat chamava de “senso comum teórico”.[21] O jurista não é um mero operador técnico de legislações, mas um “operador das relações sociais”[22] e o próprio saber jurídico possui funções sociais, que podem ser reveladas, inter alia, através das Artes.

O recurso à Arte de determinada época é uma interessante ferramenta para buscar uma melhor compreensão da sociedade em causa. O valimento de obras cinematográficas, novelas, séries, livros, poemas e música de cada tempo, permite a percepção das estruturas institucionais, sociais, jurídicas, políticas e familiares daquele momento.[23] O Direito é permeado por uma consciência viva de que os lugares e os tempos são capazes de modificar as “verdades” sociológicas e jurídicas, e essa ideia é manifesta em obras cinematográficas clássicas.

Assistir a filmes como Spartacus, Quo-Vadis e Cleópatra nos oferece – ao lado do enredo de romance, intriga e ação – um fantástico panorama de todo o arcabouço existencial (relações sociais e familiares) e jurídico-político daqueles tempos. A leitura de O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, ao lado do retrato das vinculações humanas e sociais da época, nos apresenta interessantes perspectivas sobre o direito civil (contrato, fiança, cláusula penal, inadimplemento contratual, garantia ao crédito), processo (o julgamento de Shylock e a execução da pena), teoria geral do direito (princípios gerais, validade da norma, formalismo), filosofia (a ideia e o fim da Justiça).

A Arte também pode configurar uma poderosa ferramenta de denúncia e de resistência contra ultrajes aos ideais democráticos ou violações aos direitos humanos. Por exemplo, a cantora Nina Simone, pianista e grande diva do Jazz norte-americano, também foi uma valorosa ativista de direitos humanos, nomeadamente dos direitos civis dos negros. Esse ativismo era facilmente identificável nos seus shows e está imortalizado em várias de suas composições.[24]

A influência que as obras artísticas podem exercer sobre a população é tão real e potente, que regimes antidemocráticos e totalitários vedaram (e vedam) a publicação e a circulação de certas obras literárias, cinematográficas, teatrais, sonoras, muitas vezes perseguindo os autores ou produtores. Isso revela o poder que a Arte assume para o Direito enquanto meio de expressão humana.

Para ilustrar essa opressão, basta nos recordarmos das “fogueiras de livros”, outrora existentes pelo mundo afora. Aliás, o poeta romântico alemão Heinrich Heine, que teve parte da sua poesia lírica musicada por célebres compositores como Robert Schumann, Franz Schubert, Felix Men­delssohn, Brahms, Hugo Wolf e Richard Wagner , advertiu no Séc. XIX que, onde se queimava livros, acabaria por se queimar pessoas.[25] A música “Para não dizer que não falei das flores” (de autoria e interpretada por Geraldo Vandré), que foi considerada um hino de obstinação do movimento estudantil e civil que lutava contra a ditadura militar no Brasil, foi censurada durante muito tempo em território brasileiro.

A Arte também pode revelar o que muitos juristas sentem e pensam, mas poucos possuem a capacidade ou a coragem para expressar declaradamente. Tome-se como exemplo o Direito na visão de Franz Kafka, autor que possui uma capacidade descritiva extraordinária. É possível que nenhum outro tenha conseguido narrar – com tamanha rudeza, incômodo e azedume – o espaço alienado e burocrático do Direito, além do seu niilismo da subjetividade, especialmente no âmbito criminal. Kafka oferece uma fotografia pesada e acurada dos julgamentos e da execução penal. Como já se advertiu, se questionarmos um acu­sado ou apenado, a realidade retratada será sempre mais devastadora do que ingenuamente se pensa.[26]

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Além da óbvia existência de legislações que tutelam as artes ou de alguma maneira relacionam-se a elas, a Arte pode se revelar efetivamente como Direito. Basta nos recordarmos do célebre Habeas Pinho,[27] de Ronaldo Cunha Lima, poema que, ao mesmo tempo, era uma petição inicial. A curiosa ocorrência marcou o mundo jurídico brasileiro, pois o magistrado despachou o pedido do causídico-poeta Cunha Lima (a libertação de um violão, apreendido em uma seresta) também em versos poéticos.

A Arte no Direito, não é prática invulgar sequer nos tribunais, como lembra a passagem do Ministro Carlos Ayres Britto, um verdadeiro poeta de toga, pelo Supremo Tribunal Federal, onde sempre expressou o seu lado humanista e lírico, com intervenções poéticas em suas manifestações orais e mesmo em seus votos escritos.[28] Também a Ministra Cármen Lúcia já recorreu à literatura em seus votos, articulando passagens de “Grande Sertão: Veredas”,[29] de Guimarães Rosa, às realidades humanas e conflitos apresentados em julgamento. Existem também obras jurídicas no mercado que, muito embora não se voltem para a regulação jurídica da arte ou direitos conexos, utiliza-se da arte para iluminar os temas jurídicos tratados. O Instituto Brasileiro de Direito de Família, vem se destacando nesse aspecto, recorrendo à arte para ilustrar relações jusfamiliares.[30] O próprio IBDFAM, assim como algumas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, criaram comissões voltadas para o tema.[31]

Há, também, quem considere o Direito como Arte, nomeadamente como literatura. Tal ideia é defendida por James Boyd White,[32] fundador do movimento Law and Literature, crítico literário e professor de Direito, formado em Literatura Inglesa e Direito pela Universidade de Harvard. Da sua formação literária, White aprendeu a arte da escrita poética, além dos hábitos leitura atenta e da análise textual. Posteriormente, quando ele iniciou a sua formação jurídica em Harvard, descobriu - para sua surpresa - que a sua formação literária com formas poéticas de escrita e leitura eram muito semelhantes ao tipo de escrita e leitura jurídica que ele foi obrigado a conhecer na faculdade de direito. A semelhança destas duas experiências educacionais iniciais fez com que ele passasse a considerar o Direito como um tipo de literatura.[33]

Sem dúvidas, o Direito pode ser considerado um tipo de literatura porque o exercício jurídico se manifesta, na maior parte das vezes, por meio da escrita, ou seja, o jurista se expressa no discurso, majoritariamente escrito. É através da escrevedura e da leitura que os operadores do Direito descobrem, como poetas e romancistas, novas possibilidades para admirar, lamentar, ou repudiar a vida e seus fatos, e passam a investigar – de maneira geral – como a existência pode seguir em paz, voltada para o bem comum. A corrente que considera o Direito como literatura, sustenta a ideia de que a redação e a leitura, não importa o quão técnicas ou instrumentais sejam, podem ser fontes de criatividade pessoal e de expressão artística.[34] Como já disse a poetisa portuguesa Florbela Espanca, “as palavras são o muro de pedra e cal a fechar o horizonte infinito das grandes ideias claras”.[35]

Além disso, ao encarar o Direito como Literatura, enxerga-se uma interação de natureza estrutural, quando se desenvolve uma explicação ou elucidação do Direito em termos narrativos, que constitui o narrativismo jurídico ou narrative jurisprudence,[36] que pode ter lugar em aulas e conferências na Academia, ou até mesmo em tribunais, em momentos de intervenções e sustentações orais. Alguma doutrina norte-americana e até mesmo portuguesa, tem mencionado os esforços dos advogados na descomplexificação da narrativa judicial dos casos, especificamente em matéria de estratégia da prova, escolhendo os fatos e testemunhas mais intensos e eloquentes, lembrando o enredo probatório dos seriados possivelmente mais assistidos pelo julgador e membros do júri.[37]

Assim, na hipótese de um julgamento no Tribunal do Júri, não é demais dizer que promotor, assistente de acusação, defensor ou advogado de defesa utilizam-se de ferramentas das artes cênicas e recorrem à interpretação dramática como ferramenta de retórica (ou dialética, como denominado por Aristóteles) e persuasão, de maneira a atingirem o seu objetivo pretendido (condenação ou absolvição do acusado) pelo convencimento dos membros do júri.

No plano teórico, há divergências no sentido se saber se a dogmática jurídica faz (ou não) parte da ciência do Direito, mas mesmo os que defendem que não estaria inserta da ciência jurídica consideram que seria – pelo menos – uma arte.[38] Não parece acertado reduzir a dogmática à mera ideia de arte – muito embora não deixe de sê-lo. Como ensina Warat,[39] a dogmática é uma atividade consagrada ao estudo da argumentação, com a qual se busca legitimar ou justificar, sugerir ou apoiar uma decisão ou solução. A dogmática não deve se cingir ao direito positivo, devendo abrir-se a outros domínios afins, sob pena de não produzir um conhecimento renovador, mas apenas reprodutor. O recurso a outras ciências afins ao Direito pode revelar novos critérios de significação jurídica, mas rentes à realidade social vigente. Esse é um dos passos necessários para a construção de um pensamento crítico do Direito.  Pesquisar o fenômeno jurídico apartado de um contexto multidisciplinar é desconsiderar a realidade humana.[40]

Para falar de Arte em exemplos recentes, pode-se trazer à baila o Novo Código de Processo Civil. O anteprojeto foi elaborado por uma comissão de juristas do Brasil inteiro e os responsáveis pela edificação do esboço não devem ser considerados meros escribas ou adaptadores das regras legislativas do Código Buzaid ao momento atual. Os juristas em causa necessitaram de uma elevada capacidade técnico-instrumental aliada a uma habilidade criativa, de forma a chegar ao ideal de beleza desse Diploma Processual, que se traduziu na possibilidade de uma maior celeridade e presteza na resposta jurisdicional. Pelo menos essa é a estética e a ideia do “dever-ser” do projeto. O que efetivamente será, só o tempo dirá.

Assim, a elaboração de um monumento legislativo, como podem ser consideradas as grandes codificações, também podem desvelar uma forma de arte. Como em um concerto de música clássica, um diploma legal representa um dos instrumentos de uma orquestra. Na sua estruturação, deve-se fazer com que a legislação esteja em sintonia – tanto formal quanto material – com as leis conexas e com o próprio espírito do sistema. Dito de outra maneira, todas normas infraconstitucionais de um sistema são os músicos e o maestro é a constituição federal, que dita o tom, impondo coesão, coerência e harmonia melodiosa ao nosso ordenamento. O bom domínio da ciência e da dogmática jurídica, das técnicas processuais, ao lado de um virtuosismo inovador e dinâmico, evitam o surgimento de produtos legislativos ruidosamente desarmônicos e, principalmente, inconstitucionais.

Por fim, cumpre relembrar que o maior monumento da doutrina jurídica brasileira que – sem sombra de dúvidas – constitui uma genuína obra de arte, foi erigido por um jurista que, além de grande pensador, filósofo e poeta,[41] também era músico,[42] pintor e escultor. Trata-se do célebre Tratado de Direito Privado, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, que é a obra jurídica mais vasta da História da humanidade. Não se tem notícia de qualquer outra edificação jurídica com tamanha magnitude. Além da erudição e rigor típicos do autor, suas obras contêm criações únicas e atemporais, sendo estudadas e utilizadas até hoje, como a Teoria dos Três Planos do Fato Jurídico (onde ele propõe a divisão do mundo do Direito nos planos da existência, validade e eficácia). Assim, Pontes de Miranda é considerado não apenas um gênio da ciência jurídica, mas um gigante da cultura.[43] Como Sílvio Meira advertiu em uma de suas várias intervenções sobre Pontes de Miranda, “para compreender o jurista, é preciso ler o escritor, entender o poeta”.[44]

Através da Arte, pode-se recolocar e reavaliar inúmeras questões sociais, políticas e jurídicas que nos são postas diariamente. Direito e Arte é um novo, imenso e pouco explorado campo jurídico e sociocultural em que as relações complexas entre estas culturas podem ser proficuamente exploradas, em uma simbiose interdisciplinar que pode oferecer uma perspectiva arejada e um olhar moderno de diversos institutos e relações jurídicas, em um diálogo transcientífico.

O recurso à Arte pode oxigenar, desconstruir e remodelar o pensamento rígido e inflexível que muitas vezes habita a mente do jurista, ainda pautado – não raras vezes – em uma lógica meramente positivista e exegética. A Arte nos possibilita uma nova maneira de pensar, onde Direito e criatividade não são excludentes. Seja como se dê esse encontro, uma coisa se pode ter como certa: a Arte possui um papel fulcral na construção de uma formação criteriosa e humanística de advogados e juristas em geral. A Arte pode contribuir para a instauração de uma nova cultura jurídica, pautada pelo pluralismo e pelo pensamento crítico do Direito.

 

 

 

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Sobre os autores
Raphael Carneiro Arnaud Neto

Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Diretor Científico e Acadêmico do IBDFAM-PB; Diretor de Eventos da Escola Superior de Advocacia – ESA/PB; Presidente da Comissão de Direito, Arte e Cultura da OAB/PB; Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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