SERVIÇOS COMUNS E SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS
Os serviços são definidos por expressa disposição inscrita no art. 6º, II, da Lei de Licitações Públicas e Contratos Administrativos, como toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a administração. Hely Lopes Meirelles, com a reconhecida proficiência, assevera que, para fins de licitação, serviço "é toda atividade prestada à Administração para atendimento de suas necessidades ou de seus administrados mediante remuneração da própria entidade contratante" [1]. É ainda o mesmo autor quem afirma que, "para fins de licitação, é necessário distinguir os serviços comuns, os serviços técnicos profissionais generalizados e os serviços técnicos profissionais especializados" [2].
Proposta a classificação anteriormente vista, aduz aquele autor, com o objetivo de ofertar definição a respeito, que são tipificados como comuns os serviços que, para sua regular execução, não impõem seja o prestador dotado de especial habilitação e que, em decorrência disso, podem ser prestados por qualquer pessoa ou empresa. Raul Armando Mendes noticia que tais serviços "... são aqueles cuja execução demanda pouca habilitação, ou seja, podem ser feitos por qualquer pessoa, independentemente de profissão ou categoria profissional" [3].
Os serviços técnicos profissionais exigem, conforme aponta Hely Lopes Meirelles [4], habilitação que varia desde o simples registro profissional até o diploma de curso superior oficialmente reconhecido. É atividade que requer capacitação profissional e habilitação legal, sendo, por isso mesmo, privativa de determinada categoria.
Generalizados são os serviços que não demandam maiores conhecimentos, teóricos ou práticos, além dos ministrados nos cursos de formação profissional. Especializados são os serviços que, além da habilitação técnica e profissional regular, são confiados a quem se aprofundou nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de cursos de pós-graduação ou de estágios de aperfeiçoamento. Coloca-se em destaque que tais serviços são de alta especialização e de conhecimento pouco difundidos entre os demais técnicos da mesma profissão [5].
Disso resulta que, os serviços comuns, assim como os técnicos profissionais generalizados, admitem competição e, assim, devem ser contratados mediante prévia licitação. Os serviços técnicos profissionais especializados, por sua natureza, evidenciam a notória especialização e, justamente por isso, não comportam competição, inviabilizando a sua contratação mediante certame licitatório. Ensejam, pois, contratação direta com arrimo em disposições inscritas no bojo da Lei de Licitações e Contratos.
VERIFICAÇÃO DA NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO
Regulando essa peculiar hipótese de contratação sem licitação, estabelece o art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93, ser inexigível a licitação "... para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação".
Encontra-se em tal disposição normativa, conforme se pode notar, a base legal para a efetivação da contratação direta com arrimo na especialização notória do prestador, decorrente esta do nível de qualificação e de capacitação que se presta, de modo indiscutível, a diferenciá-lo dos demais profissionais que operam em determinada área ou segmento de mercado, dando-lhe uma inquestionável condição diferenciada.
Ao referir-se à notória especialização oferece a norma regulamentar, no bojo do § 1º do art. 25, definição onde consigna que "... Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato".
O conceito do profissional, para o efeito de caracterização da notória especialização, será aferido com arrimo nos parâmetros que se acham inscritos nessa disposição legal, tendo em vista, dentre outros, o grau de especialização do prestador, a experiência de que é detentor, a sua qualificação, níveis de aperfeiçoamento e aparelhamento. Observe-se, todavia, que a norma ofertou rol meramente exemplificativo, não esgotando as situações que podem embasar a verificação dessa condição de notoriedade do profissional.
Cumpre notar que, ao referir-se, no art. 25, II, aos serviços técnicos profissionais especializados, faz a Lei de Licitações alusão direta às atividades que, de forma meramente exemplificativa, se acham enumeradas no art. 13, relativas a estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; pareceres, perícias e avaliações em geral; assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
Vistas em sua acepção comum cada uma das palavras que compõem a locução notória especialização, possível se faz, de logo, antever o significado que a ela se desejou emprestar, o que vem a facilitar, de certo modo, o seu emprego em face das diversas situações concretas. O notório, como não se ignora, é aquilo que é do conhecimento de todos; o que é público. A especialização é o ato ou efeito de especializar; é adotar uma especialidade, distinguir-se, singularizar-se.
Notoriamente especializado será, assim, o profissional ou empresa que, detendo especial qualificação, desfrute de um certo conceito e se diferencie, exatamente por isso, daqueles do mesmo ramo ou segmento de atuação.
HELY LOPES MEIRELLES ao realizar pertinente abordagem do assunto, em lição ainda atual, afirma que a notória especialização "... é o reconhecimento público da alta capacidade profissional. Notoriedade profissional é algo mais que habilitação profissional. Esta é a autorização legal para o exercício da profissão; aquela é a proclamação da clientela e dos colegas sobre o indiscutível valor do profissional na sua especialidade. Notoriedade é, em última análise, para fins de dispensa de licitação, a fama consagradora do profissional no campo de sua especialidade" (6).
Acrescenta, outrossim, que "... o Estatuto baseia a notória especialização no ''conceito'', isto é, na boa reputação, na boa fama, na consideração, no respeito, no renome que distingue o profissional ou empresa ''no campo de sua especialidade'', e indica alguns requisitos objetivos para a sua aferição - desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica - mas sem tolher a liberdade de a Administração louvar-se em outros, relacionados com as atividades do futuro contratado (Decreto-lei nº 2.300/86: art. 12, parágrafo único)".
CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO observa que "... o caso da notória especialização diz respeito a trabalho marcado por características individualizadoras" (7). A advertência feita por ADILSON ABREU DALLARI é no sentido de que "Não se confunda notoriedade com popularidade", deixando certo, ainda, que "não é necessário que o contratado seja tido como reconhecidamente capaz pelo povo, pela massa, pelo conjunto dos cidadãos, pela coletividade. Basta que isto aconteça no âmbito daquelas pessoas que operam na área correspondente ao objeto do contrato" (8).
Traz a Lei nº 8.666/93, como visto em dispositivo já transcrito (art. 25, § 1º), elementos que se prestam, exemplificativamente, à adequada caracterização das hipóteses possíveis, traçando ali parâmetros a serem observados pelo administrador para o correto enquadramento dos casos que lhe sejam submetidos.
Em tais circunstâncias, quando restar caracterizada a notória especialização do prestador, pessoa física ou empresa, a contratação não demandará a realização de prévio certame licitatório, inviabilizado pela impossibilidade de competição que diretamente resulta da alta capacitação e do nível de qualificação daquele a quem se pretende contratar.
NATUREZA SINGULAR DOS SERVIÇOS
Questão outra que se apresenta relevante nesse contexto, diz respeito à caracterização da singularidade, consoante expressa menção feita no inciso II, do art. 25, da Lei nº 8.666/93. É requisito do qual não pode se descuidar o administrador ao optar pela contratação direta de serviços técnicos profissionais especializados. Torna-se necessário, portanto, que busque ele, de forma satisfatória, o alcance e o significado preciso desse termo, para que possa evitar equívocos ou mesmo a manipulação indevida do conceito contido na Lei.
Singular, no sentido dicionarizado, corresponde ao invulgar, ao raro, ao especial, ao extraordinário. Pode-se, a partir da definição comum, evoluir para o raciocínio de que singular é o que se diferencia do comum por algo que lhe é acrescido. Refere-se a Lei nº 8.666/93, quando, em seu art. 25, II, cuida da inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços com profissionais ou empresas de notória especialização, a serviços técnicos de natureza singular, impondo ao administrador uma necessária avaliação dessa característica.
Ao lado da notória especialização, o tema tem proporcionado as mais variadas discussões doutrinárias, o que enseja uma certa dificuldade de entendimento do seu real alcance e abrangência.
Para DIÓGENES GASPARINI "por natureza singular do serviço há de se entender aquele que é portador de uma tal complexidade que o individualiza" [9]. CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO sustenta que "serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente - por equipe - sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas e/ou artísticas" [10].
No entendimento de RAUL ARMANDO MENDES, em comentários ao anterior Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos, ainda atual, serviços de natureza singular ".. são aqueles que, embora não sendo únicos, revestem-se de singularidade, cuja execução só pode ser atribuída a um determinado profissional ou empresa especializada. A Administração escolhe discricionariamente um deles, pois pode haver vários, mas há de ser de notória especialização, ou seja, ostentar as condições enumeradas no parágrafo único do art. 12 do Estatuto. Não se exige que o selecionado tenha todas as condições ou qualidades legais, bastam algumas delas ou até mesmo uma só, desde que suficiente a caracterizar ou indicar a notoriedade". [11]
IVAN BARBOSA RIGOLIN assevera que "singular é aquele serviço cujo resultado final não se pode conhecer nem prever exatamente antes de pronto e entregue; aqueles cujas características inteiramente particulares, próprias do autor, o façam único entre quaisquer outros. O único elemento sabido nesse caso é que cada autor o fará de um modo, sem a mínima possibilidade de que dois produzam exatamente o mesmo resultado. Cada qual tem a chancela de um autor, sendo, nesse sentido, único" [12].
Pode-se afirmar, a partir de sustentações tão abalizadas, que a singularidade incide diretamente sobre o resultado pretendido pela administração e dimana da alta qualificação que detêm certos profissionais e empresas a quem se confiou o encargo da execução da atividade. A condição que os diferencia no segmento em que atuam configura a notória especialização. Tais qualidades acrescidas ao currículo tornam especial o prestador e se prestam a singularizar o trabalho que é por eles ofertado. [13]
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
A correta compreensão das definições postas em lei e a sua efetiva abrangência, devem servir como instrumento de orientação ao administrador para o fim de que possa ele realizar o enquadramento, das situações específicas que lhe surjam, nas hipóteses previstas legalmente.
Não se deve permitir nem as interpretações rigorosas dos termos da lei, fazendo com que nela sejam inscritos requisitos por ela indesejados, nem se deve concordar com os entendimentos intencionalmente flexibilizados com o fim de simplesmente criar favorecimentos.
Ao enfrentar a situação concreta terá o administrador que rememorar, necessariamente, que a declaração de inexigibilidade para basear a contratação direta acha-se calcada nos conceitos de singularidade e de notória especialização, os quais se entrelaçam e se completam. Os parâmetros para que venha a alcançar a conclusão desejada estão, em princípio, na própria lei e deles não deverá se afastar sob pena de gerar uma incorreta e equivocada conclusão.
Avaliado, pois, o conceito de que desfruta o prestador no mercado de trabalho em que se acha ele concorrendo - o que se fará por intermédio daqueles indicadores contidos no § 1º, do art. 25, da Lei nº 8.666/93 - cumpre que se analise a adequabilidade dessa condição às atividades que serão desempenhadas e que são de interesse da administração.
Ao agir assim, estará o administrador identificando o notoriamente especializado e, portanto, estará ele autorizado a concluir a contratação direta, sem a realização de prévio certame licitatório.
NOTAS
01. Licitação e Contrato Administrativo – 11ª ed. – São Paulo> Malheiros Editores, 1996, p. 48.
02. Op. cit., p. 49.
03. "Comentários ao Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos" - São Paulo: Saraiva, 1991 - 2ª ed. - pág. 19
04. Op. cit., p. 50.
05. Meirelles, Hely Lopes. Op cit. p. 50.
06. Op. cit., p. 54.
07. Licitação - Editora RT, 1980 - p. 19.
08. "Aspectos Jurídicos da Licitação" - São Paulo: Saraiva, 1992 - 3ª ed. - p. 39.
09. Direito Administrativo, 1989 - p. 223.
10. Op. cit., p. 17.
11. Op. cit., p. 78.
12. "Manual Prático das Licitações" - São Paulo: Saraiva, 1991 - p. 188.
13. Ementa. AÇÃO POPULAR - CONTRATO ADVOCATÍCIO CELEBRADO SEM PRÉVIA LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA SUA DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE - NATUREZA DOS SERVIÇOS CONTRATADOS NÃO MARCADA PELA SINGULARIDADE OU NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. DEMANDAS TRABALHISTAS ROTINEIRAS - RELATIVAS A REPOSIÇÕES SALARIAIS DECORRENTES DOS SUCESSIVOS PLANOS ECONÔMICOS - TEMÁTICA DE DOMÍNIO COMUM. CONFIGURADA LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS E À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO PROVIDO - CONDENAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS E BENEFICIÁRIOS DO ATO ANULADO AO PAGAMENTO DAS PERDAS E DANOS. Decisão: Conhecer ambos os recursos e provê-los. Unânime. (TJDF – 5ª Turma Cível – Apelação 3819295/DF – Acórdão nº 85.855 - Relatora Lia Fanuck. Julgamento em 13/05/1996. DJU de 07/08/1996, p. 13.118.)