Convenção contra tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes

18/03/2016 às 16:21

Resumo:


  • A Convenção Internacional Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes busca erradicar a prática da tortura, sendo um instrumento vinculante para os Estados signatários, mas enfrenta desafios na sua eficiência e eficácia devido, entre outros fatores, à soberania estatal e ao acesso à justiça.

  • A tortura, historicamente utilizada como método de punição e obtenção de informações, foi progressivamente condenada e hoje é proibida por normas internacionais que consideram sua prática uma violação grave dos direitos humanos, embora ainda exista em práticas clandestinas e sistemas de segurança nacional.

  • Apesar da Convenção Contra a Tortura possuir força jurídica, sua implementação prática é limitada pela relutância de alguns Estados em cumprir suas obrigações e pela dificuldade em responsabilizar efetivamente os perpetradores, refletindo uma disparidade no tratamento de violações de direitos humanos a nível internacional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Objetivando proporcionar o contato com a questão dos esforços mundiais para a promoção eficiente da erradicação da aplicação sistêmica da tortura e demais penas consideradas cruéis, explicita-se os mecanismos proporcionados pela Convenção.

Após os nefastos episódios da Segunda Guerra Mundial, bem como das opressões sofridas pelos cidadãos de países sob regimes ditatoriais, a ONU foi forçada a tratar especificamente da tortura, vez que a vedação desta pelo artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos mostrou-se insuficiente para a erradicação de tal prática. Neste contexto a criação da Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, outorga aos Estados signatários desta a atuação contundente em seu território sobre a questão.

No tocante à tortura, durante séculos esta foi utilizada abertamente por diversas civilizações. Ainda que com intuitos por vezes distintos, na maioria delas, era utilizada punitivamente contra seus cidadãos ou ainda contra inimigos de guerra, capturados ou vencidos. Tais práticas foram insistentemente questionadas no ocidente por alguns filósofos, como Beccaria (1764) e Immanuel Kant (1785), tanto quanto à eficiência da utilização da tortura como meio de interrogatório bem como ações punitivas a delitos de menor potencial ofensivo, como o furto.

1 Acerca dos Conceitos de Convenção

Valério Mazzuoli (2012, p.81) cita como divisão do Direito Internacional Público o aspecto teórico (doutrinário), e o prático (positivo), sendo que este segundo divide-se em convencional, consubstanciado em tratados entre Estados, e costumeiro, decorrente de práticas internacionais obedecidas por estes como se leis fossem, A convenção de Viena, de 23 de maio de 1969, trata de acordos escritos, entre Estados soberanos. Em seu artigo 2º,1-A explicita acerca dos parâmetros alcançados no âmbito do Direito Internacional por “Tratados” e “Convenções”.

Apesar de amplamente utilizados como sinônimos, a Convenção de Viena deixa claro que Tratado, é o ato jurídico, tem por princípio o livre consentimento que salienta-se por sua natureza plurilateral e pode ser acordado por meio de diversos instrumentos conexos, não importando sua denominação (cartas, pactos, declarações, convenções), portanto trata-se de uma denominação genérica; Convenção é entendida atualmente como ato jurídico multilateral, formalizado em conferências internacionais e que tenham por objeto matéria de interesse geral, e não só específico de alguns Estados, determinando normas comportamentais, vinculantes aos Estados que a ela se submeterem (sujeitos intervenientes).

Desta forma, tanto Tratados quanto Convenções, por sua natureza vinculante, afastam institutos como o gentleman’s agreement, que não vinculam os Estados aos acordos, mas tão somente os indivíduos que os representam, por vezes transitoriamente, bem como arranjos, memorandos de entendimento, comunicados comuns, dentre outros que não oferecem caráter obrigatório.

O Direito Internacional rege-se por normas consuetudinárias, válidas para todos os Estados, normas estas que podem apenas ser substituídas por equivalentes em validade e alcance universal. Mais do que isso, tem por norma fundamental constitucional a obediência da comunidade internacional, para que se propicie uma constante evolucionária acerca desses Direitos tutelados, não podendo, de acordo com o artigo 27 c/c 46 da Convenção de Viena, invocar impedimentos no seu Direito Interno como justificativa ao inadimplemento de um tratado, exceto se esta violação seja manifesta e diga respeito a uma norma de importância fundamental ao Direito Interno daquele Estado.

O artigo 49, inc. I da Constituição Brasileira de 1988, por exemplo, trata sobre a competência exclusiva do Congresso Nacional em “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” sendo a inobservância deste artigo, portanto, a única maneira pela qual um Tratado pode ser considerado um caso de inconstitucionalidade extrínseca ou ratificação imperfeita. Oyama Cesar Ituassú (Apud Valério Mazzuoli, 2012 p. 954), diz que:

O fato de filiar-se um Estado à ONU implica necessariamente em reconhecer a supremacia dos princípios internacionais sobre suas regras comuns e constitucionais internas e, mais ainda, na cessão de uma parcela de sua autonomia exterior em favor da instituição mundial, sem o que não se conceberia o funcionamento do sistema coletivo, cuja força vai até a aplicação de medidas coercitivas contra aquelas que infringirem normas fundamentais do Estatuto ou desobedecerem às suas decisões.

As condições de validade das Convenções Internacionais estão elencadas no corpo da Convenção de Viena e são, portanto: a capacidade das partes, sob pena de nulidade da Convenção;a regularidade do consentimento, que podem ser formais: quanto à competência e à formalidade, e substanciais: quando houver erro de fato ou de direito, que acarreta nulidade relativa corrigida por meio de retificação, dolo ou indução ao erro, corrupção do representante de algum Estado, coação, que gera nulidade absoluta; e por fim a licitude do objeto da convenção frente à alguma norma do Direito Internacional.

2 Tortura

Segundo Matoso (1986, p. 35-37), a história da tortura divide-se em três fases adotadas pelos historiadores Ales Mellor e Ryley Scott: violências tribais da barbárie pré-clássica, onde a tortura era aplicada como forma de rituais religiosos a vingança contra inimigos, civilizações como a persa e a babilônica chegaram até mesmo a catalogar e classificar essas inflições de sofrimento; a tortura nos impérios antigos, medievais e modernos (colônias), conhecida também como tortura institucionalizada, têm como apogeu mais notório as Inquisições, Católicas e protestantes, como a de Calvino- O Sanguinário e Lutero- o Anti anabatista; e por fim,  de forma clandestina, a tortura nas Repúblicas e Ditaduras contemporâneas, ponderações que tiveram início com o estudo de Beccaria -Dos Delitos e Das Penas, onde este critica veementemente as penas corporais e expõe sua ineficiência: "entre dois homens, igualmente inocentes ou igualmente culpados, o mais robusto e corajoso será absolvido; o mais débil, contudo, será condenado" (BECCARIA, 2000, p.39).

Entretanto, há registros, bíblicos inclusive, de que a tortura já era questionada e que já havia diversas tentativas de minimizá-las, tais quais a passagem bíblica “Se alguém ferir o seu escravo ou a sua serva com uma vara, e o ferido morrer debaixo de sua mão, será punido” (Êxodo 21,20).

Paulo Evaristo (1986, p.287-288) lembra a manifestação de João Vives sobre a tortura:

O humanista cristão João Vives, em seu comentário a De Civitatte Dei, de Santo Agostinho, rejeita decididamente a tortura: como podem viver tantos povos, inclusive bárbaros, como dizem os gregos e latinos, que permitem torturar durissimamente um homem de cujos delitos se duvida? Nós homens dotados de todo senso humanitário, torturamos homens para que não morram inocentes, embora tenhamos deles mais piedade do que se morressem: muitas vezes os tormentos são de longe, piores do que a morte...

Apesar de sua vedação ser objeto de diversos tratados de caráter regional e universal, a prática da tortura ainda é disseminada como parte de uma Doutrina de Segurança Nacional, na qual os fins justificam os meios empregados para que se mantenha uma segurança (virtual) dos direitos e garantias à liberdade, quando na verdade essas práticas integram o sistema repressivo dos Estados para rápida e ineficaz obtenção de informações, sufocando essas liberdades.

Flávia Piovesan (2005, p.05) entende que a prática da tortura no Brasil, na era da democratização, orienta-se fundamentalmente por critérios econômico-sociais, com forte componente étnico-racial, tendo em vista que as vítimas preferenciais, conforme relatórios das Ouvidorias de Polícia são em sua grande maioria os jovens, negros e pobres. Esse quadro pode ser observado em diversas culturas além da brasileira, considerando que as parcelas da população desfavorecida ficam mais suscetíveis a violações desta natureza.

O Instituto Interamericano de Direitos Humanos em sua cartilha de 2004 (p.17) traz em seu texto que:

A tortura constitui uma das violações mais flagrantes dos Direitos Fundamentais. Destrói a dignidade das pessoas, degradando seu corpo e abrindo feridas, muitas vezes irreparáveis em sua mente e espírito. As consequências estendem-se à família das vítimas e a seu círculo social. Com a prática da tortura os valores e princípios sobre os quais se assentam a democracia e toda a forma de convivência humana perdem seu significado

Enquanto a corrente utilitarista entende que a tortura pode ser empregada quando busca-se  a defesa dos interesses coletivos em detrimento do indivíduo, a doutrina internacional entende a vedação contra a tortura como norma consuetudinária, portanto, irrevogável.

3.3 Convenção Internacional Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CCT)

Apesar de não ser o único instrumento que coíba a tortura, vez que a própria Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e  Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos também o fazem, destaca-se como a primeira grande convenção especializada contra algum tipo de violação em particular a Convenção Internacional Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela ONU no dia 28 de setembro de 1984. Nas palavras de Flávia Piovesan (2005, p.01):

No plano internacional, a tortura foi um dos primeiros atos a serem considerados, por sua gravidade, crime contra a ordem internacional. Daí a adoção da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, pelas Nações Unidas, em 28 de setembro de 1984, ratificada hoje por 132 Estados-partes. Dentre os instrumentos internacionais de direitos humanos, contudo, é a Convenção que conta com a menor adesão dos Estados-partes.

A Convenção da ONU sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes determina a vedação de qualquer ação tomada por um representante do Estadono exercício de suas funções, ou ainda com o consentimento ou omissão deste, portanto crime próprio nolimite da definição desta Convenção, que tenha por finalidade a obtenção de informações ou confissões infligindo intencionalmente violências físicas ou mentais, dores ou sofrimentos agudos, intimidações, coações, discriminação de qualquer natureza.Proíbem-se tais práticas ainda que o Estado se encontre em situação de ameaça, estado de guerra ou instabilidade política.

A Convenção, em seu artigo 14, garante às vítimas de tortura o direito à reparação, indenização justa e adequada (incluindo meios para reabilitação); obriga aos Estados a criminalização da Tortura, reprimindo-a por leis nacionais, e a permissão do exercício da jurisdição universal referente à punição desta.

Outra medida apresentada pelo Tratado é a determinação da não extradição, entrega ou devolução de determinado indivíduo caso hajam fundadas evidências de que este será submetido a tortura, também determina que aquele indicado como autor do crime de tortura gozará de todos os direitos processuais garantidos pelo Direito Internacional.Observe-se que a Convenção servirá de base legal para a extradição entre Estados, ainda que não haja entre eles Tratado que verse pontualmente sobre este assunto, em respeito ao princípio da universalidade.

A estrutura da Convenção divide-se em três, segundo Eurípedes Clementino (2011, p.01): a primeira fase trata dos sujeitos ativos e passivos da tortura, a segunda institui o Comitê Contra a Tortura, e a terceira trata da adesão à Convenção e as condições possíveis para emendas.

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      3.1 CAT

O Comitê Contra a Tortura (Committee Against Torture) é o órgão criado pelo sistema de Direitos Humanos da ONU, codificado no artigo 17 da Convenção, para a supervisãodo cumprimento das obrigações internacionais contraídos pelos Estados-parte na CCT. Instituídos sistemas de relatórios periódicos (a cada quatro anos) expondo medidas tomadas para o combate à tortura e outras obrigações contraídas frente à Convenção e ao Comitê, estesdevem ser encaminhados ao CAT, de acordo com o artigo 19 da CCT.

Caberá ao CAT examinar os relatórios, conforme artigo 19, que serão analisados conjuntamente a dados adicionais enviados por fontes diversas (Human Rights Watch, por exemplo), e poderá sanar dúvidas durante um encontro público formal com o representante do Estado configurando o direito de resposta, oportunidade em que poderá o Estado apresentar informações adicionais, promovendo desta forma uma visão mais próxima à realidade dos fatos para que se forneçam, caso necessário, recomendações para melhor implementação da Convenção.

Pode também o Comitê realizar investigações confidenciais (art. 20 da CCT), por meio de inquérito, quando receber “informações fidedignas de que a tortura está sendo praticada sistematicamente” contanto que o Estado-parte não tenha apresentado reserva a este dispositivo; fazer visitas in situ, quando da investigação do Comitê no território do Estado; e, poderá averiguar casos de comunicações individuais caso o Estado-parte tenha reconhecido a competência do Comitê para fazê-lo, e também denúncias de um Estado em desfavor de outro (arts. 21e 22 da CCT). Camille Giffard (2000, p. 30) trata sobre os elementos essenciais para a produção de provas a precisão e confiabilidade da informação, que são obtidas mediante a adoção de precauções gerais, como conhecer a fonte das informações; familiaridade com a fonte e com o contexto; contatos constantes com a fonte de informações; tratar cautelosamente informações vagas e genéricas; evitar basear-se unicamente em matérias e reportagens divulgadas pela mídia

Quanto às fases do Inquérito instaurado pelo CAT, segundo Camille Giffard (2000,p.103) tem-se: verificação da idoneidade e fundamento da denúncia, art. 20, em que uma vez presentes ambos os requisitos, estará o Comitê obrigado a seguir com o Inquérito; o chamamento do Estado à colaboração, para que este manifeste-se, forneça informações adicionais; há a partir de então a nomeação da comissão de inquérito, com a designação de um ou mais membros para a condução deste; instaura-se o Inquérito Confidencial, o Estado pode ser solicitado a indicar um representante para reunir-se com os membros do Comitê para fornecer informações, proceder-se-á visitas ao território, recolhimento de depoimentos de vítimas ou testemunhas; as conclusões quanto ao Inquérito são encaminhadas ao Comitê que apresentará suas conclusões e formulará sugestões ao Estado; proceder-se-á a comunicação ao Estado quanto às conclusões e sugestões para que este apresente medidas condizentes com as obrigações contraídas por meio desta Convenção; e por fim, há a publicação dos resultados do Inquérito no relatório anual do Comitê, sendo que esta fase é facultativa aos membros levando em consideração os princípios da oportunidade e conveniência.

Integrado por dez especialistas,"peritos de elevado sentido moral e reconhecida competência no domínio dos direitos do homem" (art. 17,nº1 da Convenção Contra a Tortura), estes serão indicados por cada Estado-parte, entretanto não representarão estes Estados pela natureza independente do assento. A mesma Convenção indica a distribuição geográfica de forma equitativa e a análise da experiência jurídica dos candidatos. A eleição ocorrerá nas reuniões bienais convocadas pelo Secretário Geral da ONU, e o mandato será conferido pelo período de quatro anos, que poderão se estender por mais uma eleição caso o membro seja novamente indicado para o cargo. O sistema eletivo tem por meta assegurar a continuidade dos trabalhos em curso, tendo em vistas que os novos membros terão contato com a experiência dos mais antigos, prevenindo-se assim alterações bruscas de entendimentos e condutas do Comitê.

4 Protocolo Facultativo à Convenção Internacional Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes

Jean-Jacques Gautier, segundo O Instituto Interamericano de Direitos Humanos em sua cartilha (ONU, 2004 p. 43), inspirado pela notória redução da incidência dos casos de tortura na Grécia e no Irã proporcionado pelas visitas da Cruz Vermelha aos prisioneiros de guerra, promove uma movimentação em favor da criação de um sistema de visitas similares aquelas, mas que tivessem alcance maior e que pudessem ser feitas a qualquer momento para que se pudesse ter uma visão flagrantes quanto à real situação dos indivíduos privados de liberdade. Fundou em 1977, o Comitê Suíço contra a Tortura, hoje conhecido como Associação para a Prevenção Contra a Tortura, e ganhou apoio de grande parcela da comunidade internacional, como a Anistia Internacional e a Comissão Internacional de Juristas.

O Protocolo Facultativo é uma ferramenta jurídica para a consolidação das disposições de um tratado, é um texto adicional a um Tratado, que pode ser adotado simultaneamente ou posteriormente a este, de maneira a complementar e enriquecer a promoção dos intuitos ali afirmados. Sua adoção não é obrigatória aos Estados ratificadores do Tratado original, ficando aberta à conveniências destes Estados fazê-lo.

Adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 2002, graças a um esforço de duas décadas (1980-2002) o governo da Costa Rica para a adoção deste Protocolo que visa ações coordenadas entre a comunidade internacional e os governos dos Estados, este Protocolo Facultativo prevê a criação de novos órgãos direcionados à prevenção da tortura e outros tratamentos desumanos, cruéis ou degradantes mediante a adoção de visitas regulares aos centros de detenções em todo o mundo, e traz como principal inovação a prevenção das violações e não reagir após a consumação das mesmas visitas a posterioricomo as diligenciadas pelo CAT, que só poderão ocorrer mediante a autorização do Estado-parte investigado.

O texto do Protocolo organiza-se em sete partes: a primeira distingue as obrigações dos Estados quanto aos mecanismos internacional e nacional; a segunda parte determina a criação o Subcomitê, e seu funcionamento; a terceira parte define o mandato do Subcomitê; a quarta determina a criação dos mecanismos nacionais, delimitando o mandato, as competências e garantias a serem observadas; a quinta parte do texto permite a não implementação por período temporário da Parte III ou Parte IV, proibindo entretanto que o Estado o faça concomitantemente; a sexta parte elenca as disposições financeiras; e a sétima parte expõe as disposições finais relativas à entrada em vigor  do Protocolo, seu alcance e as modalidades de cooperação entre órgãos relevantes ao combate e prevenção contra a tortura.

As verbas orçamentárias destinadas aos gastos do Subcomitê, criado pelo artigo 02 do Protocolo para exercício das atividades elencadas por este, a implementação das recomendações feitas pelos mecanismos preventivos, são oriundas do orçamento regular das Nações Unidas e de um Fundo Especial criado para recebimento de contribuições voluntárias.

Uma vez distintas as definições entre “tortura” e “tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes”, as jurisprudências internacionais consideram que as condições deploráveis de detenção podem equivaler a estas segundas definições.Surge, portanto, a necessidade de tornar os centros de detenções mais transparentes para que seja possível uma mais rápida detecção dos crimes que encontram ali terrenos mais férteis, uma vez que estas populações estão mais expostas à violações desta natureza devido ao seu afastamento da sociedade, o Protocolo admite a “visita inesperada” a centros de detenções.

O Instituto Interamericano de Direitos Humanos (2004, p. 28) entende que a violação dos direitos das populações em cárcere resulta não só de agressões deliberadas por representantes dos Estados, mas também pela falta de infraestrutura e supervisão apropriada, caso explicitado pelo relatório do CAT/C/ISR/CO/4 de 14 de maio de 2009:

O Comitê percebecom apreciação as decisões da Suprema Corte de Israel no caso Yisacharov v The Head MilitaryProsecutor et. al., C.A. 5121/98; no qual   requer exclusão  de confissões ou evidências obtidas ilegalmente ou em violação  de direitos de defesa e devido processo legal; e o caso Physicians for HumanRights et al. v. MinisterofPublic Security, HCJ 4634/04,  declarando que o Estado de Israel deve prover camas para cada prisioneiros mantido em prisões Israelenses como condição primária de sobrevivências e dignidade.

O Protocolo determina a criação de um sistema dual de prevenção: um mecanismo internacional (o Subcomitê) e um ou mais mecanismos nacionais, instituídos pelos Estados-parte em até um ano após a entrada em vigor do Protocolo, ou em um ano a partir da ratificação ou adesão que trabalharão de maneira complementar. Esse sistema prevê visitas regulares aos locais de detenção, para que proponham recomendações de melhorias a serem implementadas pelos Estados.

O Subcomitê iniciou suas atividades composto por 10 peritos, numero que foi acrescido até o 25º profissional quando da 50º ratificação do Protocolo, suas funções são proceder visitas periódicas a qualquer Estado-parte e recomendar melhorias, por meio de relatório. Este relatório poderá ser confidencial, ou publicado quando houver consentimento do Estado visitado, ou ainda quando não houver cooperação do mesmo.

5 Eficácia e Eficiência

Há grande relevância na utilização da terminologia adequada para a análise da temática, principalmente relacionada aos Direitos Fundamentais, Direitos Humanos, concretização destes direitos, princípio da confiança e sociabilidade. De acordo com Paulo Krieser (2009, p. 01) eficiência trata de como fazer, não do que fazer. Quando se fala em eficiência, está se falando em produtividade, em fazer mais com o mínimo de recursos possíveis. Segundo Osvaldo de Carvalho (2011, p.30-35), a distinção mais importante seria entre Eficácia e Efetividade, onde a efetividade é a qualidade ou o caráter de tudo o que mostra efetivo, ou seja, é a realização dos efeitos, é a concretização dos objetivos da norma; a eficácia, por sua vez, é a força ou o poder que emana de um ato, advém da força jurídica, dos efeitos legais atribuídos ao ato que geram a respeitabilidade e cumprimento deste.

Pinto Ferreira (Apud Carvalho, 2011, p. 32) advoga que “a eficácia é o poder que tem as normas e os atos jurídicos para a consequente produção de seus efeitos jurídicos próprios”, e divide a eficácia em eficácia social, onde a norma é realmente aplicada pela conduta humana, existe efetivamente a obediência à norma, e eficácia jurídica, que designa tão somente a força normativa em âmbito jurídico, indica a possibilidade da aplicação da norma, a sua exigibilidade e sua exequibilidade. Ainda de acordo com Pinto Ferreira, o que caracteriza o direito é a coercibilidade, a possibilidade da coação, e o que caracteriza a eficácia é a possibilidade de sua executoriedade. Há ainda, na visão de Tércio Sampaio (2003, p. 193), a eficácia técnica, que são as condições técnico-normativas exigíveis para a aplicação da norma; segundo o autor, uma norma pode ter vigência, ainda que sua eficácia dependa da regulamentação de outras normas que a complementem.

Valério Mazuolli (2012, p.278/279) sobre o cumprimento, ou a observância, dos tratados explora que os artigos 26 a 30 da Convenção de Viena dispõe queos tratados devem ser observados de boa fé, obedecendo ao princípio da pacta sunt servanda, para que se alcance a segurança das relações entre os povos e a paz mundial.

No Brasil, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em subsídio apresentado ao Relator Especial para a Tortura, da ONU(2000, p. 03) denuncia que as vítimas de tortura são em geral parcelas da população sem influência econômica, social ou política e em geral encontram dificuldade no acesso a Justiça. A prática da tortura e outros tratamentos desumanos são empregados como instrumento de apuração de crimes. Adriana Rosa (2003, p.01) sobre a tortura e a Lei da Tortura no Brasil diz que:

Em suma, quem é torturado quer esquecer o suplício, quem torturou quer a impunidade de uma legislação que vige, mas não obtém a eficácia social almejada. A ineficácia da Lei da Tortura deve-sesobretudo à tolerância dispensada à prática deste tormento, o qual mascara o conflito de duas forças poderosas: a luta do homem pela dominação de seus semelhantes, por poder e prestígio, e os direitos à vida e à integridade física e/ou corporal humana.

Essa ineficácia social apontada por Adriana Rosa quanto a Lei da Tortura é um reflexo do cumprimento a Convenção Internacional Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes em âmbito mundial. Ainda que a vedação a tortura tenha adquirido o status de jus cogens no direito internacional, os excessos de filtragens, fases processuais, e tolerância, para não mencionar a inércia das organizações nacionais e internacionais, levam a uma situação de descrédito, especialmente quando há notória discrepância no combate à tortura entre Estados-parte da mesma Convenção.

Nesse sentido, diversas são as manifestações quanto ao fato de que a grande maioria dos acusados pelo Tribunal Internacional Penal sejam de origem africana, enquanto o mesmo Tribunal bem como o Conselho de Segurança da ONU se mantem silentes quanto o desrespeito à Convenção por parte de representantes estatais que notoriamente utilizam-se da prática de tortura na “Guerra ao Terror”, por exemplo. O jornal sul africano The Southern Times (2011, p. 01) publicou um texto intitulado “Os Americanos Não São Hipócritas” no qual expõe a insatisfação quanto ao uso político e conveniente do arcabouço jurídico internacional em benefício das grandes potências. O texto diz que o fato de que “nenhum de um país ocidental tenha sido processado até agora por crimes contra a humanidade no Iraque, Afeganistão, Costa do Marfim, Líbia, Guantánamo Bay e muitos outros lugares”esclarece ao mundo que os “fiadores” dos Direitos Humanos não se sentem obrigados a respeitar o sistema normativo imposto por eles mesmos aos países em desenvolvimento, e cita ainda que “qualquer um pode observar como o TPI foi rápido em atacar Charles Taylor e Muammar Gaddafi, entre outros, mas mantém suas mãos nos bolsos, quando se trata de George W. Bush e Tony Blair”.

Não obstante, as decisões dos Comitês não são legalmente vinculantes e obrigatórias, o auxílio efetivo dos Direitos Humanos exercidos por meio do chamado Power ofShame, ou Power ofEmbarrassment, perdem sua força quando a população mundial opta por uma corrente utilitarista levada ao ápice em nome da proteção de um bem maior, ou seja, a proteção da sua civilização, de sua cultura.

Flávia Piovesan (2005, p.01) em seu texto elenca que:

Enquanto persistir a tortura em dependência policial ou prisional e enquanto se tolerar que os condenados a pena privativa de liberdade devam ter uma pena adicional por meio de tortura, maus tratos e condições degradantes, os padrões democráticos e civilizatórios restarão fortemente comprometidos. Isto porque a tortura revela, sobretudo, a perversidade do Estado que, de guardião da legalidade e de direitos, converte-se em atroz violador da legalidade, ao afrontar o direito fundamental à integridade física e mental de toda e qualquer pessoa, lançando-se no marco da delinquência, no brutal exercício da violência, que avilta a consciência ética contemporânea.

Alui também que os números reduzidos de julgamentos e condenações relativos à prática da tortura, quando comparados aos números de denúncias refletem o fato de que há um verdadeiro sistema de filtragens sucessivas, envolvendo a seletividade operada pelos aparatos da segurança e da justiça, ao que institui um verdadeiro desafio de encorajar as denúncias das práticas de tortura por suas vítimas ou parentes desta.

Destarte, seguindo a linha de raciocínio de Flávia Piovesan, apesar de a Convenção Internacional Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes ser normativamente eficaz, na medida em que alcança força jurídica vinculante, não pode ser considerada eficiente tendo em vista que seu alcance social, na busca pelo bem estar e justiça social,é reduzido principalmente frente a empecilhos como a soberania estatal, e a distancia entre a sociedade e o acesso a justiça. 

Em entrevista concedida ao site Consultor Jurídico sob o título “Direitos Humanos terão jurisprudência global” ao ser questionada acerca da disparidade de tratamentos entre nações, Flávia Piovesan (2009, p. 01) respondeu que o maior desafio do Tribunal Internacional Penal é firmar sua identidade nos primeiros anos de existência, atuando com firmeza e ética para que adquira credibilidade,  ainda que este trabalhe apenas com ordens de prisões esparsas. E acrescenta que “o multilateralismo, por mais debilidades e limitações que tenha, dispõe de algumas potencialidades e reduz o largo mar de discricionariedade”. Sobre o distanciamento das leis em relação às ações dos Estados, Piovesan entende que este está diminuindo na medida em que as políticas de unilateralismo, onde ações de ataques preventivos indiscriminados passam a ser deixadas para dar espaço ao diálogo.

CONCLUSÃO

Historicamente a “Era do Direito”, encontra seu apogeu normativo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a partir de então promove-se a universalização e a supranacionalização dos Direitos inerentes à condição humana,  e a partir de então, diversos desdobramentos normativos para que se garanta o respeito a esses direitos ao qual deu-se titularidade aos seres humanos.

Expô-se acerca da construção de um sistema de proteção ao ser humano, trazendo à baila as questões relativas aos crimes mais graves contra a humanidade, ou seja, aqueles cuja competência de julgamento cabe internacionalmente ao Tribunal Internacional Penal, especificamente ao crime de tortura e a Convenção Internacional Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes a qual foi destrinchado o corpo normativo, confirmando a sua eficácia, e discorreu-se acerca de sua eficiência frente à aproximação do intuito social, coercitivo e efetividade na busca pelo bem estar e justiça social.

No tocante à tortura, é sabido que durante séculos ela foi utilizada por diversas civilizações primitivas e, ainda que com intuitos por vezes distintos, na maioria delas esta era utilizada como meio de castigo, seja como punição por crimes, condutas divergentes das esperadas àquela sociedade, ou ainda contra os inimigos de guerra, vezes capturados durante batalhas, vezes vencidos após as mesmas. Essas práticas começaram a ser questionadas no ocidente por alguns filósofos, tais como Beccaria em Dos Delitos e das Penas, e Immanuel Kant, precisamente em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, a eficiência da utilização da tortura como meio de interrogatório e como ações punitivas, utilizando-se do argumento de que a imposição da dor e sofrimento agudo, bem como mutilações eram estúpidas e ineficientes quando utilizadas para obtenção de confissões, e desumanas e “anticristãs” como formas punitivas (especialmente para crimes como furto). Entretanto, há registros, bíblicos inclusive, de que a tortura já era questionada e que já havia diversas tentativas de minimizá-las.

Durante uma assembleia ocorrida em Tóquio, em 1975, o termo "tortura" recebeu pela Associação Médica Mundial  a percepção de ser “a imposição deliberada, desconsiderada e sistemática de sofrimento físico ou psicológico por parte de uma ou mais pessoas, atuando por conta própria ou seguindo ordens advinda de qualquer poder, com o fim de adquirir informações, confissões ou qualquer outra razão”, já a Convenção Internacional Contra a Tortura trata especificamente da utilização desta como meio punitivo, coercitivo e de intimidação por parte de agentes do Estado.

A relativização dos Direitos Humanos é inaceitável, porém indiscutivelmente aplicada e amplamente negligenciada no âmbito do Direito Internacional, confirmando as hipóteses levantadas neste trabalho; bem como a responsabilização dos agentes que a perpetram de acordo com a conveniência de um ou outro Estado, vez que isso configura e confirma o questionamento levantado quanto à valorização de uma cultura sob as demais. A soberania dos Estados é, de fato, um dos maiores empecilhos para o cumprimento e respeito da Convenção bem como para a atuação do Tribunal Internacional Penal.

Ante o exposto conclui-se que apesar da significativa evolução do sistema de proteção ao ser humano, da supranacionalização dos Direitos Humanos, das diversas Convenções que buscam a garantia destes, a criação de Tribunais, Cortes e Conselhos, ainda é insuficiente para a efetiva garantia da dignidade da pessoa humana, principalmente no que toca à vitimização do ser humano quanto à tortura. Isso se deve principalmente ao fato de que é dado à soberania dos Estados com maior rigor do que o respeito às normas protetivas ao homem. Não obstante, ainda que a vedação a tortura tenha adquirido o status de jus cogens no direito internacional, as manifestações relativas às notórias práticas desta estão claramente ligadas a interesses políticos.

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Sobre a autora
Naiana Bezerra

Advogada. Graduada pela PUC-GO. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO. Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB-GO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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