Justiça restaurativa e reeducação delitiva

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O crime irrompe com a paz social. Daí que os modelos tradicionais não mais satisfazem os cidadãos no que tange a solução efetiva do conflito. A justiça restaurativa é uma proposta inovadora de solução de conflitos, solucionando-os na sua origem.

 

Introdução

 Dentro do sistema judiciário, as buscas por uma complementação ou por soluções alternativas de conflitos vem ganhando espaço, seja no que tange o cenário jurídico nacional ou internacional. Formas arbitrárias à resolução de conflitos estão angariando posto dentro do ordenamento jurídico pátrio, sobretudo o sistema restaurativo e a busca eficaz pela reeducação delitiva.

Os problemas enfrentados no sistema carcerário são problemas que estão longe de serem resolvidos, são enfrentamentos constantes e emergentes que estão reivindicando cada vez mais espaço ao longo dos últimos anos. A finalidade da aplicação de uma justiça mais igualitária e que atenda os propósitos de ser uma justiça muito mais restaurativa, reeducativa e socializadora está em angariar paz e restaurar os laços da comunhão social outrora quebrados.

No âmbito do direito penal e do direito processual penal, não podemos nos esquivar de que o sistema prisional atual tem se mostrado ineficaz aos embates e enfrentamentos acometidos pelo crime e pelos infratores, a punição penal está longe de ser a resposta eficiente quando a sua busca essencial deve ser sempre a retomada da segurança jurídica abalada pelo crime e bem mais, ser também a restauração dos laços sociais vítima-infrator rompidos pela ação delitiva.

Além do mais, as instituições tem se mostrado cada vez mais lentas na solução dos conflitos e a justiça restaurativa constitui um instrumento ímpar no reestabelecimento da melhoria e da distribuição da justiça. Uma nova acepção de justiça lança luzes a um caminho mais esperançoso em tempos que a criminalidade e os altos índices de violência tomaram espaço no cotidiano do homem de bem, ameaçando de forma cada vez mais agressiva os bens jurídicos tutelados.

Tal clima de insegurança jurídica e social abre margens e espaço para uma nova visão, um novo enfrentamento no trato ao sujeito delituoso e aos ecos do crime que ressoa dentro de todas as faces da sociedade. O Estado tem o dever de tratar de maneira adequada cada delito, nas suas formas, nos seus reflexos e contextos, abrindo novas portas e meios para que a aplicação da justiça seja eficiente e célere, não mais somente cumprindo ao seu dever de Estado, como aquele que tem tão somente o direito de punir, mas dispondo de um sistema de multi-portas, trazendo em si e na aplicabilidade das leis penais novos meios de dirimir a complexa fenomenologia criminal que tem assolado a sociedade.

A finalidade inicial desta nova visão é de caminhar para uma readequação do sistema jurídico-criminal, a situação demanda novas respostas frente a criminalidade emergente que irrompe o império das normas. As variedades transgressões forçam o direito e a justiça a despertarem para uma nova adequação social de aplicação da justiça, os reflexos ineficazes da aplicação monolítica estatal são, nos tempos hodiernos, estéreis no que tange as características restaurativa, reeducativa e resocializativa da aplicação da norma penal e da norma processual penal, à luz dessa nova adequação nasce a justiça restaurativa e reeducativa.

Assim, a evolução da sociedade e, bem como a evolução do Direito, nos conduz para uma nova necessidade, nos conduz para uma nova visão de justiça, uma visão de acessibilidade e de engajamento nos meandros sociais, pois ainda que os nossos juízos sejam opostos e que as exigências atuais sejam colidentes e indigestas, mesmo assim se faz imperativo que a concepção de justiça seja única e determinada, dando-se um papel ativo e contundente na resolução das infrações penais.

Dos aspectos históricos

 

Desde os primórdios da história humana, todos os povos a seu jeito criaram soluções peculiares aos conflitos, danos e disputas. A radicalidade nas punições era aplicada das mais graves para os crimes mais ofensivos, como a pena de morte, em muitos casos ou o exílio, até o confisco dos bens ou banimento para os crimes de menor potencial ofensivo. A evolução punitiva dos delitos foi se desenvolvendo com as conquistas humanas nos campos da ciência, da cultura e até mesmo da religião.

A aplicabilidade das penas e o contexto processual para a prestação jurisdicional tem angariado no cenário mundial medidas que sejam de fato reeducativas, deixando de lado a aplicabilidade tradicional da justiça que não mais coaduna com as exigências sócio-evolutivas, mas que a seu tempo acarretou êxito e mudanças significativas para que atualmente sejam repensadas novas técnicas de solução de conflitos.

Na atual conjuntura do sistema prisional é fato evidente se tem dado ao crime um reforço positivo e acertado de que o sujeito criminoso, na maioria dos casos, retornará à criminalidade, mostrando a ineficiência do sistema punitivo.

Com isso, verificou-se em muitos outros países medidas inovadoras que conciliavam a aplicação justa do “Jus Puniendi” e a convergência dos valores socioeducativos que deveria conter a aplicação da pena, bem como medidas ressocializadoras, restauradoras e de inserção.

A justiça restaurativa vem angariando espaço mundialmente e desde as décadas de 70 e 80 este novo processo tomou forte discussão nos centros jurídicos mais proeminentes dos Estados Unidos e da Europa. Estas discussões a cerca deste novo processo foram fomentados tomando como base as culturas africanas e outras sociedades indígenas do Canadá e Nova Zelândia, como a sociedade Navajo no Arizona, México e Utah e os Maoris na Nova Zelândia, devido as suas percepções diferenciadas na aplicação das punições frente aos delitos.

O sistema de aplicação jurídico-penal destas sociedades se baseava muito mais no diálogo, na afetuosidade e no sentimento mútuo dos indivíduos sociais que na coercitividade da norma propriamente dita. Além do mais, tal sistema tinha uma visão amplamente abastecida de conceitos e resoluções para cada tipo de delito, visualizava cada ato delituoso isoladamente e como este ecoava dentro da sociedade analisando sobre o ponto de vista de cada um que foi atingido direta ou indiretamente pelo fato e extrair quais sentimentos provocava nos indivíduos.

Em muitos desses países que foram pioneiros na fomentação de medidas restaurativas e de reeducação delitiva, a análise e o conceito de lei foram modificados frente às normas que são sobrepostas pelas instituições tradicionais. A norma apresenta outro sentido que perpassa o valor coercitivo inerente a ela, um conceito novo e muito mais ampliado no seu aspecto social. A Justiça Restaurativa vislumbra em seu corpo uma dinâmica harmônica, onde as instituições, a sociedade e a vítima seriam partícipes na resolução de conflitos e dos meios reeducativos e não somente os impositores do direito de punir.

Nesse sentido, o papel da vítima e da sociedade surge como papel ativo das decisões junto ao poder estatal abalizando objetivos da própria reparação e da reintegração do sujeito delituoso à sociedade.

Assim, na teoria da justiça restaurativa são imprescindíveis os valores de participação, reparação e reintegração à sociedade que devem orbitar o novo sistema aplicado dentro do sistema de justiça tradicional para ordenar novas alternativas e o melhor acesso à Justiça. Este paradigma se objeta ao sistema consolidado punitivo e retributivo.

O que é Justiça Restaurativa

 

A justiça restaurativa, do ponto de vista conceitual, está fundada num método de consonância e harmonia, onde vítima e autor ou outras pessoas que sentiram o crime, participam da restauração delitiva a partir de soluções alternativas de diálogo. Este procedimento é uma forma não solene, que supre o processo e é na sua essência estritamente voluntário. Ao revés do processo, que se dá em sede jurisdicional, revestido de todas as solenidades impostas legais, o “processo” na justiça restaurativa tem espaço na sociedade e o auxílio de todos que possam assessorar na reeducação delitiva, ou seja, o espaço é aberto para que através de facilitadores e mediadores o crime seja curado na sua raiz, mediante processos de investigação social, ajuda as famílias, reabilitação psicossocial, etc.

No processo de Justiça Restaurativa, são utilizadas métodos de mediação, conciliação e transação para se obter o efeito restaurativo, isto é, um acordo visando perfazer as necessidades individuais e coletivas das partes e se conquistar a reintegração social da vítima e do transgressor.              

“fazer justiça” do ponto de vista restaurativo significa dar resposta sistemática às infrações e a suas consequências, enfatizando a cura das feridas sofridas pela sensibilidade, pela dignidade ou reputação, destacando a dor, a mágoa, o dano, a ofensa, o agravo causados pelo malfeito, contando para isso com a participação de todos os envolvidos (vítima, infrator, comunidade) na resolução dos problemas (conflitos) criados por determinados incidentes. Práticas de justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na sua reparação, envolvendo as pessoas e transformando suas atitudes e perspectivas em relação convencional com sistema de Justiça, significando, assim, trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir; de sorte que todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo (Scuro Neto, 2000).

Esse conceito de Justiça restaurativa propõe uma restauração dos processos tradicionais de aplicação da justiça, onde o Estado deixa de ser a vítima principal e passa a ser o fomentador de espaços comunitários que favoreçam o acesso a meios alternativos de solução de conflito. Os meios elucidados pela justiça restaurativa se impregnam de fatores sociais importantes, buscando compreender de fato, nas raízes da instituição familiar e social os porquês que levaram o infrator a delinquir.

O modelo restaurativo apresenta em suas bases um ambicioso plano de resposta ao crime. Esse modelo inaugura um processo reflexivo, onde suas luzes são refletidas não somente ao infrator, mas também irradiadas à vítima e a toda sociedade com o escopo de dirimir, por meio da pacificação social a relação conflituosa que deu origem ao crime. Com isso, todas as partes, que direta ou indiretamente se sentiram tocadas pela onda criminosa daquele fato específico, podem compor uma alternativa de solução socioeducativa, propositando uma ação positiva frente à realidade social vítima-infrator solucionando as consequências do fato.

Esse arquétipo inovador de justiça se corporificou com a utilização de práticas de medição, isto é, a justiça restaurativa propõe um confronto pacífico entre as partes envolvidas. Este enfrentamento traz resultados incisivos, trata-se de um modelo corolário, onde as chances de o sujeito delinquente voltar ao crime seriam reduzidas por medidas educativas e reabilitativas, ensejando o amadurecimento pessoal do delinquente por meio de providências que apontam a ele os efeitos do crime para a vítima e o retumbar do fato criminoso que irrompeu o direito e a sociedade.

A reintegração da vítima, portanto, é movimento real, necessário e em andamento. Porém, a potencialização de seu papel pode servir a discursos repressivos e reacionários, opostos às metas de redução da violência punitiva e superação da filosofia do castigo, visto que muitos movimentos das vítimas são insuflados pela retórica de “lei e ordem” e instrumentalizam a manipulação do medo para o reforço e alargamento de limites do poder punitivo, por vezes, para muito além das barreiras das garantias constitucionais. A abertura desregulada às vítimas pode muito bem apontar para a privatização do sistema (...) e para a rearticulação do discurso do crime (...) como obstáculo para a democratização do sistema de justiça. (...) O sofrimento as vítimas é, por um lado, um ponto a ser tratado com mais atenção pela justiça penal, mas por outro, atrai um interesse pernicioso da mídia e, por consequência, também atrai a atenção de políticos, especialmente durante as campanhas eleitorais, porquanto esse sofrimento é um terreno fértil para a propagação de discursos demagógicos e sensacionalistas. (SICA, Leonardo, p.170, 2007)

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Relativo à vítima o modelo em pauta evidencia-se recoberto de intensos benefícios, uma vez que dá uma atribuição imprescindível na fixação da resposta estatal ao fato acometido e oferece garantias de reparação dos danos muito mais eficazes. Neste sentido, o modelo se mostra promissor, pois não apenas minimiza os impactos do crime através das penas tradicionais, mas procura curar a gênese do conflito em concreto, confiando às partes envolvidas uma solução convergente e negociada, a fim de minimizar os impactos negativos que a aplicação da justiça tradicional se revestia, ou seja, a vitória da legalidade sobre o condenado. Em contrapartida, o sistema restaurativo irrompe com estes aspectos tradicionais pejorativos e de força prepotente sobre o culpado, irradiando a justiça horizontalmente, de igual para igual, na justa solução do conflito e na enorme potencialidade de paz social.

Muito porém, esse movimento de reintegração, como critica o autor supracitado, não deve em hipótese alguma se tornar uma “privatização” do direito penal, transferindo toda a autoridade de punir à vítima e/ou à sociedade. Essa abertura no modelo restaurativo deve ser regulada ao ponto de garantir uma equidade na aplicação da justiça e uma real restauração dos laços sociais outrora rompidos pelo delito. A vítima tem papel fundamental na composição da mediação no âmbito da justiça restaurativa, pois dá ao processo um significado único de participação efetiva e questionadora do papel fundamental de todos os ramos da sociedade para a formação do indivíduo.

Assim, a contribuição do agredido pelo sujeito delituoso deverá se inclinar às normas de procedimento que circunstanciará o novo modelo de aplicação de justiça, sempre considerando o real intento: reeducar o infrator e devolvê-lo à sociedade, livre das amarras do crime, que muitas vezes, por fatores sociais, estão arroupados no seu contexto de vida.

A pena (...), como instrumento órfão de racionalidade, há vários séculos procura um sentido e não o encontra, simplesmente porque não tem sentido a não ser como manifestação de poder. Portanto, pena é qualquer sofrimento ou privação de algum bem ou direito que não resulte racionalmente adequado a algum dos modelos de solução de conflitos dos demais ramos do direito. (ZAFFARONI, Eugenio Raul. p. 204, 2001).

Por muito tempo ao longo da história do Direito, a pena foi vista tão somente como o suplício imposto ao condenado pelo Estado-juiz. No entanto, ao longo de sucessivas e inovadoras escolas de Direito, destaca-se a escola positivista, que em seus ensaios preconizou que a pena teria características de coercitividade e de restituir o dano. Na prática, essas características impostas à pena não foram de fato eficazes para amenizar o intento criminoso dos indivíduos.

Tudo isso encontra um grande paradoxo no modelo ressocializador que surge e enfoca sua consideração na profunda função reabilitadora da pena em relação ao infrator, jungindo à resposta do Estado um auto juízo de valor do próprio infrator em relação a si mesmo. O mais inovador é a participação coletiva e ativa da vítima e da sociedade na resolução dos problemas gerados pelo crime, frequentemente com o auxílio de um facilitador. O processo restaurativo abrange mediação, conciliação, audiências e círculos de sentença, ou seja, significa um acordo obtido por meio de um processo restaurativo, abrangendo responsabilidades e projetos que possam alcançar a reparação, restituição, e reabilitação do delinquente, através de prestação de serviços comunitários ou outros meios socioeducativos, objetivando exaurir as parcimônias sociais de cunho individual e coletivo das partes e logrando a conciliação vítima-infrator.

Aplicações práticas

 

Quando lançamos luzes à aplicação da Justiça de forma equitativa e nesse caso ao modelo restaurativo, não devemos nos abster em asseverar os fatores circunstanciais da vida pública, cujos fatores imponentes são aqueles inerentes à prática da cidadania, que se dá Estado-cidadãos e muito mais severamente cidadãos-cidadãos.

As relações civis dentro da vida pública entre os cidadãos demanda aceitação destes das leis e normas estabelecidas para que haja uma interação social pacífica. É notório que numa sociedade tão complexa e plural como a sociedade brasileira, os conflitos se tornam corriqueiros, e a pluralidade social não deve se tornar um empecilho para que haja de fato um ordenamento da vida pública que deverá consubstancialmente caminhar para o pleno desenvolvimento social e democrático.

Os embates democráticos são as linhas mestras de uma sociedade plural, ou seja, os conflitos de ideias, de doutrinas morais, filosóficas e bem como os valores inerentes a cada grupo social formam o conteúdo subjetivo e material de vivência social que tangenciam todos os aspectos da vida de cada ser social.

Estes valores que brotam do seio da sociedade são revestidos pelos juízos emitidos, isto é, de aceitabilidade, moralidade e legalidade. O moralmente bom se torna dentro das sociedades essencialmente democráticas o norte por onde deve caminhar a atuação social de cada indivíduo. Esse “espírito norteador” abastece as relações humanas com a pulsão social necessária para o crescimento equilibrado e restaurativo de seus próprios vínculos sociais, alicerçados na igualdade e reciprocidade.

No tocante os processos de planejamento e adoção de políticas para implementação do modelo de justiça restaurativa no Brasil devemos considerar que as discussões insurgiram algum tempo depois que em muitos países esse novo modelo de justiça já estar devidamente solidificado.

Dentre as medidas adotadas para a implementação da justiça restaurativa no Brasil está a articulação efetiva de todos os órgãos públicos para que possam estruturar um projeto que atenda todo o país considerando as suas diferenças geográficas, culturais, regionais, etc. E ainda, estabelecer uma rede de diálogo, de conhecimento de fortalecimento das instituições públicas para a implementação do projeto.

Esse projeto que é apoiado e incentivado pelas Nações Unidas no seu Programa para o Desenvolvimento, tem que ser muito bem elaborado, a fim de fomentar nos órgãos públicos a necessidade e urgência de medidas e posturas restaurativas, que poderão estar inseridas dentro do sistema criminal estatal ou fora dele. Essas medidas deverão também instruir a sociedade a participação ativa das políticas de solução alternativa de conflitos, donde as instituições retiraram o respaldo necessário para a instauração do novo modelo de justiça.

A regulamentação deste novo projeto é necessária, porém o legislador não deverá tomar muito cuidado para não criar um sistema utópico e ineficaz na prática. Assim como o próprio sistema restaurativo funciona embasado no contexto social, também as regras para a instauração do modelo de justiça restaurativa deverá ser colhidas do meio da sociedade, considerando a pluralidade social brasileira. As respostas para os conflitos deverão ser estabelecidos e confrontados dentro da sociedade, por isso as medidas para a regulamentação deste sistema devem também ter por base o diálogo social.

Devemos salientar ainda que, a implementação desses ambientes abertos ao diálogo e que possam atuar na resolução dos conflitos deveram atuar de tal maneira a permitir que de seu meio surjam projetos que objetivem os princípio ditados pela justiça restaurativa, alargando o potencial de reconstrução dos vínculos sociais, pautado no diálogo e na autonomia das partes envolvidas.

Necessário se faz, que essa composição não seja um meio de sobrepor exacerbadamente o direito de reparação da vítima, inclinando o processo restaurativo para uma grave estigmatização e exclusão social, mas que seja um instrumento justo de comunicação e materialização dos princípios democráticos e sociais. Assim sendo, os conflitos poderão ser resolvidos sem que do Estado se invoque a tutela do sistema penal tradicional, que onera a máquina pública e dá uma solução, tantas vezes, não satisfatória no que tange a reparação do fato delituoso.

Parte-se, pois, da convicção de que o crime é um conflito interpessoal e que sua solução efetiva, pacificadora, deve ser encontrada pelos próprios implicados no mesmo, ‘internamente’, em lugar de ser imposta pelo sistema legal com critérios formalistas e elevado custo social. (GOMES, Luiz Flávio e MOLINA, Antonio García-Pablos, p. 399, 2006).

É neste sentido que a justiça tenta fomentar uma flexibilização da solução do delito, rompendo, num certo sentido com as soluções tradicionais, formais e solenes previstas pelo sistema retributivo. Os procedimentos dentro do sistema restaurativo mostra-se mais arraigado a um modelo de justiça comunitária, por onde todo o processo deverá transcorrer. Assim, a comunidade deverá fomentar o diálogo e a solução do conflito de forma a angariar meios para garantir a pacificação, a reeducação e reinserção.

A necessidade de se adotar o sistema de justiça restaurativa, é de que esse sistema dá maior satisfação entre as partes e, além do mais, seus resultados são sustentados por muito mais tempo que os alcances tradicionais da justiça retributiva. De fato essas medidas apresentam resultados positivos porque enxergam o crime não esgotado no ato inflacionário por si só, mas de onde verdadeiramente brotam e de onde estão enraizados, visualizando com grande preocupação as condições de desigualdades em todos os domínios da vida social, mais profundamente percebidas na ausência de oportunidades que dá margens à decadência criminal.

Assim, a marginalização de muitos grupos sociais que por precariedade das instituições estatais se veem mergulhadas no líquido do descaso e da ausência de direitos básicos, formam um ambiente propício, principalmente do jovem, para as práticas delitivas. No entanto, a justiça restaurativa propõe um olhar diferenciado no que tange a resolução desses conflitos, muitas vezes inerentes à total ausência de oportunidades na vida pública.

As reflexões sobre a aplicabilidade desse modelo passa pela experiência social, pela contemplação fixa das bases que levaram o indivíduo a delinquir, gerando resultados positivos e duradouros, pois a sociedade começa a analisar e enfrentar junto com as instituições públicas os motivos pelos quais a criminalidade tem insurgido sobre os cidadão e contribuem ativamente. Passam a fomentar em seu meio um sentimento de justiça e coesão social que se converge para a pacificação social. Esses resultados se enraízam localmente e encontra o real sentido das instituições, do diálogo e do dever que paulatinamente vê as ocorrências delituosas se exaurirem do meio social.

 

Considerações finais

 

Ante exposto, o modelo de justiça restaurativa deve ser encorajado, de forma a garantir o pleno desenvolvimento do ideal de bem proceder dentro de todas as parcelas da sociedade, prezando pela construção de uma sociedade mais solidária, justa e harmônica.

As dificuldades conciliatórias são inúmeras, podemos demandar tempo até exaurirmos os motivos pelos quais todos os conflitos ocorrem dentro de uma sociedade, porém, podemos afirmar, que a causa primária de todos os conflitos se encontra no justo fato de que no interior da sociedade individualidades complexas e distintas de debatem em busca de melhor solucionar para si os enfrentamentos cotidianos, o que gera uma gama infinita de conflitos.

A proposta do sistema de justiça restaurativa é justamente encontra um justo meio, onde autor e vítimas possam confrontar os motivos e eventuais reparações que ocasionaram o delito. E, além disso, proporem medidas para que proporcione uma reflexão dialógica para encontrarem meios alternativos de solucionar o conflito em pauta. Esses meios alternativos envolvem trabalhos à comunidade ou qualquer outro projeto que contribua para uma melhor satisfação dos envolvidos.

Ademais, o modelo de justiça restaurativa busca ingerir-se positivamente no meio social, alcançando todos aqueles que foram afetados pela onda criminal. Esse inovador modelo pretende ir até a origem da causa do conflito, possibilitando um maior diálogo entre o infrator, a vítima e a sociedade.

Por fim, podemos esclarecer que o modelo apresentado é inteiramente cabível no sistema brasileiro, resguardando uma compreensão prática da pluralidade social e admitindo, até mesmo num contexto mundial, que a justiça restaurativa não tem um modelo certo e aplicável para todos os países e culturas de forma homogênea. Mas há que se considerar cada aspecto social e cultural na sua essência, fomentado bases democráticas para um melhor aproveitamento desse novo sistema que está justamente pautado na conciliação dos laços sociais.

 

Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. São Paulo: RT, 1993.

GOMES, Luiz Flávio & MOLINA, Antonio García-Pablos. Criminologia. 5ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006.

GOMES Pinto, Renato Sócrates. Justiça Restaurativa é Possível no Brasil, In: PINTO, Renato Sócrates Gomes et al (org.). Justiça Restaurativa. Coletânea de Artigos. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005. p. 19 – 40.

Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2004. Defensoria Publica no Brasil, Estudo Diagnóstico (Brasília).

SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

SICA, Leonardo. Direito Penal de Emergência e Alternativas à Prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Scuro Neto, Pedro. Manual de Sociologia Geral e Jurídica, 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em Busca das Penas Perdidas. 5ª edição. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

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Sobre os autores
Monique Bevilacqua

Discente do 6º termo do curso de direito pelo Centro Universitário Toledo de Presidente Prudente-SP;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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