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As fundações públicas e a reforma do Estado

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1.A figura da fundação apresentou-se no período subsequente à edição do decreto-lei no. 900/69 como um dos principais instrumentos para a atuação estatal nas áreas fruto da expansão do modelo do bem estar social e que não tinham cunho econômico. Sobre ela surgiram várias discussões doutrinárias de relevo, sobretudo acerca do regime jurídico pertinente, o que refletia sobre o pessoal, bens e negócios jurídicos. Tais embates doutrinários foram aplacados com a Constituição de 1988 com a prevalência da tese da "autarquia fundacional" defendida por Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO. Com a reforma do Estado brasileiro, sobretudo após a EC no. 19/98, algumas questões voltam à tona acerca do regime jurídico e do papel destinado a esse tipo de instituição na futura Administração Pública brasileira. Será relevante, também, fazer breve referência ao projeto do Código Civil em tramitação no Congresso Nacional.

1.2.Antes da Constituição de 1988, a figura da fundação instituída e mantida pelo Estado foi muito utilizada, como instrumento para a prestação de serviços de interesse público de cunho não econômico. Surgiram, ou foram em tal "transformadas", com extinção de anteriores autarquias, entidades com essa estrutura na área educacional [ todas as Universidades Públicas Federais criadas no período], cultural [ v.g. a Fundação Joaquim Nabuco], na área até de serviços públicos típicos[ como o IBGE]. Festejava-se aquela espécie de ente como forma de prestação de serviços sem as peias do regime de direito público [ tese privatista, majoritária, sobretudo nas décadas de sessenta, pós decreto-lei no. 900/69 e de setenta]. Progressivamente, a doutrina publicista brasileira, defendida a partir de Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, ganhou fôlego. Digladiavam-se os autores a partir de dois posicionamentos. O primeiro defendendo a natureza tipicamente privada das fundações instituídas e mantidas pelo Estado e o segundo defendendo serem meras espécies do gênero autarquia. Essa Segunda corrente prevaleceu na CF/88, passando-se a entender, sem maiores discussões que as fundações nada mais seriam que espécies do gênero autarquia. Tal conclusão alicerçava-se em vários pilares de relevo, tais como: a unidade do regime de pessoal, a unidade do regime jurídico de regência dos bens e atos jurídicos, etc. Com a reforma do Estado brasileiro, em implantação, surge uma indagação: Houve alteração do regime jurídico das fundações instituídas pelo Estado com a EC no. 19/98?

Antes de partir para a resposta a essa indagação, deve-se relembrar a estrutura atual dos Órgãos e Pessoas públicas e privadas responsáveis pela prestação de serviços atribuíveis ao Estado, próprios ou impróprios, típicos ou não.

1.3 Pode-se esboçar o seguinte esquema :

ADMINISTRAÇÃO DIRETA – representada pelo conjunto de Órgãos integrantes das pessoas Jurídicas Políticas [ União, Estados Membros, Distrito Federal e Municípios ], divididos em de direção, de execução e consultivos.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR TERCEIROS:

a)Através de Pessoas Jurídicas vinculadas ao Estado- a Administração Indireta.:

Pessoas jurídicas de Direito Público :

-Autarquias

-Fundações Públicas

Pessoas jurídicas de Direito Privado vinculadas ao Estado

-Empresas públicas em sentido estrito [ art.5º, I, do Decreto-

Lei 200/67 ] e em sentido lato [ art. 5º do Decreto-Lei 900/69] e suas subsidiárias

-Sociedades de Economia Mista e suas subsidiárias.

b)Através de Pessoas Jurídicas não vinculadas ao Estado:

-Em atividades de competência estatal, de cunho econômico[em geral], através de concessões, permissões [ regidas, em princípio pela Lei 8.987/95] ou autorizações.

-Em atividades de cunho não lucrativo, assistenciais, culturais, etc., através de entes de colaboração como as "organizações sociais".(1)

Pacífico é que o exercício de atividades econômicas, diretamente pelo Estado, ou por empresas seu controle sofreu sensível redução no Brasil na década de noventa, a partir do Plano Nacional de Desestatização [lei no. 8.018/90 e a lei no. 9.491/97] e das alterações constitucionais ocorridas. O princípio da subsidiariedade em matéria econômica foi aguçado [vide arts. 173 e segs. Da CF/88]. Mesmo as atividades econômicas, ou de valor econômico, aquelas passíveis de exploração empresarial que permanecem na competência do Estado, foram desestatizadas, em sua maior parte, quanto à exploração e execução sobretudo através do renascido instrumento das concessões e , em menor monta, de permissões, e autorizações, impondo-se ao Estado, ressalte-se, para assegurar o direito dos usuários, reforçar o seu papel regulador e fiscalizador, normalmente exercido através de pessoa de direito público especializada. Surge, inclusive, o questionamento no sentido de se só autarquias poderiam destinar-se a esse papel, ou se tal, também, poderia ser exercido por Fundações Públicas.

Mister se faz recordar a polêmica e examinar se, no direito brasileiro as fundações públicas correspondem a uma espécie do gênero autarquia, ou se, efetivamente, correspondem a uma figura distinta.

1.4 A natureza jurídica das fundações instituídas e mantidas pelo Estado foi como sabido, até recentemente, objeto de acesas controvérsias doutrinárias, que, por certo, poderão ser em parte reavivadas face à nova redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19/98 à CF/88, Art.37...

XIX. Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, sociedade de economia mista e fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação.


2.Deve-se a essa altura, para melhor situar a questão, fazer um breve retrospecto sobre as fundações públicas no direito brasileiro, instituição que até a entrada em vigor da Constituição de 1988, conforme salientado, dividiu a doutrina quanto à sua natureza jurídica e ao seu regime. Tal diversidade de posicionamento ressalte-se, foi algo peculiar à doutrina brasileira, não sendo objeto de grandes controvérsias na doutrina estrangeira.

2.1A possibilidade de existirem fundações submetidas ao regime de direito público já era apontada por Otto MAYER no início deste século. Lecionava aquele jurista que a "fondation publique [ öffentliche Stiftung] on leur donne pour caractére particulier d’avoir comme base [ substract ] simplement un certain patrimoine à l’opposé de la corporation et de l’association Qui ont derrière elles un même temps , un groupe de personnes"(2) Demonstrava que o ser fundação dependia da estrutura jurídica da pessoa e não de ser a pessoa submetida a regime jurídico de direito privado ou público. Reconheceu, frente ao direito alemão, expressamente, a existência de Fundações Públicas.

Na mesma linha, poder-se-iam citar, dentre inúmeros outros publicistas germânicos, LEHMANN(3), FORSTHOFF(4). Por outro lado, LAUBADÉRE, VENEZIA e GAUMET, frente ao direito francês, citando DRAGO e L CONSTANS ressaltavam a existência de fundações submetidas ao regime de direito público distintas das corporações públicas. Lembravam " une nouvelle distinction fondamentale entre les collectivités publiques qui sont à caractère de corporation [ et engloberaient avec les actuelles collectivités territorielles , les actuels établissements publics rassemblant des groúpes humains] et les établissements publics qui sont... à caractère de fondation."(5)

Na Itália, já desde o início do século, autores como Carlo GIROLA(6) se preocupavam com as fundações públicas. Mais recentemente, Guido ZANOBINI(7) também procurou apresentar traços distintivos dessas instituições em cotejo com as demais integrantes da Administração italiana. ALESSI, por sua vez, procurou caracterizar as fundações Públicas, identificando-as como instituições e apresentando a seguinte formulação:

"Las classificaciones de las personas jurídicas públicas pueden ser varias segun los distinctos elementos que se tomen com base de clasificación. Las clasificaciones mas importantes son las baseadas sobre el distinto caráter del substracto del ente... en base al primer elemento, las personas jurídicas públicas se clasifican en entidades de base corporativa e entidades de base institucional. Esta distinción se funda en la de los entes jurídicos en generaly de las personas privadas en particular , en las que distingue entre corporaciones e instituciones , conocida distinción basada en la destinta estructura y funcionamiento de ambas categorias".(8)

No direito português, dentre outros autores, Diogo FREITAS DO AMARAL, lecionava, seguindo a trilha de Marcello CAETANO, sobre a figura das fundações públicas, com instituto autônomo, ao lado das fundações de direito privado:

" Damos por conhecido o conceito de fundação. Acrescentar-se-á apenas que a fundação Pública é uma fundação que se reveste da natureza de pessoa colectiva pública. Enquanto a generalidade das Fundações são pessoas colectivas privadas, reguladas pelo Código civil, há umas quantas fundações , que são pessoas colectivas públicas, reguladas pelo direito Administrativo. Trata-se, portanto, de patrimônios que são afectados à prossecução de fins públicos especiais."(9)

A existência das Fundações Públicas é aceita pelos principais ordenamentos jurídicos, normalmente tidos como referenciais para as construções jurídicas brasileiras e por seus doutrinadores.

2.2.  No direito brasileiro, ressalte-se, antes do surgimento da polêmica dos anos sessenta e sessenta, as fundações de direito público já eram mencionadas por clássicos como J M de CARVALHO SANTOS, que, inclusive destacava que o Estado "mantem diferentes organizações de difícil enquadramento no sistema legal, compreendendo diferentes espécies de pessoas jurídicas de Direito Administrativo, tais como:

a )as autarquias...

b) os estabelecimentos de ensino e cultura...

c) as organizações o tipo fundacional, subordinadas a organizações outras de interesse público...

d) as fundações de direito público interno, ou administrativo"...(10)

Já publicistas como Themistócles BRANDÃO CAVALCANTI consideravam inadequado aquilo que denominavam de adaptação do modelo germânico, concluindo que "pouco importam as analogias que existem entre as fundações e as entidades públicas autônomas quer quanto à impertinência de seu elemento patrimonial à sua destinação especial, traço característico das fundações, quer quanto à finalidade coletiva de sua instituição, porque essas analogias se encontram na maioria das instituições jurídicas"(11)

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Essas divergências seriam aguçadas, com a entrada em vigor do decreto-lei 200/67 e, sobretudo, com sua alteração pelo decreto-lei 900/69, esse último tido como relevante parcela da doutrina, como evidencia da adoção da tese da inexistência de fundações de direito Público no direito brasileiro.

De um lado, autores como Manoel Oliveira FRANCO SOBRINHO afirmavam que "fundações como públicas inexistem. A pessoa jurídica chamada fundação não há como forçar argumentos que se perdem na abstração sejam quais sejam os seus fins específicos, somente poderão ser de direito privado, porque assim está institucionalizado e consagrado pelo direito positivo"(12), ou Hely LOPES MEIRELLES(13), ou Sérgio D’ANDRÉA FERREIRA(14) .

De outro lado, autores como José CRETELLA JUNIOR procuravam demonstrar da existência das Fundações de Direito Público. Aquele Mestre paulista, p.e., em respeitável monografia, procuraria demonstrar que " partindo-se da categoria jurídica da fundação- patrimônio personalizado dirigido a um fim atingem-se as das modalidades paralelas e inconfundíveis, a fundação de direito Privado[ patrimônio privado, personalizado pelo registro, afetado a fins particulares] e a fundação de direito público[ patrimônio público personalizado pela lei e afetado a fins de interesse público] realidades absolutamente inconfundíveis, o que se verifica pela compreensão rigorosa entre os respectivos regimes jurídicos, levando-se em conta uma a uma todas as conotações..[ argumentando, ainda] ..."uma pessoa jurídica administrativa, de substrato patrimonial estatal, criada por lei, regida pelo direito Administrativo, que não pode auto-desfazer-se, que edita atos administrativos, sujeitas à tutela da entidade matriz criadora, que não pode receber liberações que importem em desvio de finalidade, cujas contas são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas, de modo algum pode identificar-se como uma fundação de direito privado."(15) Miguel Reale, seguiu pela mesma trilha, lembrando lições de mestres como Clóvis Beviláqua, Lacerda de Almeida e João Mendes, ressaltando os equívocos em se pretender entender como de direito privado as fundações instituídas pelo estado para o exercício de atividades tipicamente públicas.(16) Também, no mesmo sentido Lafayette PONDÉ.(17)

2.3 A matéria viria a ser, paulatinamente, pacificada a partir da predominância dessa última posição, sendo marcante para tal a argumentação de Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, delineada na magistral tese Natureza e regime jurídico das Autarquias, onde aquele autor após aprofundado exame da doutrina sobre a matéria, ressaltava do equívoco em rotular-se um instituto pela denominação que se lhe dá e de se supor que a fundação seria um instituto próprio do direito privado e não da teoria geral do direito. Admitiu aquele jurista que o Estado participasse da criação, instituição e manutenção de fundação de direito privado, não se confundindo essa hipótese com a de criação de fundações para o exercício de atividades típicas, com titularidade de competências estatais, sendo essas, evidentemente de direito público, espécies do gênero autarquia.(18)

Em verdade, no período de vigência da EC 01/69, sobretudo até os meados da década de oitenta, a divergência doutrinária, refletida na legislação, possibilitou o surgimento de algumas construções, no mínimo, esdrúxulas. p.e., a lei n.º 6.860/80 que autorizou a criação da Fundação Petrônio Portella, vinculada ao Ministério da Justiça, o fez como ente de direito privado, embora atribuindo àquela fundação a gestão de serviços públicos e assegurando-lhe imunidade só pertinente a entes de direito público [ art.19,III, a da EC 01/69 ]. No mesmo sentido a lei n.º 7.555, de 18.12.86, autorizadora da criação da Fundação São João del Rey e a lei n.º 6.687, autorizadora da criação da Fundação Joaquim Nabuco. Aos poucos, entretanto, observou-se tendência moralizadora, de publicização dessas entidades, com suas "reintegrações" à Administração Indireta e o conseqüente aumento de normas de controle incidentes, evitando-se, ou minorando os abusos que estavam a ocorrer, sobretudo em relação à aplicação de verbas nos contratos de obras e serviços e nas contratações de pessoal, inclusive em relação ã questão da acumulação de cargos e empregos. Nessa linha o decreto-lei n.º 2.299, de 29.11.86, cujo art. 4º expressamente as incluiu na Administração indireta e as subordinou aos mecanismos de gestão financeira e incluiu seus serviços no plano de classificação de cargos e salários então aplicáveis aos órgãos e pessoas jurídicas de direito público [ cf. lei n.º 5.645, de 10.12.70]. Também nesse sentido as modificações que se seguiram em relação ao regime de licitações e contratos. A jurisprudência, por sua vez, também evoluiu, no sentido da aceitação e reconhecimento da publicização desses entes fundacionais. Dentre outros, pode-se lembrar o conflito de jurisdição 6.073-MG, STF Pleno-Relator Ministro Cordeiro Guerra, admitindo a possibilidade de dois regimes jurídicos de fundações instituídas pelo Estado a depender do regime jurídico e do objeto. Pode-se afirmar que o STF apresentou várias fases interpretativas em relação a essa questão. Primeiramente adotou a tese privatista de Hely Lopes Meirelles e outros [nesse sentido, Recurso Extraordinário 75.315- GO, 1ª Turma , Conflito de jurisdição 6175- 2ª Turma]. Posteriormente, aquela Corte passou a aceitar a tese da existência das Fundações de Direito Público, entendendo que aquelas que assumiam a gestão de serviços públicos seriam enquadráveis como espécie do gênero autarquia. Nesse sentido, dentre outros o Recurso Extraordinário 101.126, de 24 de outubro de 1984, que teve como relator o Ministro Moreira Alves, com a seguinte Ementa:

Nem toda Fundação instituída pelo Poder Público é fundação de Direito Privado. As Fundações instituídas pelo Poder Público que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais, são fundações de direito público e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécies do gênero autarquia, aplicando-se a elas a vedação a que alude o parágrafo 2º , do art. 99, da Constituição Federal.(19)

Também, no mesmo sentido, o Conflito de Jurisdição 6.566- Relator Aldir Passarinho, onde esse, em seu voto condutor, destacava:

..."as fundações instituídas pelo Poder Publico, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos estados membros, por leis estaduais, são fundações de direito público que integram o gênero autarquia. O mesmo obviamente ocorre em relação a fundações que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo no 6ambito da União por leis federais."(20)

Essa tendência jurisprudencial, juntamente com os novos textos legais e com a postura doutrinária publicista, influenciaram decisivamente a Carta de 1988, que consagrou a figura da fundação de direito público, várias vezes referenciada em seu texto, inclusive, expressamente constando administração fundacional no texto original do Caput do Art.37.Sabido é que a redação desse dispositivo alterada pela Emenda Constitucional n.º 19/98 suprimiu a referência fundacional , não devendo, entretanto, tal ser entendida como afastamento das fundações públicas do elenco de entes da Administração pública, mas de mera supressão de um equívoco, pois, ao referir-se o citado caput do Art.37 à administração indireta estaria a alcançar aquele tipo de pessoa jurídica.

2.4 Encontram-se referências a essas entidades no Art.37, XVII [acumulação de cargos, empregos e funções] e, ainda, Art.37, XII e XIX, Art. 22, XXVII, Art.38, Art.150, VI, a e ADCT, Art.19, parágrafo 2º, sem esquecer o revogado Art.39. Esse conjunto normativo aponta para um regime de direito público. Não se deve, entretanto, afirmar que o Estado não possa participar, devidamente autorizado por lei, da instituição, ou manutenção de alguma fundação de direito privado que exerça atividade de interesse público. Embora, nessa hipótese, vedada a criação para exercício com titularidade de serviço público e exercido, evidentemente o devido controle, interno e externo, sobre as verbas oriundas dos cofres públicos.

Em relação às Fundações de Direito Público, predomina na doutrina a tese que seriam espécie do gênero autarquia. É expressão dessa corrente Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, que defende:

"em rigor as chamadas fundações públicas são pura e simplesmente autarquias às quais foi dado a designação correspondente à base estrutural que têm. É que , como se sabe, as pessoas jurídicas sejam elas de direito público, sejam de direito privado, são classificáveis em dois tipos, no que concerne ao "substracto básico" sobre que assentam: pessoas de base corporativa [ corporações , associações, sociedades] e pessoas de base fundacional [ fundações ]. Enquanto as primeiras tomam como substrato uma associação de pessoas, o substrato das segundas é, como habitualmente se diz, um patrimônio personalizado ou, como mais corretamente dever-se-ia dizer, a personalização de uma finalidade." [ prossegue] ..." a Constituição referiu-se às Fundações Públicas em paralelismo com as Autarquias, portanto, como se fossem realidades distintas porque, simplesmente existem estes nomes diversos, utilizados no direito brasileiro para nominar pessoas estatais. seus objetivos foram pragmáticos. Colhê-las seguramente nas dicções a elas reportadas, prevenindo que, em razão de discussões doutrinárias e interpretações divergentes pudessem ficar à margem dos dispositivos que as pretendiam alcançar."(21)

O pensamento desse Autor é brilhante e bem desenvolvido em termos de lógica jurídica. Parte de um conceito amplo de autarquia: "Pessoa jurídica de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa"(22) , conceito esse que dentre o rol das pessoas jurídicas de direito público interno só exclui os entes políticos , o considera como gênero e a partir dessa idéia básica define as espécies: autarquias de base patrimonial , autarquias de base corporativa.

2.5 Parece, entretanto, que apesar da qualidade da construção daquela doutrina, não foi essa a previsão da Constituição de 1988 que pretendeu limitar o conceito AUTARQUIA a apenas uma das espécies de pessoas de direito público de capacidade meramente administrativa. Poder-se-ia até fazer uma digressão para ressaltar que, efetivamente, quase não existem entidades de direito público de base patrimonial, no Brasil. O que vem ocorrendo é que, em muitas situações, as pretensas fundações não têm qualquer base patrimonial. Nessa esteira, poder-se-ia exemplificar com o caso das "fundações públicas universitárias federais brasileiras", que, efetivamente, não têm patrimônio e rendas capazes de gerar receitas suficientes para as suas manutenções, não se distinguindo, na prática, das autarquias federais universitárias brasileiras, a não ser por serem instituições mais recentes, criadas, normalmente nas décadas de sessenta e setenta, quando o modismo criador dessas entidades se justificava sobretudo pela maior liberdade na aplicação de recursos e pela maior limitação em relação aos mecanismos de controle pela idéia prevalente à época, de serem instituições de direito privado, mesmo voltadas para a prestação de serviços públicos.

A Constituição de 1988 nos já referenciados arts. 37, 22, 38, 150, etc., refere-se, sempre a dois tipos distintos de entidades: fundações públicas e autarquias, devendo-se entender que apesar de serem ambas pessoas jurídicas de direito público interno, com traços comuns, não se confundem. Em tendo a Constituição expressamente consagrado a dualidade, não cabe à doutrina desprezar essa diversidade.

Nesse ponto, extremamente ponderada a lição de Odete MEDAUAR, ao afirmar sobre a matéria que "aparecem , na doutrina e na jurisprudência, afirmações no sentido de que as fundações públicas são espécies do gênero autarquia, sendo, portanto, autarquias. Parece melhor aceitar que, embora possam ter semelhanças com as autarquias, as fundações foram criadas nas últimas décadas por iniciativa do Poder Público são uma nova forma de descentralização por serviço, um novo tipo de pessoa administrativa(Como afirmam Homero SENNA e Clóvis ZOBARAN MONTEIRO, na obra Fundações Públicas- No direito, na administração, 1970, p.231) . Parece estranho uma entidade ( fundação) ser tida como espécie de outra ( autarquia )sem se confundirem nos seus conceitos( como bem ponderou o saudoso Hely LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo brasileiro, 15ªed. 1990,p.311). Trata-se, portanto de outra entidade, como prevê a legislação brasileira. Mesmo distanciando-se das características das fundações apontadas no direito civil, sobretudo por faltar , muitas vezes a reserva de patrimônio destinada a um fim. O ordenamento intitulou-as fundações públicas, como entidades da Administração indireta, que realizam atividades que o Poder Público assume para atendimento de fins de interesse geral."(23)

A ponderação é relevante. A Constituição referiu-se a duas figuras e tal fato não pode ser relevado. O que vinha ocorrendo era, tão somente, a criação de entidades rotuladas de fundações públicas sem que os requisitos para a existência como tal estivessem presentes. É possível a criação de entidades de direito público com a forma de fundação, exigindo-se, entretanto que seu patrimônio e suas rendas sejam suficientes para tê-las como auto-suficientes.

Não se olvide que a Emenda Constitucional n.º 19/98 diferenciou a autarquia em sentido estrito da fundação pública, inclusive quanto ao processo de criação. Enquanto em relação às autarquias o Art.37, XIX com a redação Emenda já referida, exige lei especial para criação, em relação às fundações públicas a lei especial é, de acordo com o citado dispositivo, apenas um instrumento autorizativo. Evidentemente, o objetivo da Emenda foi especializar as fundações, tanto que, novas só surgirão para atuar nas áreas a serem definidas por lei complementar, fazendo cessar a criação, sem critério, dessas entidades como vinha ocorrendo. A necessidade do procedimento complementar à lei servirá, inclusive para afetação de patrimônio destinado a possibilitar ao ente fundacional alcançar seus objetivos. Com o novo texto constitucional, ora vigente, e a edição da prevista lei complementar, ter-se-á como critério diferenciador, além do substrato, o procedimento de criação e a área de atuação, podendo-se, por previsão legal, ter, inclusive, regime diferenciado de pessoal, face à modificação do Art.39 da Carta Constitucional e possibilidade de uma pluralidade de regimes jurídicos de pessoal. Poder-se-á precisar os contornos dessas fundações públicas a serem, doravante, criadas, como pessoas jurídicas públicas de direito público de substrato patrimonial, criadas a partir de uma lei autorizativa para atuação em áreas definidas em lei complementar. As fundações públicas, hoje existentes, não enquadráveis nessa conceituação deverão, ou pelo menos deveriam ser transformadas em meras autarquias, ou até mesmo extintas, transformando-se em meros órgãos da Administração direta.

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Sobre o autor
Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti

juiz federal da 5ª Região, professor titular de direito administrativo da UFPE, coordenador do doutorado em Direito da UFPE, mestre e doutor em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, Francisco Queiroz Bezerra. As fundações públicas e a reforma do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/476. Acesso em: 19 dez. 2024.

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