RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo expor sobre as características e importância de um instituto relativamente novo, chamado de Justiça Restaurativa, assim como seu desenvolvimento, entrada no ordenamento jurídico brasileiro e sua base histórica. No decorrer deste artigo pretende-se relatar: a história da sociedade mundial quanto ao direito de punir, conceituação do instituto, diferenças práticas e sua aplicação Direito contemporâneo, destacando sua importância prática na atualidade.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Direito moderno. Importância prática. Resolução de litigio extrajudicial.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo realizar uma abordagem sobre um instrumento extrajudicial, desconhecido por muitos por sua aplicação prática relativamente atual no ordenamento jurídico brasileiro.
Através de uma pesquisa bibliográfica objetiva, busca-se além de esclarecer o tema tão pouco conhecido entre não só os acadêmicos, mas também grande parte dos envolvidos com o mundo do Direito, levantar um conhecimento que auxilie em uma intervenção prática.
É importante que se conheça o passado para entender os acontecimentos presentes, pois necessário é que se tenha ciência de tamanha evolução ao estudo jurídico das normas atuais. Podemos dizer, que estudar direito sem a sua história é ingressar numa ciência insegura e imprecisa; será conhecimento vago e incerto.
Após uma rápida leitura deste texto, certamente poderemos construir ideias antes incompreendidas.
CONTEXTO HISTÓRICO
Antes de se iniciar o assunto em debate, cabe expor sobre o contexto histórico, pilar para um entendimento mais claro. Além disso, é imprescindível, a distinção de tempos passados em comparativo com os atuais, afim de transparecer as fundamentais mudanças ao direito de punir.
Para que se entenda a importância, fundamentos e cunho sociológico de uma justiça restaurativa eficiente e prática, é necessário ter um básico conhecimento do direito de punir do estado, assim como o seu cumprimento, já que para se falar em uma medida alternativa de punição, é fundamental ter ciência de onde provém esse dever e direito de punir. É o que será redigido a seguir.
Enorme parte dos estudiosos e cientistas da área jurídica, afirmam que, o direito sempre esteve presente entre os homens, já que uma relação jurídica nasce dos meios sociais. Neste sentido, o ilustríssimo professor e jurista, Miguel Reale:
“O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela.”
(REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24. Ed.. São Paulo: Saraiva 1998.)
Sabendo que o direito é um fenômeno social e, portanto, nasce de um conjunto de indivíduos, é possível afirmar que o direito como prática e exercício social se interpõe nas relações desde as épocas primordiais.
Tempos Primitivos
Em tempos primitivos, os grupos sociais seguiam uma filosofia moral e ética baseadas em um ambiente mágico e religioso. Os fenômenos naturais eram tidos como resultantes das forças divinas (“totem”). Para amenizar a ira dos deuses, criaram-se uma séria de proibições (religiosas, sociais e políticas), conhecidas por “tabu”, que, não obedecidas, acarretavam castigo (sacrifício da vida ou de bens). A pena, desproporcionada com a ofensa, era aplicada sem preocupação de justiça.
Com o passar dos anos, a justiça e o direito de punir seriam feitas pessoalmente, com as próprias mãos, indivíduos com indivíduos, e ainda estando ausente o estado como mediador, único e principal órgão legitimado a punir e julgar alguém, como no ordenamento jurídico moderno. Essas punições são similares à vingança, o qual os doutrinadores assim o chamam e são, basicamente dividas em 3 fases: vingança privada, vingança divina e vingança pública.
A vingança privada é a vingança pessoal, baseada na lei do mais forte, o qual aquele tem maior poder físico e intelectual se sobressai ao outro. Se tratando de um contexto coletivo, aquele grupo que lesionara o grupo rival, ambos entrariam em guerra para a punição conjunta. Com a evolução social surge o “Talião” (sangue por sangue, olho por olho, dente por dente) onde a justiça seria feita entre apenas aquele que foi ofendido e o ofensor, o que trouxe, inclusive, um pequeno avanço ao direito/dever de punir, já que a partir deste momento, não atingiria um grupo inteiro e sim, apenas aqueles da relação.
Aquele onde as penas possuíam, um caráter essencialmente sacral há de se falar na vingança divina. As penas eram cruéis, desumanas e degradantes. Adoravam e cultuavam objetos (totens). A função da pena era reparatória, retratação perante a divindade, restauração da integridade coletiva diante da divindade cultuada.
A Bíblia Sagrada, em seu livro de Josué, no capitulo 7, afirma o que foi constado:
“Então Josué e todo o Israel com ele tomaram a Acã filho de Zera, e a capa, e a barra de ouro, e a seus filhos e a suas filhas, e a seus bois, e a seus jumentos, e a suas ovelhas, e a sua tenda, e tudo quanto tinha, e levaram-nos ao vale de Acor. Disse Josué: Por que nos conturbaste? O Senhor hoje te conturbará. E todo Israel o apedrejou; e depois de apedrejá-los, queimou-os a fogo. E levantaram sobre ele um monte de pedras, que permanece até ao dia de hoje; assim o Senhor apagou o furor de sua ira...”
Do extraído, é nítido o caráter religioso nas sanções penais destinado aqueles que, naquela época, feria e deturpava as normas sociais/religiosas do tempo, onde estas penas serão proferidas e executadas de forma privada, homem-homem.
Por último, há de se falar em vingança pública, onde já há um grande avanço no âmbito jurídico, o qual possui enorme influência e destaca no estudo jurídico dos dias atuais. A vingança pública, nasce afim de dar maior estabilidade ao Estado e proteger-se os soberanos, a aplicação das penas, ainda severas e cruéis, passou a ser responsabilidade estatal. Aqui, o estado é o principal mediador e aplicador das penas (mas não o único), ainda existiam as sanções executadas pessoalmente e por influência religiosa, quase que inexistindo a justiça.
Além de todas essas fases, é de fundamental importância destacar mais duas sociedades, o qual estas, tem total influência no direito brasileiro atual, já que o ordenamento jurídico é totalmente embasado nas normas Romano-Germânicas.
Direito Penal Romano
Sem dúvidas, o direito romano foi o mais avançado e aperfeiçoado de todo o mundo em sua época, e assim influenciou fortemente o sistema jurídico ocidental, sobretudo em alguns conceitos já conhecidos a época, como o dolo e a culpa.
No espaço temporal de fundação de Roma, segundo (FRAGOSO, 1995, p.26), a pena possuía um caráter sagrado, pois visava aplacar a ira dos deuses, diante das falhas humanas e, portanto, ainda possuíam influência da “vingança divina” dos tempos primitivos.
De uma forma explicativa, no início da criação dessa grande sociedade, o direito e dever punitivo era do chefe da família ou chefe do clã, ou seja, o poder se concentrava em pater famílias, sendo que as regras eram aplicadas de forma indiscriminada segundo o arbítrio do líder do clã.
Direito Penal Germânico
Estudiosos e doutrinadores penalista, como Mirabete, Fragoso, Regis Prado, afirmam que o direito penal germânico não era, de fato, um conjunto de normas complexas e bem elaboradas como o do direito romano.
Antes da invasão de Roma, a sociedade germânica não era alicerçada por leis escritas, baseadas apenas nos costumes e ideologias sociais. O crime era assunto de vingança privada ou de punição familiar.
Após a invasão de Roma, com o aumento do poder do Estado, tem-se as leis bárbaras (leges barbarorum) caracterizadas pela composição, estabelecidas as taxas de pagamento conforme a qualidade das pessoas, o sexo, a idade, o local e a espécie de ofensa. Àqueles que não pudessem pagar eram aplicadas penas corporais.
O direito de talião foi aplicado muito tempo depois, por influência do Direito Romano.
Ao contrário do Direito Romano do período clássico, preponderou no direito penal germânico a responsabilidade objetiva, ou seja, punia-se o dano sem levar em conta se o fato resultou de dolo, culpa ou fato fortuito. Quanto ao processo penal, serviam-se os germânicos das chamadas ordálias ou juízos de Deus (prova da água fervente, ferro em brasa, etc.) e dos duelos judiciários, onde o vencedor era proclamado inocente.
Diante desse sucinto contexto histórico, há de se perceber que haviam várias normas, ideologias sociais e punitivas que não visavam o caráter social e moral da resolução do conflito e tampouco buscavam a real justiça, apenas buscavam a retribuição ao mal causado pelo agente, afim de puni-lo de acordo com os seus atos. O que é diferente do ordenamento jurídico atual, pois este não é voltado apenas a punir o delinquente de seus atos, e sim, procurar da melhor forma a paz social e a harmonia de todos da relação, como é o caso da justiça restaurativa.
IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL
A Justiça Restaurativa é uma ferramenta considerada atual, tendo sua origem entre 1970 e 1980, sendo nela aplicados antigos costumes, baseando-se em ideias pacificadoras, como também, construir certo discernimento do que é certo ou não a se fazer. Trata-se de uma medida em que, quando aplicada, visa que o infrator se arrependa e se desculpe do ato cometido, de modo que a pessoa ofendida o aceite e perdoe.
Em 1977, foi escrito por Albert Eglash, um artigo descrito como: “Beyond Restitution: Creative Restitution”. Assim algum tempo depois, em uma conferência, alguns participantes conseguiram enxergar que estava nascendo um novo modelo de Justiça.
A Justiça Restaurativa tem buscado métodos alternativos que sejam menos incisivos e com a mesma eficácia, para servir de respostas à prática criminosa. Essa nova forma de Justiça busca responsabilizar alguém pela prática de seu ato, não através da sentença. O Infrator, não será levado ao banco dos réus. Ressalta-se que haverá então o uso da Justiça Restaurativa, levando o conflito a uma via alternativa, mais humanizada e comprometida com os efeitos na vida dos envolvidos.
No Brasil, através da lei 9099/01 trouxe ao ordenamento jurídico este tipo de justiça, onde nos juizados especiais civis ou criminais, cuja pena seja inferior a 2 anos aos crimes de menor potencial ofensivo, esta poderá ser adotada.
No Brasil, pautada também nas normas da Constituição Federal, avançaram no sentido de permitir a aplicação da justiça restaurativa, mesmo que não explicitamente, nas situações onde vigora o princípio da oportunidade. Assim, nos crimes de ação penal de iniciativa privada, sendo disponível e inteiramente a critério do ofendido a provocação da prestação jurisdicional, é possível para as partes optarem pelo procedimento restaurativo e construírem outro caminho, que não o judicial, para lidar com o conflito.
É importante esclarecer que também é possível, por força do art. 94, da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), o procedimento restaurativo nos crimes contra idosos, haja vista que o referido artigo prevê o procedimento da Lei 9099/95 para os crimes contra idosos cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos.
DESIGNAÇÃO CONCEITUAL
Existem problemas para definir a justiça restaurativa, por ser uma teoria/prática ainda em construção, o qual ainda, poucos doutrinadores, estudantes e aplicadores da área jurídica trazem em seus trabalhos uma conceituação sobre o assunto. Como um paradigma novo, é ainda algo inconcluso, que só pode ser captado em seu movimento ainda emergente.
Eglash, ao dissertar em seu artigo sobre a Justiça Restaurativa, apontou três respostas às ações criminosas, sendo elas:
- distributiva, focada na reeducação;
- retributiva, focada na punição;
- restaurativa, baseada na reparação.
De acordo com a tese defendida, a distributiva visa sancionar uma pena ao réu, afim de que este se reeduque socialmente, com penas mais brandas, visando, de certa forma, o caráter social do apenado. Se tratando da retributiva possui uma ótica única de apenas atribuir uma pena ao réu, com o intuito de simplesmente “fazê-lo pagar pelo ato cometido”, retribuindo o ato injusto à sua respectiva pena. No tocante a vertente restaurativa, há de se falar que tal método visa todos os envolvidos na lide, tanto o ofensor, quanto a vítima, com o intuito de não atribuir uma pena e sim a resolução da melhor forma possível para ambos, através de um procedimento simples e informal.
Em resumo, procedimento restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetada pelo crime, participam em conjunto e ativamente na resolução dos problemas nascidos do crime, geralmente com ajuda de um facilitador. Os procedimentos restaurativos podem incluir mediação, conciliação, conferências e sentencing circles.
Seguindo o conceito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a justiça restaurativa seria:
[...] Trata-se de um processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima. Surgiu no exterior, na cultura anglo-saxã. As primeiras experiências vieram do Canadá e da Nova Zelândia e ganharam relevância em várias partes do mundo. Aqui no Brasil ainda estamos em caráter experimental, mas já está em prática há dez anos. Na prática existem algumas metodologias voltadas para esse processo. A mediação vítima-ofensor consiste basicamente em colocá-los em um mesmo ambiente guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo de que se busque ali acordo que implique a resolução de outras dimensões do problema que não apenas a punição, como, por exemplo, a reparação de danos emocionais.
(SOUSA, Aziel Henrique de. Justiça Restaurativa: O que é e como funciona. Brasília: CNJ, Conselho Nacional de Justiça, 2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-funciona >. Acesso em: 20/02/2016)
Diante dos conceitos mencionados, é claro que a justiça tem uma mínima presença ou quase uma ausência do estado-juiz nas relações interpessoais que a justiça restaurativa há de mediar, haja visto que se trata de um procedimento primordialmente voluntário, dependendo da livre e espontânea vontade de todos os sujeitos afetados pelo fato, tanto no polo infrator quanto no polo vitimado. Outra característica evidenciada é a intervenção de terceiros imparciais, são os mediadores, pessoas que facilitam e organizam os diálogos entre os dois polos.
EXECUÇÃO E PROCEDIMENTOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Conforme dito, é quase ausente a presença do estado nesse tipo de resolução de conflito, pois não é o juiz que realiza a mediação do conflito e sim o mediador que faz o encontro entre vítima e ofensor e eventualmente as pessoas que as apoiam. Apoiar o ofensor não significa apoiar o crime, e sim apoiá-lo no plano de reparação de danos. Nesse ambiente se faz a busca de uma solução que seja aceitável. Não necessariamente o mediador precisa ter formação jurídica, pode ser por exemplo uma assistente social.
O modelo restaurativo, foca-se no futuro, na medida em que, mais do que investigar os exatos moldes em que o fato ocorreu, para, então, aplicar uma sanção ao ofensor, focando nas relações que foram desestabilizadas, os danos causados, e em que medida isto ocorreu, para, daí, identificar o que pode ser feito para que eles sejam restaurados e alcança-se o reequilíbrio social.
No âmbito de execução da pena ou no ato procedimental, surge uma questão relevante, muito pouco discutida na doutrina atual, sendo levantada se, pois, com o implemento da justiça restaurativa, a “pena tradicional” (pena imposta pelo estado-juiz) seria excluída. Em resposta à questão levantada, o Conselho Nacional de Justiça o resolve mais acertadamente:
Não, as duas coisas podem ser e frequentemente são concomitantes. O mediador não estabelece redução da pena, ele faz o acordo de reparação de danos. Pode ser feito antes do julgamento, mas a Justiça Restaurativa é um conceito muito aberto. Há experiências na fase de cumprimento da pena, na fase de progressão de regime etc. Mas nos crimes de pequeno potencial ofensivo, de acordo com artigo 74 da Lei n. 9.099, de 1995, o acordo pode inclusive excluir o processo legal. Já quando falamos de infrações cometidas pelo público infantojuvenil há outras possibilidades como a remissão ou a não judicialização do conflito após o encontro restaurativo e o estabelecimento de um plano de recuperação para que o adolescente não precise de internação, desde que o resultado gere segurança para a vítima e reorganização para o infrator. Em São Paulo e no Rio Grande do Sul, por exemplo, há juízes com larga experiência na Justiça Restaurativa com adolescentes, por meio de um processo circular e desritualizado, mais lúdico.
(SOUSA, Aziel Henrique de. Justiça Restaurativa: O que é e como funciona. Brasília: CNJ, Conselho Nacional de Justiça, 2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-funciona >. Acesso em: 20/02/2016)
Assim, do texto destacado, podemos extrair que a justiça restaurativa possui um caráter complementar à aplicação da pena ou até mesmo na fase executória da sentença do infrator.
O professor Neemias Moretti Prudente, em seu artigo Mudança de Paradigma: Justiça Restaurativa, explica de uma forma sucinta, a forma de se pedir inicialmente a justiça restaurativa:
No modelo restaurativo visualiza-se cinco entradas para a justiça restaurativa: I) pré-acusação, com encaminhamento do caso pelo polícia; II) pré-acusação, com encaminhamento pelo juiz ou pelo ministério público, após o recebimento da notitia criminis e da verificação dos requisitos mínimos, que, ausente, impõem o arquivamento do caso e devem ser estabelecidos conforme as particularidades de cada ordenamento; III) pós-acusação e pré instrução, com encaminhamento imediato após o oferecimento da denúncia; IV) pré-sentença, encaminhamento pelo juiz, após encerramento da instrução, como forma de viabilizar a aplicação de pena alternativa na forma de reparação de dano, ressarcimento etc; V) pós-sentença, encaminhamento pelo tribunal, com a finalidade de inserir elementos restaurativos durante a fase de execução.
(PRUDENTE, Neemias Moretti; SABADELL, Ana Lucia. Mudança de Paradigma: Justiça Restaurativa. Revista Jurídica Cesumar Mestrado, Maringá/PR, v. 8, n. 1, jan./jul. 2008, pp. 49-62).
Cabe destacar também, que, ainda segundo o CNJ, a justiça restaurativa não é necessariamente aplicada aos crimes mais leves, podendo também ser executada aos mais graves. Porém, destaca que, em termos práticos, esse dispositivo vem atualmente sendo destinado aos delitos mais leves, porque o sistema jurídico brasileiro ainda não possui estrutura apropriada para os de maior potencial ofensivo.
Quanto aos atos procedimentais e como ela é realizada, há de se falar que não existe um procedimento padrão para tanto. Há, contudo, algumas práticas que têm sido aplicadas nos projetos já consolidados, as quais possuem alguns pontos em comum, como, por exemplo, serem baseadas em reuniões não adversariais entre as partes envolvidas[3], em um ambiente informal, onde elas são estimuladas a expressar sua visão acerca do conflito e a discutir suas consequências. Tais reuniões, geralmente, são intermediadas por um mediador ou facilitador que pode ser alguém da própria comunidade que as partes confiem e que as ajudam a firmarem um acordo sobre a situação problemática.
Com os dados referidos e explícitos, há uma questão á se indagar, já que a justiça restaurativa é muito similar à conciliação, importante instrumento extrajudicial de resolução de conflitos. Explica-se:
Em comum, podemos dizer que não são processos dogmáticos. No entanto, a conciliação é mais voltada para resolver questões de interesse econômico. Os conciliadores se permitem conduzir um pouco o processo para resultados mais efetivos; a conciliação acontece com hora marcada na pauta do tribunal. Já na mediação realizada pela Justiça Restaurativa não é possível estabelecer quando vai acabar, pode demorar dias, meses, até se construir uma solução. Na medida em que você tem um conflito de maior gravidade, que traz uma direção maior de problemas afetados, é preciso dedicar mais tempo. A vítima tem espaço para sugerir o tipo de reparação. O crime gera uma assimetria de poderes: o infrator tem um poder maior sobre a vítima, e a mediação que fazemos busca reequilibrar esses poderes, mas não invertê-los. Os envolvidos podem ir com advogados, embora ao advogado seja reservado um papel muito mais de defesa da voluntariedade de participação e dos limites do acordo, para que este represente uma resposta proporcional àquela ofensa. (SOUSA, Aziel Henrique de. Justiça Restaurativa: O que é e como funciona. Brasília: CNJ, Conselho Nacional de Justiça, 2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-funciona >. Acesso em: 20/02/2016.)
De forma resumida, podemos extrair do citado que a conciliação e o modelo restaurativo são bem similares, a diferença básica é que enquanto à conciliação é voltada mais para os litígios que envolvem patrimônio (direito civil) o modelo restaurativo visa todo tipo de litigio, inclusive os de caráter criminal. Além disso, a conciliação possui um caráter formal mais rígido, tendo início e fim pré{C}[RD1]{C} -estabelecido pelas partes, o que não acontece com o outro instituto.
DIFERENÇAS ENTRE A JUSTIÇA TRADICIONAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
Com o conteúdo já redigido, é fácil a percepção que a justiça tradicional, aplicada pelos tribunais e pelo conjunto de leis positivadas é distinta da restaurativa, cabe diferenciar mais especificamente e detalhadamente, é o que será explicado.
Quanto aos valores: Pelo ponto de vista da justiça tradicional, o crime é visto estritamente como um ato contra a sociedade, representado pelo estado e pela violação da lei penal; A culpabilidade em si é voltada para o passado, usando-se do direito penal positivo. Já sobre um patamar restaurativo, há de se falar que o delito é versado como um ato que afeta a vítima, o ofensor e a comunidade; O seu método de culpar visa o futuro, a restruturação moral da vítima e principalmente do ofensor.
Quanto aos procedimentos: enquanto que a justiça tradicional segue um rigor formal, redigida e protegida por um conjunto de normas rígidas, positivadas e fulcradas no ordenamento, sendo esse conjunto de normas ser mediada pelo estado, representado pelo juiz. A justiça restaurativa não possui esse teor formal, excluindo ou ausentando de certa forma, a autonomia estatal.
Quanto aos resultados: Pela justiça tradicional o resultado pode ser de reclusão ou detenção ao réu, diminuição patrimonial não levando em conta a relação vitima-ofensor, apenas retribuir uma sanção ao ato, enquanto que a justiça tradicional visa a reconstrução da relação, não sendo a prioridade aqui a pena afim de punir o ofensor.
OBSTÁCULOS QUANTO A SUA APLICAÇÃO
Do que já foi destacado, é visivelmente possível que tal modelo pode ser facilmente implantado no sistema jurídico brasileiro e que assim já é feito, de uma forma moderada, mas que já é aplicada em termos práticos. Porém, há algumas contrariedades a se sublinhar.
De fato, a aplicação de medidas alternativas, notadamente a Justiça Restaurativa, encontra problemas para que seja aceita, tanto em âmbito cultural como entre os estudiosos e operadores do direito.
Infelizmente, o direito penal não é visto como ultima ratio, uma vez que este é aplicado irrestritamente como o único instrumento de resolução de conflitos.
Contudo, esse empecilho cultural é mais evidente dentro do Poder Judiciário. Como a justiça penal tradicional corresponde a uma imposição unilateral e verticalizada da norma positiva, dotada de um formalismo inútil prolatada pelos juízes, cuja pena de prisão é vista como manifestação de autoridade, há um rígido bloqueio por parte do Estado-Juiz em aplicar medidas alternativas.
Além desses problemas culturais, pode-se destacar críticas doutrinárias, aquelas que enfatizam o estímulo à vingança privada que pode resultar do afastamento de aplicação desse modelo alternativo de solução de conflitos. Parte da doutrina contrária à sua incidência defende que a mesma implica num retrocesso, pois estar-se-ia abrindo mão da justiça imposta pelo Estado, cogente, imperativa, em favor de um sistema privatizado e vazio de garantias favorável a autotutela.
No mesmo sentido, no tocante à população, as pessoas preferem a utilização da justiça tradicional, com o pensamento de que esta, trará uma maior segurança jurídica, impondo uma maior justiça, o que é errôneo, inclusive, pois meios alternativos de resolução podem, facilmente, resolver o litigio trazendo o justo à tona.
CONCLUSÃO
Conforme visto, a justiça restaurativa é um importante mecanismo complementar ao sistema judicial brasileiro, uma vez que tal, não é implantado obrigatoriamente às partes e nem se quer segue uma formalidade regulamentada, sendo de importante função na justiça brasileira se usada corretamente, pois é nítido que tal instrumento irá facilitar a resolução de litígios, desafogando o poder judiciário de tantos processos.
É estimado, segundo o CNJ, que [4]“em 2014, chegaram à Justiça brasileira 28,88 milhões de novos processos”. Assim, é perfeitamente notável que o poder judiciário brasileiro não possui estrutura para a resolução de tantos processos de uma forma ágil e coerente, é onde há de se falar na justiça restaurativa, atuando e auxiliando os tribunais, diminuindo e filtrando a demanda nos tribunais.
Além disso, conforme já destacado, esse mecanismo traz um sentido mais humanitário para a punição do ofensor, visando não apenas encarcerar o réu, e sim amigavelmente reconstruir uma relação vítima-ofensor, buscando uma solução aceitável e razoável às duas partes, diminuindo custo e tempo, ensejando um acesso à justiça mais abrangente.
Trata-se de um importante mecanismo, o qual deverá este ser usado e aplicado de forma correta, com o intuito de agilizar e trazer uma segurança jurídica maior. Porém, tamanha importância pode ter “seus contras”, pois assim como uma ferramenta que é usada de forma incorreta que danifica o objeto principal, a justiça restaurativa se usada de forma incoerente e equivocada, sem dúvidas alguma, trará ao poder judiciário maiores conflitos, injustiça entre as partes e uma agressão maior à sociedade brasileira.
Portanto, sob um ponto de vista mais amplo, o poder judiciário deveria dar uma atenção maior a este promissor modelo, moldando e construindo-o, baseando-se na prática processual da realidade brasileira, pois “com uma corda maior e mais ajudantes é possível derrubar qualquer parede da injustiça”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 10. ed. rev. por Fernando Fragoso. – Rio de Janeiro: Forense, 1995.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7.ed. São Paulo: RT, 2006.
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. Evolução histórica. 2. ed. São Paulo: RT, 2001
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24. Ed.. São Paulo: Saraiva 1998.
EGLASH, Albert . Creative Restitution: A Broader Meaning for an Old Term. Journal of Criminal Law, Criminology and Police Science. Springfield, Illnois, Estados Unidos da América: 1975.
SOUSA, Aziel Henrique de. Justiça Restaurativa: O que é e como funciona. Brasília: CNJ, Conselho Nacional de Justiça, 2014.
PRUDENTE, Neemias Moretti; SABADELL, Ana Lucia. Mudança de Paradigma: Justiça Restaurativa. Revista Jurídica Cesumar Mestrado, Maringá/PR, v. 8, n. 1, jan./jul. 2008, pp. 49-62
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24. Ed.. São Paulo: Saraiva 1998
GOMES PINTO, Renato Sócrates. Justiça restaurativa – Um caminho para os direitos humanos? Textos para debates. Porto Alegre: IAJ – Instituto de Acesso à Justiça, 2004.
NAÇÕES Unidas. Development and implementation of mediation and restorative justice measures in criminal justice. ECOSOC Res. 1999/26.
[3] Alguns desses procedimentos incluem, nas reuniões, apenas vítima e infrator, outros incluem também membros da comunidade.
{C}[4]{C} (Número de processos baixados no Poder Judiciário cresce pelo 4º ano seguido: CNJ, Conselho Nacional de Justiça, 2014. Disponível Em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80431-numero-de-processos-baixados-no-poder-judiciario-cresce-pelo-4-ano-seguido >. Acesso em: 02/03/2016.)
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