Ampla defesa e contraditório na execução fiscal

execução fiscal

26/03/2016 às 01:35
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“para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça" preâmbulo da Constituição Federal

Na ordem jurídica nada mais sagrado existe do que o direito de defesa, sendo seu exercício pleno condição até para a validade da condenação. Consiste ele na obrigatoriedade de se assegurar ao suposto infrator à concreta ciência das cominações que lhe são atribuídas, bem como de tornar efetiva a possibilidade de contestá-las, uma a uma, condição elevada à cláusula pétrea nos termos dos incisos XXXV e LV da Constituição Federal de 1988.

                        Como a liberdade e a igualdade são valores fundamentais em nossa sociedade, após a Constituição Federal de 1988, impõe-se que, em qualquer espécie de julgamento, a ampla defesa e igualdade são princípios que constituem fundamentos de legalidade do veredicto a ser proferido, o que inclui a execução fiscal, razão pela qual entendemos que o artigo 16 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 não foi recepcionado pela nova ordem constitucional, o que o espírito da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, porque, no conceito de contraditório repousa a segurança jurídica como ensina Humberto Theodoro Junior ([1]), considerando que o principal fundamento da comparticipação no processo é o contraditório que garante a sua fluência normal e a não surpresa:

Art. 16                       O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:

I                      do depósito;

II                    da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia;

III                   da intimação da penhora.

§ 1º                 Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

Nesse sentido, o princípio do contraditório receberia uma nova significação, passando a ser entendido como direito de participação na construção do provimento, sob a forma de uma garantia processual de influência e não surpresa para a formação das decisões”.

                        À época o legislador ordinário deu à CDA – Certidão de Dívida Ativa um status, uma garantia que não mais lhe pertence, porque, “para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, de que trata o preâmbulo da Constituição Federal é necessário paridade dialética e legal.

                        Instrumentos consagrados pela ordem constitucional e elevados à dignidade de norma reitora que assegura o contraditório não só nos julgamentos criminais, mas, evidente que também em outras esferas, inclusive nas ações de Execução Fiscal promovidas pelo Estado, de forma que, a não se exorbitarem os privilégios de que gozam os créditos fazendários, a Súmula Vinculante nº 28 já estabeleceu o consenso de que “qualquer depósito obsta o acesso à justiça”, tendo prevalecido à proposta de que ([2]):

  • É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.

                        Há no direito brasileiro, nas esferas do direito penal; trabalhista; consumidor     e  tributário consecutivamente quatro hipóteses onde o agente é protegido em razão de hipossuficiência ([3]): no direito penal o “in dubio pro reo”; no direito trabalhista o “in dubio pro miseris”; no direito do consumidor o “inverso onus evidential”, conforme o inciso VIII do artigo 6º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, todas regularmente aplicadas pelos Tribunais. No direito tributário teríamos o princípio do “in dubio pro arpinis purgantibus” que remete ao artigo 112 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, onde, em caso de dúvida interpretar-se-ia de forma mais favorável ao taxpayer[4], mas, a Lei de Execução Fiscal!

                        Ora, se não tem o sujeito passivo condições de garantir a execução será julgado à revelia? É este o Princípio Democrático? É evidente que tem ao seu dispor a “Exceção de Pré-Executividade”, mas, esta somente é admissível relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória, como lecionou o Ministro Sálvio de Figueiredo[6]:

“A propósito, em doutrina recente, Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier expressam os critérios exigidos para a aceitação da exceção de pré-executividade.

Vê-se, portanto, que o primeiro critério a autorizar que a matéria seja deduzida por meio de exceção ou objeção de pré-executividade é o de que se trate de matéria ligada à admissibilidade da execução, e seja, portanto, conhecível de ofício a qualquer tempo.

O segundo critério é o relativo à perceptibilidade do vício apontado. A necessidade de uma instrução trabalhosa e demorada, como regra, inviabiliza a discussão do defeito apontado no bojo do processo de execução, sob pena de que esse se desnature.

Na verdade, ambos os critérios devem estar presentes, para que se possa admitir a apresentação de exceção ou objeção de pré-executividade. (Processo de Execução e Assuntos Afins, Sobre a objeção de pré-executividade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.410).

                        A Exceção de Pré-Executividade vem regulada hoje, no novo CPC – Código de Processo Civil de que trata a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 em seu artigo 803:

Art. 803          É nula a execução se:

I                      o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;

                        Alcançamos aqui a amplitude do Princípio da ampla defesa? Evidente que não, porque, o constituinte garantiu “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” porque, a exceção é somente um meio e, como no mandado de segurança inadmite a dilação probatória, então, a recepção da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 não ocorreu na totalidade, na medida em que o seu artigo 16 restringe a ampla defesa, sendo incompatível com a literalidade do texto constitucional, podendo então ser aplicado o artigo 914 de que trata o novo Código de Processo Civil, de que trata a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 aos processos pendentes de julgamento e aos futuros, isto, à partir da nova ordem constitucional, porque, o dispositivo já era previsto no diploma anterior.

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Art. 914          O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.

§ 1º                 Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

                        O artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC prescreve que “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Portanto, revogação tácita ou indireta, embora não expressamente estabelecida pela nova lei.

                        Mesmo se tratando de lei especial, a incompatibilidade consiste na verificação do conflito residente entre o artigo 16 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 e o disposto no artigo 914 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, prevalecendo este último na medida em que compatível com o texto constitucional: lex posterior derogat priori, considerando que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” de que trata o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

                        Não há necessidade de garantir execuções fiscais, porque, o sujeito em débito para com a Fazenda Pública já fica impossibilitado de dispor de seus bens simplesmente por não conseguir a devida “CND – Certidão Negativa de Débitos”.

                        No nosso entendimento, a ampla defesa é garantia constitucional elevada à categoria de cláusula pétrea e qualquer restrição a ela representa reduzir a ampla defesa em uma “defesa menos ampla”, em manifesta inconstitucionalidade, portanto, não teria sido recepcionada pela Carta Magna o § 1º do artigo 16 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, porque, toda restrição objetivando cercear o direito de contestação do pagador de impostos, exterioriza indiscutível atentado à cidadania e vocação totalitária.


[1]    Junior, Humberto Theodoro – Novo CPC Fundamentos e Sistematização – Rio de Janeiro – Forense – 2015.

[2]    Ver artigo 914, § 1º da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 Novo CPC.

[3]    Terminologia jurídica que indica condições técnicas para a proteção da parte mais fraca na relação da preponderância do mais forte. Normalmente aplicada em face do consumidor, mas, que também podem ser aplicadas em outras áreas.

[4] “No Brasil utiliza-se o substantivo ‘contribuinte’ para designar o pagador de impostos (arpinis purgantibus no Latim), enquanto o sujeito passivo recolhe o imposto por imposição do Estado e não por ‘contribuição’. Nos EUA utiliza-se o substantivo ‘taxpayer’ que significa ‘pagador de impostos’ que vai mais além, trata-se do cidadão detentor de direitos que financia a máquina pública e, não está contribuindo, mas, arcando com os custos do Estado”. Freitas, Rinaldo Maciel – Regulamento do IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados Anotado e Comentado – MP Editora – 2008.

[5]    Maquiavel, Nicolo – O Príncipe – Trata-se de um dos tratados políticos mais fundamentais elaborados pelo pensamento humano, e que tem papel crucial na construção do conceito de Estado como modernamente conhecemos. No mesmo estilo do Institutio Principis Christiani de Erasmo de Roterdã: descreve as maneiras de conduzir-se nos negócios públicos internos e externos, e fundamentalmente, como conquistar e manter um principado.

[6]    Figueiredo, Sálvio – STJ – Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial – REsp nº 180.734.

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Sobre o autor
Rinaldo Maciel de Freitas

Graduado em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia. Membro da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica. Advogado pela Faculdades Integradas do Oeste de Minas (FADOM). Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET). Pós-Graduando em Direito Público. Formação Extra Curricular: Ética/UEMG – Arbitragem/UFMG – Psicologia Jurídica/UEMG – Classificação Fiscal de Produtos/Aduaneiras.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Há no direito brasileiro, nas esferas do direito penal; trabalhista; consumidor e tributário consecutivamente quatro hipóteses onde o agente é protegido em razão de hipossuficiência ( ): no direito penal o “in dubio pro reo”; no direito trabalhista o “in dubio pro miseris”; no direito do consumidor o “inverso onus evidential”, e no direito tributário teríamos o princípio do “in dubio pro arpinis purgantibus”.

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