Aplicação da pena-base

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Resumo:


  • A pena-base é estabelecida entre os limites previstos na cominação em abstrato do tipo penal, considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal.

  • As circunstâncias judiciais incluem aspectos relacionados à culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias, consequências do crime e comportamento da vítima.

  • O juiz deve fundamentar a pena-base, indicando os critérios utilizados para a dosagem da pena, evitando a imparcialidade e garantindo o direito de impugnação das partes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As circunstâncias judiciais do artigo 59 do código penal são objeto de interpretação e discricionariedade do magistrado na fixação da pena-base.

SUMÁRIO

1. APLICAÇÃO DA PENA-BASE

1.1. Conceito de pena-base

2. CIRCUNSTÂNCIAS

2.1. Conceito

2.2. Espécies de circunstâncias

3. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

3.1. Conceito

3.2. Espécies de circunstâncias judiciais

3.2.1. A culpabilidade

3.2.2. Os antecedentes

3.2.3. A conduta social

3.2.4. A personalidade

3.2.5. Os motivos do crime

3.2.6. As circunstâncias do crime

3.2.7. As consequências do crime

3.2.8. O comportamento da vítima

4. CRITÉRIOS A SEREM CONSIDERADOS PARA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE

4.1. Elementos norteadores para fixação da quantidade da pena

5. CONCLUSÃO

 

 

APLICAÇÃO DA PENA-BASE. AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL SÃO OBJETO DE INTERPRETAÇÃO E DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE

 

1. APLICAÇÃO DA PENA-BASE

1.2. Conceito de pena-base

 

O jurista Gilberto Ferreira[1] esclarece que a palavra base deriva do grego básis e, literalmente significa a planta do pé. Também implica a ideia de parte, que servirá de apoio a alguma outra coisa, como a planta do pé, que serve de apoio ao corpo.[2] Por fim, conclui que é nesse sentido que o Código Penal a usou no artigo 59, a pena, encontrada a partir da apreciação das circunstâncias judiciais, entre o mínimo e o máximo, fixada, em abstrato, pela lei, servirá de base para que sobre ela sejam aplicadas as reduções ou aumentos, porventura existentes contra ou a favor do réu[3].

Com relação, ainda, ao conceito de pena-base, ensina José Antonio Paganella Boschi[4], que não existe no Código Penal um conceito de pena-base, até porque não é tarefa da lei conceituar. Todavia, cabe lembrar que o Código Penal de 1969, em seu artigo 63, previa o conceito, senão vejamos:

 

A pena que tenha de ser aumentada ou diminuída, de quantidade fixa ou dentro de determinados limites, é a que o juiz aplicaria se não existisse a circuntância ou causa que importe o aumento ou a diminuição da pena[5].

 

Continuando, o autor esclarece que pena-base é aquela que o juiz deveria aplicar, de forma concreta e definitiva, na hipótese de inexistirem causas legais de modificação, definidas como agravantes, atenuantes, majorantes e minorantes, de incidência obrigatória, na segunda e na terceira fase do método trifásico (art.68 do CP).[6]

Assevera, ainda, que pena-base é aquela que atua como ponto de partida, como parâmetro, corresponde, então, à pena inicial fixada em concreto, dentro dos limites estabelecidos a priori na lei penal, para que, sobre ela, incidam, por cascata, as diminuições e os aumentos decorrentes de agravantes, majorantes ou minorantes.[7]

José Duarte ensina que “pena-base possui esta denominação porque atua como base para alguma coisa e sem isso não haveria como o juiz proceder a um aumento ou a uma diminuição, sem um termo fixo, um ponto de partida.” (DUARTE, José apud BOSCHI, José Antonio Paganella, 2006, p. 186).[8]

Corroborando com essa ideia, Juarez Cirino dos Santos[9] menciona que a definição da pena-base começa com a fixação de um ponto de partida, por meio de um processo intelectual de determinação da pena criminal. Contudo, a questão da fixação desse ponto de partida, para a definição da pena-base, é controvertida na literatura e na jurisprudência brasileiras.

Quanto à divergência doutrinária, em relação aos critérios para a fixação da pena-base, será analisada em ITEM apartado.

 

2.  CIRCUNSTÂNCIAS

 

2.1. Conceito

 

A definição da palavra circunstância, para José Antonio Paganella Boschi, é:

 

derivada de circum (círculo) e de stare (estar) e designa aquilo que pode estar em círculo, em torno, ao redor do fato natural e típico em si, dos meios e modos de execução, dos motivos, dos atributos de personalidade do agente e da eventual participação da vítima do crime.[10]

 

De igual forma, entende o doutrinador Gilberto Ferreira[11], quando menciona que a palavra circunstância significa ação de estar em volta de algo. A palavra, portanto dá ideia de algo que se encontra fora do objeto e não dentro dele.

Para se compreender melhor o método trifásico, é essencial assinalar as diferenças entre elementares e circunstâncias, que envolvem o delito. As elementares são fatores que integram um tipo penal básico, ou autônomo, distinguindo uns dos outros, descrevem a conduta, que o legislador proíbe. Enquanto todos os demais componentes, mesmo não sendo essenciais, interessam à aplicação da pena, são as circunstâncias do crime[12].

Luiz Regis Prado e Cezar Roberto Bitencourt, ao fazerem referência as elementares e as circunstâncias, assim prelecionam:

Os fatores que integram a descrição da conduta típica são as chamadas elementares do tipo, ou elementos essenciais constitutivos do delito. Elementares do crime são dados, fatos, elementos ou condições que integram determinadas figuras típicas. Certas peculiaridades que normalmente constituiriam circunstâncias ou condições podem transformar-se em elementos do tipo penal e, nesses casos, deixam de circundar simplesmente o injusto típico para integrá-lo.

Circunstâncias, por sua vez, são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas circundam o fato principal. Não integram a figura típica, podendo, contudo, contribuir para aumentar ou diminuir a sua gravidade. O tipo penal, além dos seus elementos essenciais, pode ser integrado por outras circunstâncias acidentais que, embora não alterem a sua constituição ou existência, influem na dosagem final da pena.[13]

 

Para se observar melhor essa diferença entre circunstâncias e elementares do tipo penal, tem-se como exemplo, o art. 121, que, define: “matar alguém”, tem como elementar do homicídio, “matar alguém”; Logo, o vocábulo “matar” ou “alguém” isoladamente, não constitui o delito. Para que exista o crime de homicídio, é forçoso que a conduta “matar alguém” se concretize. Assim, as demais circunstâncias, sejam elas: por motivo torpe; o agente é menor; a vítima é ascendente; e assim por diante, não são elementares, pois não unificam a conduta proibida e, também, sua falta não desmaterializa o delito, são apenas acessórias, porém relevantes para o correto apuro da pena. São exatamente chamadas circunstâncias, porque se encontram ao redor, ao lado, em torno, nas imediações das elementares.[14]

Portanto, a diferença entre elementar e circunstância é notória. A elementar integra ao crime, de modo que, se retirada, o crime deixa de existir. Já, a circunstância está ao redor das elementares e, se retirada, o crime continua existindo.[15] As circunstâncias possuem papel essencial na fixação da pena, pois servem para agravar ou atenuar a conduta criminosa, ou seja, pode tornar o agente mais ou menos culpável conforme for sua conduta mais ou menos reprovável.[16]

 

 2.2. Espécies de circunstâncias

 

Para Damásio de Jesus[17], são várias as circunstâncias e dizem respeito ao fato, ao agente e à vítima. As relativas ao fato e à vítima são chamadas objetivas, ou reais, e as que dizem respeito ao agente são denominadas subjetivas.

O magistrado Gilberto Ferreira, ao abordar o assunto leciona que:

 

(...) O legislador dividiu as circunstâncias em quatro grandes grupos, separando-os conforme sua importância em relação à influência que possam ter na aferição do grau de reprovação da conduta. É que uma mesma circunstância pode ser valorada de diversas formas.

As circunstâncias que não mereçam grande valoração em termos quantitativos de pena (embora sejam importantes para a equação de tantas outras situações - n.º 5.31 infra) ele as agrupou no art. 59. São as chamadas circunstâncias judiciais.

Aquelas que possam merecer valoração um pouco superior às circunstâncias judiciais as colocou nos arts. 61,62 e 65. São as circunstâncias agravantes e atenuantes.

Já aquelas merecedoras de valoração superior às circunstâncias legais, às colocou em diversos dispositivos da parte geral e da parte especial. E foram chamadas de causas de aumento ou de diminuição de penas. São de fácil identificação, porque o aumento ou diminuição desejada pelo legislador vem previstos em quantidades fixas (um terço, um sexto, a metade, o dobro) ou em montantes variáveis (um a dois terços, um sexto até a metade, um sexto a um terço).

Por fim, aquelas que deveriam receber valoração máxima, as alçou à categoria de elementares, de modo que passaram não mais a orbitar em redor dos elementos que integram o crime, mas a formar o próprio crime. São as qualificadoras, e sua identificação também é simples, porque o legislador estabeleceu uma sanção variável entre os limites máximo e mínimo previamente fixados.[18]

 

Gilberto Ferreira[19], ao dividiu as circunstâncias em quatro grandes grupos, separando-os de acordo com a sua importância, em relação à influência, que possam ter na aferição do grau de reprovação da conduta, visto que, uma mesma circunstância, pode ser valorada de diversas formas.[20]

Nesse caso, considera-se que as circunstâncias judiciais não merecem uma maior valoração em termos quantitativos de pena. As circunstâncias atenuantes e agravantes sim fazem jus à valoração um pouco superior às circunstâncias judiciais porque tratam das circunstâncias que permearam tanto o agente como o fato no momento da consumação.

Quanto às causas especiais de diminuição ou de aumento de penas estas merecem valoração superior às circunstâncias legais, aquelas possuem seu aumento ou diminuição prevista em quantidades fixadas pelo legislador.

Por derradeiro, aquelas que deveriam receber valoração máxima, passaram à categoria de elementares do tipo, fazendo parte do próprio crime, sendo conhecidas como qualificadoras, cujo montante quantitativo já vem estabelecido pelo legislador em uma base mínima e máxima.

 

3. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

 

 3.1. Conceito

 

As oito circunstâncias arroladas no caput do artigo 59 do Código Penal são chamadas de judiciais, porque dependem da valoração positiva, ou negativa, adequada ao seu conteúdo e realizada pelo sancionador diante do caso concreto.[21]

As circunstâncias judiciais[22] são assim denominadas, por serem reconhecidas apenas pelo arbítrio do juiz, ao contrário das circunstâncias legais que são obrigatórias. Gilberto Ferreira[23] afirma não serem estas tão facultativas assim, se houver a presença de alguma delas o juiz, tem a obrigação de reconhecê-las, se presentes, visto o princípio constitucional da individualização. As circunstâncias judiciais têm uma função importante na aplicação da pena, pois servem de critérios para a fixação da pena-base, do ponto de partida da dosimetria da pena e para o estabelecimento do regime inicial de cumprimento de pena.[24]

Está é a primeira etapa enfrentada pelo magistrado ao proceder à dosimetria da pena. O julgador tem que emanar a análise de todas as circunstâncias, uma a uma, fundamentando-as, unitariamente. Não basta apenas uma referência genérica, pois é imperioso atender a duas regras previstas na Constituição Federal: individualização da pena (artigo 5.º, inciso XLVI) e fundamentação de todas as decisões (artigo 93, inciso IX da Constituição Federal).

 

3.2. Espécies de circunstâncias judiciais

 

As circunstâncias judiciais são aquelas contidas no artigo 59 do Código Penal, relacionadas ao agente, ao fato e a vítima. Quanto ao agente, tem-se a culpabilidade, os antecedentes, a conduta e a personalidade, aos fatos, os motivos, as consequências e as circunstâncias. E, quanto à vítima, o seu comportamento.[25]

 

3.2.1. A culpabilidade[26]

 

Primeiramente, cumpre salientar que o conceito de culpabilidade ainda está em formação, e para tentar explicar o que é culpabilidade surgiram, ao longo dos anos, teorias[27], sendo três as principais, quais sejam: a teoria psicológica, a teoria normativa e a teoria normativa pura.[28]

Quanto à teoria psicológica[29], tem-se que o conceito psicológico de culpabilidade constitui-se sobre dois fundamentos: a capacidade de culpabilidade, ou seja, a capacidade de compreensão do valor do fato e ode querer agir conforme a compreensão do valor do fato; e a relação psicológica do agente com o fato, compreendendo os elementos volitivo e cognitivo de realizar o fato típico.[30]

Gilberto Ferreira, explica, também, nesse mesmo sentido, que a culpabilidade é:

 

o elo de ligação, de todo psicológico, que une o agente ao fato praticado. Para aplicar a pena, segundo essa teoria, bastaria apenas a existência do dolo ou da culpa, mais a natural capacidade de culpabilidade, ou seja, a imputabilidade, a capacidade de querer e entender e determinar-se de acordo com o entendimento. O dolo e a culpa eram, portanto, espécies do gênero culpabilidade.[31]

 

A teoria psicológica atendeu por algum tempo os interesses dos estudiosos do direito, pois, por intermédio desta teoria, poderia se condenar sem correr o risco de punir uma pessoa que não tivesse, por sua vontade ou negligência, dado causa a um evento criminoso.[32]

Todavia os defeitos[33] que se observam no conceito psicológico de culpabilidade fundamentaram o seu desuso, pois o conceito é incapaz de abranger a imprudência consciente, tendo em vista que a estrutura meramente psicológica do conceito não é, por si só, suficiente para compreender e valorar situações de anormal motivação da vontade, definidas, atualmente, como hipóteses de inexigibilidade de comportamento diverso.[34]

A culpabilidade, que, antes se resumia só no dolo (natural) e na culpa, ganhou novos elementos[35]. O dolo e a culpa deixaram de ser a culpabilidade em si, para se transformarem em um elemento, parte integrante dela. Desta forma, restou claro que a culpabilidade não era só um elo psicológico, que ligaria o autor ao fato praticado. Era também normativa, em virtude do juízo de valoração, que se fazia sobre a conduta e seu autor. Formou-se então a teoria normativa.[36]

Consoante à proposição acima, Juarez Cirino dos Santos[37] menciona que, no que se refere à teoria normativa de culpabilidade, a introdução do componente normativo no conceito psicológico constituiu o conceito psicológico-normativo, dominante na primeira metade do século XX, em: capacidade de culpabilidade; relação psicológica concreta do autor com o fato, sob as formas de dolo ou imprudência; e exigibilidade de conduta diversa, fundada na normalidade das circunstâncias do fato.

Para Gilberto Ferreira[38], a teoria da culpabilidade poderia ter seu conceito resolvido com a teoria normativa; todavia, observou-se que não resolvia o problema dos criminosos habituais que seriam absolvidos, haja vista que não tem consciência da ilicitude, e essa teoria exige para a formação da culpa o dolo com elemento normativo, representado pela consciência atual da ilicitude. Sendo assim, os criminosos habituais seriam absolvidos.

Para resolver este problema Hans Welzel entendia que, com a deslocação do dolo e da imprudência da culpabilidade para o tipo subjetivo de injusto, os componentes psicológicos foram excluídos da culpabilidade, reduzida a mero juízo de valor[39].

Dessa forma, a partir daí se iniciou a aplicação da teoria normativo-pura[40] da culpabilidade, estruturada da seguinte forma pela: capacidade de culpabilidade; conhecimento real ou possível do injusto; e, também, pela exigibilidade de comportamento de acordo com a norma. Essa estrutura passou a definir a culpabilidade como reprovação de um sujeito imputável, ou seja, sujeito que tem o poder de saber o que fez, que o realiza com consciência da antijuridicidade, tendo realmente conhecimento da conduta antijurídica, e, em condições de normalidade de circunstâncias, tendo a possibilidade de poder não fazer o que faz, um tipo de injusto.[41]

Gilberto Ferreira[42] explica que a culpabilidade passou a ser formada a partir da existência das três capacidades do sujeito: a imputabilidade: o sujeito imputável é o que tem capacidade física e mental, ou sanidade e maturidade para as duas próximas capacidades. Significa que o sujeito deve ter conhecimento da lei e ser capaz de se determinar de acordo com ela; o potencial consciência da ilicitude, que é a capacidade do sujeito concreto e imputável de conhecer o caráter ilícito do fato. Se a vontade do sujeito contrariava ou não o direito; e a exigibilidade de uma conduta conforme o dever (questiona-se se o sujeito encontrava-se em condições normais, e se, por esse motivo, seria exigível que se comportasse em conformidade com o direito).[43]

Finalmente, atingiu-se de certa forma o conceito de culpabilidade explicado pelas teorias que surgiram ao longo dos anos, como sendo um juízo de reprovação pessoal, que recai sobre o autor do injusto[44], que praticou um fato ilícito que poderia não praticar ou evitar se quisesse.[45]

Contudo, o grande problema da culpabilidade não está na sua conceituação, mas sim, no seu fundamento. São diversas as teorias que tentam explicar os fundamentos da culpabilidade[46]. A primeira delas, é a “pela condução da vida”[47], a segunda “pela decisão da vida”[48], a terceira “pela omissão do cumprimento do dever de orientar a formação e preparação da personalidade”[49] e a quarta “pela responsabilidade como categoria jurídico-penal na formação da culpa”[50].

Deste modo sendo, o doutrinador Gilberto Ferreira ensina como os estudiosos procuraram encontrar a solução, para saber qual é o verdadeiro fundamento da culpabilidade:

 

De acordo com a primeira – culpabilidade pela condução da vida – o comportamento seria reprovável porque o agente, pela sua condução de vida, adquiriu hábitos que o tornam perigoso e o levaram a delinqüir. Com o passar do tempo permitiu-se formar um caráter de todo contrário às regras de direito de modo a lhe impedir, no momento da prática do ato, de separar a conduta lícita da ilícita. A sua responsabilidade pelo evento se dá justamente por ter permitido que isso ocorresse;

Para a segunda – culpabilidade pela decisão de vida – a reprovação se dá em virtude de ter o agente escolhido viver conforme o seu ‘eu’ mau. O homem modela a sua personalidade de acordo com o seu querer. Escolhendo o lado mau, quando poderia optar pelo lado bom, faz uma decisão de vida. E por essa decisão errada, que o levou a delinqüir mais tarde, é que será censurado e punido.

Já a terceira corrente – culpabilidade pela omissão do cumprimento do dever de orientar a formação e preparação da personalidade – o Direito Penal cria valores para a proteção de bens jurídicos que devem ser observados. Isso obriga a que os destinatários dessas normas formem ou preparem sua personalidade de maneira que a atuação de vida não as contrarie. A omissão a esse dever torna a conduta reprovável. Ou, como disse o próprio Eduardo Correia. “Violando este dever constituiu-se o delinqüente em culpa pela não formação ou não preparação conveniente da sua personalidade”.

Finalmente, na última teoria, Claus Roxin resumiu que a “realização, com culpa, de um fato ilícito típico não conduz automaticamente à punição: esta só surge quando é, além disso, exigida do ponto de vista preventivo”.[51]

 

Continuando, o jurista Gilberto Ferreira traz à baila que o conceito de culpabilidade não muda, continua sendo o mesmo diante de tais correntes. Senão vejamos:

O conceito de culpabilidade, que continua a ser a de reprovação que recai sobre o agente imputável por ter praticado conscientemente um fato ilícito que poderia não praticar ou evitar, se quisesse, desde que tivesse atendido aos apelos da norma.[52]

 

O professor Juarez Cirino dos Santos, também, conceitua a culpabilidade, da seguinte forma:

 

Culpabilidade é um juízo de reprovação sobre o sujeito, quem é reprovado, que tem por objeto a realização do tipo de injusto, o que é reprovado, e por fundamento a capacidade geral de saber o que faz; o conhecimento concreto que permite ao sujeito saber realmente o que faz; e a normalidade das circunstâncias do fato que confere ao sujeito o poder de não fazer o que faz, porque é reprovado.[53]

 

Guilherme de Souza Nucci[54], igualmente conceituou a culpabilidade como sendo a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem, sendo que, a culpabilidade veio substituir, acertadamente, as antigas expressões “intensidade do dolo” e “graus de culpa”, compondo, assim, o fato típico doloso ou culposo. É necessário analisar vários fatores, conjuntamente, para que possa se verificar a reprovabilidade gerada pelo fato delituoso. Não se pode majorar ou minorar o dolo com que o agente pratica a conduta, mas, sim, a sua culpabilidade, que é entendida, no sentido moderno da teoria geral do delito, como reprovabilidade, censurabilidade ao agente e não ao fato.

Nesse diapasão, com muita propriedade, o Ministro e doutrinador Ruy Rosado de Aguiar Júnior[55] ensina que:

 

a culpabilidade refere-se ao maior ou menor grau de censurabilidade do comportamento do agente infrator, bem como à reprovabilidade do seu comportamento, observada a realidade concreta em que ocorreu, principalmente a maior ou menor exigibilidade de ter agido de outra maneira. A culpabilidade se traduz no limite máximo da pena, não podendo, em nenhum momento, ser transposto. Isso, de certa maneira, impede que, por razões puramente preventivas, a liberdade pessoal seja limitada mais do que corresponda a sua culpabilidade.[56]

 

No dizer de Mirabete, a culpabilidade “é o fundamento e a medida da responsabilidade penal”.[57]

Corroborando esse pensamento, Gilberto Ferreira afirma que:

 

a culpabilidade é a medida da pena. Quanto maior a culpabilidade, maior a pena. (...) O juízo de reprovabilidade é o fundamento da culpabilidade. É, então, a culpabilidade a medida da pena. (...) É instrumento de garantia individual porque limita o poder do Estado.

 

Conceituada a circunstância judicial da culpabilidade, cumpre salientar que a culpabilidade, a que se faz referência no artigo 59 do Código Penal, não é aquela constitutiva do tipo. Não se trata, pois de uma inexigibilidade de conduta diversa, mas, sim, do grau de reprovabilidade social da conduta criminosa.[59]

Jorge Vicente Silva[60] entende que a inclusão da culpabilidade como circunstância para maior ou menor reprovação do crime, no momento da fixação da pena, cria situações confusas, visto que a expressão culpabilidade assume, no Direito Penal, conceitos distintos; um relacionado à teoria do delito (porque a culpabilidade faz parte do dolo) e outro à teoria da pena (porque as circunstâncias relacionadas no artigo 59 do Código Penal, muitas vezes estão embutidas na própria culpabilidade, configurada pela conduta do agente para cometimento do crime).[61]

O julgador, com relação a esta circunstância judicial, necessita estimar o índice de reprovabilidade da conduta do condenado, não apenas quanto às condições pessoais (escolaridade, condição social, comportamento familiar, cultura, etc.), mas também à conduta que era esperada do agente, o comportamento que lhe era exigível, tendo em vista as circunstâncias em que o fato ocorreu.[62]

Compartilha do mesmo pensamento Ruy Rosado de Aguiar Júnior no sentido de que:

A primeira circunstância judicial, e de todas a mais importante, é a culpabilidade, pois “a pena não pode superar a medida da culpabilidade”. Para o fim da definição da pena, ao juiz cumpre avaliar o grau de censurabilidade do réu por adotar um comportamento ilícito, tendo condições de se conduzir de acordo com o direito. Não cabe levar em conta a gravidade da infração, pois esta já foi considerada para a escolha da natureza e dos limites da pena, mas sim o conjunto de circunstâncias que tornam mais ou menos reprovável a conduta do agente. Considera-se, nessa fase, que o crime representa uma quebra na expectativa de que o agente atenderia ao princípio ético vigorante na comunidade assim como expresso na lei; seu ato será tanto mais censurável  quanto maior a frustração. A avaliação do juiz ponderará o conjunto dos elementos subjetivos que atuaram para a deflagração do delito, os motivos, os fins, as condições pessoais, analisados de acordo com o sentimento ético da comunidade em relação a tais comportamentos.[63]

Além disso, acrescenta Gilberto Ferreira que:

 

para fixar a pena necessária e suficiente, o juiz deve sopesar não somente a culpabilidade, mas um algo mais que extrairá das demais circunstâncias. Ou seja, o juiz avalia a culpabilidade e fixa a quantidade de pena que for proporcional a ela. Depois, se essa pena não for suficiente para reprovar e prevenir poderá acrescentar um plus a fim de que aquele objetivo seja atingido.[64]

 

Para o autor, o fundamento que autoriza o juiz a acrescer esse plus sobre a pena é a prevenção, visto que, a questão de reprovação e prevenção, é interna à própria pena.

Por este motivo, estabelecida a pena de acordo com a culpabilidade, e na mesma proporção desta, tem-se, como consequência lógica, o necessário e o suficiente para reprovar e prevenir.

Juarez Cirino dos Santos[65] tem o entendimento de que “a culpabilidade não é critério para aferição do juízo de reprovação e sim o próprio juízo de reprovação”.[66] Uma vez que, o legislador teria sido mais feliz se considerasse todas as demais circunstâncias, excetuando a culpabilidade.

Gilberto Ferreira corroborando com esse pensamento afirma que:

 

melhor teria feito o legislador se tivesse estabelecido que para medir a culpabilidade e estabelecer o grau de reprovação da conduta o juiz devesse levar em conta os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, eventuais circunstâncias, as conseqüências do crime e o comportamento da vítima.[67]

 

O jurista Mário Helton Jorge[68], concordando com Juarez Cirino dos Santos, explica que a primeira circunstância judicial a ser motivada, pela ordem prevista no artigo 59, do Código Penal, é a da culpabilidade, e neste caso deve ser tomada como fundamento para fixação da pena-base, seguida pelas demais circunstâncias. Prosseguindo, o jurista esclarece que existe uma grande controvérsia na valoração da culpabilidade[69], em vista disso, se faz imprescindível traçar algumas considerações preliminares, já que existem entendimentos doutrinários de que a culpabilidade não é critério para medir o juízo de reprovação, mas, sim, é o próprio juízo de reprovação.[70]

Acrescenta, ainda, que a inclusão da culpabilidade como elemento de orientação, na formulação do juízo de reprovação (dosado pela pena), representa uma impropriedade metodológica, pois constitui a conclusão do processo analítico fundado na metodologia jurídica do crime.[71]

Por fim, o jurista conclui que, num primeiro momento, o magistrado se defronta com a verificação da existência dos elementos da culpabilidade, para concluir se houve, ou não, a configuração da prática delitiva (pressuposto da punibilidade-imposição de pena). Num segundo momento, após a condenação, por ocasião da aplicação da pena, o julgador necessita, mais uma vez, recorrer ao exame da culpabilidade, agora, para limitar a quantidade da pena (nas suas três fases) e da própria pena-base, como circunstância judicial (na fixação da sanção penal, a qualidade e a quantidade estão vinculadas ao grau de censurabilidade da conduta - culpabilidade).[72]

Todavia, na aplicação da pena, a análise da culpabilidade exige maior empenho do julgador, uma vez que não se trata mais de um exame de constatação (já evidenciado pela condenação e imposição de pena), mas, sim, de um exame de valoração, de graduação... Por conseguinte, deve o juiz, nessa oportunidade, dimensionar a culpabilidade pelo grau de intensidade da reprovação penal, expondo sempre os fundamentos (dados concretos) que lhe formaram o convencimento.

Do mesmo modo, o magistrado deve empregar especial atenção, quando da valoração da culpabilidade (verificação do maior ou menor grau de exigibilidade de outra conduta), às características pessoais do agente, dentro do exato contexto das circunstâncias fáticas, em que o crime ocorreu (a prática do crime representa uma quebra na expectativa de que o agente atenderia ao princípio ético vigorante na comunidade, tal como expresso na lei). Deste modo, o comportamento será tanto mais reprovável, quanto maior for a frustração da expectativa da autodeterminação do agente.[73]

 

3.2.2. Os antecedentes[74]

 

Consideram-se antecedentes, todos os fatos ou episódios da vida passada do réu, próximos ou remotos, que possam interessar, de qualquer modo, à avaliação subjetiva do crime.[75]

Destarte, os antecedentes representam a vida passada do réu, levando-se em conta a sua conduta social anteriormente ao fato delituoso praticado, registrando se há inquéritos e outros processos criminais contra o réu, ainda que não tenha sido condenado anteriormente.[76]

O jurista Mário Helton Jorge, ao se referir às circunstâncias judiciais, para a aplicação da pena, destaca a dos antecedentes como sendo:

 

Todos os fatos ou episódios da vida anterior do réu, próximos ou remotos, bons ou maus, que possam interessar de qualquer modo a avaliação subjetiva do crime, porque repercutem na punibilidade. Assim, os antecedentes são fatos que registram o comportamento anterior do réu, fazendo parte integrante de sua história de vida e já não podem ser modificados, apenas conhecidos e avaliados, sempre na perspectiva do crime que está em julgamento. Serão bons ou maus, de acordo com a sua maior ou menor concordância com os preceitos de conduta aceitos, mais ou menos importantes, quanto maior a sua relação com o crime.[77]

 

Para Ruy Rosado de Aguiar Júnior:

Os antecedentes são os fatos registrados sobre o comportamento anterior do réu, integram a sua história de vida e já não podem ser modificados, apenas conhecidos e avaliados, sempre na perspectiva do crime que está em julgamento. Serão bons ou maus, de acordo com a sua maior ou menor concordância com os preceitos de conduta aceitos, mais ou menos importantes quanto maior a sua relação com o crime.

 

Na concepção de Juarez Cirino dos Santos[78], os antecedentes caracterizam-se como acontecimentos anteriores ao fato, ou seja, fatos relevantes que possam indicar aspectos bons ou maus da vida do agente, e capazes de interferir na aplicação da pena, exceto os casos de reincidência criminal, que é definida como circunstância agravante.

Inácio de Carvalho Neto[79] define antecedentes como tudo o que se refere à vida anteacta do réu. Para ele, são considerados para efeitos de antecedentes, quaisquer fatos relevantes anteriores ao crime. Tais como: processos paralisados por superveniência da extinção da punibilidade, inquéritos arquivados, condenações transitadas em julgado, processos em curso, absolvições por falta de provas, etc... [80]

Corroborando com a assertiva acima, o jurista Gilberto Ferreira analisando os antecedentes entende que:

 

deve ser levado em consideração tudo aquilo que aconteceu de positivo e de negativo na vida do réu antes do fato. O bom comportamento no meio em que vive. As boas ações que realizou. Os inquéritos que respondeu e arquivados por causas impeditivas da ação penal. As ações penais em que foi absolvido por falta de prova. As sentenças condenatórias que ainda não caracterizaram reincidência. As condenações transitadas em julgado sobre as quais o réu ainda não requereu reabilitação. Os procedimentos especiais respondidos perante o juizado de menores. As infrações disciplinares e fiscais. O envolvimento em falências fraudulentas. O réu que voltou a ser primário e que ainda não foi reabilitado da condenação anterior.[81]

 

O mestre Nelson Hungria, do mesmo modo, considera que os antecedentes são:

 

Todos os fatos ou episódios da vida anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam interessar, de qualquer modo, a avaliação subjetiva do crime. Tanto os maus e os péssimos antecedentes, como os bons e os ótimos. Em primeiro lugar, devem ter-se em conta os antecedentes judiciais. As condenações penais anteriores, porém são abstraídas, desde que importem no reconhecimento da reincidência. Segundo o livre convencimento do juiz, devem ser apreciados os demais antecedentes penais: processos paralisados por superveniente extinção da punibilidade antes da sentença final irrecorrível, inquéritos arquivados por causas impeditivas da ação penal, condenação ainda não passada em julgado, sujeição a medida de segurança por fato não constitutivo do crime, processo em andamento, ate mesmo absolvições anteriores por deficiência de prova. Os antecedentes judiciais compreendem também os de natureza cível ou comercial (in exemplis: suspensão ou perda do pátrio poder, condenação em ação de desquite, insolvência, falência fraudulenta).[82]

 

Também é o entendimento de José Frederico Marques, que entende que os antecedentes penais constituem todas as condenações que o indivíduo recebeu, as persecuções criminais contra ele intentadas, até mesmo as que se frustraram por ocorrência de alguma causa de extinção da punibilidade, ou as demandas criminais em andamento.[83]

Em conformidade ao pensamento de Frederico Marques, Fernando da Costa Tourinho Filho menciona o seguinte:

 

Observa o Juiz os antecedentes do réu, isto é, sua vida anteacta, seu passado, se é reincidente, ou se é primário, se já esteve envolvido em outros processos-crimes, a despeito de haver logrado absolvição ou extinção da punibilidade, se há outros processos contra ele em curso no mesmo ou em outro juízo.[84]

 

Em contrapartida, é o entendimento de Juliana de Andrade Colle que menciona que o vocábulo antecedente, refere-se a todos os acontecimentos (bons ou maus) da vida do condenado, pretéritos ao crime praticado. Logo os fatos consequentes, ou seja, praticados após o delito em tese, não podem ser tidos como antecedentes. E, mais na opinião da autora esses fatos precedentes devem ser ilícitos, isto quer dizer que registros passíveis de desprestígio ou desmoralizadores, mas não contrários à ordem jurídica, não podem ser abarcados nesta etapa.[85] Todavia, não ficam impedidos, de serem analisados como conduta social ou personalidade do agente, abordados em tópicos específicos, logo adiante.

A propósito a posição adotada pelo jurista e doutrinador Mário Helton Jorge é consoante ao da doutrinadora Juliana de Andrade Colle, observe-se:

 

(...) somente os fatos anteriores à prática do delito, que se está punindo podem caracterizar antecedentes, pois os demais configuram fatos "subseqüentes". Os fatos antecedentes, de natureza "desabonadora", que digam respeito à vida privada do condenado, não podem ser considerados como antecedentes judiciais, podendo, quando muito, se pertinentes, ser sopesados na análise da "conduta social", ou, talvez, até da "personalidade" do apenado.[86]

 

Observou-se, dos conceitos acima, que existem várias correntes doutrinárias acerca do que são os antecedentes. É importante lembrar que, também, existem muitas controvérsias e perplexidade entre os juristas, diante de julgados avessos ao Princípio Constitucional da presunção de inocência.[87]

As correntes extremadas, adotam o posicionamento de que inquéritos instaurados, processos criminais ainda em andamento e condenações criminais sem trânsito em julgado, dentre outras[88], devem ser valoradas como antecedentes negativos ao sentenciado.[89]

Todavia, outras correntes são contra essa posição, alegando que, enquanto não houver sentença condenatória, prevalece o princípio da presunção de inocência, de modo a não colocar, em um mesmo patamar, aquele que nunca delinquiu com o que registra inúmeras passagens policiais, ainda que não tenha sido condenado.[90]

Juarez Cirino dos Santos[91] expressa o seu entendimento acerca do tema afirmando que verificam-se duas posições, na prática judicial brasileira: a posição tradicional, que considera como maus antecedentes a existência de inquéritos instaurados, de processos criminais em curso, de absolvições, por insuficiência de provas, de extinção do processo por prescrição abstrata, retroativa ou intercorrente e de condenação criminal, sem trânsito em julgado, ou que não constitui reincidência, e a posição crítica considera como maus antecedentes somente as condenações criminais definitivas anteriores que não configurem reincidência.[92]

Também, corroborando com esse pensamento, Juliana de Andrade Colle entende que:

 

no que tange à circunstância judicial que perquire a vita anteacta do sentenciado, cumpre verificar, preliminarmente, que a doutrina e a jurisprudência divergem quanto às situações que podem ser consideradas como "maus antecedentes". Contudo, é preciso lembrar que "a pena há de ter critérios e limites para a sua aplicação, em respeito mesmo à dignidade da pessoa humana" e que, portanto, a valoração das circunstâncias judiciais não deve fugir à regra de que as leis, sobretudo as penais, devem ser interpretadas sob o prisma das garantias individuais asseguradas pela Carta Magna.[93]

 

Com muita propriedade, a autora Juliana de Andrade Colle[94] leciona que em respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, não se podem considerar como maus antecedentes: a mera instauração de inquérito policial, nem a existência de ações penais em andamento, nem mesmo quando há sentença penal condenatória, que ainda não transitou em julgado.

Esse também é o entendimento de Salo de Carvalho e Amilton Bueno de Carvalho que ensinam que é com base na Constituição Federal[95], e regendo-se pelo princípio da presunção de inocência, mesmo que de forma restrita, que a doutrina majoritária e a jurisprudência têm entendido que a simples instauração de processo criminal, ou de inquérito policial, é insuficiente para caracterizar a circunstância judicial ora analisada, ou ainda, em observância do princípio constitucional da inocência[96], alguns estudiosos defendem que, sob pena de inconstitucionalidade, apenas a condenação criminal transitada em julgado pode ser analisada pelo magistrado como maus antecedentes.[97]

Assim sendo, parte da doutrina entende que processos judiciais pretéritos contra o acusado, onde sobrevenha sentença absolutória, não caracterizam antecedentes ao sentenciado.[98]

O jurista Mário Helton Jorge, no mesmo sentido, destaca que:

 

Os mais recentes julgamentos do Superior Tribunal de Justiça registram o entendimento de que “ante o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade, é defeso ao Magistrado considerar como maus antecedentes os registros policiais e judiciais em nome do réu para efeito de majorar a pena-base, ou ainda, na fixação da pena-base e do regime prisional, inquéritos e processos em andamento não podem ser levados em consideração como maus antecedentes, em respeito ao princípio da não-culpabilidade. Praticamente, ficaram qualificados como maus antecedentes, somente, as condenações com trânsito em julgado, após a segunda conduta.[99]

 

Ainda, nesse sentido, têm-se os dizeres do Professor Maurício Kuehne:

 

Até o trânsito em julgado, a situação do acusado ainda não está definida e, portanto, a pena do segundo delito não pode ser majorada. Responder a um processo não pode ser tido como probabilidade de condenação.[100]

 

Portanto, segundo esse entendimento, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência, apenas o transito em julgado da sentença condenatória é que torna a condenação juridicamente relevante.[101]

O mesmo entendimento é manifestado pelo eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello:

 

A submissão de uma pessoa a meros inquéritos policiais, ou a persecuções criminais de que não haja ainda derivado qualquer título penal condenatório, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica para justificar ou legitimar a especial exacerbação de pena. Tolerar-se o contrário implicaria admitir grave lesão ao princípio constitucional consagrador da presunção de não-culpabilidade dos réus ou dos indiciados.[102]

 

Por sua vez, Gilberto Ferreira discorda[103] desses entendimentos doutrinários, uma vez que não acredita em ofensa à Constituição, quando se considera como antecedentes aqueles oriundos de processos, que ainda não transitaram em julgado. Senão vejamos:

 

(...) acredito não haver ofensa a Constituição no fato de se considerar como antecedentes aqueles decorrentes de processos que ainda não transitaram em julgado. Quer me parecer que o legislador deseja no art. 58 é que o juiz considere tão só o comportamento do agente para apurar a sua propensão ao crime, a sua probabilidade de delinqüir, independentemente de ser de culpado ou não. Nessas condições, o simples envolvimento um fato criminoso, do qual foi absolvido por falta de provas, por exemplo, já é um indicativo negativo, que acresce se do simples envolvimento resultar numa condenação ainda não transitada em julgado. Tanto me parece assim, que o Código considerou como agravante genérica (art. 61, I) a reincidência (que pressupõe uma condenação transitada em julgado), deixando para as circunstâncias as demais condenações que não configurassem reincidência. Ademais, num procedimento de revisão o réu sempre terá a oportunidade de eliminar de sua pena aquele quantum acrescido pela avaliação de seus maus antecedentes, caso venha ficar comprovado no julgamento definitivo daquela ação o reconhecimento de sua tese de negativa de autoria[104]

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Logo, para o autor não se trata de considerar o réu culpado por aquele fato cujo processo ainda não tem sentença penal condenatória transitada em julgado, mas, tão somente, de levar em consideração o envolvimento dele, em outro processo judicial ou inquérito policial, sem valorar o fato como imputação de culpa.[105]

Gilberto Ferreira lembra, ainda, que nem sempre o envolvimento em processos judiciais poderá implicar maus antecedentes.[106]

Assim, deve o juiz ter em consideração que não basta dizer, genericamente, que o réu é portador de maus antecedentes. Deve apontar quais os fatos mencionados no processo que o caracterizam como portador de maus antecedentes.[107]

Cabe ressaltar, ainda, que, segundo Jorge Vicente da Silva[108], existe ainda uma corrente intermediária, preferindo que, apenas, devem ser considerados para fins de antecedentes, apontamentos sem decisão transitada em julgado, quando forem em grande número, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Acredita o autor que, em termos de apontamentos criminais; fere o princípio da presunção da inocência, contido na lei maior, desde que adotadas com cautela.

Assim, nesse sentido Nelson Leite Filho discorre que:

 

Discordo daqueles que dizem que a existência de inquéritos policiais e ações penais em andamento induz a antecedentes, pois simples inquérito (especialmente arquivados ab initio) não pode ser capaz de sugerir antecedentes em face do caráter administrativo e pela falta de contraditório ao mesmo, além do que, enquanto não houver decisão condenatória com trânsito em julgado, deve-se admitir a falta de antecedentes, a não ser em casos de inúmeros inquéritos ou ações penais a conduzir indícios suficientes da autoria ou da conduta reprovável.[109]

Portanto, para Jorge Vicente Silva[110] parece ser melhor a interpretação que admite apontamentos criminais anteriores, para os fins de mensuração na aplicação da pena-base; todavia, o magistrado deve fundamentar a sua aplicação, devendo prevalecer o livre convencimento do juiz na valoração da prova, também em relação aos apontamentos criminais.[111]

Em face à complexidade e à dificuldade da análise da circunstância judicial dos antecedentes, é que ocorrem diversos erros judiciários.[112]

Corrobora, nesse mesmo entendimento, o jurista e doutrinador Mario Helton Jorge ensinando que são erros, ou defeitos, constatáveis no exame da circunstância dos antecedentes:

 

5.2.1.1 ausência de fundamentação: faz-se menção aos maus antecedentes, sem demonstrá-los concretamente, ou ainda não se faz qualquer menção a eles (tendo em vista os antecedentes e conduta social desfavoráveis... fixa-se a pena acima do mínimo legal);

5.2.1.2. inclusão da reincidência (art. 63,CP): a reincidência deve ser sopesada, somente, na segunda fase da dosimetria da pena, por se constituir em circunstância legal agravante (art. 61 , I, do CP), pelo critério da especialidade;

5.2.1.3. registro de antecedentes não judiciais;

5.2.1.4. fatos subseqüentes à data da prática do delito. Incluem-se delitos praticados após o que está sendo processado.

5.2.1.5.consideração de instauração de inquéritos policiais e processos criminais em andamento;

5.2.1.6. sentença penal condenatória não transitada em julgado;

5.2.1.7. inclusão de fatos ocorridos antes da maioridade penal do condenado: o agente menor é inimputável, não podendo constituir qualquer gravame na culpabilidade. Aliás, nem poderia constar qualquer certidão relativamente aos atos praticados por ocasião da menoridade, porque correm em segredo de justiça;

5.2.1.8.condenações cuja pena foi cumprida ou extinta há mais de cinco anos da prática delitiva: depuradas pela ocorrência do prazo qüinqüenal, eis que sequer caracterizam a reincidência (art. 64, I, CP), sendo passível de reabilitação (art.93,CP). Importante destacar que os antecedentes não podem se perpetuar no tempo;

5.2.1.9. as propostas de suspensão condicional do processo e de transação penal e, ainda, os acordos civis extintivos da punibilidade: são medidas despenalizadoras, instituídas pela Lei nº 9099/95, que não possuem natureza condenatória nem há, nelas, qualquer admissão de culpa pelo autor do fato;

5.2.1.10. fatos delitivos alcançados pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, em outra ação penal: fundamenta-se no princípio da presunção de inocência, posto que, quando ocorre a prescrição pela pena em abstrato, quanto pela pena em concreto, resta prejudicada a análise do mérito. Diferentemente, dá-se com a extinção da pretensão executória, pelo advento da prescrição, onde subsiste a condenação;

5.2.1.11. os fatos contravencionais: as contravenções não são espécie de crimes, mas espécie de delitos. No entanto, exceção a essa regra, é o caso do agente que está sendo julgado por prática de contravenção penal e que já possuía anterior condenação por contravenção: aí será considerado reincidente, como dispõe o artigo 7º da LCP.

5.2.1.12. ausência de prova incontroversa dos antecedentes: os maus antecedentes provam-se com a certidão do cartório criminal, devendo constar a data do trânsito em julgado da eventual condenação, ou mesmo da extinção da punibilidade. Assim, serão indicados os elementos constantes dos autos, que caracterizam os maus antecedentes, não podendo, simplesmente, afirmar que o acusado os possui. Outro aspecto relevante é a existência de homônimos. Existindo dúvidas, o registro deve ser desconsiderado;

5.2.1.13. inclusão dos crimes que integram o crime continuado em julgamento: “Conflita com a ordem jurídica em vigor considerar-se para a majoração da pena-base, e sob o ângulo das circunstâncias judiciais, processos que desaguaram na conclusão sobre a continuidade delitiva”[113]

 

A professora Juliana de Andrade Colle[114], em seu artigo Critérios para a valoração das circunstâncias judiciais (art. 59, do CP) na dosimetria da pena, com muita propriedade, no que tange à circunstância judicial, que investiga a vita anteacta do sentenciado, esclarece que a doutrina e a jurisprudência divergem, quanto às situações que podem ser consideradas como maus antecedentes, ensinando e explicando as várias hipóteses de reincidência, antecedentes ou ainda nenhuma delas, e que o mesmo fato jamais poderia servir concomitantemente como circunstância judicial e agravante. Observe-se:

Quanto aos crimes cometidos antes da maioridade penal, para a autora estes não se enquadram nem como reincidência, nem como antecedentes, porquanto os menores de dezoito anos são não imputáveis[115], ou seja, falta uma condição prévia para que o juízo normativo de censura possa incidir, não sendo possível imputar juridicamente a essa pessoa a prática do fato.[116]

Da mesma forma, entende Ricardo Augusto Schmitt[117], que antecedentes são fatos ilícitos anteriores ocorridos na vida do agente capaz, sujeito ao poder punitivo estatal. Assim sendo, as possíveis condenações ocorridas por meio de representações por atos infracionais, com a aplicação de medida sócio-educativa, não servem para configurar maus antecedentes, ainda que a decisão tenha transitado em julgado. Do mesmo modo, não se consideram, para fins de antecedentes criminais quaisquer procedimentos afetos a área da infância e juventude.[118]

Quanto às contravenções penais, a autora Juliana de Andrade Colle, entende que estas não geram reincidência, uma vez que o artigo 63 do Código Penal refere-se, unicamente, ao cometimento de um novo crime, e considerando que contravenção[119] não é crime e sim uma espécie de infração penal (gênero). Já, com relação aos antecedentes, as contravenções podem ser consideradas como tal.

A respeito dos crimes militares próprios[120] e os crimes políticos[121] são excluídos da reincidência por determinação expressa no artigo 64, inciso II do Código Penal e do mesmo modo não ensejarão maus antecedentes. E, de acordo com a professora Juliana de Andrade Colle, não por acidente, mas por reprimirem condutas administrativas ou por motivação diversa do criminoso comum[122]. Para a autora, o militar que, simplesmente, desertou não lesou ninguém, não praticou conduta danosa aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, a não ser a disciplina da corporação, ou a entidade militar, ao contrário daquele que provocou um incêndio no quartel, depredando o patrimônio militar, consequentemente o crime militar impróprio é passível de reincidência ou antecedente.

Também, assevera, nesse sentido, Mauricio Kuehne, em virtude do fato de o crime político e o crime militar próprio possuírem uma natureza distinta, são impedidos de caracterizar maus antecedentes.

Relativamente ao inquérito policial instaurado, que ainda não resultou, ao menos, na apresentação ao judiciário? Este não pode ser considerado como antecedentes. Do mesmo modo, quanto ao inquérito policial instaurado, embora apresentado ao judiciário tendo sido recebido a denúncia, ou a queixa conforme o caso, também, não pode ser considerado como antecedentes. No caso de o processo não ter sido instaurado, desmerece qualquer interesse do juízo, limitando-se a uma notícia não confirmada. Igualmente, não será considerado antecedente se a prestação jurisdicional foi iniciada, no entanto tenha resultado na absolvição.[123]

Comungando com o entendimento da professora e doutrinadora Juliana de Andrade Colle, o jurista Ricardo Augusto Schmitt[124] afirma que inquérito policial não configura maus antecedentes, uma vez que não passa de mero procedimento na esfera administrativa, o qual não está sequer submetido a apreciação do contraditório e da ampla defesa, suscitando, apenas, uma mera possibilidade de instauração da ação penal, o que poderá, ou não, ocorrer. Do mesmo modo, os inquéritos policiais arquivados, não podem ser levados em consideração para justificar a existência de maus antecedentes. Quanto ao processo criminal, em andamento, não configura maus antecedentes, visto que possui um longo caminho a ser percorrido, até a prolação da sentença penal, a qual poderá ser de cunho condenatório, mas o tempo poderá se revelar como sendo absolutória, extintiva da punibilidade, dentre outras, as quais, logicamente, não fazem incidir qualquer culpabilidade ao agente. Igualmente, pode-se afirmar, que os processos crimes já arquivados (sem que tenha havido uma sentença penal condenatória transitada em julgado), não podem ser levados em consideração para justificar a existência de maus antecedentes.[125]

Com relação aos processos, em que a prestação jurisprudencial foi iniciada? Se ocorrer decisão não condenatória definitiva (independentemente do fundamento – art. 386 do CPP), não pode ser considerado como antecedentes, o processado é considerado como inocente e obviamente, mantida a primariedade, sem nenhum arranhão ao seu histórico deste evento.

Compartilhando, novamente, com a opinião da professora e doutrinadora Juliana de Andrade Colle, o jurista Ricardo Augusto Schmitt afirma que o processo criminal, em que restou declarada extinta a punibilidade do agente, pela prescrição da pretensão punitiva estatal, também, não configuram maus antecedentes. Por sua vez, se a extinção da punibilidade se deu pela prescrição da pretensão executória, considera-se como maus antecedentes, uma vez que pressupõe a existência de uma sentença penal condenatória transitada em julgado e o Estado tão somente não consegui executar a pena aplicada, em tempo hábil.[126]

Com alusão as decisões condenatórias definitivas, que foram prolatadas depois da conduta criminosa, que neste momento, estão sendo apreciados pelo atual sentenciante, também não geram maus antecedentes e nem mesmo reincidência, uma vez que para os dois casos, apenas os fatos anteriores ao julgamento atual e não supervenientes é que são considerados.

Quanto à decisão, que transitou em julgado, depois dos fatos, que estão sendo apreciados pelo atual sentenciante, estes, sim, podem ser considerados antecedentes; contudo, não para efeitos de reincidência. A sentença condenatória adquiriu a qualidade de imutabilidade, posteriormente ao segundo crime, ainda que anterior a seu julgamento. Assim, na data do julgamento do segundo crime já havia sentença penal condenatória, transitada em julgado contra o réu, porém, não se configura reincidência, pois o segundo crime foi praticado antes do trânsito em julgado. Configura, portanto o caso de maus antecedentes.[127]

Com relação aos crimes de menor potencial ofensivo (pena inferior a 2 anos), regulado pela Lei 9099/95 dos Juizados Especiais Criminais, não há que se falar em antecedentes criminais[128], decorrentes de acordos conciliatórios[129], transações penais[130], que nem mesmo resultou na instauração de processo penal, ou suspensão condicional do processo[131], em que houve a abertura do processo, mas foi suspenso e posteriormente, extinto sem julgamento do mérito.

No mesmo sentido, Ricardo Augusto Schmitt afirma que, quanto à transação penal estatuída pela Lei nº 9099/95 e por expressa disposição legal (artigo 76, parágrafos 4º e 6º), não gera maus antecedentes, desde que aceita pelo autor do fato. Da mesma forma, não constitui maus antecedentes a suspensão condicional do processo estatuída no artigo 89 da Lei nº 9099/95, devido à inexistência de sentença penal, condenatória transitada em julgado, o que revela a impossibilidade de se encarar processos criminais, não afetados pela coisa julgada, como geradores de maus antecedentes.[132]

Também, não se consideram maus antecedentes as condenações cuja pena foi cumprida, ou extinta há mais de cinco anos, da prática delitiva, decorrendo essa proibição, por lógica, do prazo quinquenal depurador da reincidência, previsto no artigo 64, inciso I do Código Penal, garantidor de que o cidadão não será eternamente discriminado.

Neste ponto, o jurista Ricardo Augusto Schmitt diverge da doutrinadora Juliana de Andrade Colle ao asseverar que prevalece nos Tribunais Superiores o entendimento de que a pena extinta, ou cumprida há mais de 5 (cinco) anos, se configura maus antecedentes, não podendo ser apenas valorada para fins de reincidência.[133]

Depois de analisadas a divergência que existiam na doutrina e na jurisprudência, quanto aos maus antecedentes, resta neste momento mencionar em maio de 2010, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 444, cujo enunciado afirma que "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base" [134]. Referida súmula está em consonância com a disposição constitucional que reflete o chamado princípio da inocência, insculpido no artigo 5º, LVII, da Constituição da República, com a denotação de que até que transite em julgado sentença penal condenatória, eventuais procedimentos criminais instaurados e não encerrados em definitivo não podem funcionar para a majoração da pena-base, prejudicando o réu.

Diante dessa nova súmula a visão tradicional da doutrina de que os antecedentes e a conduta social representam toda a vida pregressa do sentenciado e que podem ser representados por inquéritos policiais, termos circunstanciados de ocorrência e até por antecedentes infracionais foi revisto.

Nesse sentido, o doutrinador Guilherme de Souza NUCCI (2010, p. 239), em exame as garantias e os princípios constitucionais relativos ao Direito Penal e ao Processual Penal, define situação de inocência:

 

No cenário penal, reputa-se inocente a pessoa não culpada, ou seja, não considerada autora de crime. Não se trata, por óbvio, de um conceito singelo de candura ou ingenuidade. O estado natural do ser humano, seguindo-se fielmente o princípio da dignidade da pessoa humana, base do Estado Democrático de Direito, é inocência. Inocente se nasce, permanecendo-se nesse estágio por toda a vida, a menos que haja o cometimento de uma infração penal e, seguindo-se os parâmetros do devido processo legal, consiga o Estado provocar a ocorrência de uma definitiva condenação criminal.

 

Deste modo, não se deve considerar na estipulação da pena, aqueles tantos fatos ainda não definitivos pela força da irrecorribilidade de uma decisão condenatória.

Portanto, a circunstância judicial dos antecedentes prevista no artigo 59, do Código Penal, utilizável na fixação da pena-base, foi recentemente pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, diante de uma interpretação constitucionalmente adequada do disposto no art. 59, do CP, no que tange aos antecedentes, o que forçou o reconhecimento de que só podem ser consideradas as condenações criminais transitadas em julgado, que não sirvam para a conformação da reincidência. Não fosse assim, poderia o réu, em sua sentença, ver-se prejudicado em razão de fatos supostamente criminosos com relação aos quais ainda vigora a situação de inocência, já que não julgados em definitivo.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. MAUS ANTECEDENTES. REINCIDÊNCIA. Decorrido mais de cinco anos, a sentença penal condenatória anterior não prevalece para efeito da reincidência (art. 64, I, do CP), subsistindo, no entanto, para efeito de maus antecedentes. Habeas corpus denegado. (HC 30.211/SP,  relator Ministro Felix Fischer)

 

E é essa, também, a orientação do Supremo Tribunal Federal:

 

EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONDENAÇÕES EXTINTAS HÁ MAIS DE CINCO ANOS. MAUS ANTECEDENTES. CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - Embora o paciente não possa ser considerado reincidente, em razão do decurso do prazo de cinco anos previsto no art. 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores caracteriza maus antecedentes e demonstra a sua reprovável conduta social, o que permite a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Precedentes. II - Recurso ordinário em habeas corpus desprovido. (RHC 106814 / MS Relator:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgado em 08 de fevereiro de 2011, pela primeira turma. Publicado em 24 de fevereiro de 2011).

 

Destarte, tanto as condenações definitivas que não concretizem situação de reincidência, por não serem antecedidas por outra condenação irrecorrível ou que já tenham sofrido a caducidade de cinco anos, são eficientes para conformar a definição de antecedentes. Ao menos parece ser esta a opinião pacificada pelos Tribunais Superiores[135].

 

3.2.3. A conduta social[136]

 

Primeiramente, cabe lembrar que essa circunstância judicial foi incluída pelo legislador em 1984, uma vez que antes da reforma do Código Penal, estava contida no conceito de antecedentes.

Como bem lembra Paulo José da Costa Júnior, “a conduta social não representa um novo elemento orientador na fixação da pena, porque foi destacado dos antecedentes do Código Penal, antes da reforma”.[137]

Juliana de Andrade Colle, também, observa que “a terceira circunstância do artigo 59, do Código Penal, antes da reforma de 1984, era abrangida pela dos antecedentes”.[138]

Do mesmo modo, o doutrinador José Eulálio Figueiredo de Almeida lembra que, antes da reforma do Código Penal em 1984, a conduta social estava inserida no conceito de antecedentes.[139]

Portanto, antes da reforma penal de 1984, o magistrado considerava, como antecedentes tudo o que hoje se considera como antecedentes e conduta social. Logo, pode-se dizer que houve apenas um desmembramento daquela circunstância em duas.[140]

Por conduta social, entende-se o comportamento do agente perante a sociedade, tais como as suas atividades em relação à vida familiar, ao trabalho etc.[141] Por meio desta circunstância, o juiz avaliará se o agente vive bem em sociedade, seu relacionamento com a família, vizinhos, no trabalho, se o ato violento foi um acontecimento fora do normal.[142]

Julio Fabbrini Mirabete[143], entende esta circunstância como sendo aquela que diz respeito aos diversos papéis desempenhados pelo agente, junto à comunidade. Aqui, pode-se compreendê-la como o conjunto de comportamento, no seio social, na família, na empresa etc.

Ruy Rosado de Aguiar Júnior esclarece que a conduta social consiste

 

no modo pelo qual o agente exerceu os papéis que lhe foram reservados na sociedade. Trata-se de averiguar, através dessa circunstância, o seu desempenho na sociedade, em família, no trabalho, no grupo comunitário, formando um conjunto de fatores do qual talvez não tenha surgido nenhum fato digno de registro especial, mas que serve para avaliar o modo pelo qual o agente se tem conduzido na vida de relação, exame esse que permitirá concluir se o crime é um simples episódio, resulta de má educação ou revela sua propensão para o mal.[144]

 

O jurista Mario Helton Jorge, em consonância com esse ensinamento, afirma que:

 

A conduta social consiste no modo pelo qual o agente exerceu os papéis que lhe foram reservados na sociedade. Trata-se de averiguar, através dessa circunstância, o seu desempenho na sociedade, em família, no trabalho, na religião, no grupo comunitário, formando um conjunto de fatores do qual talvez não tenha surgido nenhum fato digno de registro especial, mas que serve para avaliar o modo pelo qual o agente se tem conduzido na vida, exame esse que permitirá concluir se o crime é um simples episódio, resulta de má educação ou revela sua propensão para o mal. Devem ser levados em conta os elementos indicativos da falta de adaptação, ou do bom relacionamento do agente perante a sociedade, em que está integrado, ou seja, quando o ambiente em que o agente se inserir for, por exemplo, uma favela, não lhe poderá ser exigido comportamento típico das classes sociais mais abastadas. É o comportamento do agente em seu meio social. Nestes campos da vida, pode-se analisar: o modo de agir do agente nas suas ocupações, sua cordialidade ou agressividade, egocentrismo ou prestatividade, rispidez ou finura de trato, seu estilo de vida honesto ou reprovável. O fato de o agente ter vasta folha de ocorrências policiais, processos em andamento, não lhe retira o direito de ser respeitado e querido em seu ambiente social.[145]

 

Paulo José da Costa Júnior[146] entende que a conduta social é o papel que o acusado teve, em sua vida pregressa, na comunidade em que integrou. Se foi um homem voltado para o trabalho, probo, caridoso, ou se, ao invés disso, transcorreu os seus dias ociosamente, ou exercendo atividades parasitárias ou antissociais. Na conduta social, será, também, considerado o comportamento do agente no seio da família, o modo pelo qual desempenhou seu papel como pai e como marido ou companheiro. Do mesmo modo, será considerada, nessa circunstância, sua conduta no ambiente de trabalho, de lazer ou escolar. Se ele se mostrava sociável, cordial, educado, prestativo, ou introvertido, ríspido, egocêntrico, egoísta, agressivo para com seu colegas de trabalho, ou de escola, ou para com seus companheiros de clube.[147]

Da mesma forma, José Eulálio de Almeida leciona que o juiz deve colher da prova produzida nos autos:

 

...a vocação do acusado para o trabalho ou para a ociosidade; a afetividade do mesmo para com os membros que integram a sua família, ou o desprezo e indiferença que nutre por seus parentes; o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante as pessoas do seu bairro ou da sua cidade, bem como o índice de rejeição de que desfruta entre os que o conhecem socialmente; o seu entretenimento predileto (…) ou se prefere a companhia constante de pessoas de comportamento suspeito e freqüenta, com habitualidade, locais de concentração de delinqüentes, casas de tolerância, lupanares ou congêneres; o seu grau de escolaridade, tal como a assiduidade e a abnegação pelo estudo ou o desinteresse pelo mesmo, assim como o respeito e o relacionamento com funcionários, professores e diretores do estabelecimento escolar.[148]

 

Para Gilberto Ferreira[149], esta circunstância poderia muito bem ser analisada junto aos antecedentes, porque não mais são que acontecimentos anteriores ao fato, adotando como critério para a valoração da conduta social, a caminhada de vida percorrida pelo agente.[150] Avalia, com muito cuidado, como se comportava o agente na condição de estudante, de pai, de trabalhador, de componente da vida social:

 

...um mau aluno, um pai irresponsável, que deu causa à separação e não paga alimentos aos filhos, ou que se entrega constantemente à embriaguez ou a uma vida desregrada. Um empregado que vive encrencando com seus colegas de trabalho. Uma pessoa insensível que não tem a menor consideração para com o próximo, vivendo à margem da sociedade. [151]

 

Com base nas afirmações de Gilberto Ferreira, Jorge Vicente Silva[152] afirma que a conduta social do agente deve ser aferida no momento da prolação da sentença, podendo ser considerados fatos anteriores ou posteriores a prática do crime.[153]

Neste ponto o jurista Ricardo Augusto Schmitt[154] diverge do jurista Gilberto Ferreira ao asseverar que a conduta social difere dos antecedentes, pois aqueles estão ligados a prática de um delito, que mereceu sanção definitiva do Estado. Quanto à conduta social não se refere a fatos criminosos, mas sim ao comportamento da pessoa no mundo exterior onde habita.

Nesse mesmo sentido, José Antônio Paganella Boschi entende que:

 

a valoração da conduta social não se confunde com os antecedentes. É sempre em relação à sociedade na qual o acusado esteja integrado, e não em relação à sociedade formal dos homens tidos como de bem. Sem dúvida, um indivíduo que, por exemplo, habite em uma favela em paz e amizade com os vizinhos não pode receber uma valoração negativa, só porque o juiz, influenciado por variáveis ideológicas, tem o entendimento de que, na cidade, existem ambientes mais sadios para o desenvolvimento das relações sociais.[155]

 

Para doutrinadora Juliana de Andrade Colle[156], a valoração da conduta social, também, não se confunde com o exame dos antecedentes. Pode haver casos em que o sujeito com registro de antecedentes criminais tenha conduta social elogiável, assim como é possível encontrar situações em que o sujeito com um passado judicial imaculado seja temido na comunidade em que vive:

 

No enfoque da conduta social, não pode o Magistrado restringir-se a afirmar que o réu "aparentemente não possui boa conduta social", sem tomar por base minimamente os elementos probatórios dos autos. Não bastam meras conjecturas, é necessário que se ponderem as provas, geralmente orais, produzidas nos autos: a palavra das testemunhas que conviveram com réu (inclusive das abonatórias), eventuais declarações, atestados, abaixo-assinados, etc, que demonstrem um comportamento habitual. A constatação de um fato isolado na vida do condenado não revela sua conduta social, que é sempre permanente.[157]

 

A valoração da conduta social, na prática, pelos magistrados, restringem-se na elaboração de questionário, respondido pelo próprio acusado, no qual o mesmo informa detalhes acerca de sua vida social, familiar e profissional; esse questionário, entretanto, tem pouco valor, já que leva em conta o comportamento do acusado, junto à comunidade, o seu modo de agir nas suas ocupações, a sua cordialidade ou agressividade, egocentrismo, rispidez ou finura de trato.[158]

Dessa forma, o posicionamento não fundamentado do Magistrado de que o apenado possui má conduta social, devido ao fato de se revelar perigoso à sociedade, não é correta, uma vez que ao agente que se apresenta perigoso, pela probabilidade de voltar a delinqüir, a legislação estabelece a aplicação de medida de segurança.[159]

Portanto, no que se refere à conduta social, não pode o Magistrado restringir-se a afirmar que o réu aparentemente não possui boa conduta social, sem fundamentar sua decisão nos elementos probatórios dos autos. Não bastam meras presunções, faz-se necessário a avaliação das provas contidas nos autos que demonstrem o tipo de comportamento do agente, no cotidiano.[160]

O jurista Mário Helton Jorge[161], também, entende que não se justifica a valoração negativa da conduta social do agente, sustentada em meras presunções, pois é imprescindível a avaliação das provas contidas nos autos. Ademais, se o exame da circunstância da conduta social não for bem avaliada podem ocorrer diversos erros, ou defeitos, tais como:

 

5.3.1.1. ausência de fundamentação: não se faz qualquer referência à conduta social;

5.3.1.2. fundamentação vaga: Afirmação de má conduta social, sem demonstração de qualquer elemento concreto extraído dos autos: “o réu possui má conduta social....”;

5.3.1.3. má conduta social com fundamento em periculosidade: o réu revela-se “perigoso”, pela probabilidade de voltar a delinqüir. No entanto, a contradição está em que os perigosos são absolvidos, embora submetidos à medida de segurança;

5.3.1.4. exame dos antecedentes criminais como má conduta social: a valoração da conduta social, também, não se confunde com o exame dos antecedentes, porquanto existem sujeitos com registro de antecedentes criminais, mas de conduta social elogiável. Outrossim, é possível encontrar situações em que o sujeito, sem qualquer passado judicial imaculado, seja temido na comunidade em que vive!;

5.3.1.5. fato desabonador isolado: os fatos desabonadores devem revelar um comportamento habitual. A constatação de um fato isolado na vida do condenado não revela sua conduta social, que é sempre permanente;[162]

 

3.2.4. A personalidade[163]

 

O termo personalidade deriva de persona, que significa máscara, referindo-se às máscaras utilizadas pelos atores, nos dramas gregos, buscando dar significado aos papéis que representavam. Hodiernamente, os papéis referem-se ao que todos os homens desempenham na vida em sociedade.[164]

A personalidade configura-se como o agente, frente às situações comuns do dia-a-dia, é na sua maneira de ser, suas qualidades morais e sociais, a boa ou má índole, sua agressividade, sua periculosidade, ou seja, as condições que indiquem a probabilidade de que volte a delinqüir.[165] Implica na apreciação da índole: sensibilidade ético-social e desvios de caráter. Outros aspectos também devem ser levados em conta à apreciação da personalidade do agente, como a plurirreincidência e a distorção psicológica.[166]

No dizer de Jorge Vicente Silva[167] a personalidade representa a quantidade e qualidade de atributos éticos e morais adquiridos pelo agente no curso de sua vida, do qual se extrai a sua forma de agir, sentir, etc. Enfim, sua completa maneira de ser e de agir com as pessoas, o respeito a princípios e preceitos que a sociedade tem por corretos em um indivíduo no seu comportamento cotidiano.

Ruy Rosado de Aguiar Júnior ensina que a personalidade é:

 

formada pelo conjunto dos dados externos e internos que moldam um feitio de agir do réu, instrumental que ele herdou ou adquiriu e com o qual responde às diversas situações que lhe são propostas na vida diária. Foi definida como “a organização dinâmica dos sistemas psicofísicos que determinam o ajustamento do indivíduo ao meio circundante”. Quanto mais esse conjunto  levou o réu a comportamentos reprováveis, tanto mais o crime é um reflexo dessa personalidade, que, por isso mesmo, deve sofrer um juízo negativo; é o que acontece quando a personalidade do autor revela tendências criminais.[168]

 

Para o jurista Mario Helton Jorge[169], a personalidade é formada pelo conjunto dos dados externos e internos que moldam um feitio de agir do réu, instrumental que ele herdou, ou adquiriu, e com o qual responde às diversas situações, que lhe são propostas na vida diária.

Para José Antonio Paganella Boschi a personalidade é algo que nasce com o indivíduo; todavia, é passível, assim como próprio indivíduo, de mudanças. Além da abrangência genética, há que se ressaltar, também, os traços emocionais e comportamentais, herdados ou cotidianamente adquiridos, no sentido de que seus valores morais e comportamentais possibilitam a distinção de um ser humano em face de todos os outros indivíduos do planeta.[170]

Também, para Juliana de Andrade Colle[171] a personalidade é a índole do agente, sua maneira de agir e de sentir, seu grau de senso moral, ou seja, a totalidade de traços emocionais e comportamentais do indivíduo, elemento estável de sua conduta, formado por inúmeros fatores endógenos ou exógenos.[172]

Continuando, a autora menciona que a missão do Magistrado, na valoração desta circunstância, não é nada simples. Exige, em primeiro lugar, que tenha conhecimentos de psicologia e de psiquiatria. É preciso, ainda, que o processo esteja instruído com todos os elementos necessários a essa valoração. E, finalmente, que ao Magistrado tenha sido oportunizado o contato pessoal com o réu.[173]

Igualmente, Gilberto Ferreira[174] entende que a personalidade diz respeito à índole do ser humano, a sua maneira de agir e sentir, a sua maneira de ser. Destarte, é um conjunto de atributos adquiridos ao longo da vida, de modo que sem eles o homem, deixa de existir como ser humano. Por fim, a personalidade é que determina a individualidade de uma pessoa.[175] É o elemento estável da conduta de uma pessoa, formado por inúmeros fatores endógenos e exógenos.[176] E, mais, o Juiz não tem condições de avaliar cientificamente a personalidade do criminoso, por quatro principais motivos:

 

a) primeiro, pelo fato de o magistrado não ter preparo técnico em caráter institucional, pelo fato de que a noção sobre psicologia e psiquiatria as adquire como autodidata; b) Segundo, pelo fato de que não dispõe de tempo para se dedicar a tão profundo estudo, pois como faz-se notório, a magistratura brasileira vive assoberbada de trabalho; c) Terceiro, pelo fato de que como não vige no processo penal a identidade física, ou seja, um contato físico e pessoal entre o julgador e o julgado, muitas vezes a sentença é dada sem ter o juiz qualquer contato com o réu;  d) E, por fim, pelo fato de que em detrimento das deficiências materiais do Poder Judiciário e da polícia, o processo nunca vem suficientemente instruído pelo inquérito policial de modo a permitir uma rigorosa análise da personalidade.[177]

 

Continuando, o autor ensina ainda que, quando esta circunstância foi estabelecida pelo legislador, não pretendia que a análise fosse realizada com o rigor e o conhecimento que se exigiria de um especialista, em psicologia ou psiquiatria. O legislador aspirava que o juiz tivesse certa sensibilidade, para perceber que a personalidade do agente dependia essencialmente das condições de vida do agente.[178]

Por esse motivo é que Aníbal Bruno[179] ensinava que o magistrado deveria levar em conta o meio circundante do criminoso que o formou e bem assim o meio em que vive, em confronto com o meio circundante ocasional, onde aconteceu o episódio criminoso, de modo que um exame assim realizado mostrará em que medida o crime é reflexo do meio circundante, tornando-o mais ou menos reprovável.

Portanto, de todas as circunstâncias judiciais, esta certamente, é a mais difícil de ser analisada pelo magistrado por inúmeras razões, dentre as quais, a sua falta de conhecimento de psicologia e psiquiatria, carência de tempo a decifrar o comportamento do acusado, processos maus instruídos, distanciamento entre julgador e a realidade fática, desembocando na insegurança do juízo, com expressões genéricas do tipo “personalidade ajustada”, “desajustada”, “agressiva”, “impulsiva”, “perversa”, nada concludentes.[180]

Do mesmo modo, entende o doutrinador José Antonio Paganella Boschi[181] ao ensinar que a definição da personalidade do agente nem sempre é tarefa fácil[182], como pode aparentar, especialmente porque, para sua análise, muitas vezes há a necessidade da avaliação de várias ciências ligadas ao estudo das pessoas (psicologia, antropologia, sociologia etc.), o que tem demonstrado, na prática, que a valoração desta circunstância não tem atendido as necessidades neste aspecto, resultando afirmações vagas, genéricas e imprecisas, que, na maioria das vezes, sequer têm relação com a personalidade do infrator (personalidade ajustada, desajustada, agressiva, impulsiva, boa ou má, que do ponto de vista técnico nada dizem, salvo em nível de temperamento ou de caráter).[183]

De qualquer forma, é imprescindível que o magistrado ao considerar negativamente a personalidade do agente, para fins de fixação da pena-base, assim o faça motivadamente, demonstrando por que entendeu que o infrator possui má personalidade.[184]

Deste modo, não havendo, nos autos, elementos[185] suficientes para o exame da personalidade, ou, ainda, tendo o Juiz a consciência de sua inaptidão para julgá-la, não deve hesitar em declarar que não há como valorar essa circunstância e em abster-se de qualquer elevação da pena relativo a ela. Melhor será reconhecer a carência de elementos, ou a própria inaptidão profissional, do que acabar agravando a pena do sentenciado por uma valoração equivocada, pobre de provas ou injusta.[186]

Mario Helton Jorge, ao tratar do tema, igualmente conclui que diante da complexidade da avaliação dessa circunstância, parece ser bem razoável ao magistrado deixar de valorá-la, tendo em vista a ausência de elementos suficientes, nos autos, para o exame da personalidade, ou, ainda, declarar a sua própria inaptidão profissional, do que acabar exacerbando a pena do sentenciado por uma valoração equivocada.

Nesse sentido, é que o jurista bem se posiciona acerca do assunto demonstrando com muita propriedade alguns erros, ou defeitos, constatáveis no exame da circunstância da personalidade:

 

5.4.1.1. ausência de fundamentação: não se faz qualquer referência à personalidade; isto é, ignora o exame da circunstância;

5.4.1.2. fundamentação vaga: afirmação de “personalidade deformada”, “alta periculosidade”, sem demonstração de qualquer elemento concreto, extraído dos autos, que a justifique;

5.4.1.3. personalidade voltada à prática de delitos: afirmação sem elementos concretos, de forma vaga;

5.4.1.4. equiparação de igualdade da personalidade quando existe pluralidade de agentes: a personalidade do agente é característica individual, sendo, praticamente, impossível, repetir-se, identicamente, em terceiros, de igual forma e intensidade;

5.4.1.5. personalidade hereditária: a personalidade do agente não pode ser equiparada ao dos ancestrais do réu ou do agrupamento social do qual participa, em face da individualidade dos caracteres;

5.4.1.6. fatores que constituam ou qualifiquem o crime, ou, ainda, que caracterizem circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena, a serem sopesadas nas etapas subseqüentes: não se deve utilizar fatos que já foram valorados, negativamente, em outra circunstância judicial, para não incidir em bis in idem, ou ainda, afirmar-se da existência de personalidade deturpada em razão da reiteração criminosa, quando houver aumento de pena relativo ao crime continuado, para não incidir em bis in idem.[187]

 

Por fim, conclui-se que o juiz não tem condições de avaliar cientificamente a personalidade do criminoso, tendo em vista que não tem um caráter técnico- profissional necessário para tal análise.

 

3.2.5. Os motivos do crime

 

A palavra motivo deriva do latim motivu, no sentido de motor, mover, impulsionar.[188]

No dizer de Gilberto Ferreira, motivo[189] “é o fator último que desencadeia a ação criminosa, de modo que se pode afirmar não existir crime sem motivo”.[190]

Nada mais é do que o “porquê” da ação delituosa. São as razões que moveram o agente a cometer o crime.[191] Em tese, todo o crime possui um motivo. É um fator íntimo que desencadeia a ação criminosa (honra, moral, inveja, cobiça, futilidade, torpeza, amor, luxúria, malvadez, gratidão, prepotência etc.).[192] Devem ser valorados tão somente os motivos que extrapolem os previstos no próprio tipo penal[193], sob pena de se incorrer em bis in idem.[194]

Assim sendo, por ser justamente o fator último que desencadeia a ação criminosa, o motivo é de suma importância, na valoração do grau de culpabilidade. Dependendo do motivo, a conduta será mais ou menos reprovável e indicará qual a quantidade de pena que deve receber o réu, tendo em vista os fins de prevenção e reprovação preconizados pelo legislador.[195]

Nesse sentido, também entende, Juliana de Andrade Colle, quando assevera que não há dúvidas de que, conforme a motivação que levou o agente a delinqüir, sua conduta poderá ser bem mais ou bem menos reprovável.[196] E, salienta que não existe conduta humana desprovida de motivos. Se fosse possível, na prática forense, encontrar um caso de crime sem motivo, dever-se-ia desconfiar das faculdades mentais do acusado.

Nélson Hungria, citado por Gilberto Ferreira[197], indica alguns dos motivos que devem ser analisados nesta fase:

 

Motivos imorais ou anti-sociais e motivos morais ou sociais, conforme sejam, ou não, contrários às condições ético-jurídicas da vida em sociedade. O amor à família, o sentimento de honra, a gratidão, a revolta contra a injustiça, as paixões nobres em geral podem levar ao crime; mas o juiz terá de distinguir entre esses casos e aqueles outros em que o ‘movens’ é o egoísmo feroz, a cólera má, a prepotência, a malvadez, a improbidade, a luxúria, a cobiça, a ‘auri sacra fames’, o espírito de vingança, a empolgadura de vícios.[198]

 

Quanto a análise dessa circunstância judicial, o magistrado deve investigar qual é a natureza e a qualidade dos motivos, que levaram o agente a praticar a infração penal, pois aqui não se está analisando a intensidade de dolo ou culpa, mas descobrindo se a qualidade da motivação do agir do agente merece mais ou menos reprovação.[199]

Porque, dependendo das circunstâncias, se presta, ora a elevar sensivelmente a pena, alterando em agravante ou qualificadora do crime, ora a minorá-la, quando se transforma em atenuante ou em causa especial de redução.[200]

Nesse sentido, se o motivo do crime constituir qualificadora, causa de aumento ou diminuição de pena ou, ainda, agravante ou atenuante genérica, não poderá ser considerado como circunstância judicial, para evitar o “bis in idem” (dupla exasperação pela mesma circunstância).[201]

Para Juliana de Andrade Colle[202], o motivo da infração, assim como as demais circunstâncias judiciais, não podem ser valorados negativamente, quando integrarem a definição típica, nem quando caracterizar circunstância agravante, ou causa especial de aumento de pena. Da mesma forma, quando o motivo do agente é o normal à espécie delitiva, não pode o Juiz aumentar a reprimenda, tendo em vista que aquele, por ser inerente ao tipo, já possui a necessária censura, prevista, até mesmo, na pena mínima abstrata.[203] Os motivos diversos dos normais à espécie delitiva, portanto, é que devem ser valorados pelo Magistrado.

Assim, o Juiz deve tomar cuidado, ao auferir este referencial, para não incidir em dupla valoração (bis in idem), porque nas hipóteses em que os motivos caracterizam circunstâncias atenuantes e agravantes, causas de aumento ou diminuição de pena ou ainda qualificadoras, há prevalência destas sobre aquelas, daquelas sobre as atenuantes e agravantes, e estas sobre as circunstâncias judiciais no momento da fixação da pena.

Com relação a este assunto, a doutrinadora Juliana de Andrade Colle, com muita propriedade, demonstra alguns exemplos:

 

O motivo fútil e o motivo torpe, por exemplo, aparecem como agravante genérica no art. 61, inciso II, alínea a, do Código Penal. Portanto, se o motivo do agente, ao cometer uma infração, foi fútil ou torpe, não poderá sopesá-lo o Magistrado como circunstância judicial desfavorável, haja vista que é agravante, portanto, computada apenas na segunda fase da dosimetria.

Da mesma forma, se o crime cometido por motivo torpe ou fútil for o homicídio, a motivação caracterizará qualificadora, prevista no art. 121, §2º, inciso I ou II, respectivamente, do Código Penal, não podendo, também, ser valorada como circunstância judicial negativa.

É possível, ainda, citar o exemplo do motivo de relevante valor social ou moral que, em regra, será atenuante (art. 65, III, alínea a, do Código Penal); e, excepcionalmente, poderá caracterizar causa de diminuição da pena no crime de homicídio (art. 121, §1º, do CP) e de lesão corporal (art. 129, §4º, do mesmo codex). Nestes casos, por evidente, a motivação jamais poderá ser valorada em desfavor do condenado.[204]

 

Mario Helton Jorge[205], igualmente, ensina que se deve agir com cautela para, no exame dos motivos, não incorrer em dupla valoração (bis in idem) e aponta alguns erros ou defeitos constatáveis no exame da circunstância da motivação:

 

5.5.1.1. ausência de fundamentação: não se faz qualquer referência aos motivos;

5.5.1.2. fundamentação vaga: afirmação de determinado motivo, sem demonstração de qualquer elemento concreto extraído para comprová-lo: “ o réu agiu por motivo fútil” ( qual é o dado concreto?);

5.5.1.3.motivo normal à espécie de delito: ausência de relação fática (o por quê);

5.5.1.4. quando o motivo integrar a definição típica, circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena: “a circunstância é desfavorável porque o motivo do crime foi por vingança...” . Não se deve valer de fatos que já foram utilizados na valoração negativa de outra circunstância judicial, para não incidir em bis in idem, mesmo porque devem ser valorados, nas fases próprias; a qualificadora, por exemplo, quando única, já tem a sua dose de pena no próprio tipo penal; “ motivo normal à espécie” : não pode ser valorado negativamente, tendo em vista que já possui a censura, prevista no próprio tipo penal considerado. Toda conduta criminal é motivada, porquanto ninguém furta por furtar, pois do nada surgiria um impulso capaz de levar o agente a subtrair algo de alguém. Certo é que, na figura básica do delito, o legislador ao estabelecer um patamar mínimo de pena já levou em conta a motivação, sem, contudo, destacá-la, tal como o faz, quando dá relevância, no tipo penal dessas circunstâncias. Na hipótese “ o furto foi praticado pelo desejo de obtenção de lucro fácil” não se deve elevar a pena em razão dessa circunstância judicial, pois, freqüentemente, este é o motivo dos crimes de furto (assim como a satisfação da lascívia, nos crimes de estupro; o enriquecimento, nos crimes fiscais…)[206]

 

3.2.6. As circunstâncias do crime

 

As circunstâncias do crime são como este ocorreu, podendo o Juiz levar em conta o tempo de execução, o lugar em que foi cometido, a forma com que o agente tratou as vítimas, entre outras.[207]

São os elementos acidentais que não participam da estrutura própria do tipo — circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas nos arts. 61, 62, 65 e 66 do CP—, mas originam-se do próprio fato delituoso, como, por exemplo, a forma e a natureza da ação e os meios utilizados (objeto, tempo, lugar, forma de execução etc.).[208]

Por circunstâncias, Gilberto Ferreira entende que são todos aqueles dados que se encontram ao redor da figura típica e que servem para atenuar ou agravar a pena. O legislador se encarregou, de valorizar, previamente, as circunstâncias de modo que as classificou em circunstâncias judiciais (previstas, em sentido lato, no artigo 59), legais (agravantes e atenuantes – artigos. 61, 62 e 65) causas especiais de aumento ou de diminuição (previstas na parte geral e especial) e qualificadoras (previstas somente na parte especial).

Esclarece, ainda, Gilberto Ferreira que as circunstâncias, a que se refere o artigo 59, são justamente aquelas que não receberam valoração mais graduada, nem foram elevadas à categoria de circunstâncias legais, causas especiais de aumento e de diminuição e qualificadoras, significando dizer que as demais excluem esta, devendo o Juiz apreciá-las, somente, quando não for possível considerar as outras.[209]

A doutrinadora Juliana de Andrade Colle[210], também, assevera não se pode esquecer de evitar o bis in idem pela valoração das circunstâncias que integram o tipo ou qualificam o crime, ou, ainda, caracterizam agravante ou causa especial de aumento de pena.[211]

Prosseguindo, o jurista Gilberto Ferreira[212] ensina que, na análise dessa circunstância, o que importa é o lugar em que o crime ocorreu, a maneira como ele foi executado e o tempo de sua duração, o relacionamento entre réu e vítima, a maior ou menor insensibilidade do agente, o seu arrependimento.

No mesmo sentido, Alberto Silva Franco[213] sugere que, na análise das circunstâncias do delito, o Magistrado deve observar: "o lugar do crime, o tempo de sua duração, o relacionamento existente entre autor e vítima, a atitude assumida pelo delinqüente no decorrer da realização do fato criminoso", para, só assim, poder sopesar a quantificação da pena, acerca desta circunstância judicial.[214]

Por fim, cabe ressaltar o ensinamento da doutrinadora de Juliana Colle que entende que não basta, que a circunstância não esteja prevista na lei. Ela deve ser relevante e indicar uma maior censurabilidade à conduta praticada pelo condenado. É imprescindível que se demonstre precisamente os fatos concretos, provados nos autos, que caracterizem as circunstâncias do crime, valoradas positiva ou negativamente. Uma vez que a sentença que não fundamenta a valoração das circunstâncias do crime, ou que não indica os elementos dos autos que formaram o convencimento do Juiz, quanto a essa valoração, padece de nulidade.[215]

Nesse sentido, o jurista Mario Helton Jorge aponta alguns erros, ou defeitos, constatáveis no exame das circunstâncias do crime, que levam também a nulidade da sentença:

 

5.6.1.1.ausência de fundamentação: não se faz qualquer referência à circunstância;

5.6.1.2.insuficiência de fundamentação: “a circunstância não desfavorece ao réu”; "agiu de modo bárbaro", "agiu com exagero". Constata-se que inexiste qualquer relação fática que justifique a afirmativa;

5.6.1.3. bis in idem: valoram-se as circunstâncias que integram o tipo ou qualificam o crime (assassinato da vítima, com o emprego de veneno, configura qualificadora do crime nos termos do art. 121, §2º, III, do CP); “as circunstâncias foram aptas a ludibriar a boa-fé da vítima, que realizou a venda para o réu acreditando que iria receber a contraprestação devida” (estelionato); ou, ainda, caracterizam agravante ou causa especial de aumento de pena, ou valoram-se fora das fases corretas as agravantes (2ª fase) e as causas de aumento (3ª fase). Por exemplo: "As circunstâncias judiciais, relativas aos motivos (‘desejo de possuir mais do que lhe pertence por direito’) e às circunstâncias do crime (‘recebimento do numerário, na condição de advogado da vítima, sem o correspondente repasse’), não podem ser consideradas para aumentar a pena-base, pois se encontram ínsitas ao próprio tipo penal”.[216]

 

3.2.7. As consequências do crime[217]

 

Aqui, deve ser feita a análise do grau de dano decorrente da ação delituosa exercitada, bem como dos reflexos sociais (irradiação do resultado), que não precisam ser típicos do crime.[218]

Para Ruy Rosado de Aguiar Júnior[219] as conseqüências do crime podem variar, substancialmente, sem modificar a natureza do resultado, ainda que este integre o tipo. Sob esse tópico, é comum distinguir entre a tentativa de homicídio, com lesão qualificada, que tem conseqüências graves, e a tentativa branca, quando o disparo não atinge a vítima, embora os dois crimes realizem o mesmo tipo e tenham os mesmos limites de pena; também o furto de pequena quantia de quem pouco possui, ou de quem necessitava do numerário para a aquisição de remédios, etc.

Na lição de Nelson Hungria, as consequências do crime são “a maior ou menor gravidade o dano, ou perigo de dano, ocasionado à vítima e o maior ou menor alarde social provocado”.[220]

Para Gilberto Ferreira[221],o dano causado pela infração penal pode ser material ou moral. Será material quando causar diminuição no patrimônio da vítima, sendo suscetível de avaliação econômica. Já, o dano moral implicará dor, abrangendo tanto os sofrimentos físicos, quanto os morais. Assim sendo, a análise dessa circunstância judicial necessita que o magistrado avalie o maior ou o menor grau de intensidade da lesão jurídica causada à vítima ou a seus familiares.

No exame das conseqüências da infração penal, a doutrinadora Juliana de Andrade Colle[222], do mesmo modo, entende que o Juiz deve avaliar a maior ou menor intensidade da lesão jurídica causada à vítima ou a seus familiares. Acrescenta, ainda, que o magistrado, ao fixar a pena-base, levar em consideração essas conseqüências, extrapenais, projetando os efeitos da conduta delituosa além do ilícito penal, ou melhor, transcendendo os elementos do tipo, evitando, assim, a dupla valoração.

Então, com muita propriedade, é que a doutrinadora exemplifica a valoração das conseqüências do crime e diz que não se pode considerar como consequência desfavorável do crime de homicídio, a perda de uma vida, posto que inerente ao tipo penal. Contudo, pode-se utilizar, nesta etapa da dosimetria, o fato de o agente ter ceifado a vida de um pai de família numerosa, o que é mais censurável do que a conduta daquele que assassinou uma pessoa solteira.[223]

Prosseguindo, a autora assevera que o Magistrado não pode simplesmente, utilizar-se de singelos argumentos, como, por exemplo, a ocorrência de "conseqüências de monta". Deve sim fundamentar a análise das conseqüências, embasando sua valoração em fatos concretos e provados (não presumidos) nos autos.[224]

Contemplando o mesmo entendimento, o jurista Mario Helton Jorge demonstra alguns erros ou defeitos constatáveis no exame da circunstância das conseqüências:

 

5.7.1.1.ausência de fundamentação: não se faz referência à circunstância;

5.7.1.2. insuficiência de fundamentação: “a circunstância não desfavoreceu ao réu”; “a vítima sofreu prejuízo de monta...” , pois constata-se que inexiste qualquer relação fática que justifique as afirmativas;

5.7.1.3. bis in idem: valoram-se as circunstâncias que integram o tipo ou qualificam o crime: “as conseqüências foram graves, porque a vítima perdeu a vida”; “ a vítima não recuperou a res furtiva, ficando no prejuízo”; “ a vítima sofreu prejuízos de grande monta”.[225]

 

3.2.8. O comportamento da vítima[226]

 

O comportamento da vítima é um fator determinante da criminalidade, pois muitas vezes ele contribui, direta ou indiretamente, para o encaminhamento do crime, embora não justifique a ação delituosa, nem isente o delinqüente.

Ao contrário das demais circunstâncias, esta quando presente, não eleva a carga punitiva do réu, uma vez que evidencia que, de alguma forma, a vítima contribuiu para a conduta criminosa, não que isto isente o acusado de culpa, mas sem dúvida nenhuma, diminui a reprimenda, na medida em que divide a responsabilidade por seu ato com a vítima.

A importância atribuída ao comportamento da vítima decorre dos estudos de vitimologia.[227]

Com a reforma da Parte Geral do Código trazida pela Lei 7.209/84, a circunstância judicial passou a integrar como um dos elementos para a fixação da pena-base.[228]

Estudos de vitimologia demonstram que, muitas vezes, as vítimas interferem decisivamente na consecução do crime. Esses comportamentos são, não raro, verdadeiros fatores criminógenos, que não justificam o delito, mas o incentivam. É o que acontece nos furtos de ocasião, ou seja, aquele cidadão que deixa o carro aberto, com a chave na ignição, enquanto vai comprar cigarros, está favorecendo a atitude criminosa.[229]

Por exemplo, quando a vítima instiga, provoca, desafia ou facilita a conduta delitiva do agente, diz-se, portanto, que a oitava circunstância judicial está favorável ao réu. Nesses casos, a vítima teve participação efetiva na culpabilidade do autor, posto que enfraqueceu a sua determinação de agir conforme o Direito. Logo, por consequência, merece o agente, nessa situação, uma censura penal mais branda do que a que lhe caberia nos casos de ausência total de provocação da vítima.[230]

Nos crimes patrimoniais, por exemplo, tem diminuída a sua capacidade de se comportar de acordo com o ordenamento jurídico o agente, que pratica furto de veículo, cujo proprietário adentrou a um estabelecimento comercial próximo para fazer compras, deixando seu carro estacionado em via pública, com as janelas abertas, as portas destravadas e a chave na ignição, numa região onde isso não costuma ocorrer. A censurabilidade, portanto, de sua conduta é menor do que a do ladrão que premedita o furto de um automóvel.

Por fim, deverá o juiz analisar, também, o comportamento da vítima. Trata-se, evidentemente, de conduta ativa por parte da vítima que induz o réu à prática do crime. Não justifica a diminuição de pena nos crimes contra os costumes a mera roupa provocante com a qual desfila a moça, em local ermo, pois ninguém é obrigado a trajar-se com recato. Por outro lado, a moça que aceita ir a um motel com um rapaz e lá, após as tradicionais preliminares, desiste da cópula, no último momento, certamente contribui com seu comportamento, para a prática de estupro naquele momento. A clara diferença entre os dois comportamentos das vítimas está na absoluta passividade do primeiro e na atividade do segundo.[231]

Desse modo, quando o comportamento da vítima contribuiu para a prática do delito, esta circunstância será valorada, pelo Juiz, a favor do condenado. Se for ao contrário, se não contribuiu, lhe será desfavorável.

Durante a técnica de valoração da última circunstância judicial, é necessário saber em que medida e de que maneira a vítima, com a sua atuação, contribuiu para a prática da conduta delituosa. Não se trata da justificação do ilícito penal, mas não resta dúvida de que, em alguns casos, a vítima, com suas atitudes, contribui com o agir criminoso, resultando, assim, numa valoração favorável dessa circunstância em favor do acusado.[232]

 

4. CRITÉRIOS A SEREM CONSIDERADOS PARA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE

 

Todo delito sempre é sancionado com determinada pena em abstrato, sendo estabelecido um limite mínimo e outro máximo previstos no preceito secundário do tipo (art. 53 do Código Penal).[233]

Deste modo, inclusive por expressa disposição legal do artigo 59 do Código Penal, a pena-base deverá ser fixada entre os limites previstos na cominação em abstrato, para o tipo penal específico, não podendo ser fixada nem aquém e nem além dos parâmetros previamente dispostos no dispositivo legal.[234]

Quanto ao cálculo para fixação da pena-base, está diretamente ligado à análise das circunstâncias judiciais já estudadas, as quais estão previstas no artigo 59, do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias, conseqüências do crime e comportamento da vítima, além da necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime)[235], e que nada mais é do a primeira fase da aplicação da pena, seguindo é claro o critério trifásico.

O Código Penal, ao definir que as circunstâncias, enumeradas em seu artigo 59, devem ser consideradas pelo julgador, no momento da fixação da pena, o fez como garantia própria do réu (princípio da individualização da pena), como meio para que o magistrado, por intermédio da análise daqueles critérios, possa ter melhor condição de proferir uma decisão justa, isto é, tratando os iguais igualmente e os desiguais desigualmente.

As oito circunstâncias apontadas pelo legislador são denominadas de judiciais por serem de apreciação exclusiva do juiz, que usará de seu poder discricionário na avaliação de cada uma delas.

Neste tópico Gilberto Ferreira esclarece:

 

As circunstâncias judiciais são assim chamadas porque o seu reconhecimento depende do arbítrio do juiz, diferentemente das circunstâncias legais, que não obrigatórias. Na verdade, o reconhecimento das circunstâncias judiciais não é assim tão facultativo como se tem apregoado na doutrina. Se elas existem, o juiz tem de reconhecê-las em obediências ao princípio constitucional da individualização.[236]

 

Cumpre observar que a referida discricionariedade do magistrado ao realizar a dosimetria da pena esta deve ser orientada mediante uma motivação idônea e quando a pena-base tiver que ser exasperada, no mínimo legal, não pode o julgador se furtar em demonstrar concretamente as razões que o levaram à adoção da medida.[237] Para tanto, deve ter sempre como parâmetro a necessidade, ou não, de uma maior reprovação da conduta do agente.[238]

Os tribunais percebendo o amplo poder discricionário dado ao magistrado pelo legislador ao apontar as oito circunstâncias judiciais e ao declarar que o estabelecimento da pena-base deve atender aos critérios de necessidade e suficiência, resolveram editar precedentes que acabaram por se transformar em importantes regras de orientação, iluminando o caminho para prevenir abusos, evitar excessos, resguardar a segurança jurídica e assegurar as partes condições efetivas de questionar os julgados.[239]

Assim, como a jurisprudência, a doutrina também teceu comentários para nortear uma motivação idônea[240] com relação ao poder discricionário do magistrado. Nesse sentido a doutrinadora Ada Pellegrini Grinover enfoca três justificativas ao dever de motivar: a primeira, como garantia da imparcialidade do magistrado; a segunda como ferramenta para verificar se a decisão atendeu à legalidade, e; finalmente para constatação pelas partes, de quais argumentos e provas utilizou-se o Juiz para rematar o caso.[241]

Gilberto Ferreira acrescenta uma quarta, e não menos importante razão de minuciosa exposição do raciocínio lógico percorrido pelo sancionador, relacionada à mensuração da pena, reportar ao sentenciado e ao Tribunal, no caso de reapreciação da matéria, qual a exata quantidade de pena empregada a cada circunstância.[242]

O jurista Mario Helton Jorge, igualmente, entende, que o juízo da aplicação da pena deve ser motivado; isto quer dizer que o julgador deve sempre indicar com a suficiente clareza os motivos em que se funda a sua decisão, pois só assim o acusado pode exercer o seu direito de impugnação, pelos meios disponíveis. A motivação – exigência formal do ato decisório - constitui-se como elemento que dá a transparência da justiça, inerente aos atos decisórios dos órgãos jurisdicionais, além de assegurar o respeito efetivo ao princípio da legalidade. No entanto, de se destacar que inexiste um critério seguro e infalível para se afirmar da efetividade da motivação, apto a resolver todas as questões.[243]

Com muita propriedade, Guilherme de Souza Nucci enfatiza que o Juiz está preso aos parâmetros legais[244] e dentre eles pode eleger suas opções, para alcançar uma aplicação justa da lei penal, acolhendo às exigências da espécie concreta, isto é, as suas singularidades, as suas nuanças objetivas e principalmente à pessoa a quem a punição se destina.[245] Todavia, visando evitar a imparcialidade do julgador, ou a impossibilidade, mesmo que inconsciente, de se neutralizar das suas experiências e preconceitos pessoais, o livre convencimento do julgador deve ser vigiado, ou melhor, controlado a partir da exigência constitucional da fundamentação de suas decisões (art. 93, IX, CR/88).[246]

Diante disso, percebe-se que é imprescindível a fundamentação, embora se reconheça que existe certa discricionariedade na dosimetria da pena, relativamente à exasperação da pena-base. Desta forma, a pena-base não pode ser estabelecida acima do mínimo legal, com supedâneo em referências vagas e dados não explicitados. A elevação exige motivação clara e concreta.[247]

Por sua vez, sabe-se ser necessária e concreta a apreciação individual de cada uma das circunstâncias judiciais, as quais podem restar valoradas, ou não, de acordo coma situação concreta a ser evidenciada.

Assim, não se pode confundir reconhecimento da circunstância com valoração, ou seja, as circunstâncias judiciais devem ser analisadas de forma individual, podendo ser favoráveis ou desfavoráveis ao réu, ou ainda restarem neutralizadas ou inaplicáveis por impossibilidade de valoração.

Portanto, o juiz quando finalizar a análise das circunstâncias do artigo 59 deverá manifestar-se esclarecendo a quantidade de pena que utilizou em relação a cada circunstância da seguinte maneira:

 

Não se pode perder de vista, todavia, que o juiz, ao estabelecer a pena-base, deverá esclarecer a quantidade de pena que utilizou em relação a esta ou aquela circunstância. Não basta dizer genericamente que levando em consideração tais e tais circunstâncias fixou a pena-base em tanto. É necessário que a proceda mais ou menos, assim:

Esclareço que para a fixação da pena-base procedi da seguinte forma: parti do termo mínimo, que na espécie era de três meses. A ele acresci três meses, em virtude do elevado grau de reprovação da conduta. Acresci mais um mês por possuir o réu péssimos antecedentes, ficando a pena em sete meses. Considerando o comportamento da vítima, que contribuiu intensamente para a eclosão dos acontecimentos, reduzi três meses, quedando-se a pena-base, portanto, em quatro meses...[248]

 

O jurista Mário Helton Jorge, com relação este assunto escreveu um artigo, no qual salienta não bastar a indicação da existência da circunstância, mas sim conectá-la aos fatos provados. As fórmulas vazias, estereotipadas de “personalidade, motivo, circunstâncias e conseqüências normais para a espécie”, denotam a má instrução do processo e uma via fraudulenta de um dos mais significativos atos processuais da individualização da pena, devendo ser banidas da prática processual penal.[249]

Mesmo em situações nas quais todas as circunstâncias sejam favoráveis ao réu e a pena-base fixada no mínimo legal, o dever de fundamentar se impõe, em respeito ao direito do órgão acusador tomar ciência do entendimento do julgador, para eventual pedido de impugnação da sentença[250], contrário à jurisprudência[251] dominante, que considera irrelevante a ausência de fundamentos, pois na falta destes presumem-se positivas todas as circunstâncias, não resultando desvantagem ao réu. Negligencia-se o princípio do devido processo legal da motivação e, consequentemente, o do duplo grau de jurisdição, que devem informar a melhor prestação jurisdicional, independentemente quando invocado a favor do acusado, ou não.[252]

Concluindo, o doutrinador menciona que a falta de apresentação de qualquer justificação como a fundamentação incompleta, não dialética, contraditória, incongruente ou sem correspondência com o que consta dos autos, em relação à aplicação da pena, devem levar ao reconhecimento da nulidade da própria sentença condenatória, pois na verdade é a motivação desta que estará incompleta, na medida em que um dos pontos sobre o qual deveria versar não ficou devidamente fundamentado.

 

4.1. Elementos norteadores para fixação da quantidade da pena

 

Percebe-se que não é difícil a tarefa de se estabelecer conceitos sobre cada uma das circunstâncias judiciais. Na verdade, o que se mostra árdua é a necessidade de se estabelecer critérios para a fixação da pena-base, a partir da valoração de cada uma dessas circunstâncias. Sem dúvida, este é o ponto crucial, visto que o magistrado exercerá seu poder discricionário, na análise de cada uma das circunstâncias judiciais. Cabe ressaltar que essa tarefa é reservada estritamente ao campo subjetivo do juiz.

Não se pode formatar ou criar uma fórmula, uma vez que a fixação da pena-base não pode resultar de uma simples operação matemática[253], pois não se trata de uma ciência exata.[254] Se faz imperioso que as partes (Réu, Ministério Público, querelante) tomem conhecimento dos critérios que o juiz se utilizou para fixá-la, o direito de saber qual o método que o magistrado elegeu para chegar à pena-base fixada.

A fixação da quantidade da pena é feita, a partir do mínimo legal previsto no tipo penal somada a análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, de acordo com as circunstâncias judiciais nele elencadas e já estudadas (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias, conseqüências do crime e comportamento da vítima, além da necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime).[255]

Para Jorge Vicente Silva, a fixação da pena-base será determinada a partir do mínimo legal somada à análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal. Porém, apenas o inciso II, deste artigo, diz respeito à fixação da pena-base, dentro dos limites legais, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, etc. Os demais incisos não dizem respeito à pena-base, mas sim, serem apreciados posteriormente, em etapa própria.[256]

Assim sendo, a pena-base possui um limite mínimo e máximo, não podendo ser fixada nem aquém nem além dos parâmetros previamente definidos pelo legislador. O cálculo da pena-base está diretamente ligado a análise das circunstâncias judiciais, as quais devem ser consideradas pelo julgador, no momento da fixação da pena, como garantia própria do réu. E quanto mais favoráveis forem ao réu, mais próximo do mínimo deverá ser a pena, quanto mais desfavoráveis forem mais próximo do máximo a pena poderá ser fixada.

Em que pese o legislador não ter mencionado o critério mais adequado para ser usado na fixação da pena-base, há diversas doutrinas e jurisprudência, que defendem certos parâmetros a serem utilizados para a dosagem da pena-base.

Juarez Cirino dos Santos[257] nesse sentido menciona que a definição da pena-base começa com a fixação de um ponto de partida por meio de um processo intelectual de determinação da pena criminal. Todavia, a questão de fixação desse ponto de partida para a definição da pena-base é controvertida, na literatura e na jurisprudência brasileiras.

Existem duas teorias que definem o que seria a pena-base. Quais sejam: a teoria tradicional e a teoria moderna.

A primeira, propõe a média entre o mínimo e o máximo da pena cominada, fundada em lógica matemática. A segunda propõe a pena mínima, fundada em razões humanitárias.[258]

Para Juarez Cirino dos Santos, a solução dessa controvérsia é simples:

 

Se a teoria tradicional determina aplicação de pena maior e, inversamente à teoria moderna determina aplicação de pena menor, então o argumento humanitário prevalece sobre o argumento lógico – aliás, contrário ao princípio da culpabilidade, que proíbe aplicação ou agravação de penas sem fundamento empírico concreto. Conclusão: o ponto de partida para fixação da pena-base deve ser o mínimo legal da pena cominada, conforme generalizada prática judicial contemporânea.[259]

 

A respeito da controvérsia existente entre a teoria tradicional e moderna, manifesta-se Gilberto Ferreira no sentido de que:

 

Não resta dúvida de que a fixação da pena-base a partir de um termo médio é método mais racional, porque parte de um pressuposto lógico: se se tem que atenuar ou agravar dentro de um universo que estabelece um número mínimo e um máximo, nada mais correto do que escolher um termo médio para, sobre ele, procederem-se as diminuições ou agravações necessárias. Contudo, não me parece ser o mais correto...

Como se vê, cada vez que houver um equilíbrio entre as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis, a pena-base será sempre aquela escolhida para parâmetro: a pena mínima, ou o termo médio, conforme seja o método escolhido. Com tal demonstração fica claro que o método do termo médio embora racional prejudica o réu. E como a lei em momento algum disse qual seria o método a ser adotado, penso que o juiz não pode fazer uma interpretação extensiva escolhendo um método que venha prejudicar o réu, embora até mais lógico e racional.

Ademais, a adoção do termo médio leva a idéia da pena tarifada, há muito abandonada pelo legislador...[260]

Para Nelson Hungria, que era adepto da teoria tradicional[261], a pena-base deve ser encontrada a partir da apreciação das circunstâncias judiciais, entre o mínimo e o máximo, fixados em abstrato pela lei, servirá de base para que sobre ela se apliquem as reduções ou aumentos porventura existentes contra ou a favor do réu. Ela se impõe como fundamento, como ponto de partida de uma operação, a cuja unidade se assentarão ulteriores acréscimos ou diminuição.[262]

Em contrapartida[263], Ruy Rosado de Aguiar Júnior é partidário da teoria moderna entende que:

 

A pena-base, se todos os fatores forem favoráveis ao réu, deve ficar no mínimo. (...) O que não se admite é o cálculo da pena-base já se iniciar pelo termo médio, que corresponde à metade da soma do mínimo com o máximo. Conforme tendência jurisprudencial de todos os países, o cálculo da pena inicia‑se próximo do mínimo, e não do máximo. É certo que para alguns fatos, cujas circunstâncias, embora apenas judiciais, revelem tão intensa gravidade, justifica-se pena aproximada do máximo. Mas isso é excepcional, pois o comum é reservar as dosagens mais altas para os casos em que se fizerem presentes circunstâncias agravantes ou causas de aumento. De outra parte, a primariedade e os bons antecedentes podem justificar com suficiência a escolha do mínimo legal. No Rio Grande do Sul, o Juiz Ruy Aguiar Neto adota o seguinte critério para definir a pena-base: o máximo da pena-base corresponderá ao segundo termo médio, e a elevação do mínimo será feita na medida em que presentes circunstâncias judiciais desfavoráveis. Assim, por exemplo, na pena privativa de liberdade cominada em 1 a 3 anos de reclusão, o primeiro termo médio (metade da soma do mínimo com o máximo) é 2 anos; o segundo termo médio (metade da soma do mínimo de um ano com o termo médio de dois anos) é 1 ano e seis meses, ou dezoito meses. Esse será, em princípio, o máximo da pena-base, que será elevada a partir do mínimo na proporção em que houver circunstâncias judiciais desfavoráveis. O sistema é bom como critério orientador, desde que não passe de um simples guia, a ser abandonado sempre que o recomendar o caso concreto.[264]

 

Figueiredo de Almeida[265], também partidário da teoria moderna, entende que a pena-base é “a pedra fundamental e angular sobre a qual se assenta toda a estrutura trifásica do cálculo de aplicação da pena, vale dizer, o alicerce, o marco inicial, e o tronco principal de toda essa cadeia estrutural, conforme o critério previsto no art. 59 do Código Penal”.

Ante o exposto, e tendo em vista o conceito de pena-base, acrescenta o referido autor:

1)pena-base não é o mesmo que pena mínima; 2) a pena mínima, prevista no tipo penal, pode ser a pena-base; 3) a pena-base deve observar o princípio da culpabilidade como critério maior ou menor de reprovação penal; 4) a pena-base deve ser orientada pelo princípio da razoabilidade, porque o arbítrio do judicial não deve ser entendido como mero capricho ou arbitrariedade pessoal do julgado, nem como totalitarismo leviano capaz de ditar decisões absurdas e incondicionadas. Deve esse princípio vincular a decisão judicial à garantia do devido processo legal, tomando como pressuposto, dentre outras coisas, a pauta punitiva prevista no ordenamento jurídico e a realidade processual; 5) a pena-base deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade, pois não pode haver uma desproporção ou um desequilíbrio entre a lesão praticada contra o bem jurídico protegido, exposto ao perigo ou ameaçado e a cominação legal imposta  in concreto.[266]

 

Conforme já mencionado, Gilberto Ferreira[267] é adepto da teoria moderna e sustenta que a posição mais certa com relação da fixação da pena-base é a de que o juiz deve partir do mínimo legal abstratamente previsto, sendo que a utilização do termo médio, embora racional, prejudica o réu. Além disso, quando o julgador utiliza o termo médio, para fixação da pena-base, sem valorar qualquer fato e sem estar autorizado pela lei, estará incorrendo em flagrante erro.[268]

Nesse sentido também tem julgado a maioria dos tribunais brasileiros, mas se faz imprescindível que o juiz deixe claro na sentença qual o método utilizou para a determinação da pena. O magistrado não pode fazer uma interpretação extensiva escolhendo um método que venha a prejudicar o réu, se a própria lei foi omissa quanto ao procedimento.

É de se ressaltar, novamente, que o juiz deve fundamentar a pena-base, esclarecendo a quantidade de pena que utilizou em relação a cada circunstância, e muito embora não se tenham valores predeterminados para cada uma das circunstâncias judiciais e, ainda, a vista que inexiste qualquer forma de compensação entre elas.[269]

Em contrapartida, Jorge Vicente da Silva[270] ensina que o juiz deve, no caso concreto, proceder a compensações, quando houver circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis ao réu. No entendimento de Jorge Vicente da Silva nessa situação o juiz poderá proceder à compensação completa ou parcial entre elas.[271]

Em princípio, o juiz não precisa atribuir um quantum para cada circunstância judicial do artigo 59, do Código Penal, favorável ou desfavorável ao réu e depois adicionar e subtrair. Poderá o Magistrado fazer mentalmente esta operação, desde que indique os motivos, porque atribuiu maior ou menor valor.[272]

Para Maurício Kuehene[273], a pena-base é delineada a partir da cominação mínima da pena, estabelecida no tipo penal, tendo fundamento no artigo do Código Penal em que constam, taxativamente, as circunstâncias judiciais. Para tanto, diz que, se todas as circunstâncias judiciais forem favoráveis ao réu, a pena-base deve ser aplicada no mínimo cominado. Se houver concurso de circunstâncias favoráveis e desfavoráveis, estas não podem ser compensadas; porém, a circunstância favorável deixará de ser valorada. Então, a pena deve aproximar-se dos limites indicados pelos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. Ou seja, deve-se considerar as circunstâncias de natureza subjetiva do caso.[274] Contudo, se houver apenas circunstâncias desfavoráveis ao réu, a doutrina recomenda que a pena-base não ultrapasse a média da pena mínima e máxima cominada.[275]

Por meio deste método, então, descobre-se o quantum deve ser auferido a cada circunstância judicial, sendo que a somatória deste chegará a pena-base.

De qualquer maneira, resta saber qual o melhor critério para se chegar à pena-base final.

Tendo em vista que cada caso é específico em sua completude, não havendo como descrever métodos certos e precisos para o seu desfecho, mesmo porque, não haveria porque existir a figura do magistrado, já que todos os casos seriam decididos de igual maneira.

 

5. CONCLUSÃO

 

O que se almejou com este estudo foi demonstrar que as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal são objeto de interpretação e discricionariedade do magistrado na fixação da pena, pois compreendem elementos intrínsecos ao agente, ao fato e à vítima. Sendo assim, foi abordado sobre a hermenêutica do artigo 59 do Código Penal como instrumento de controle da discricionariedade do magistrado. Analisando as regras norteadoras dos critérios de valoração das circunstâncias judiciais na dosimetria da pena, sobretudo a Constituição Federal e o Código Penal.

O presente trabalho procurou mostrar a importância da individualização da pena e do mesmo explicitou cada uma das circunstâncias judiciais tendo sido feita uma análise pormenorizada das mesmas, para que, desta forma o magistrado possa ter plenas condições de aplicar uma pena-base necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, conforme os limites impostos legalmente.

Cumpre observar na prática a mesma análise pormenorizada e individualizada de cada circunstância judicial quando da dosimetria da pena, não é realizada.

Consequentemente ao reexaminar as sentenças, é fácil encontrar as impropriedades discutidas detalhadamente neste trabalho, as quais não se pretenderam de maneira alguma esgotar, mas, sem dúvida, ampliar o debate entre todos os operadores do direito indistintamente, sejam acadêmicos, advogados, promotores, Juízes ou juristas, sobre a precariedade das decisões condenatórias.

Vale mencionar ainda, que as sentenças penais prolatadas, habitualmente, são objeto de revisão criminal, justamente em decorrência de vícios no exame das circunstâncias e na fixação da pena. Cumpre, portanto, ressaltar o que se pôde observar acerca de cada circunstância judicial.

Em relação à culpabilidade pode-se dizer que é a reprovação de um sujeito imputável, ou seja, sujeito que tem o poder de saber o que fez, que realiza, com consciência da antijuridicidade, tendo realmente conhecimento da conduta antijurídica, e em condições de normalidade de circunstâncias, tendo a possibilidade de poder não fazer o que faz, caracterizando um injusto penal.[276]

Quanto aos maus antecedentes, considerando a garantia constitucional da situação de inocência, insculpida no art. 5º, LVII, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Enunciado da Súmula 444, em maio de 2010, ratificou entendimento que se vinha desenvolvendo na jurisprudência, no sentido de que apenas as condenações criminais definitivas têm o condão de agravar a pena base do sentenciado. As razões de ser dessa orientação estão em que, tradicionalmente, a doutrina e a jurisprudência nacionais viam nos antecedentes o espaço para análise de procedimentos criminais em curso como fator de majoração da reprimenda penal.

Noutro passo, cabe ressaltar, também, a imperceptível, porém existente, distinção entre os antecedentes e a conduta social[277].

Quanto à conduta social do agente, esta muitas vezes, na fixação da pena-base, é confundida com os antecedentes do agente, devido ao fato de até a reforma do Código Penal de 1984 estava contida no conceito de antecedentes, é definida “como conjunto de comportamentos relevantes e/ou significativos da vida do autor”.[278]

Quanto à personalidade, esta caracterizasse como uma série de sentimentos e emoções pessoais distribuídos entre os pólos de emotividade e estabilidade, ou de atitudes e reações individuais na escala sociabilidade e agressividade, que pouco indicam sobre a personalidade do agente.[279]

Os motivos do agente para a prática da conduta delituosa, constituem “a fonte propulsora da vontade criminosa" [280].

Quanto às circunstâncias do crime, na fixação da pena-base, deve se fundamentar a valoração das circunstâncias do crime ou indicar os elementos constantes dos autos que formaram a convicção do Magistrado, sob pena de nulidade da sentença.

Por conseqüências do crime, verificaram-se aquelas que “designam outros resultados de natureza pessoal, afetiva, moral, social, econômica ou política produzidos pelo crime, dotados de significação para o juízo de reprovação”.

Finalmente, no que se refere à última circunstância judicial o comportamento da vítima configura-se como elemento na constituição de muitos crimes, dado o perfil de alguns indivíduos para atuar como sujeitos passivos do crime, o que faz gerar até certo grau de periculosidade social e moral desse sujeito passivo, "a despeito da política criminal direcionada somente ao criminoso, também merece tratamento adequado” [281].

Passada a etapa da verificação de cada particularidade das oito circunstâncias judiciais, procedeu-se um estudo a respeito dos critérios a serem considerados para a fixação da pena-base, para que esta seja a mais justa possível.

 

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Sobre a autora
Cristiane Ferreira da Maia Cruz

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2002). Pós graduada pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná, EMAP (2008). Especialização em andamento em MBA em Administração Pública e Gerência de Cidades, pelo Centro Universitário Internacional, UNINTER. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direito Constitucional e Administrativo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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