1 INTRODUÇÃO
O presente estudo se perfaz sobre questões atinentes a psicopatia, enaltecendo o comportamento e questionando conceitos, buscando esclarecer de forma simples e coesa o que se passa nas mentes sombrias destes indivíduos. Desde as melhores doutrinas, prelecionadas por renomados autores na seara da criminologia, como também, importantes artigos e periódicos divulgados em endereços eletrônicos oficiais produzidos por ilustres juristas, além de ocorridos célebres da história, foram meios aplicados que propiciaram o desenvolvimento do presente estudo.
Antes de adentrar nos aspectos mais relevantes atinentes ao tema, importante o estudo do conceito de psicopata, de suas características, sobretudo com definições técnicas.
Levantaremos também aspectos relevantes no que tange a congruência da psicopatia com os criminosos, sua vida em sociedade num confronto interno de ego e elementos que caracterizam a sua personalidade. Procurou-se sintetizar os meandros da psicopatia desde seus conceitos iniciais até sua complexidade dentro da sociedade, inclusive destacando aspectos relevantes e positivos que, se controlados seriam singulares e importantes para o crescimento de qualquer pessoa.
Com isso, estabelecemos uma abordagem breve acerca das nuances principais do transtorno de personalidade, tanto no que tange aos aspectos característicos deste fenômeno, como também os referentes às consonâncias e problematizações que sua ocorrência resulta em sociedade.
Aspectos preliminares sobre psicopatas
Breve passagem histórica acerca do conceito de psicopatia
Primeiramente, vamos estabelecer o conceito de psicopatia abordando a gênese de seu estudo apresentando as características de pessoas que são afetadas por esse transtorno com definições técnicas e aspectos relevantes de estudiosos deste tema.
Nos idos do século XIX, através do médico francês Phillipe Pinel temos o pioneirismo das descrições cientificas de padrões comportamentais e afetivos do que hoje é cognominada de psicopatia. Por volta de 1801, Pinel cunhou o termo mania sem delírio para descrever o quadro de alguns pacientes que, embora se envolvessem em comportamentos de extrema violência para com os outros ou consigo mesmos, tinham um perfeito entendimento do caráter irracional de suas ações e não podiam ser considerados delirantes (Arrigo e Shipley, 2001).
Com o passar do tempo e muitas divergências sobre como definir e conceituar esse distúrbio, apenas no século XX, através dos estudos de Hervey Cleckley observamos o avanço sobre o tema que, assim, apontou 16 características sobre a psicopatia: 1) charme superficial e boa inteligência ; 2) ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional; 3) ausência de nervosismo e manifestações psiconeuróticas; 4) não confiabilidade; 5) tendência à mentira e insinceridade; 6) falta de remorso ou vergonha; 7) comportamento antissocial inadequadamente motivado; 8) juízo empobrecido e falha em aprender a experiência; 9) egocentrismo patológico e incapacidade para amar; 10) pobreza generalizada em termos de reações afetivas; 11) perda especifica de insight; 12) falta de reciprocidade nas relações interpessoais; 13) comportamento fantasioso e não convidativo sob influência de álcool e às vezes sem tal influencia; 14)ameaças de suicídios raramente levadas a cabo; 15) vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada; 16) falha em seguir um plano de vida.
Dessa forma, o trabalho de Cleckley foi um marco para a história servindo de base para estudiosos passados e de tempos vindouros, adequando as novas concepções que surgiram posteriormente com experiências e testes feitos em criminosos e em pessoas com características semelhantes. Com essa nova leva empírica passou-se a mensurar os quadros clínicos com instrumentos para quantificar o construto.
Instrumento para se avaliar a psicopatia
Como vimos, com o passar do tempo passou a fazer experimentos colocando em prática fatores que pudessem de forma concreta classificar ou identificar alguém como sendo psicopata. Entre eles destacou-se o Psychopathy Checklist- Revised( PCL-R; Hare, 1991) que é o instrumento mais usado em estudos empíricos. Funcionando da seguinte forma: possui 20 itens, que o avaliador deve atribuir um score de 0 a 2, daí analisa a ausência, a presença moderada ou forte dessas respectivas respostas. A pontuação é retirada de uma entrevista estruturada sobre diversos aspectos da vida do interessado.
Foram adaptadas algumas versões para avaliação de crianças e adolescentes observando aspectos familiares, de vivencias, e vida em comunidade.
Características dos Psicopatas
A psicopatia se configura como um tipo de comportamento social em que os sujeitos são desprovidos de consciência moral, ética e humana, têm traços característicos de atitudes descompromissadas com seus semelhantes e com as regras sociais sendo desprovidos de alteridade. Assim, os sujeitos com tendência psicopática possuem uma deficiência significante de empatia, isto é, não têm habilidade de se colocar no lugar do outro; são indiferentes aos sentimentos e sofrimentos de outrem, por conseguinte não sentem nenhum tipo de remorso.
Até o presente momento, pouco se conhece sobre as causas da psicopatia. Existem evidências de que aspectos biológicos (fatores genéticos, hereditários e lesões cerebrais), psicológicos e sociais estão associados ao transtorno (MORANA; STONE; FILHO, 2006). Esses fatores biopsicossociais contribuem para a formação da nossa personalidade desde a infância e podem ou não exercer influência sobre o desenvolvimento de uma psicopatia na vida adulta.
Importante também ressaltar que são pessoas de todos os extratos sociais, homens, mulheres, ricos, pobres, brasileiros ou japoneses, que estão infiltrados nos mais diversos contextos culturais e sociais, enfim, não existe uma tipologia para se definir com exatidão de onde vem essa capacidade tendente para produzir maldade. Mister se ponderar que a psicopatia não é uma doença, é uma maneira de ser ou de se existir, uma personalidade disfuncional para a vida em sociedade.
O questionamento de como se identificar um psicopata não é tão simples para ser respondido, pois apesar de todos os pontos em comum que podemos encontrar nessas pessoas, temos o problema da desfaçatez e da astúcia. O psicopata se utiliza da enganação para conseguir seus objetivos, colocando-se num patamar de superioridade que o põe acima de regras e de outras pessoas.
Os psicopatas são atores da vida real, pois têm o dom de fazer com que as pessoas acreditem neles e se sintam responsáveis por ajudá-los; por isso, ao se aproveitarem das fraquezas humanas, torna-se fácil para eles enganar outras pessoas. Por outro lado, em certos momentos, podem tomar atitudes extravagantes e em desacordo com as normas estabelecidas, o que permite que aqueles com quem convivem duvidem de sua sanidade mental, pois são as pessoas mais próximas que têm mais facilidade de perceber este tipo de alteração comportamental (DEL-BEN, 2005).
Dessa forma, temos níveis leves, médios e graves desse transtorno que evidenciam as mil e uma facetas que compõem este fenômeno tão misterioso e que suscita tantas discussões.
Esse tipo de transtorno específico de personalidade é marcado por uma insensibilidade aos sentimentos alheios. Quando o grau dessa insensibilidade se apresenta elevado, levando o indivíduo a uma acentuada indiferença afetiva, ele pode adotar um comportamento criminal recorrente e o quadro clínico de transtorno de personalidade assume o feitio de psicopatia (MORANA, 2012).
Todo psicopata é criminoso?
Em geral, pesquisadores e conhecedores do assunto, pertencentes às áreas da Psicologia e do Comportamento Social afirmam que nem todo psicopata apresenta comportamento violento ou se torna um criminoso. Para desenvolver o tema, vamos abordar o pensamento pertencente a dois grandes pesquisadores do assunto: a professora de Psicologia e Comportamento Social Jennifer Skeem, da Universidade da Califórnia, em Irvine, nos Estados Unidos, e o psicólogo e professor da Universidade de British Columbia, em Vancouver, no Canadá, Robert Hare (considerado o maior especialista em psicopatia no mundo).
A professora Jennifer Skeem, assim como a grande maioria, afirma que a resposta para a indagação “Todo psicopata é criminoso?” é, por incrível que pareça, não. Segundo ela, nem todos psicopatas apresentam comportamento agressivo ou são criminosos.
Ela explica que a psicopatia é um transtorno de personalidade complicado e muito mal compreendido por parte da sociedade. Muitas pessoas equiparam o psicopata a um serial killer, principalmente por eles portarem um comportamento marcado por coragem, crueldade, ousadia, agressividade e impulsividade.
Porém, ela diz que isso não é verdade, usando a estimativa de que cerca de 1% a 3% da população em geral seja psicopata, e que só no Brasil, existem cerca de cinco milhões de pessoas com “gene” da psicopatia. Mas será que são cinco milhões de criminosos e assassinos frios? Skeem afirma que não, pois muitos deles não só demonstram comportamento violento como nem sequer apresentam ficha criminal, e a partir dessa afirmação, vem a ser importante ressaltar que isso não significa que eles sejam boas pessoas, ou seja, nem sempre são criminosos, mas sim desagradáveis.
Skeem explica que nem todo psicopata nasce do jeito que é, pois como todo e qualquer indivíduo, sua condição é desenvolvida por uma interação complexa de fatores ambientais e genéticos, ou seja, ter esse “gene” da psicopatia não significa que o indivíduo vai ser um “monstro sem controle”.
Assim afirma Skeem: “Não existe uma receita para transtorno de personalidade psicótica. Os fatores ambientais são tão importantes quanto os fatores genéticos. Porém, o comportamento antissocial misturado com um histórico de disciplina punitiva, abuso e negligência parece aplicar-se em muitos casos”. O que a professora quis dizer com isso é que uma pessoa com “genes” de psicopatia, que sofreu algum mal na infância (foi abusada sexualmente ou sofreu de bastante violência doméstica, por exemplo), tem uma maior probabilidade de se tornar um criminoso ou uma pessoa muito violenta. Porém, não podemos considerar essa situação como regra ou base da psicopatia, até por que psicopatia não é sinônimo de violência, e ainda mais, o inverso também é válido: não é preciso ser psicopata para ser criminoso.
Outro fato que sustenta a afirmação de que nem todo psicopata é criminoso se dá na quantidade de psicopatas entre os presos. A maioria destes não são psicopatas, onde, segundo a psiquiatra Hilda Morana, do Instituto de Medicina Social e Criminologia do Estado de São Paulo, cerca de 20% dos presos apresentam o “gene” da psicopatia.
No entanto, é válido afirmarmos que a psicopatia influencia sim as pessoas com a doença a cometerem delitos, principalmente em razão da total ausência de compaixão, medo e culpa, e ainda por apresentarem uma inteligência acima da média e habilidade para manipular as pessoas que vivem ao seu redor.
Robert Hare, o maior especialista no assunto, afirma o seguinte: “Eles andam pela sociedade como predadores sociais, rachando famílias, se aproveitando de pessoas vulneráveis e deixando carteiras vazias por onde passam”. Skeem, porém, acredita que não é sempre assim, afirmando que nem todos os psicopatas são necessariamente destrutivos ou ameaçadores, mas que costumam ser pessoas desagradáveis, tornando suas relações pessoais e profissionais desagradáveis.
Skeem ainda vem a afirmar que o indivíduo com o problema da psicopatia, com a ajuda da família sem nunca abandoná-la, pode ter reduzido o seu comportamento violento e criminoso após um tratamento intensivo, como por exemplo a reabilitação no caso do uso de drogas e terapia da saúde mental.
Voltando ao pensamento do especialista Robert Hare, em relação à questão, ele diz que um psicopata não é sempre levado para uma vida criminosa, tomando por base o fato de que psicopatia e criminalidade não são a mesma coisa. Existem psicopatas que não cometem nenhum crime e nem violam leis, mas que podem causar problemas para outras pessoas, abusando psicologicamente e emocionalmente destas. Porém, é mais fácil um psicopata entrar para a vida do crime do que uma pessoa normal, pois o psicopata não consegue diferenciar o comportamento normal e regular do criminoso.
Para encerrar, existe ainda um fato que nos traz a ideia de que nem todo psicopata é um criminoso. Dentre os graus de psicopatia, há o grau leve, que atinge a maioria dos psicopatas. Eles, em geral, são mais comuns, tendem a exibir poucos critérios e dificilmente matam, contudo, são os mais difíceis de serem diagnosticados porque passam por despercebidos no meio social, sendo chamado de “psicopata comunitário”. Geralmente possuem uma inteligência acima da média, são frios, racionais, mentirosos, manipuladores e assim como todos os psicopatas não se importam com os sentimentos alheios.
Esse tipo de psicopata raramente vai para cadeia, mas quando vão, por algum motivo ilícito, são considerados como presos exemplares pelo seu bom comportamento, não arranjam confusões e demonstram uma aparência de inocentes ou “coitadinhos”.
Psicopatia e sociedade
Diante da evidente inclinação à criminalidade que os indivíduos psicopatas possuem, torna-se imprescindível questionar até onde a sociedade é afetada por tal problemática e se há uma forma de lidar com a mesma. Mais que uma correção de efeitos, a prevenção vem à cabeça daqueles que entendem os mecanismos de intervenção na sociedade como sendo essenciais para manter a ordem e a segurança. No entanto, as amplas divergências em relação aos gatilhos do comportamento psicopático despontam como estorvo a um traçado de prevenções eficazes, e até mesmo levam a questionar se a própria prevenção é sequer possível.
Como já exposto anteriormente, nem todo psicopata comete crimes. Importante é reparar que, dentro do universo daqueles que praticam, existe uma grande quantidade de indivíduos que não chegam a “sujar as mãos” ou cometer ilícitos violentos. São aqueles que praticam estelionato e roubos mascarados, aproveitando-se de pessoas a quem podem facilmente manipular e persuadir. A respeito disso, a psiquiatra e escritora Ana Beatriz Barbosa Silva afirma:
“[os psicopatas] Possuem um extraordinário poder de nos importunar e de nos hipnotizar com o objetivo maquiavélico de anestesiar nosso poder de julgamento e nossa racionalidade. Com histórias imaginárias e falsas promessas nos fazem sucumbir ao seu jogo e, totalmente entregues à sorte, perdemos nossos bens materiais ou somos dominados mental e psicologicamente”.
A autora aponta a necessidade de atenção das pessoas, estando ameaçadas ou não por tais comportamentos psicopáticos, às condutas daqueles que se aproximam e tentam construir uma relação. De forma singular, tentar reconhecer traços que indiquem a não confiabilidade da pessoa é a melhor forma para prevenir-se, individualmente, de golpes desse tipo. Além das características já apresentadas previamente neste trabalho, o “jogo de vítima” é o principal instrumento manipulador atrelado ao comportamento psicopático. Apelando à piedade e à bondade das pessoas, os psicopatas narram dificuldades e sofrimentos que os tornam vítimas que precisam de ajuda e, dessa forma, obtêm vantagens diversas dos condolentes. A orientação é que se faça sempre a medida de confiabilidade das pessoas, observando características como falta de escrúpulos, falta de empatia e o referido “jogo de vítima”.
Voltando-se para a sociedade como um todo, a psicopatia, ou a “índole psicopática”, é claramente identificada nos assustadores acontecimentos cotidianos que tomam palco ao redor do mundo. Os noticiários expõem os crimes brutais que tornam-se banais, homicídios, genocídios, insensibilidade ao meio ambiente e à vida animal, dentre diversos. As mentes psicopáticas parecem ter gerado um comportamento autômato em grande parcela da sociedade, e retraído aqueles que sentem-se atônitos frente às barbaridades. Enquanto as pessoas “do mal” se unem na busca de interesses comuns, as pessoas do bem tendem a se dissipar. Ficam acuadas, trancafiadas, perdem a sua função social e de organização e acabam por adoecer (SILVA, 2008).
Além disso, o individualismo característico das sociedades modernas, especialmente com o domínio do capitalismo, contribui para a construção de um cenário favorável ao desenvolvimento da índole psicopática. O criticismo é diminuído frente à banalidade da competitividade, ao desapego a condutas morais e ao afastamento da solidariedade em comunidade.
Dessa forma, torna-se necessário o esforço de desenvolvimento da consciência, em sociedade e individual, como melhor forma de impor responsabilidade e empatia às relações em sociedade, asfixiando o terreno suscetível à mecanização de comportamentos psicopáticos. Mais adiante no trabalho, este ponto será retomado.
O psicólogo americano Paul Babiak chamou atenção para outro aspecto da psicopatia em sociedade: a conduta inescrupulosa dos indivíduos psicopatas em ambientes de trabalho, em especial os empresariais. Essas pessoas utilizam métodos antiéticos e individualistas para alcançarem cargos de importância, em detrimento de outros trabalhadores ou até mesmo das finanças e administração da empresa. Incorporando uma falsa aparência carismática e obstinada, conquistam patrões e elevam-se no ambiente laboral, facilmente adquirindo prejuízos a colegas de serviço ou à própria firma a longo prazo.
Enquanto a isso, Ana Beatriz diz:
“A presença de psicólogos qualificados e bem treinados nas empresas pode ser um diferencial muito bem-vindo quando se trata de separar o joio do trigo no campo profissional. Isso porque as pessoas que têm que tomar decisões sobre a contratação de funcionários nem sempre estão adequadamente capacitadas e treinadas para enfrentar as habilidades de manipulação e convencimento dos psicopatas”.
Sob outra perspectiva, o psicólogo e pesquisador inglês da Universidade de Oxford, Kevin Dutton aborda as qualidades profissionais dos psicopatas que podem ser positivas à sociedade ou, pelo menos, não causar danos a ela. Desconstruindo a imagem de “monstro impiedoso” que serve de estereótipo aos psicopatas, o pesquisador avalia essas pessoas como indivíduos que possuem, assim como qualquer outro ser humano, uma combinação de características naturais e genéticas de forte expressão, sendo elas coragem, frieza, carisma, foco e capacidade de suportar pressão de outrem, sem necessariamente estarem atreladas a um comportamento violento ou criminal.
Fazendo uma análise “positiva” da psicopatia, o pesquisador ousa ao afirmar que a maioria dos psicopatas não-criminosos tendem a serem bem-sucedidos em suas profissões e podem servir de modelo ao comportamento laboral. No caso de advogados, por exemplo, a falta de empatia em relação a uma possível vítima em oposição ao seu cliente fará que não haja enfraquecimento de seu propósito em razão da comoção.
A tendência de desconstrução da ideia determinista da psicopatia sem tratamento ou liderando irrefreavelmente a comportamentos inescrupulosos também é percebida no discurso do psiquiatra e escritor brasileiro Augusto Cury ao escrever sobre a sociedade psicopática do nazismo. Para uma melhor compreensão, o autor classifica os psicopatas em estruturais e funcionais. Psicopatas estruturais seriam aqueles que apresentam uma predisposição genética à índole psicopática, adicionada a experiências traumáticas durante a infância. Já os psicopatas funcionais seriam aqueles que, em momento de fragilidade de seu psiquismo devido a fatores como stress social, tornou-se autômato – ou seja, perdeu a criticidade e adquiriu deficiência de consciência, ficando assim suscetíveis a serem fortemente influenciados por ideologia ou crenças – e deixam de agir por si próprios, adquirindo uma necessidade neurótica de poder adestrada por ideologias inumanas. Este segundo tipo seria o que alastrou-se pela Alemanha durante o período nazista. Mergulhados na crise social, econômica e política, os alemães apegaram-se ao aspirante a herói nacionalista, pregador de soluções mágicas para findar o caos alemão. Adolf Hitler, mesmo sendo um homem inculto que abandonou a escola e não tinha conhecimentos aprofundados sobre política ou economia “psicopatizou” uma nação extremamente intelectual e crítica, porém fragilizada após o fim da II Guerra Mundial e da submissão ao Tratado de Versallhes. Os genocídios cometidos naquela época, as torturas, crueldades e ideologias antissemitas lançam luz sobre uma relevante questão: como garantir que qualquer outra sociedade, mais ou menos culta que a Alemanha da época, não volte a cometer tais atrocidades em uma onda de índole psicopática?
Analisando por uma lente moderna, é possível até mesmo dizer que tal fenômeno ainda é presente no século XXI. Observe as crianças iniciadas em grupos extremistas como o Estado Islâmico: suas mentes são moldadas quando ainda estão em período de desenvolvimento, sua liberdade de criticidade é roubada e elas tornam-se adolescentes e adultos que apenas conhecem o propósito a que foram ensinadas, sendo inerente e legítimo o uso de força e de crueldade contra os “infiéis”.
Os cargos políticos na atualidade também estão disseminados de condutas psicopáticas, sendo perfeitas oportunidades para o uso de poder em obtenção de vantagens egoístas e mascaradas. A corrupção é assunto diário no Brasil e também em diversos países do mundo, revelando a falta de empatia e responsabilidade no comportamento daqueles que pedem a confiança da população.
E, dessa forma, vive-se em meio a uma sociedade individualista e perigosa. O pensamento psicopático em sociedade é extremamente destrutivo e merece atenção. Apesar de a doutrina majoritária afirmar que não há tratamento para a psicopatia, alguns estudiosos atrevem-se a pesquisar e discorrer de uma perspectiva um pouco mais otimista em relação a forma de lidar com essa problemática, propondo paliativos que venham a prevenir, ainda que não de forma absoluta, o desenvolvimento de comportamentos psicopáticos.
Augusto Cury aponta a importância de se criar indivíduos autônomos (em contraposição aos autômatos, que são suscetíveis a condutas psicopáticas), com mente livre e crítica, capazes de fazer escolhas próprias e humildes, sendo ele próprio autor da Escola da Inteligência, método de ensino que trabalha o desenvolvimento de empatia, resiliência e fraternidade desde a infância. Ele relata:
“Penso que a educação que contempla somente as competências técnicas, que não esculpe a resiliência, o altruísmo, a generosidade, a capacidade de se colocar no lugar dos outros, de expor e não impor as ideias, e, em especial, de pensar como humanidade, não previne novos holocaustos, não viabiliza a espécie humana para seus futuros e cáusticos desafios, ainda que promova o PIB[...]”
Ana Beatriz Barbosa Silva, apesar de afirmar que a estrutura familiar e o ambiente social não são suficientes por si mesmos pata transformar alguém em psicopata, diz:
“Quando em grau leve e detectada ainda precocemente, a psicopatia pode, em alguns casos, ser modulada através de uma educação mais rigorosa. Um ambiente familiar mais estruturado e com vigilância constante de filhos ‘problemáticos’ certamente não evita a psicopatia, mas pode inibir uma manifestação mais grave. E, então, fazer toda a diferença. É lógico que essas medidas estão longe de serem ideais, são apenas paliativas e demandam muito esforço e empenho por parte dos envolvidos na criação. No entanto, para salvaguardar a estrutura familiar e a sociedade como um todo, não podemos desprezá-las”.
Afirma também:
“A construção de uma sociedade mais solidária é, ao meu ver, o grande desafio dos nossos tempos. E para tal empreitada teremos que harmonizar o desenvolvimentos tecnológico com uma consciência que não faça qualquer tipo de concessão ao estilo psicopático de ser ou viver”.
Assim, pode-se concluir que, ainda que não haja um tratamento eficiente para os indivíduos psicopatas adultos, é de inegável importância o esforço na prevenção do alastramento de condutas psicopáticas na sociedade. Isso se faz através da construção de uma consciência crítica e fraterna que, apesar de ser um desafio para qualquer nação, é um escopo abraçado pelo investimento no acesso a uma educação humanizada e lúdica, em oposição ao ensino mecanizado e sólido comum na atualidade.