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A vulgarização do termo “preconceito”

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22/04/2016 às 15:03
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EXEMPLO DE EXORBITAÇÃO DO IGUALITARISMO

Há praticamente 03 (três) anos uma família sentiu-se atingida por conduta de certo vendedor de uma concessionária BMW, no Rio de Janeiro, pelo fato de ter supostamente “expulsado” filho negro de casal branco das dependências do estabelecimento.

Não se sabe ao certo se o caso acabou parando na polícia, e se o vendedor acabou respondendo civil ou criminalmente pela conduta. O fato é que o caso tomou maiores proporções, com a família repercutindo o caso nas redes sociais e ganhando as páginas de grandes veículos de imprensa. Os pais adotivos do menino acabaram lançando a campanha no Facebook “Preconceito racial não é mal entendido”, como noticiado pelo Jornal O Globo a seguir:

“‘Essa loja não gosta de crianças, mãe?’ A pergunta, feita por um menino negro de apenas 7 anos, comoveu os pais, Priscilla Celeste e Ronald Munk, que, atônitos, assistiram a um vendedor expulsar seu filho de dentro de uma concessionária BMW, na Barra. O vendedor ‘desavisado’ não sabia que a criança era o filho do casal de cor branca, que entrara ali para comprar um carro maior para a família. Numa reação ao que consideraram um ato de racismo, os pais lançaram a campanha no Facebook ‘Preconceito racial não é mal entendido’, que em poucos dias conseguiu apoio de mais de dez mil internautas. Eles querem que a concessionária faça uma retratação pública e que se comprometa a criar procedimentos que possam evitar os ‘impulsos’ de funcionários que ainda tenham o preconceito racial enraizado em suas reações.” [17]

A situação criada pelo vendedor, ainda que bastante desconfortável para todos os envolvidos, tratou-se de um visível mal entendido.

Certamente que o vendedor em questão retirou o menino da loja por já ter experimentado casos similares de meninos de cor pedindo ou vendendo balas em estabelecimentos comerciais, o que, havemos que considerar, é realidade corriqueira numa cidade como o Rio de Janeiro. Nesta cidade, os negros, lamentavelmente, compõem uma maioria esmagadora de meninos de rua, sendo fato que não pode ser desprezado ao julgarmos a reação do vendedor. Desta forma, embora seu preconceito tenha sido errôneo, não foi irracional. Ora, o vendedor não é um ser onisciente que julga situações rápidas como se fosse Deus, adivinhando todo histórico da criança. Errar por engano não é o mesmo que errar por malícia, pois todos os seres humanos são falíveis. O vendedor enganou-se justamente por ter preconceitos, como todos nós seres humanos também temos.


CONCLUSÃO

Enfim, muito embora o preconceito tenha sofrido evidente deslocamento semântico, trata-se tão somente de conduta abstrata e neutra de pré-julgar sem o amparo decisivo da razão, geralmente em situações emergenciais, provando-se apenas como correto ou equivocado na prática.

A medida da constitucionalidade de um preconceito é sua razoabilidade. Exemplos disso são os diversos preconceitos incorporados à legislação infraconstitucional cuja validade nunca foi questionada no Judiciário.

A demonização em si dos termos “preconceito” e “discriminação” é obra de uma revolução igualitária, que tende a desfigurar o bem jurídico “igualdade” num monstro, em detrimento do bem jurídico “liberdade”, mais consentâneo à estrutura democrática de Estado concebida pela Constituição de 1988.

Enquanto o “preconceito” não é passível de ser criminalizado por situar-se no domínio interno do ser humano, o apenamento da “discriminação” é humanamente possível, desde que se concretize em manifestações desprovidas de razoabilidade e justiça.


Notas

[1]       Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Antônio Geraldo da Cunha, p. 629

[2]       HIBBEN, John Grier.  A Defense of Prejudice and other essays. Charles Scribner’s Sons. p. 02.

[3]       Idem. pp. 02-03

[4]       MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª Edição, São Paulo, Malheiros, 2008, p. 47-48.

[5]       WEAVER, Richard. Life Without Prejudice and other essays. Henry Regnery Company. p. 02.

[6]       Idem.

[7]       Ibidem, p. 03.

[8]       Idem.

[9]       HIBBEN, John Grier.  A Defense of Prejudice and other essays. Charles Scribner’s Sons. p. 13.

[10]     ATAÍDE, Tristão de, “Política”, Editor Getúlio Costa, 3ª Ed., 1939, p. 20

[11]     Idem, 15.

[12]     DALRYMPLE, Theodore. In Praise of Prejudice. Brief Encounters. p. 04.

[13]     CAPEZ, Fernando, Direito Penal, 16ª Ed., Volume 1, Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, pp. 44

[14]    Ibidem, p. 64

[15]“    Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)”

[16]     Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

[17]    Disponível em <http://oglobo.globo.com/rio/familia-faz-campanha-no-facebook-contra-preconceito-7379006> Acesso em 19/04/2016

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Sobre o autor
ROBERTO FLAVIO CAVALCANTI

Advogado (UFRJ-2008), Contador (UERJ-2011). Graduado também em Administração de Empresas (UFRJ-1996).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, ROBERTO FLAVIO CAVALCANTI. A vulgarização do termo “preconceito”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4678, 22 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48349. Acesso em: 24 nov. 2024.

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