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As presunções em matéria tributária e a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco

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21/02/2004 às 00:00
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CAPÍTULO III - Princípios constitucionais infirmados (?)

Sumário: 3.1 Conceito de princípios – 3.2 Classificação dos princípios – 3.3 Os princípios da legalidade e da tipicidade. – 3.4 Os princípios da segurança jurídica e da certeza do direito – 3.5 O princípio da capacidade contributiva.

3.1 Conceito de princípios.

Etimologicamente, a idéia de princípio nos remete a origem, raiz, começo, substrato de determinada coisa.

Em qualquer ciência, princípio também representa o começo, a sua base formadora fundamental. Por isto mesmo, CARRAZZA anota que ele "é a pedra angular de qualquer sistema." (grifo no original)

Segundo conceito de sua autoria, "princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam." (original em itálico)

O jurista Celso Antonio BANDEIRA DE MELLO, em passagem que já se tornou célebre na doutrina jurídica nacional,

"Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo."

Mais adiante, arremata o autor:

"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão dos seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".

Em face da supremacia hierárquica das regras e princípios contidos implícita ou explicitamente na Constituição Federal de 1988, a competência tributária dos entes políticos há que ser exercida em estrita observância aos mesmos.

Assim sendo, os princípios jurídicos informam e condicionam a aplicação e a interpretação do direito, justamente por conterem os valores fundamentais, e por serem as vigas-mestras que sustentam todo o arcabouço jurídico, cuja ofensa importa em infringência a todo o sistema.

3.2 Classificação dos princípios.

Os princípios jurídicos dividem-se em explícitos e implícitos, conforme estejam ou não especificamente previstos em determinado corpo normativo.

Assim, princípios jurídicos explícitos são aqueles que se encontram especificados em determinado corpo normativo (v.g. os princípios da igualdade, da legalidade (em sentido amplo ou estrito), da irretroatividade, da anterioridade, da proibição do confisco, que se encontram demarcados no texto da Constituição Federal de 1988 – art. 5.°, caput e inciso I, c/c o art. 150, inciso II; art. 5.°, inciso II e art. 150, inciso I; art. 150, inciso III, alínea "a"; art. 150, inciso III, alínea "b"; e art. 150, inciso IV, todos da CF/88, respectivamente).

Implícitos são aqueles que, inobstante não possuam demarcação em determinado corpo normativo (lei em sentido amplo), são ordinariamente verificáveis pelo jurista, de acordo "com o instrumental teórico que a Ciência do Direito coloca à sua disposição" (CARRAZZA: 2001:33), não existindo, ademais, necessária hierarquia entre ambos, tudo estando a depender do nível de abrangência de um e de outro.

A propósito, o § 2.° do art. 5.° da Constituição Federal de 1988, destaca que os direitos e garantias expressos na mesma não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Fixadas essas bases indispensáveis, passemos ao estudo dos princípios constitucionais, explícitos ou implícitos, que dizem respeito com a questão do uso das presunções em matéria tributária, como os princípios da legalidade e da tipicidade, da capacidade contributiva, da segurança jurídica e da certeza do direito, da praticabilidade, dentre outros.

3.3 Os princípios da legalidade e da tipicidade.

Todo estado democrático de direito tem suas bases assentadas em dois princípios – o da democracia, da soberania popular, e o do império da legalidade.

A República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1.°, da Constituição Federal de 1988, constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como dois dos seus fundamentos a soberania e a cidadania, e o parágrafo único do referido artigo disciplina: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

A legalidade é o princípio segundo o qual o cidadão somente será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo em virtude de lei, um comando normativo superior, genérico e anterior à ocorrência do fato nela descrito, funcionando como corolário dos ideais de justiça e da segurança jurídica.

Em matéria tributária, este princípio assume feições ainda mais fortes, pois a lei instituidora do tributo deve definir, em abstrato, todas as nuanças relevantes para que, no caso concreto, se possa precisar a efetiva ocorrência do fato hipoteticamente nela previsto, com todos os seus aspectos.

Ou seja, "A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários à identificação do fato gerador da obrigação tributária e à quantificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para, discricionariamente, determinar se ‘A’ irá ou não pagar tributo, em face de determinada situação."

Demais disso, há que se entender a expressão lei como lei em sentido formal e material, ou seja, no primeiro aspecto, somente ao Poder Legislativo, constitucionalmente imbuído da função precípua de legislar, incumbe a tarefa de editar as leis que criam, majoram, reduzam ou extingam tributos, ex vi do disposto no art. 150, inciso I, da CF/88, e art. 97, do Código Tributário Nacional, sendo vedado, inclusive, o emprego da analogia ou da interpretação extensiva (cf. art. 108, § 1.°, do CTN).

Eis a legalidade estrita. A reserva absoluta de lei.

Como desdobramento do princípio da legalidade, no sentido de à lei caber o esgotamento integral de todos os elementos necessários à configuração do fato gerador do tributo, surge o princípio da tipicidade, a fim de que se não deixe qualquer margem de dúvida quando do nascimento da obrigação tributária, devendo o fato concreto subsumir-se inteiramente à hipótese prevista na lei.

Segundo Paulo de Barros Carvalho, o princípio em tela pode ser definido em duas dimensões: "i) no plano legislativo, como a estrita necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo, de modo expresso e inequívoco, os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional; e ii) no plano da facticidade, como exigência da estrita subsunção do evento aos preceitos estabelecidos na regra tributária que o prevê, vinculando-se, obviamente, à adequada correspondência estabelecida entre a obrigação que adveio do fato protocolar e a previsão genérica constante da norma abstrata, conhecida como regra-matriz de incidência."

Assim colocada a questão, indagamos: a utilização das presunções em matéria tributária afetaria os princípios da legalidade e da tipicidade?

Entendemos que não. Vejamos:

Conforme restou demonstrado no início deste trabalho – Capítulo I – toda a Teoria Geral do Direito está calcada no fenômeno da incidência, automática e infalível.

Assim, somente se há de cogitar de fatos jurídicos se e quando determinado fato ou conjunto de fatos se adequar(em) perfeitamente a uma hipótese prevista na norma jurídica.

O fenômeno em tela é a base de sustentação da Teoria Geral do Direito e, pois, de qualquer ordenamento jurídico. É uma regra universal, inerente ao próprio conceito de Direito.

Ao chegar-se à comprovação plausível, explicável, da ocorrência de um fato jurídico tributário, através do uso das presunções – que consiste num processo lógico-mental resultante da ocorrência de um fato conhecido e comprovado, indiretamente ligado a um outro fato, desconhecido e que se pretende demonstrar através da associação com aquel’outro – não está a autoridade administrativa, ou mesmo o julgador, desvirtuando ou infirmando o fenômeno da incidência ou os princípios em tela.

Ora, conforme já salientado alhures, a existência do fato jurídico tributário é indispensável à tributação. Apenas a comprovação de sua existência se faz de forma indireta, por impossível ou impraticável de o ser de forma direta, de acordo com o estabelecer-se de uma correlação lógica na ordem natural dos acontecimentos, v.g. se deixou de emitir notas fiscais de saída de mercadorias tributáveis, a única justificativa plausível para a falta de cumprimento da obrigação acessória em tela (falta de emissão de documentos fiscais obrigatórios) é o intento de sonegação do ICMS, fugindo à incidência da norma jurídica tributária sobre o suporte fáctico cujo encobertamento se pretende – a operação relativa à circulação de mercadorias ou serviços.

Nestes termos, Maria Rita FERRAGUT assevera que "não se trata de alegar que a obrigação decorre de fato não previsto na regra-matriz, mas de ser reconhecer que o conhecimento do evento descrito no fato jurídico tributário dá-se de forma indireta, com base em fatos indiciários graves, precisos e concordantes no sentido da ocorrência pretérita do evento diretamente desconhecido."

3.4 Os princípios da segurança jurídica e da certeza do direito.

A segurança jurídica, ou segurança nas relações jurídicas, por tratar-se de um valor imanente ao direito, tal qual o valor justiça, é tratado como verdadeiro sobreprincípio, no sentido de que está acima inclusive de outros princípios, devendo informar todo o ordenamento jurídico.

É através dele que se garante a "imutabilidade dos direitos e obrigações relacionados com os atos passados e futuros", indispensável para que se estabeleça a estabilidade das relações jurídicas.

Maria Rita FERRAGUT, manifestando sua posição de que o uso das presunções não afeta o princípio da segurança jurídica, afirma que como meio de produção indireta de provas, elas se revestem de "elevado grau de incerteza, prejudicando a necessária apuração dos fatos" e, como tal, só devem ser utilizadas nos casos de impossibilidade de produção de provas de forma direta, já que a sua função é unicamente suprir deficiências probatórias.

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Segundo a autora, "a certeza e a convicção (...) é inatingível objetivamente, estando, nessa perspectiva, também ausente na prova direta."

Roque CARRAZZA sustenta entendimento diametralmente oposto. Segundo ele, a autoridade administrativa deve, em sua atividade de fiscalização, buscar a verdade material, que conduz a um juízo de certeza, e não a um juízo de verossimilhança, que seria o resultado do processo presuntivo.

Data venia das razões do prestigiado mestre, aqui também manifestamos entendimento de que a utilização das presunções em matéria tributária não afronta os princípios em destaque, eis que se não está a modificar, através da atividade de fiscalização, a regra-matriz de incidência do tributo, elegendo-se, como fatos jurídicos tributários, fatos que não constituem hipótese de incidência de tributo regularmente previsto em lei.

Ao contrário, as presunções visam a suprir dificuldades ou impossibilidades de comprovação direta da ocorrência dos fatos jurídicos tributários, sem o comprometimento da segurança jurídica ou da certeza das relações jurídicas.

Assim, temos presente que a relação jurídica se formou a partir da ocorrência do fato descrito no tipo tributário, ao qual se chegou de forma indireta, como resultado de um processo lógico, com a presença de indícios fortes que deságuam naquela conclusão.

Com tal posicionamento não queremos dizer que as presunções podem ser utilizadas de forma desmedida pela administração tributária, com fundamento, única e exclusivamente, no chamado ‘estado de necessidade administrativo’.

Muito pelo contrário. Como exceção que constituem, as presunções só devem ser utilizadas pelo Fisco em casos de absoluta impossibilidade ou grandes dificuldades de produção de provas diretas da ocorrência do fato jurídico tributário e, no mais das vezes, como medida indispensável no combate à fraude fiscal, existindo indícios fortes do seu cometimento, sob pena de desvirtuamento do ordenamento jurídico, onde a exceção sobrepujaria a regra.

3.5 O princípio da capacidade contributiva.

O legislador, ao escolher, dentre os fatos possíveis de ocorrer no mundo real, alguns deles como hipótese de incidência da norma jurídica tributária, deve fazê-lo de forma não aleatória, mas observando se aquele fato específico contém manifestação de riqueza passível de sofrer a incidência da norma. É a capacidade contributiva, vista do ângulo objetivo, relacionado ao fato propriamente dito.

Nestes termos, ela "Representa sensível restrição à discrição legislativa, na medida em que não autoriza, como pressuposto de imposto, a escolha de fatos que não sejam reveladores de alguma riqueza."

Rubens Gomes de Sousa conceitua o princípio em estudo como a "soma de riquezas disponíveis depois de satisfeitas as necessidades elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas."

No que toca com a eficácia do princípio em tela, a utilização das presunções também não a atinge.

Ora, conforme já ressaltado alhures, a presunção nada mais é do que o resultado de uma operação lógico-mental do qual, a partir de um fato diretamente conhecido se extrai, por conclusão, a existência de um outro fato, indiretamente comprovado, e que constitui hipótese de incidência de determinada norma jurídica tributária.

Portanto, referido uso das presunções em matéria tributária não modifica o fato jurídico tributário, que há de ser aquele efetivamente previsto na norma jurídica de que se trate, tampouco o fato-signo presuntivo de riqueza.

O fato gerador in concreto do tributo, in casu o ICMS, continua sendo aquele devidamente previsto na regra-matriz de incidência, e tal fato denota capacidade contributiva, quer seja em seu aspecto objetivo – o fato expressa manifestação de riqueza passível de ser tributada – ou subjetivo – a tributação não retira do sujeito os meios indispensáveis à sua sobrevivência ou à manutenção de suas atividades econômicas.

Assim, usar da presunção como técnica para a comprovação indireta da ocorrência do fato jurídico tributário não afeta o princípio da capacidade contributiva, demonstrada no fato indiretamente provado, devido a circunstâncias especiais, e que fora previsto na regra-matriz de incidência do tributo.

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Sobre a autora
Mirca de Melo Barbosa

Procuradora do Estado de Pernambuco, Advogada, Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Universidade Federal de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Mirca Melo. As presunções em matéria tributária e a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 228, 21 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4835. Acesso em: 23 dez. 2024.

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