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As presunções em matéria tributária e a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco

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21/02/2004 às 00:00
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CAPÍTULO IV - Análise de alguns casos de utilização das presunções em matéria tributária, especificamente na seara do ICMS – a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco – TATE.

Sumário: 4.1 Suprimento de caixa – 4.2 Passivo fictício – 4.3 Falta de emissão de documento fiscal – 4.4 Pautas fiscais. – 4.5 A polêmica questão da substituição tributária "para frente".

4.1 Suprimento de caixa.

Esta figura acontece quando a pessoa jurídica procede à contabilização, em sua escrita fiscal, de pagamentos efetuados com recursos advindos de receitas omitidas e não contabilizadas, provocando um saldo credor na Conta-caixa.

Assim, a pessoa jurídica termina por efetuar mais pagamentos do que a disponibilidade de receitas de que dispunha, provocando uma distorção que somente pode ser justificada ante a entrada de receitas omitidas, visto ser impossível alguém realizar pagamentos superiores à sua disponibilidade financeira.

Em nível de imposto de renda, o Decreto-lei 1.598/77, em seu art. 12, § 3.°, bem assim o Decreto-lei 1.648/78, em seu art. 1.°, inciso II, cujas normas foram absorvidas pelo Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99, autorizam a autoridade administrativa a "arbitrar a receita do contribuinte com base no valor dos recursos de caixa fornecidos à empresa por administradores, sócios, titulares da empresa individual ou acionistas, se a efetividade da entrega e a origem dos recursos não forem comprovadamente demonstrados."

Para afastar a presunção relativa de omissão de receitas, o contribuinte deve provar, simultaneamente: a) a efetiva transferência dos recursos para a pessoa jurídica e b) a dos valores recebidos, se de fonte estranha à sociedade ou, se dela, regularmente contabilizados.

Na seara do ICMS também é utilizado, não de forma polêmica, o suprimento de caixa como prova indireta indicativa da ocorrência do fato gerador do tributo.

Particularmente, já tivemos oportunidade de realizar defesas do Estado de Pernambuco em ações de Embargos à Execução em que se discutia a legitimidade de utilização da referida presunção como fato indicativo da realização de operações relativas à circulação de mercadorias e serviços – hipótese de incidência da norma tributária desse imposto – inclinando-nos sinceramente pela legitimidade de uso da referida presunção, desde que atendidos os princípios constitucionais e ante a impossibilidade de produção de prova direta, eis que em se tratando de contribuintes do ICMS, "se não comprovada a existência de qualquer operação que justificasse a diferença entre receitas e despesas, só promovendo a saída de mercadorias sem emissão de nota fiscal e, conseqüentemente, sem o recolhimento do imposto devido, poderia o contribuinte obter recursos formadores da diferença a maior verificada quanto às despesas.

Exemplificando: se a Secretaria da Fazenda, após a minuciosa análise da escrituração fiscal de determinado contribuinte cuja atividade principal é, por exemplo, a comercialização de confecções, constata que ele realizou pagamentos superiores às suas disponibilidades financeiras e, questionado sobre o fato, não apresenta quaisquer documentos que ilidam a formação da presunção, demonstrando a entrada de recursos por outros meios que não a venda dos seus produtos, como a tomada de empréstimos bancários, presume-se que foi através da não- emissão de notas fiscais – sonegação de ICMS – que ocorreu o saldo credor de caixa, ou seja, você só pagou mais que recebeu porque o que recebeu (vendeu) não foi devidamente registrado. Desta forma, temos a caracterização da regra-matriz de incidência do imposto em questão.

Acerca do tema, calha trazer a lume as seguintes decisões do Tribunal Administrativo-Tributário – TATE – do Estado de Pernambuco:

"EMENTA: 1. ICM. AI. 2. Denúncia de pagamentos efetuados em valores superiores à disponibilidade do Caixa, presumindo-se que houve omissão de saídas de mercadorias tributáveis. 3. Documentos trazidos na impugnação não ilidem a acusação. 4. Ação fiscal procedente. DECISÃO: Face ao exposto, julgo procedente a ação fiscal resultante do AI epigrafado, para condenar a acusada já identificada a recolher aos cofres deste Estado, a título de ICM, o valor correspondente a... UFIR, a ser acrescido da multa de 200% (Art. 510, XVII do Decreto 12.255/87) e dos juros legais cabíveis, tudo atualizado monetariamente até a data do efetivo recolhimento. Bela. Terezinha M A Fonseca – JTE" (AI SF 00.44741/88-0 (TATE 1678/91). DECISÃO JT 634/969(1)).

"EMENTA: ICMS. AI. ‘O fato de a escrituração indicar saldo credor de caixa ou a manutenção, no passivo, de obrigações já pagas, autoriza a presunção de omissão no registro de receita, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência ou presunção’ (DL 1598/77, Art. 12, § 2.°). Ação fiscal procedente. CONCLUSÃO: Considerando que a exordial trata de um dos mais simples procedimentos de ocultação de receitas, que só se elide pela via documental, salvo erro contábil ou procedimento escritural dessistematizado, devidamente evidenciáveis e com poderes eliditórios inatacáveis; considerando que não foi narrada nem acostada à defesa qualquer prova contábil-documental capaz de elidir a presunção juris tantum em que se baseou a exigência tributária vertente; considerando tudo o mais que do processo consta, julgo no sentido de manter integralmente o lançamento ex officio contido na inicial, para condenar a autuada-defendente, já qualificada, ao pagamento do ICMS no valor equivalente a... UFEPE, que pela Lei 11320/95 corresponde a... UFIR, mais a multa legalmente imputada de 200%, afora os juros de mora recalculáveis ex vi legis. Bel. Normando Santiago Bezerra – JTE" (AI SF 005.02546/96-0 (TATE 12374/96-2) DECISÃO JT 719/96(4))

"EMENTA: 1. ICMS. AI. 2. Denúncia de omissão do imposto na saída de mercadorias tributadas. Confronto entre despesas e receitas. Inexistente prova da origem das receitas que justifiquem os pagamentos realizados. 3. Desinteresse da autuada na realização de perícia contábil. DECISÃO: Ante o exposto e considerando que os contratos acostados à defesa apresentam indícios de infração à legislação penal, pelo que os desqualifico como fonte de prova; considerando tudo o mais que do processo consta, julgo procedente o AI em epígrafe, para condenar o autuado ao pagamento do crédito tributário no valor equivalente a... UFEPE. Determino ainda que sejam feitas cópias dos autos e encaminhadas ao Procurador do Estado, com assento neste Tribunal, para que as remeta ao Ministério Público, para fins de direito, ex vi Art. 7.° da Lei 10654/91. Bel.ª Ângela Carolina Cysneiros – JTE" (AI SF 460.00187/93-1 (TATE 8316/94). DECISÃO JT 701/96(6)).

"EMENTA: Crédito tributário lançado de ofício porque foi constatado, mediante análise da Conta Caixa, que a empresa realizou pagamentos, no exercício de 1992, em valor superior às suas disponibilidades, correspondendo à omissão de saídas de mercadorias tributadas o valor suprido àquela conta, irregularmente. Segundo perícia técnico-contábil efetuada pela Assessoria deste Órgão, à qual somente foi apresentada parte da documentação solicitada, não foi possível realizar a conciliação da Conta Caixa, uma vez que os lançamentos nele contidos não foram devidamente comprovados. Os lançamentos contábeis dos livros Diário e Razão não são confiáveis, porque são carentes de comprovação documental. Argumentos não comprovados são ineficazes como meio de prova. O defendente não ilidiu a acusação. Ação fiscal procedente. DECISÃO: Considerando o acima exposto, julgo procedente a ação fiscal que resultou no AI epigrafado, para condenar o acusado já identificado a recolher ao Tesouro Estadual, a título de ICMS normal, o crédito tributário equivalente a... UFIR, que deverá ser atualizado monetariamente até a data do efetivo recolhimento. Outrossim, neste processo há evidência à legislação penal, motivo pelo qual, nos termos do Art. 7.° da Lei 10654/91, a Secretaria deste Órgão deverá extrair cópias autênticas das fls.... , encaminhando-as em autos apartados ao Procurador do Estado, para os fins de direito. Bela. Terezinha M A Fonseca – JTE" (AI SF 001.06678/93-0 (TATE 7536/94) DECISÃO JT 894/96(1). ).

4.2 Passivo fictício.

A criação, pela pessoa jurídica, de um passivo fictício, ou seja, passivo que não existe, pode derivar de dois fatores, conforme ensina Leonardo Sperb de PAOLA: a) "a não contabilização de obrigações liquidadas pela empresa, o que lhe permite omitir a saída de dinheiro, sem redução de seu ativo circulante"; e b) "a concessão de ‘empréstimos’ pelos sócios à empresa, com o dinheiro que nele deu entrada sem registro."

A utilização de tal presunção se encontra respaldada, no que tange ao Imposto de Renda, no Decreto-lei 1.598/77 e no art. 40 da Lei 9.430/96. Demais disso, tanto a doutrina quanto a jurisprudência a aceitam pacificamente, o mesmo não valendo para o ICMS. Vejamos, a propósito, o julgado abaixo:

"A existência de passivo fictício é relevante para o Imposto de Renda, mas não funciona em relação ao Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM), que demanda a prova de uma operação mercantil com seu fato gerador próprio [...]. Simples suprimentos de caixa não acarretam circulação de mercadorias e, por isso mesmo, não são tributáveis, tanto mais em relação a eles não se pode falar de valor agregado. Não havendo prova cabal de saída de mercadorias" (Recurso Extraordinário n.° 80.695-4)

De nossa parte, entendemos plausível o uso da referida presunção em matéria de ICMS, e os próprios opositores de referida tributação dão a resposta, a contrario sensu, para a sua utilização, ou seja, a tributação seria plenamente justificável, salvo se ilidida por prova em contrário, como a comprovação de que a receita omitida proveio de operações não tributadas por via do ICMS.

4.3 A falta de emissão de documento fiscal.

A emissão de documentos fiscais constitui obrigação acessória da obrigação tributária principal, que é o dever de recolhimentos dos tributos imputados pela pessoa jurídica de direito público constitucionalmente competente para a sua imposição.

Constituem meios de prova da ocorrência ou inocorrência do fato legalmente previsto na regra jurídica como apto à produção da obrigação tributária principal.

Partindo desse ponto, da falta de emissão de documentos fiscais obrigatórios (fato conhecido e diretamente provado) extrai-se necessariamente a conclusão de que houve sonegação de tributo devido.

Demais disso, comprovada a existência de erro contábil do contribuinte, o lançamento, se efetuado, deverá ser desconstituído por ausência de causa jurídica.

Vejamos os julgados do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco – TATE – sobre esta matéria:

"EMENTA: 1. ICMS. AI. 2. Denúncia de omissão de saídas. Presunção fiscal. 3. Mero erro de lançamento contábil em ingresso de receita pelo dúplice registro em conta do Ativo Permanente não valida o presuntivo de sonegação do imposto. 4. Inexistência de comprovação de irregularidade relativa à saída de mercadorias. 5. AI improcedente. 6. RV provido. Decisão reformada. Unânime. A 3.ª TJ/TATE, na apreciação do RV tempestivamente interposto contra a Decisão JT 1014/95(9), relativa ao processo acima indicado; considerando o que se deflui dos termos descritos na ementa supra, acorda, unânime, em dar provimento ao apelo voluntário para reformar a decisão recorrida, a fim de julgar improcedente o AI epigrafado. RO ao Pleno na forma da lei. (AI SF 001.10598/93-8 (TATE 7548/94) TJ 3813/95. ACÓRDÃO 1381/96(8) 3.a TJ)

"EMENTA: 1. ICMS. AI. 2. Denúncia de omissão de saídas, presumida em decorrência do não lançamento no livro RE, de NF emitida contra a autuada. 3. Aplicação do Art. 5.° da lei 10781/92. 4. Impugnação consistindo em meras alegações de não haver adquirido as mercadorias, sem apresentação de qualquer prova do alegado, acrescida do fato do autuado não ter ingressado em juízo contra o emitente da citada NF, declarando não ser o adquirente das mercadorias, como previsto no §2.° do Art. 5.° da lei acima citada. 5. Medida fiscal procedente. RO provido. A 3.ª TJ/TATE, no julgamento do processo acima indicado, considerando os motivos constantes da ementa supra, acorda unânime, em dar provimento ao RO interposto da Decisão JT 397/96(6) para julgar procedente a medida fiscal, condenando o autuado ao pagamento do ICMS no valor de... e da multa prevista no Art. 745, XVII do Decreto 14876/91, acrescidos de correção monetária e juros de mora, na forma da lei" (AI SF 190.01250/93-1 (TATE 7283/94). ACÓRDÃO 1653/96(1) 3.ª TJ).

"EMENTA: 1. ICMS. AI. Combustíveis e lubrificantes. Falta de registro no LRE de notas fiscais de aquisição de mercadorias. Presunção de saídas das mesmas sem o competente registro. Fornecedor habitual do autuado. Presunção legal não ilidida pelo autuado. Contribuinte não obrigado ao recolhimento do ICMS na saída. Total procedência da medida fiscal. DECISÃO: Ante o exposto, julgo totalmente procedente o AI em referência, para obrigar... , já qualificado, ao pagamento do crédito tributário no valor de... , correspondente a... UFIR, ante a aplicação da penalidade prevista no Art. 745, XII do Decreto 14876/91, por infração aos Artigos 260 e 263 do mesmo diploma legal. Bel. Daniel Alves dos Santos – JTE" (AI SF 180.01141/95-6 (TATE 12205?96-6). DECISÃO JT 863/96(3))

"EMENTA: ICMS. AI. Combustíveis. Omissão de saídas. Operações não escrituradas nos livros fiscais. Falta de recolhimento do imposto: exercícios e períodos diversos. Apuração pelo confronto entre o LMC – Livro de Movimentação de Combustíveis – e o levantamento físico dos estoques. Defesa tempestiva dizendo que os fatos relatados não estão convenientemente provados. Nulidades alegadas inexistentes. Pedido de perícia formulado em desacordo com a Lei e assim indeferido. Fatos comprovados. Total procedência da medida fiscal. DECISÃO: Ante o exposto, julgo totalmente procedente a ação fiscal consubstanciada nos AIs em referência, para obrigar... , já qualificada, por infração aos Arts. 263 e 264 do Decreto 14876/91, ao pagamento do crédito tributário que, com a aplicação da penalidade prevista no Art. 745, XVII do mesmo diploma legal, alcança o valor de... , equivalente a... UFIR. Bel. Daniel Alves dos Santos – JTE. (AIs SF 005.02616/95-4; 005.02617/95-0 e 005.02618/95-7 (TATE 12171/96-4). DECISÃO JT 864/96(3)).

4.4 As pautas fiscais.

Conforme assevera Ernesto Eseverri MARTINEZ, as pautas fiscais ou técnicas de estimativa, não constituem presunções, mas "auténticos criterios para la valoración de magnitudes tributarias, no de procesos de deducción lógica plasmados en la ley, a través de los cuales y advertida la existencia del hecho base se llega a la conclusión del hecho presumido."

Vejamos: as presunções legais são firmadas a partir do conhecimento direto de um fato-base que guarda conexão lógica e dependência com a ocorrência de um outro fato – o fato presumido. Por sua vez, as pautas fiscais, que consistem em técnicas de estimativa, são estabelecidas pela lei para aferição de bases de cálculo de tributos nos quais existe uma significativa ausência de colaboração do sujeito passivo com a Administração tributária, aliada à complexidade e dinamismo das operações que as envolvem, o que termina por proporcionar grande facilidade ao cometimento de evasão fiscal, v.g. nas operações de comercialização dos combustíveis.

Nestes termos, vemos que as presunções se situam no campo das provas, enquanto que as estimativas se situam no campo das valorações fiscais, ou seja, meios de determinação das bases tributárias, ou seja, em se tratando de estimativa fiscal, a lei diz: ‘a base de cálculo é esta’, enquanto que na estimativa há a determinação do valor de uma realidade jurídica distinta da real. Em assim sendo, as pautas ou estimativas fiscais constituem uma ficção, pois que se cria uma realidade jurídica distinta da realidade fenomênica, de forma que, enquanto ficção, sua utilização é vedada pelo ordenamento jurídico.

Por meio de tais expedientes, a autoridade administrativa poderá estabelecer normativamente o valor de certas mercadorias ou o preço de determinados serviços como base de cálculo para a cobrança do ICMS, sempre que não forem apresentados documentos legalmente exigíveis para aferição do valor da operação ou, se apresentados, mostrem-se inidôneos para o fim a que se destinam.

O art. 148 do Código Tributário Nacional dispõe que:

"Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial."

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Observados tais parâmetros, a utilização das pautas fiscais constitui um expediente legítimo da administração tributária. O que não se concebe, data venia, é o estabelecimento de pautas cujos valores se mostram completamente dissonantes da realidade de mercado, o que redunda no atingimento de princípios constitucionais e, via de conseqüência, no aumento generalizado dos preços dos produtos para o consumidor final.

Ocorre que as legislações estaduais, como é o caso do Estado de Pernambuco (art. 14, §§ 8.º e 9.º, c/c os arts. 10 e 24, inciso V, do Decreto 14.876/91, que regulamentou a Lei n.º 10.259/91, instituidora do ICMS no Estado), prevêem a hipótese de lançamento através de pauta fiscal, em caso de simples divergência entre o valor declarado e o valor de mercado das mercadorias ou serviços, abrindo ensanchas para a sua aplicação independente da ausência de documento fiscal obrigatório ou da inidoneidade do mesmo, e sem observância ao que preceitua o referido artigo 148 do CTN.

Pensamos em consonância com Hugo de Brito MACHADO, quando afirma que o uso das chamadas pautas de valores há que ser exercido única e exclusivamente enquanto presunção relativa, somente nos casos acima descritos (falta de apresentação de documento fiscal obrigatório ou inidoneidade de documento apresentado), e desde que observado o comando do art. 148 do CTN, acima transcrito. O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou neste sentido. Vejamos o seguinte julgado, do Superior Tribunal de Justiça:

"Ementa: Tributário. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Base de cálculo. Fixação através de pautas de preços ou valores. Inadmissibilidade. Quer se entendam as pautas fiscais como presunção legal ou ficção legal da base de cálculo do ICMS, é inadmissível sua utilização apriorística para esse fim. A lei de regência do tributo (Decreto-lei n.° 406, de 31 de dezembro de 1968) determina que a base de cálculo é ‘o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria’ (art. 2.°, I). Mesmo que tomada como presunção relativa, a pauta de valores só se admite nos casos do art. 148 do Código Tributário Nacional, em que, mediante processo regular, se arbitre a base de cálculo, se inidôneos os documentos e declarações prestadas pelo contribuinte. Os incisos II e III do art. 2.° do Decreto-lei n.° 406/68 prevêem a utilização do valor de mercado dos bens apenas à falta do valor real da operação. Precedentes do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucionais essas pautas. Recurso provido, por unanimidade " (STJ – 1.ª Turma, REsp. 23.313-0 – Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julgado em 18.12.92).

4.5 O fato gerador presumido na substituição tributária "para frente".

Conforme já ressaltado alhures, toda a Teoria Geral do Direito está sedimentada em duas noções fundamentais: primeiramente, de fato jurídico e, posteriormente, de relação jurídica, nos quais só se há cogitar onde exista a infalível incidência da regra jurídica sobre determinado suporte fáctico nela hipoteticamente previsto.

O uso legítimo das presunções em direito tributário, como em qualquer outro ramo do direito, nunca haverá de infirmar tais proposições, inerentes ao conceito de direito, tampouco os princípios que lhe são próprios.

A chamada substituição tributária "para frente", quer seja por imputar a obrigação legal de antecipar o pagamento de tributo cujo fato gerador ainda não ocorreu (e quiçá ocorrerá), quer seja porque faz tal obrigação recair sobre um terceiro, encontra-se desconforme com tais conceitos.

É certo, porém, que a probabilidade de ocorrência de determinado fato possa ser tida pela regra jurídica como suporte fáctico suficiente à sua incidência, mas não o é em relação ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS – cuja hipótese de incidência (suporte fáctico, fato gerador em abstrato) é a operação relativa à circulação de mercadorias e serviços.

A admitir-se a constitucionalidade e legitimidade da norma jurídica veiculada pelo § 7.º do art. 150 da Constituição Federal de 1988, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 03/93, há que se admitir, mutatis mutandis, a modificação da regra-matriz de incidência do imposto em questão, que já não mais seria a operação relativa à circulação de mercadorias e serviços, mas a mera probabilidade (incerta) de sua ocorrência.

E não se argumente em defesa da tese de constitucionalidade de tal dispositivo que as presunções são normalmente aceitas para a comprovação de ocorrência de fatos geradores de tributos devidos, pois a semelhança não resiste a mais mínima refutação – é que a presunção legitimamente aceita diz com fatos geradores efetivamente ocorridos no mundo fenomênico, cuja comprovação se faz de forma indireta – ou que o referido § 7.º, por inserto na Constituição Federal de 1988, é norma possuidora da mesma hierarquia das normas postas no referido diploma superior, quando de sua elaboração original.

Neste aspecto, entendemos que as emendas constitucionais, porque formuladas em conseqüência do exercício do poder constituinte derivado, hão que observar as regras que constam do texto original, pois somente o Poder Constituinte originário detém as qualidades que lhe são próprias. Nenhum outro.

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Sobre a autora
Mirca de Melo Barbosa

Procuradora do Estado de Pernambuco, Advogada, Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Universidade Federal de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Mirca Melo. As presunções em matéria tributária e a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 228, 21 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4835. Acesso em: 24 dez. 2024.

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