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O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais

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20/02/2004 às 00:00
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II. O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

2.1. A Saúde como um Direito Fundamental Social

Como análise preliminar do presente estudo, é mister delinearmos precipuamente um conceito de saúde, haja vista que esta discussão perdurou por vários séculos.

O primeiro conceito de saúde, provavelmente foi externado pelos pensadores da Grécia Antiga, através do qual já dizia o brocardo "Mens Sana In Corpore Sano", que pode-se dizer que foi um marco da definição de saúde. Entretanto, o termo "saúde" designa pensamentos diversos, pois de um lado "o entendimento de que a saúde relacionava-se como o meio ambiente e as condições de vida dos homens; do outro lado, o conceito de saúde como ausência de doenças."

A partir do século XX com surgimento da Organização Mundial as Saúde (OMS) em 1946, a saúde foi definida como o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças ou agravos, bem como, reconhecida como um dos direitos fundamentais de todo ser humano, seja qual sua condição social ou econômica e sua crença religiosa ou política. Diante disto, pode-se dizer que a saúde é uma incessante busca pelo equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e vários componentes."

Contudo, a conceituação de saúde dada pela OMS sofreu várias críticas, haja vista que as verbas públicas podem correr o risco de não serem suficientes para e efetivação de um completo bem-estar físico, mental e social. Assim, preconiza Kraunt acerca do conceito de saúde externado pela OMS, " la aplicación de este concepto reconoce límites culturales, sociales y económicos."

A saúde também é uma construção através de procedimentos, delineados por "um proceso dinámico, es um fenómeno holístico, po lo tantono puedem darse definiciones estáticas, permanentes." É inequívoco então dizer que a definição de saúde está vinculada diretamente a sua promoção e qualidade de vida. Isto posto, é coerente descrever a definição de Bolzan de Moraes:

O conceito de saúde é, também, uma questão de o cidadão ter direito a uma vida saudável, levando a construção de uma qualidade de vida, que deve objetivar a democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurando livrar o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios.

Logo, a partir da definição de saúde, poder-se-á externar a afirmativa de que a saúde correlacionada com o direito designa um direito social, ou seja, o direito à saúde. Assim, o direito à saúde está presente em diversos artigos de nossa Carta Constitucional de 1988 a saber: arts. 5 º, 6 º, 7 º, 21, 22, 23, 24, 30, 127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 216, 218, 220, 225, 227 e 230.

A moderna doutrina jurídica desperta na sua mais pura hermenêutica, bem como, nas legislações atuais, que o direito à saúde está interligado com vários outros direitos como por exemplo: direito ao saneamento, direito à moradia, direito à educação, direito ao bem-estar social, direito da seguridade social, direito à assistência social, direito de acesso aos serviços médicos e direito à saúde física e psíquica.

Então, existem vários direitos afins com o direito a saúde, pois na legislação infraconstitucional, a Lei n º 8.080/90, que trata do assunto, no seu art. 3 º, caput, já faz menção que a saúde possui características determinantes correlacionadas como a educação, a moradia, o trabalho, o saneamento básico, a renda, o meio ambiente, o transporte, o lazer e o acesso a serviços essenciais.

A saúde está relacionada com a educação, posto que, se o indivíduo recebe uma correta educação evitará muitos problemas devido a informação e entendimento no assunto. Isto posto, a saúde também é correlata com o trabalho, uma vez que o trabalho possui uma função também primordial na vida dos seres humanos e diante deste aspecto a saúde é pressuposto para o cidadão realizar suas tarefas, bem como a segurança na questão das doenças e acidentes no trabalho.

Por se externar uma Carta eminentemente social, nossa Constituição Federal de 1988, no seu art. 6 º, reconhece a saúde como um direito social. Partindo deste pressuposto, o direito à saúde "passa a ser um direito que exige do Estado prestações positivas no sentido de garantia/efetividade da saúde, pena de ineficácia de tal direito."

Os direito sociais localizam-se no Capítulo II do Título II da nossa Carta Magna de 1988. O Título II da nossa Constituição Federal elenca os direitos e garantias fundamentais. Nesta sistemática, "se os direitos sociais estão insculpidos em um capítulo que se situa e que está sob a égide dos direitos e garantias fundamentais, é óbvio que os direitos sociais (como a saúde) são direitos fundamentais do homem e que possuem os mesmos atributos e garantia destes direitos."

Deste modo, é inegável que o tratamento constitucional aos direitos sociais possui assento no Título II, entre os direitos fundamentais.

Diante de que esta vasta clareza e coerência ainda causasse certa dúvida ou não fosse entendida, a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90), no disposto do art. 2 º, "responde de forma cabal, escorreita e induvidosa qual a natureza dos direitos sociais, ao assinalar expressamente que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover de condições indispensáveis ao seu pleno exercício."

Com parâmetros diversos, José Pastrana, muito bem citado pelo Prof. Schwartz, preceituava em sua obra de 1984 sobre o direito à saúde:

...en definitiva, de una servidumbre de los denominados derechos sociales, que no gozan de la misma garantía que los derechos fundamentales y liberdades públicas en sentido estricto y que traduce fielmente las afirmaciones realistas de Forsthoff, sobre el papel secundario que las Constituiciones ortogam en la práctica al Estado Social frente al Estado de Derecho, pués éste sería el valor primario, dotado de las garanias jurídicas, mientras que el Estado Social dependería de las circunstancias económicasy de la intervención concreta de la Administración, más que los preceptos constituionales, pués los derechos de participación en bienes sociales sólo tendríam sentido en el marco de lo adecuado o posible en cada momento, no siendo susceptibles de una garantía a través de una norma constitucional, forzosamente lapidaria e incapaz de substituir o hacer innecesaria la regulacion legal ordinaria.

A partir da lição externada acima, os direitos sociais em uma clássica abordagem, delineiam ações positivas do Estado, em contraposição aos direitos fundamentais do homem, compreendidas como as liberdades públicas, que encerram ações negativas do Estado, "fazendo com que certa corrente doutrinária desqualifique-os como verdadeiros direitos, entendendo-os como simples garantias institucionais."

No entanto, esta concepção, não condiz com a realidade e a nova exegese constitucional na doutrina atual, uma vez que o direito à saúde é um direito fundamental social elencado no Capítulo II do Título II da CF/88. Pois este posicionamento diante de nossa Carta Magna, atenta contra o Estado Democrático de Direito e toda a sistemática constitucional, haja vista que se designarmos o direito à saúde como uma norma programática (ver item 1.3) afrontaria o caráter dirigente da Constituição Federal de 1988, que por sua vez delineia uma característica pluralista com o escopo de realizar justiça social.

Conforme o constituciolista Bonavides:

A nova Hermenêutica constitucional se desataria de seus vínculos com os fundamentos e princípios do Estado Democrático de Direito se os relegasse ao território das chamadas normas programáticas, recusando-lhes concretude negativa sem a qual, ilusória a dignidade da pessoa humananão passaria também de mera abstração.

Assim, o art. 196 da CF/88 que trata a saúde como um direito de todos e dever do Estado, não pode ser interpretado como uma norma programática, e conseqüentemente de eficácia limitada, posto que a saúde para efeitos de aplicação do art. 196 deve ser conceituado, segundo o expoente prof. Schwartz como:

Um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo Ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar.

A Carta Maior de 1988, sinaliza uma negativa para a doutrina que entende que os direitos sociais como não sendo direitos iusfundamentais. Isto posto, o Supremo Tribunal Federal – STF segue a esteira da melhor doutrina, no julgamento do Recurso Extraordinário 271.286-RS, ao qual o voto do Relator Ministro Celso de Mello, nega o caráter de cunho programático do art. 196 de CF/88. É notório que o "órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro não poderia se orientar de forma diversa, pois, no que concerne aos direitos sociais a doutrina mais conseqüente (...), vem refutando a tese, e reconhece neles a natureza de direitos fundamentais, ao lado dos direitos individuais, políticos e do direito a nacionalidade."

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, no Recurso Extraordinário em Mandado de Segurança, externado na peça de n º 11183/PR, no voto do Relator Ministro José Delgado, também preconiza que o direito à saúde é um direito fundamental do ser humano, consagrado na Constituição da República nos arts. 6 º e 196. É magistral a referenda do supracitado Relator Ministro em seu voto:

Descipienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6 º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que ‘a saúde é um direito de todos e dever do Estado’(art. 196).

Ora, nos parece totalmente inequívoco externar que o direto à saúde é um direito fundamental social, visto que, é possuidor de todas características inerentes a estes direitos, haja vista o art. 5º, § 1º da CF/88, que insere a saúde no rol dos direitos fundamentais explicitamente. E caso surgisse alguma controvérsia a respeito, podíamos nos socorrer a norma do art. 5 º, § 2 º da nossa Lei Maior de 1988, ao qual, desencadearia o direito à saúde, embora não-escrito, como um direito fundamental implícito.

Ainda sim, é mister designarmos a coerente lição de Sarlet, interpretada pelo prof. Germano Schwartz:

(...) diante da primordialidade dada à preservação da vida por nossa Carta Magna, e face as características inerentes aos direitos fundamentais do homem, que o direito à saúde encontra-se amparado pelo disposto no art. 60, § 4 º, IV, da CF/88, conferindo-lhe caráter de ‘cláusula pétrea’, ou seja, um real limite material implícito à reforma constitucional, ou, ainda, uma verdadeira cláusula proibitiva de ‘retrocesso social sanitário, nos mesmos moldes estabelecidos pela Constituição de Portugual.

Seja por uma tangente ou outra, é notório a identificação, seja das normas, doutrinas ou jurisprudências acerca de que a saúde é um direito fundamental social do homem, visto que detém o direito à saúde em sua normatividade a aplicabilidade imediata e a eficácia plena.

Por derradeiro, o direito à saúde perante os dispositivos de nossa Carta Magna de 1988, deve ser entendido como um direito social fundamental, que na sua essência deve ser buscado na maior otimização possível, haja vista que a preservação da vida e ao respeito a dignidade humana em consonância com a justiça social a ser alcançada, externam o direito à saúde como um verdadeiro direito público subjetivo com toda sua fundamentalidade.

Isto posto, é mister designar que quando o cidadão na situação de não ter condições pecuniárias para fruir a saúde deste e de sua família, ocorrer-se-á um elo jurídico criador de obrigações entre o Estado (devedor) e o cidadão (credor) no que tange seu direito à saúde.

De outra banda, "a causa de inefetividade dos direitos sociais está na ausência de vontade política para materializar sua principal forma de garantia (prestações positivas estatais), e não nas dificuldades de acionar tais direitos." Diante disto, a não atuação do Estado na prestação sanitária, revela uma afronta ao nosso bem maior, que é a vida. Pois o direito à saúde, neste aspecto é eivado de aplicabilidade imediata e eficácia plena, e deve ser respeitado como tal, eis que se consubstancia como um direito público subjetivo, tendo posição de destaque na Constituição como um direito fundamental social.

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2.2. O Dever do Estado

O art. 196 da Constituição Federal de 1988 é claro ao estabelecer que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Assim, o dever do Estado é pressuposto basilar na efetivação da saúde, uma vez que vivemos em um Estado Democrático de Direito.

Quando se fala em um Estado Democrático de Direito, se fala em "superar desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize justiça social". Seguindo a corrente de pensamento, é oportuno externar que a justiça social está ligado à qualidade de vida. Logo, a saúde é um apêndice da qualidade de vida, escopo de todo cidadão.

Diante disso, o Estado Democrático de Direito está em evidente conexão com o Direito à saúde, visto que a nossa Lei Maior de 1988 o encerra como um direito fundamental social, ou seja, um direito inerente ao ser humano, no sentido de o Estado – devedor realizar a efetivação do direito à saúde para com o cidadão – credor, ao qual, este direito lhe é pertinente.

Isto posto, o Brasil "está obrigado a realizar mudanças na procura de que a saúde seja efetivamente aplicada e de que seja ela (saúde) um real instrumento de justiça social."

A nossa Carta Magna, através do art. 6 º, bem como do art. 196, impõe ao Estado o dever de atuar na efetivação e aplicação da saúde, seja esta preventiva ou curativa. E, como foi externado no tópico anterior, esta aplicação deve ser imediata, eis que os ditames da nossa Constituição nos leva a tal compreensão.

Devido a CF/88 não ser uma Constituição dirigente, posto que suas características revelam um Estado Democrático de Direito, o dever do Estado no que concerne a saúde, exprime "evidente caráter vinculativo em relação ao legislador, ao poder público, aos órgãos administrativos, ao Poder Executivo, aos juízes, aos Tribunais, e, também no âmbito das relações jurídico-privadas."

Na esteira do raciocínio de Sebastião Tojal, o direito à saúde:

(...) está, pois, o Estado juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde, visando a construção de uma nova ordem social, cujos objetivos, repita-se, são o bem-estar e as justiças sociais, pois a Constituição lhe dirige impositivamente essas tarefas.

Devido a saúde ser um dever do Estado, este tem a obrigação de estabelecer as ações e serviços públicos de saúde, uma vez que para efetivação e concretização da saúde, o art. 198 da CF/88 estabelece que estas ações e serviços públicos concernentes à saúde, sejam designados, através de uma ação integrada, em um sistema único, de forma regionalizada e hierarquizada.

Nesta óptica, a promoção da saúde é um dever do Estado, e este dever do Estado para com a saúde externar-se-á através de um sistema único. Este sistema único é realizado através da Lei infraconstitucional 8.080/90, que estabelece o SUS – Sistema Único de Saúde. Assim, a Administração Pública está diretamente ligada a promoção e efetivação do direito à saúde. Pois o art. 4 º do ordenamento infraconstitucional ( Lei 8.080/90) é claro ao estabelecer que as ações e serviços de saúde serão prestados por todas as instituições públicas federais, estaduais e municipais do Poder Público, que da mesma forma constituem o SUS.

Outra característica inerente ao dever do Estado no que tange a saúde, é a sua gratuidade, pois o Estado é obrigado a promover a saúde para os cidadãos de forma gratuita, haja vista que o Estado, "quando investe recursos públicos no sistema de saúde, não visa explorar economicamente essa atividade, mas visa prestar um serviço público básico ao direito fundamental da dignidade da pessoas humana."

Outra tangente a ser analisada, é de que o direito à saúde é um direito público subjetivo, e isto constitui também um dever do Estado. Não é à toa que novamente nos referimos ao art. 196 da CF/88, pois o já tantas vezes citado dispositivo constitucional exprime um direito público subjetivo, haja vista o magistério do Prof. Schwartz:

Uma das questões a ser respondida é saber se é possível, com base no disposto do art. 196 da CF/88, afirmar a existência de um direito público subjetivo oponível contra o Estado, obrigando-o a determinada prestação, independentemente de previsão em legislação ordinária, e, portanto, passível de reclamação pelo titular do direito via judicial e/ou administrativa. (...) A resposta é (e tem de ser) positiva.

Assim sendo, o direito à saúde é reconhecidamente um direito originário a prestações, haja vista a sua característica de direito público subjetivo exprimindo prestações materiais para proteção da qualidade de vida. Isto posto, é decorrente diretamente da Constituição, consubstanciando em uma exigência inderrogável de qualquer Estado que exprima nos seus pilares valorações básicas a dignidade humana e à justiça social.

No direito comparado, a doutrina também expressa o entendimento de que a saúde é um direito público subjetivo no sentido de o Estado propiciar a sua garantia/efetividade e reconhecer o seu dever de atuação na saúde, haja vista, a inequívoca lição de Kraunt:

Hoy día se debate sobre la possibilidad de conceder legitimacíon procesal e las personas afectadas por violaciones al derecho ‘constitucional colectivo’a la preservacíon de la salud. Cabe coincidircon quienes entienden, decía Sangüés ya reforma constitucional, que en los supuestos de atentados a los derechos colectivos e difusos, debe admitirse la legitimacíon de cualquier perjudicado en su medio ambiente (y, agregamos obviamente, su salud).

Por derradeiro, a não atuação do Estado para com o direito à saúde, importar-se-á numa eventual ação judicial e/ou administrativa quando o Estado não desempenhar o seu dever de promover e garantir a saúde. A jurisprudência é clara neste sentido:

MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE EXAMES E MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À SAÚDE E VIDA DO IMPETRANTE. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. É dever e responsabilidade do Estado, por força constitucional e infraconstitucional, o fornecimento de exames, medicamentos e aparelhos essenciais e indispensáveis à saúde e à própria vida do impetrante. Preliminar de ilegitimidade afastada. O direito à saúde, pela nova ordem constitucional foi elevado ao nível dos direitos e garantias fundamentais, sendo direitos de todos e dever do Estado. Aplicabilidade imediata dos princípios e normas que regem a matéria. Segurança concedida." (9 fls.) (MSE n º 597258359, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, julgado em 17/03/2000).

DIREITO CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO À SAÚDE. Internação hospitalar. Apoiando-se a internação em direito subjetivo constitucional, que alcança como devedor qualquer dos entes federativos, ofensivo a direito líquido e certo do impetrante e a negativa. Mandado de Segurança concedido. (Mandado de Segurança n º 597267608, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Julgado em 18/06/19990.

MANDADO DE SEGURANÇA. SAÚDE PÚBLICA. MEDICAMENTOS. É direito do cidadão exigir, e dever do Estado fornecer, medicamentos excepcionais e indispensáveis à sobrevivência quando não puder prover o sustento próprio sem privações. Segurança concedida. ( 7 fls.) (Mandado de segurança n º 70000696104, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Desembargador Arno Werlang, Julgado em 05/05/2000).

Tanto por força da Constituição Federal, quanto pelo ordenamento infraconstitucional da Lei 8.080/90, é reconhecido o dever do Estado para com o direito à saúde, uma vez que, o cidadão, por intermédio do direito público subjetivo, está legitimado para "o exercício das prerrogativas estabelecidas nas legislação correlata, tanto na instância administrativa como na instância judicial."

Para Ruy Ruschel, muito bem citado pelo expoente Prof. Schwartz:

ante o novo arranjo constitucional brasileiro, pode-se sustentar, com apoio jurídico expresso, o seguinte: a qualquer interessado cabe pleitear, em ação comum própria, perante o Juiz Natural, o acesso imediato e concreto a algum direito fundamental (isto é: individual, coletivo, social, trabalhista ou político.

O dever do Estado no que tange o direito à saúde, é impreterivelmente o pólo passivo da relação com o cidadão possuidor de direitos, e diante disto, O Estado tem a obrigação de efetivar o direito à saúde, seja através da prevenção ou recuperação da mesma.

2.2.1. As Políticas Sociais e Econômicas

Para a efetivação do direito à saúde, é mister que o Estado designe uma sistemática para tal, e, isto posto, esta efetivação dar-se-á mediante políticas sociais e econômicas.

Assim sendo, recorremo-nos mais uma vez ao art. 196 da Carta Magna de 1988, que de inovador que foi, colocou o direito à saúde como um dever do Estado, e esse dever do Estado dar-se-á através da intervenção do mesmo na consecução do direito à saúde, sempre com ações positivas em prol da saúde e nunca pela sua inação.

Isto posto, essas ações positivas estatais são concretizadas mediante políticas sociais e econômicas, dever constitucionalmente imposto pela Constituição e Legislação correlata.

Pois o direito à saúde é um direito fundamental social e para que a saúde realmente faça parte da qualidade de vida do cidadão e da dignidade humana, é necessário que o Estado atue no sentido de dar maior otimização para o direito sanitário.

Dissecando o art. 196 da Lei Maior, este externa que as políticas sociais e econômicas tem como escopo a redução do risco de doenças e de outros agravos. Então, isto delineia uma atuação estatal no sentido de prevenção, haja vista que a redução de doenças dar-se-á através da saúde preventiva.

Outra aspecto a ser analisado, é de que também reduzam outros agravos, estes outros agravos, expressos no referido dispositivo constitucional "significa a impossibilidade de tudo se prever em relação à saúde, o que reforça a idéia de excessiva contingência sanitária, que poderá ser reduzida através da adoção da matriz pragmático-sistêmica de direito."

As políticas sociais e econômicas, devem também exprimir um acesso igualitário e universal para qualquer ser humano, independente de raça, credo, cor, religião etc. Assim, todo e qualquer cidadão, inclusive o estrangeiro tem o direito à saúde, direito de ser atendido pelo sistema Único de Saúde, justamente por ser um cidadão com direitos fundamentais inerentes a sua pessoa.

Por sua vez, o dever do Estado para com a saúde, é de realizar implementos e acessos significativos para as pessoas terem o direito à saúde efetivado, e diante disto, o Estado também tem a imposição constitucional de promover a saúde, não somente curando e prevenindo doenças, mas também modificando o sistema social, através de uma construção mutante, que eleva cada vez mais a qualidade de vida, que está muito bem expressa nos direitos equivalentes do art. 3 º da Lei n º 8.080/90.

Contudo, não é só a promoção, acesso igualitário e universal, e redução de doenças e outros agravos que externam o papel das políticas sociais e econômicas como dever do Estado na efetivação do direito à saúde. Pois há que se ter em mente, também a proteção, bem como a recuperação da saúde como uma política social e econômica.

De outra banda, o art. 197 da Constituição Federal, revela que as políticas sociais e econômicas, proferidas através de ações e serviços devem ser de relevância pública. É oportuno o magistério de Carvalho e Lenir Santos acerca de relevância pública:

Talvez enunciar a saúde como um estado de bem-estar prioritário, fora do qual o indivíduo não tem condições de gozar outras oportunidades proporcionadas pelo Estado, como educação, antecipando-se, assim, à qualificação de ‘relevância’ que a legislação infraconstitucional deverá outorgar a outros serviços públicos e privados, para o efeito no art. 129, II da Constituição.

O art. 197 da CF/88, ao expressar relevância pública às ações e serviços de saúde, vinculam o Poder Público na consecução do mesmo, conforme a lição de Lenir Santos:

No presente caso, a caracterização da relevância pública dos serviços e ações de saúde, o reconhecimento da saúde como um direito social e individual e o fato de a saúde ser o resultado de políticas sociais e econômicas que reduzem o risco de doença são os princípios essenciais que vão informar todas as ações e serviços de saúde.

A conclusão que podemos chegar é de que a defesa da saúde, é dever do Estado em todas as suas esferas ( União, Estados-membros, e Municípios), eis que as ações e serviços para efetivação da saúde são de relevância pública, pois diante disto, o Poder Público está vinculado para promover as políticas sociais e econômicas para a consecução da saúde.

A competência para o direito sanitário, na sua efetivação, é do Estado como um todo, posto que "a Constituição vigente não isentou qualquer esfera de poder político na obrigação de proteger, defender e cuidar da saúde. (...) é de responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios."

Por derradeiro, o art. 197 da Carta Constitucional de 1988, não exclui a participação de terceiros e também, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado na execução de ações e serviços para com a saúde.

Assim, as políticas sociais e econômicas, garantidas mediante ações e serviços de saúde, conforme versa o art. 198 da CF/88, serão através de uma rede hierarquizada e regionalizada, constituindo um sistema único, conforme "os princípios de integralidade, igualdade e participação comunitária, que são vinculativos tanto aos serviços executados diretamente pela Administração Pública, como aqueles efetuados através de contratações, convênios, terceiros e particulares."

As políticas sociais e econômicas, tem por objetivo, organizar o sistema único de saúde, fazendo com que o mesmo seja acessível e igualitário, através de uma sistemática de interligação de princípios, diretrizes e normas.

O art. 5 º da Lei n º 8.080/90, trata dos objetivos e atribuições do SUS. Estes objetivos e atribuições não deixa de ser formado por uma série de ações e serviços através de políticas sociais e econômicas, sempre com o escopo de alcançar a efetivação da saúde como meio para uma qualidade de vida.

No entanto, tal atribuições são de responsabilidade do Estado, haja vista seu dever, e diante disto, cumpre salientar que esta responsabilidade sobre a saúde é dividida em todos os escalões do governo, para desta forma, cada esfera atuar dentro de suas diretrizes e atribuições.

O art. 16 da Lei Orgânica da Saúde, elenca de forma explícita as competências para implementação de políticas, descentralizando as ações e serviços paras Unidades Federadas e para os Municípios, no caso, a esfera estadual e respectivamente municipal.

Da mesma forma, o art. 17 da Lei n º 8.080/90 promove a descentralização de ações e serviços para os Municípios. Por conseguinte, o art. 18 da mesma Lei, trata de exprimir a forma de organização, planejamento e programação de como dar-se-á a execução de ações e serviços do Sistema Único de Saúde.

Isto posto, revela uma nova hermenêutica constitucional para com os Municípios perante sua posição na Federação. A municipalização da saúde externa um claro liame com a descentralização, conforme o art. 198, I, da CF/88. Os municípios passam a ter mais destaque com a descentralização da saúde, posto que, evidencia antes de tudo as necessidades locais, buscando melhor efetividade e execução do direito à saúde a partir da realidade local, designando desta maneira maior democratização na busca da dignidade humana e da qualidade de vida.

Logo, a descentralização, através da municipalização da saúde traz muitas vantagens, haja vista que o interesse maior é do local onde designa-se as mazelas de descasos no acesso à saúde, respeitando as particularidades de cada região, bem como a vigilância dos sistemas, minimizando as distâncias e deixando os cidadãos em maior de ligação com o SUS.

2.2.2. A Redução de doenças e outros agravos

As ações preventivas

A sociedade contemporânea observa estarrecida a enorme propagação e surgimento de doenças que assolam todos os seres humanos. O Estado, como defensor da saúde de todos os cidadãos tem a imposição constitucional, de atuar positivamente no sentido da redução de doenças e agravos pertinentes ao meio em que vivemos.

Este paradoxo, releva que mesmo que esgotem-se todas as possibilidades no sentido técnico e avanço de meios para a redução de doenças e outros agravos, através de processos científicos, há que se ter em mente a complexidade para concretizar o direito sanitário no sentido externado pelo art. 196 da Constituição Federal.

Assevera o Prof. Schwartz que "mesmo que todas as possibilidades do sistema-saúde fossem exaustivamente descritas e analisadas – idéia central do ambicioso Projeto Genoma -, inexistiriam garantias de que tais possibilidades viessem a ocorrer no mundo dos fatos."

Assim, é mister que todas as políticas sociais e econômicas no sentido de redução de doenças e outros agravos, se designem, de certa forma, na direção da prevenção. Pois prevenir contra prováveis males que venham a atingir o ser humano na questão da saúde, é preservar a vida.

Correlacionado com o enfoque da redução de doenças e outros agravos, está o risco, que exprime-se basicamente em possíveis danos futuros a saúde. Então, o risco e saúde estão interligados no sentido de prevenção e também no objetivo de pressupor o futuro, uma vez que a redução de doenças está vinculado à prevenção, bem como outros agravos está para com o prever o futuro.

Se a saúde e risco interagem de forma óbvia e inegável, é inequívoco a lição de Schwartz:

A teoria do risco embasa e fortalece a posição de que, se o presente da atividade sanitária não é o ideal, isto significa que a descrição desse presente não possa ser útil para a solução do futuro da saúde. Muito pelo contrário. Portanto, os dados e estatísticas atuais referentes ao quadro sanitário brasileiro são de extrema valia para a tomada de decisões que visem a correção dessa realidade.

Isto posto, o risco está onipresente para com a saúde. Toma-se como exemplo o magistério de Schwartz, que designa que se um cidadão usar ou não preservativo em um ato sexual é um ato decisório, cujo risco está em prováveis males futuros à sua saúde. Caso o indivíduo se contaminar por uma doença sexualmente transmissível, isto ocorreu devido a sua decisão no presente ato, haja vista que sabia do risco de ser contaminado.

O conhecimento e a comunicação são atributos pertinentes na redução de doenças e agravos, bem como funciona também como uma ação preventiva. Neste aspecto, a saúde deve ser pensada como um núcleo de risco, uma vez que, leve-se em ponderação os conhecimentos existentes para que o dano iminente seja eliminado ou reduzido.

Deve-se estar atento para a conservação individual e coletiva da saúde, pois esta deriva de uma estratégia condicionante para redução de efermidades, pois seus propósitos nos levam a uma condição de adotar medidas apropriadas para evitar a produção do dano.

As ações preventivas para a redução de doenças e outros agravos, devem ser também ações curativas, bem como a combinação coerente de reorientação dos serviços de saúde, no sentido de eliminar ou reduzir efetivamente o risco de males atinentes à saúde.

Por derradeiro, o direito está interligado com a saúde e o risco, na medida em que o Estado tem o dever de tentar imunizar o cidadão de possíveis danos sanitários. Isto posto, o Estado, por força do art. 196 da CF/88, deve concretizar políticas sociais para redução e/ou eliminação do risco de doenças.

De outra banda, a saúde tem características holísticas e não estáticas, assim, o risco está sempre onipresente, e diante disto, o Estado deve promover ações preventivas para redução do risco de doenças e agravos futuros.

2.2.3. Regulamentação, fiscalização e controle

O art. 197 da Constituição Federal disciplina que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle.

Isto revela um grau de competência, sob duas formas, a primeira é de quem poder-se-á legislar sobre a saúde, a segunda é de verificar quais os órgãos que devem cuidar da saúde.

Conforme o art. 24, VI, VIII e XII da Carta Maior de 1988, a União é incumbida de legislar sobre a defesa da saúde, bem como sua proteção, incluindo o meio ambiente, através de diretrizes que designam princípios e normas sobre o direito sanitário, e, as quais, devem ser respeitadas em todo território nacional.

Ainda neste aspecto, os Estados-membros também podem suplementar os dispositivos federais, tornando específicos as generalidades da legislação federal, contudo, nunca se opor aos mesmos, conforme o art. 24, § 1 º e 2 º, e art. 30, II da CF/88.

O prof. Júlio de Sá da Rocha esclarece que "a norma geral, deve ser, portanto, um lei-quadro, uma moldura legislativa. A lei estadual suplementar introduzirá a lei de normas gerais no ordenamento do Estado, mediante o preenchimento dos claros deixados por esta, de forma a afeiçoa-la às peculiaridades locais."

Assim, a legislação federal através de normas gerais se externa como um legislação a ser completada pela legislação estadual, designando exigências e atendendo as peculiaridades regionais.

O Município também pode legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I CF/88), e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, dentre outras atribuições (art. 30, II ao IX da CF/88).

Diante do exposto, Município na matéria sanitária, é de suma importância, devido o processo de municipalização dos serviços de saúde. Os Municípios constituem a instância mais próxima do cidadão e base do Sistema Único de Saúde (Lei n º 8.080/90), possuindo a tarefa de execução, proteção e defesa da saúde.

Então, à direção nacional do SUS, no que tange ao Ministério da Saúde, por seu representante, o Ministro da Saúde, tem a competência de regulamentar as matérias externadas no art. 16 da Lei n º 8.080/90. À direção estadual do Sistema Único de Saúde, por seu representante, o Secretário de Saúde do Estado, compete o designado no art. 17 da Lei do SUS. Por fim, à direção municipal do SUS, através da Secretaria Municipal de Saúde, por representante, ou seja, o Prefeito ou o Secretário de Saúde, incide na regulamentação de acordo com o art. 18 da Lei n º 8.080/90.

Isto posto, externa-se toda a hierarquização do sistema único de saúde, ao qual, cada esfera do Poder Público, designa a regulamentação, fiscalização e controle da saúde, nunca contrariando o mandamento superior, por isso, o sistema de saúde é de forma hierárquico e regionalizado.

A descentralização do Sistema Único de Saúde, traz muitas vantagens para a fiscalização e o controle do mesmo, haja vista o magistério de Lenir Santos:

A fiscalização e o controle da área da saúde podem ser exercidas com mais eficiência e vigor pelo fato de serem executadas de forma descentralizada, estando seus agentes (secretários de saúde, vereadores, prefeitos, deputados, etc.) mais próximos da comunidade, ao mesmo tempo essas ações se interligam nun sistema nacional, mantendo, assim a unicidade do SUS.

Há que se ater ainda para a participação da comunidade no controle e fiscalização na área da saúde conforme o disposto no art. 198, III da Carta Magna. Esta participação é feita através de duas instâncias colegiadas a saber:

1) A Conferência de Saúde, que avalia a situação da saúde e propõe a formulação da política de saúde no nível correspondente – art. 1 º, § 1 º, da Lei n º 8.142/90;

2)O Conselho de Saúde, que formula estratégias e atua no controle da execução da política de saúde na instância correspondente – art. 1 º, § 2 º, da Lei n º 8.142/90.

Constata-se que o legislador constituinte, de certa forma, quis a participação da comunidade na criação de políticas sociais para com a saúde, bem como, no controle de sua implementação.

Por derradeiro, a emenda Constitucional n º 29, acrescentou no art. 198 da CF/88 e seus parágrafos, referências aos recursos mínimos a serem aplicados nas ações e serviços de saúde, valendo destacar no que tange a fiscalização e controle, o parágrafo 3 º, III, que designa as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde na esfera federal, estadual e municipal.

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Sobre o autor
Hewerstton Humenhuk

Advogado publicista. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo e Direito da Criança e do Adolescente nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC e professor de Direito aplicado à Administração no curso de graduação em Administração da mesma instituição. Consultor e Assessor jurídico de Prefeituras e Câmaras de Vereadores do Estado de Santa Catarina. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina - IDASC. Associado do Escritório Cristóvam & Tavares Advogados Associados, com sede em Florianópolis. Autor de artigos e ensaios científicos publicados em revistas especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 227, 20 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4839. Acesso em: 28 mar. 2024.

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