Congruência da tipicidade penal

20/04/2016 às 21:13
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Tipicidade Penal Formal ou Clássica, Tipicidade Conglobante e Tipicidade Material

Nosso propósito é ilustrarmos a atual flexibilização da clássica tipicidade penal formal em consonância com as atuais decisões jurisprudenciais e fenômenos sócio-econômicos-culturais,  compatibilizando-a às modernas teorias da tipicidade conglobante e material, subsumindo-se aos princípios basilares da dignidade da pessoa humana e do estado democrático de direito.

 

A Tipicidade Penal Formal ou Clássica, sucede-se naqueles acontecimentos fenomênicos provocados pela intervenção humana no seio social aparentando ser um injusto penal.

De proêmio, incumbem aos órgãos de controles sociais formais, na primeira fase da persecução penal, gizados no artigo 144, incisos I e IV, da Bíblia Política, in casu, delegados de polícia federais e estaduais, a valoração de eventual subsunção imediata ou mediata da conduta humana ao ordenamento penal.

Sequencialmente, curial um exame circunstanciado dos fatos em sintonia com a mens legis, sopesando se a conduta (ação ou omissão) está autorizada (exemplo: pena de morte em caso de guerra) ou tolerada (exemplo: legítima defesa nos casos legais) por outro ramo do direito, v.g., Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Administrativo ou até mesmo pelo próprio Direito Penal dentre outros.

A essa adequação, Eugênio Raul Zaffaroni, denominou de Tipicidade Conglobante, tendo o propósito de excluir a tipicidade formal da infração penal com emprego de métodos comparativos e exclusivos com outros ramos do direito a fim de constatar se a conduta é permitida ou tolerada pelo ordenamento pátrio.

Caso não seja excluída a tipicidade formal da conduta tida como infração penal, significa tratar-se de fato antinormativo, proibido pela legislação penal ou extrapenal.

A Teoria Conglobante, mesmo para aqueles que a ignoram, é aplicada na esfera penal naquelas situações em que o fato, à primeira vista, é previsto como infração penal. Entrementes, é descaracterizado por uma das causas legais de exclusão de ilicitude previstas no artigo 23 do Diploma Substantivo Penal, quais sejam: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.

Evidencia tratar-se do típico caso de aplicação da Atipia Conglobante com a consequente exclusão do primeiro elemento analítico da infração penal (crime ou delito e contravenção), i.e., o fato típico. Com esse entendimento evita-se injustiças com o critério dantesco de valoração clássico ou causalista de Beling (1906) - Teoria da Autonomia ou Absoluta Independência - e, Mayer (1916) - Teoria da Indiciariedade ou Ratio Cognoscendi, que distanciavam o exame dos elementos do fato típico e ilicitude, porém sempre estiveram umbilicalmente relacionados.

Asseveramos que, a Tipicidade Conglobante identifica-se com a Teoria da Ratio Essendi, preconizada por Mezger (1930), pois considera a ilicitude como integrante do fato típico. Se o fato não for ilícito, consequentemente será atípico, denominando de Tipo Total ou Global do Injusto.

Analisados, perfunctoriamente, a Tipicidade Formal ou Clássica e a Tipicidade Conglobante, cumpre-nos debruçarmos sobre a Tipicidade Material.

A Tipicidade Material, sustentada por Claus Roxin, justifica a intervenção do direito penal repressivo para tutelar bens juridicamente relevantes que foram lesados gravemente ou expostos a perigo concreto de tal sorte que justifiquem o desdobramento do engenho estatal penal em lugar de outros ramos do direito, harmonizando-se aos Princípios da Fragmentariedade e da Intervenção Mínima do Direito Penal.

Consectário lógico da Tipicidade Material é o Princípio da Insignificância ou Bagatelar, tendo este último hipocorístico sido idealizado por Claus Tiedemann. Esse princípio apregoa que o Direito Penal, no jaez de ultima ratio estatal, deve se ocupar com condutas sérias e que efetivamente ofendam ou lesem um bem jurídico, justificando o seu demandamento e incutindo conteúdo material ou lesivo ao fato aquinhoado como infração penal.

Nessa toada, o Princípio da Insignificância justifica-se ao fato isolado e infenso, destinando-se apenas aos agentes que preencham as condições merecedoras de serem sancionados com medidas descarcerizantes e extrapenais, à exemplo, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/1995) e Direito Civil, sob pena de criarmos um precedente perigoso e instável, fomentando a prática isolada de pequenas infrações e a desordem pública.

Ressalte-se que, o sobredito provérbio, tem previsão legal no Código Penal Castrense - Decreto-Lei 1.001/1969, em seus artigos 209§ 6º e 240§ 1º, que tratam respectivamente dos crimes de lesão leve e furto simples e, em conformidade com a gravidade e ofensa provocada ao bem jurídico, o agente poderá ser agraciado com uma pena disciplinar.

Nesse raciocínio, o Princípio da Insignificância ou Bagatelar, revela-se uma medida de Política Criminal que provoca a eliminação da tipicidade material e formal e, por isso, deve ser aplicado com bom senso, adotando-se critérios norteadores e evitando o estímulo de infrações penais.

Segundo entendimento firmado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não, sua não aplicação. Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Desse modo, é atribuição das autoridades policiais com arrimo na jurisprudência e na sapiência técnico-jurídica-constitucional, desenvolverem a hermenêutica e a escorreita aplicação do ordenamento penal, coibindo e reprimindo desajustes sociais e filtrando os fatos relevantes passíveis de eventual ação penal com consequente desdobramento da máquina judiciária.

O princípio em testilha, em regra, tem sido aplicado aos crimes de furto e descaminho. Incidindo naqueles casos em que estão presentes os vetores objetivos da mínima ofensividade da conduta do agente, demonstrada pela natureza do crime praticado; reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, i.e., revelado pela ausência de violência física ou grave ameaça à pessoa e a inexistência de condições qualificadoras (fraude, escalada, arrombamento, destreza, concurso de pessoas...), circunstâncias (período de repouso noturno) ou condições pessoais da vítima (idoso, deficiente ou criança); nenhuma periculosidade social da ação pela ausência de risco à sociedade e de antecedentes, reincidência, registros policiais e ações penais (prevenindo o incremento à habitualidade delitiva); e, pela inexpressividade da lesão jurídica provocada pelo ínfimo valor do bem.

Dentre os requisitos de ordem objetiva, entendemos estar presente, como condição sine qua non, o requisito de ordem subjetiva, naquelas situações em que o agente pratica infrações penais rotineiramente. Nesse sentido, caso sua má conduta social seja demonstrada pelos registros de antecedentes, reincidência, ocorrências policiais e ações penais em curso, obstaculiza o abrandamento, sob pena de chancelarmos uma reprovável conduta social.

Destarte, remansosamente a doutrina tem sido acolhida pelos tribunais superiores, fundamentando-se no viés da Tipicidade Penal Moderna ou Congruente, que assim a alcunhamos no propósito de engendrarmos aos fundamentos e princípios estampados na Carta Cidadã, 05 de outubro de 1988, aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e, sobretudo aos axiomas da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade, conforme abaixo citamos:

Processo: REsp 1500919 SC 2014/0322806-0/Relator (a):Ministro GURGEL DE FARIA/Julgamento:03/03/2015/Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA/

Publicação:DJe 12/03/2015

Ementa

PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DESCAMINHO. REITERAÇÃO DELITIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

1. Nos casos de habitualidade delitiva da conduta criminosa de descaminho não se aplica o princípio da insignificância. Precedentes deste Tribunal e do Supremo Tribunal Federal.

2. Hipótese em que o recorrido possui 13 (treze) procedimentos administrativos e 5 (cinco) registros criminais relativos ao delito do art. 334 do CP, todos em razão de outras apreensões de mercadoria de forma irregular, não sendo o caso da aplicação do princípio da bagatela, ante a reiteração delitiva.

3. Recurso provido.

Ementa: PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DESCAMINHO. REITERAÇÃO DELITIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. Nos casos de habitualidade delitiva da conduta criminosa de descaminho não se aplica oprincípio da insignificância. Precedentes deste Tribunal e do Supremo Tribunal Federal. 2. Hipótese em que o recorrido possui 13 (treze) procedimentos administrativos e 5 (cinco) registros criminais relativos ao delito do art. 334 do CP, todos em razão de outras apreensões de mercadoria de forma irregular, não sendo o caso da aplicação do princípio da bagatela, ante a reiteração delitiva. 3. Recurso provido.

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Processo:AgRg no REsp 1377789 MG 2013/0127099-0/Relator (a):Ministro NEFI CORDEIRO/Julgamento:07/10/2014/Órgão Julgador:T6 - SEXTA TURMA/Publicação:DJe 21/10/2014

Ementa

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DIMINUTO VALOR. RESTITUIÇÃO À VÍTIMA. PREPONDERÂNCIA SOBRE A REITERAÇÃO DELITIVA. AGRAVO PROVIDO.

1. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

2. A reiteração delitiva tem sido compreendida como obstáculo inicial à tese da insignificância, ressalvada excepcional peculiaridade do caso penal.

3. Em razão da coisa que se tentou furtar (dois cosméticos), seu diminuto valor (R$ 8,38 - oito reais e trinta e oito centavos), com restituição à vítima, estabelecimento comercial, admite-se a insignificância, excepcionando-se a condição de reiteração delitiva do agente.

4. Agravo regimental provido. Recurso especial a que se nega provimento.

Processo:HC 122167 DF/Relator (a):Min. RICARDO LEWANDOWSKI/Julgamento:24/06/2014/Órgão Julgador:Segunda Turma/Publicação:DJe-203 DIVULG 16-10-2014 PUBLIC 17-10-2014/Parte (s):DEBORA APARECIDA DA CRUZ NEVESDEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃODEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERALSUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DA CONDUTA DA AGENTE. ORDEM DENEGADA.

I - A ré foi condenada pela prática do crime descrito no art. 155§§ 1º e , inciso II, do CP, pela subtração de um aparelho de som avaliado em R$ 70,00. O STJ apenas afastou a causa de aumento relativa ao repouso noturno. Como se sabe, a configuração do delito de bagatela, conforme têm entendido as duas Turmas deste Tribunal, exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. II – Ocorre, contudo, que os autos dão conta da reiteração criminosa. A paciente tem em curso ações penais pelo mesmo fato, consoante certidão às págs. 58-60 do documento eletrônico 7. III – Revelada a periculosidade da paciente, não há falar na aplicação do princípio da insignificância, em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento. IV – Ordem denegada.

Processo:HC 121596 MG/Relator (a):Min. RICARDO LEWANDOWSKI/Julgamento:24/06/2014/Órgão Julgador:Segunda Turma/Publicação:DJe-157 DIVULG 14-08-2014 PUBLIC 15-08-2014/Parte (s):STIVIN CARVALHO DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃODEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERALSUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. ORDEM DENEGADA.

I - O paciente foi denunciado pela prática do delito de furto, por subtrair para si uma bicicleta avaliada em R$ 30,00 (trinta) reais. Como se sabe, a configuração do delito de bagatela, conforme têm entendido as duas Turmas deste Tribunal, exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. II – Ocorre, contudo, que os autos dão conta da reiteração criminosa. Segundo consta dos autos, o paciente tem em curso ações penais pelo mesmo fato: “possui condenação, com trânsito em julgado, pela anterior prática do delito de furto, perpetrado em 30/06/2009 –, além de outras três condenações, pelo mesmo delito, transitadas em julgado, por fatos posteriores, conforme se vê da Certidão de Antecedentes Criminais, acostada a fls. 57/60”. É evidente que esses fatos indicam, tecnicamente, a reincidência do paciente e demonstram sua propensão à prática de crimes. III – Revelada a periculosidade do paciente, não há falar na aplicação do princípio da insignificância, em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento. IV – Ordem denegada.


Referência Bibliográfica:

Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel / Anne Joyce Angher, organização. – 16. Ed.- São Paulo: Rideel, 2013. (Série Vade Mecum)

Salim, Alexandre; Azevedo; Marcelo. Direito Penal: Coleção OAB. 2ª ed. Rev. E atual. - Salvador - Bahia: Ed. Jus Podivm, 2014

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Sobre o autor
Leite Tavares

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade São Francisco. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Penal e Processo Penal no Complexo de Ensino Andreucci. Palestrante, Articulista e Professor de Curso Jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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