Arbitragem: Conceito, Noções Gerais e Vantagens

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Estuda-se o conceito do instituto da arbitragem, sua relevância diante da crise do atual sistema judiciário brasileiro, bem como as suas principais vantagens.

Estima-se que no Brasil existam cerca de 100 milhões de processos em andamento no Poder Judiciário.[1] Na média, essa quantidade corresponde a um processo para cada dois brasileiros.[2]

Esse acúmulo de demandas é produto da cultura da judicialização, em que as pessoas costumam trazer ao Judiciário todo e qualquer tipo de conflito.

Nesse contexto, é certo que o atual sistema judicial de resolução de conflitos existente no Brasil não é suficiente para satisfazer a pretensão dos interessados, dada a sua crise decorrente da morosidade com que tramitam os processos, resultante do excesso do volume de demandas, além da onerosidade e da burocracia, o que o torna muitas vezes um meio frágil e ineficaz.

Diante desse cenário, os métodos alternativos extrajudiciais para a solução de conflitos, como a arbitragem, são extremamente bem-vindos, pois buscam suprir a ineficácia do sistema judiciário, ampliando o acesso à Justiça, melhorando a sua efetividade, aumentando a celeridade para resolução dos conflitos e reduzindo a carga de processos.

Luiz Antonio Scavone Junior define arbitragem como “o meio privado e alternativo de solução de conflitos referentes aos direitos patrimoniais e disponíveis através do árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral”.[3]

Merece também destaque a definição sugerida por Francisco José Cahali, in verbis:

"As partes capazes, de comum acordo, diante de um litígio, ou por meio de uma cláusula contratual, estabelecem que um terceiro, ou colegiado, terá poderes para solucionar a controvérsia, sem a intervenção estatal, sendo que a decisão terá a mesma eficácia que uma sentença judicial."[4]

Nesse sentido, as partes, capazes, envolvidas em uma lide acerca de direitos patrimoniais disponíveis ou transacionáveis possuem a faculdade de, voluntariamente, nomear um terceiro para solucionar o conflito, em detrimento da prestação jurisdicional estatal.

Daí tem-se que a arbitragem é um “mecanismo privado de resolução de litígios, ou meio alternativo de solução de controvérsias, ou, ainda, método extrajudicial de solução de conflitos”,[5] na medida em que busca a melhor alternativa aos envolvidos, por meio de terceiro que se encontra fora do aparelho estatal.

Por esse motivo, conforme expõe Leonardo de Faria Beraldo, referido instituto proporciona uma verdadeira composição da lide, diferentemente do que ocorre na jurisdição estatal, uma vez que há na arbitragem uma maior probabilidade das partes em se contentarem com a decisão final, visto que elegeram por livre e espontânea vontade árbitro de confiança para solucionar a controvérsia.[6]

Cumpre destacar que a solução dada pelo árbitro, denominada sentença arbitral, possui a mesma força de uma sentença judicial transitada em julgado, uma vez que é considerada título executivo judicial, conforme disposto na Lei nº 9.307/1996[7] e no atual Código de Processo Civil.[8]

Desse modo, o cumprimento da sentença arbitral pode ser exigido pela parte vencedora no caso da parte vencida não adimplir espontaneamente, e, nesse caso, a execução forçada será feita por meio do Poder Judiciário.

A arbitragem possui diversas vantagens, dentre as quais podemos destacar: a especialização, a rapidez, a irrecorribilidade, o cumprimento espontâneo, a informalidade, a confidencialidade e o custo-benefício. 


1. Especialização

Francisco José Cahali aponta que “é um importante atrativo deste método a possibilidade de se entregar o litígio a quem tem conhecimento específico da matéria objeto da controvérsia, ou seja, terá maior tecnicidade para apreciar a matéria, principalmente para questões pouco usuais na rotina dos tribunais”.[9]

Assim, na arbitragem, as partes possuem a faculdade de nomear um árbitro que tenha conhecimento específico da matéria controvertida ou do objeto do contrato, de tal sorte que atuará de maneira objetiva e precisa.

Por outro lado, os litígios que envolvem questões técnicas, quando apresentados no Judiciário, necessitam muitas vezes de perícia técnica, o que demanda tempo e gastos adicionais, e nem sempre é de confiança das partes.[10] Mas, na arbitragem, essas questões técnicas são apreciadas pelos próprios árbitros escolhidos pelas partes, que têm a tecnicidade necessária para resolvê-las.


2. Rapidez

O procedimento arbitral é extremamente mais célere do que o procedimento judicial.

Como se sabe, o Poder Judiciário é demarcado pela morosidade da prestação jurisdicional, em razão do grandioso volume de demandas. A esse respeito, o Conselho Nacional da Justiça, em pesquisas recentes, mostrou que a “Taxa de Congestionamento” dos processos no Judiciário brasileiro corresponde a 71%.[11]

Por outro lado, existe na arbitragem um compromisso com a celeridade, a começar pela informalidade do procedimento arbitral e pela ausência de recursos.

A Lei nº 9.307/1996 estabelece o prazo de seis meses para o encerramento do procedimento arbitral, contado da instauração da arbitragem, ressalvado o direito das partes, do árbitro e dos regulamentos das câmaras arbitrais a estipularem prazo diverso. Inclusive, uma das causas de nulidade da sentença arbitral prevista na referida Lei é ser ela proferida fora do prazo.[12]

Leonardo de Faria Beraldo ressalta que, para a fixação do prazo pelas partes, deverão ser consideradas as peculiaridades do caso concreto, de modo que aquele cujas questões sejam mais complexas naturalmente demandará um prazo mais extenso.[13]


3. Irrecorribilidade

A sentença arbitral corresponde à sentença judicial transitada em julgado, isto é, não é passível de recurso. Isso porque, conforme leciona Francisco José Cahali, pressupondo-se que foram as próprias partes que, voluntariamente, elegeram as pessoas que estimaram ser as mais capacitadas para resolver a questão, é justificável a impossibilidade de recorrer da decisão final.[14]

Cabe, no entanto, pedido de esclarecimento ao próprio juízo arbitral, na hipótese de omissão, obscuridade ou contradição na sentença[15] (equivalente aos embargos de declaração na Justiça Pública).

Além disso, está ressalvado o direito das partes de recorrer ao Judiciário para obter a anulação da sentença, na hipótese desta conter algum vício.[16]


4. Cumprimento Espontâneo

Sobre a vantagem do cumprimento espontâneo da arbitragem, vale a pena transcrever o ensinamento de Francisco José Cahali: 

"No pressuposto de que os interessados elegeram o julgador por vontade própria, pela confiança e considerando ser ele conhecedor da matéria, a experiência demonstra que as partes respeitam a sentença arbitral, e a ela se submetem voluntariamente. Em outras palavras, as partes estão comprometidas em aceitar como imperativo a sentença arbitral por eles encomendada."[17]

Portanto, considerando que as partes optaram, por livre e espontânea vontade, por submeter a solução do litígio à via arbitral, renunciando a via judiciária, nomearam os árbitros de sua confiança e escolheram o procedimento a ser adotado, há um compromisso das partes ao cumprimento espontâneo da sentença arbitral, submetendo-se a ela sem a necessidade de execução forçada.

A esse respeito, de acordo com Gilberto Giusti, em artigo para a Revista do Advogado:

"No âmbito internacional, em 2008, foi divulgado interessante trabalho realizado pela Queen Mary School of International Arbitration em conjunto com a PricewaterhouseCoopers (PwC), que detectou alto índice de cumprimento voluntário das sentenças arbitrais e identificou duas principais razões para isso: preservação do relacionamento comercial entre as partes e preocupação em se evitar o desgaste econômico da empresa vencida."[18]

No entanto, consoante já foi dito, na hipótese da parte vencida não cumprir espontaneamente a sua obrigação constante na sentença condenatória, é certo que a parte vencedora deve recorrer ao Judiciário para buscar a execução da sentença arbitral.


5. Informalidade

O procedimento arbitral exige menos formalidade do que o procedimento judicial.

O processo judicial tem como característica uma sistemática rígida, sendo necessário o cumprimento de inúmeras formalidades no que se refere às providências em geral, à prática dos atos processuais e aos procedimentos nos cartórios.[19]

Por outro lado, o processo arbitral é mais flexível e pragmático, na medida em que dispensa essa formalidade toda, a fim de se obter uma solução rápida e eficaz da controvérsia.[20] Ademais, a Lei nº 9.307/1996 permite que as partes escolham os árbitros e o direito material e processual que serão aplicados ao caso em questão.[21]


6. Confidencialidade

Quanto à confidencialidade, em que pese a Lei nº 9.307/1996 não estabelecer que o procedimento arbitral deva ser sigiloso, ela dispõe acerca do dever de discrição do árbitro[22], o que significa que “não se pode tornar público ou fazer comentários sobre os procedimentos arbitrais, salvo em duas hipóteses, quais sejam, se as partes, expressamente, abrirem mão disso, ou, então, se uma das partes for o Poder Público, razão pela qual a publicidade do rito se torna imperiosa”.[23]

Ademais, Leonardo de Faria Beraldo e Francisco José Cahali ressaltam que a convenção arbitral e os regulamentos das principais câmaras de arbitragem normalmente estabelecem como regra a confidencialidade.[24][25] Por outro lado, o procedimento judicial é, em regra, público.

Insta salientar ainda que as partes poderão pactuar na convenção arbitral a sigilosidade do procedimento, podendo inclusive prever multa caso haja violação do sigilo.[26]

Entretanto, existem limites à confidencialidade da arbitragem, a começar pela autonomia das partes, que podem abdicar da sigilosidade.[27] Além disso, os limites podem decorrer das inúmeras legislações que podem ser aplicadas ao caso.[28] Adriana Braghetta exemplifica a hipótese de uma das partes ser o Estado ou um ente estatal, situação em que a regra é a publicidade, conforme dispõe o art. 37 da Constituição Federal.[29][30]

Importante ressaltar que, caso haja necessidade da parte vencedora recorrer ao Poder Judiciário para forçar o cumprimento da sentença arbitral pela parte vencida, é recomendável que solicite ao juiz que o processo corra em segredo de justiça, a fim de que a confidencialidade não seja comprometida.[31]

A importância da confidencialidade é evidente, na medida em que a publicidade “pode não interessar aos contendores, notadamente no âmbito empresarial, no qual escancarar as entranhas corporativas pode significar o fim do negócio”.[32]

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7. Custo Benefício

Por mais que a princípio a arbitragem possa parecer custosa, é certo que, se considerarmos a celeridade para o alcance do resultado final, como também o resultado obtido, em virtude da tecnicidade do árbitro e a confiança das partes na sua escolha, concluir-se-á pelo benefício econômico-financeiro desse instituto, em comparação ao processo judicial.[33]

Além disso, o fato de inexistir recursos no procedimento arbitral – diferentemente do procedimento judicial, no qual há uma multiplicidade de recursos – torna a arbitragem um meio mais econômico do que o Poder Judiciário, visto que tais recursos oneram demasiadamente o custo processual.[34]

Por fim, cumpre ressaltar que a morosidade e a burocracia no processo judicial elevam significantemente os custos judicias, o que não ocorre na arbitragem, que é demarcada pela celeridade e informalidade do procedimento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] <http://www.conjur.com.br/2015-set-15/brasil-atinge-marca-100-milhoes-processos-tramitacao>. Acesso em: 10.11.2015.

[2] Idem.

[3] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Manual de Arbitragem. 4ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 15.

[4] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 77.

[5] Idem.

[6] BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem nos Termos da Lei nº 9.307/96. 1ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014, pp. 3.

[7] Lei nº 9.307/1996,“Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes, e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

[8] CPC, “Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: (...) VII – a sentença arbitral (...)”.

[9] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 78.

[10] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Ob. cit., p. 17.

[11] O relatório “Justiça em Números”, de setembro de 2010, demonstrou que, de cada grupo de 100 processos em tramitação, 71 terminaram o ano de 2009 sem solução, o que reforça a importância do compromisso com metas de desempenho, firmado pelos tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A avaliação é de José Guilherme Vasi Werner, secretário-geral adjunto do CNJ. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/70193-congestionamento-de-processos-reforca-compromisso-com-metas>. Acesso em: 16.08.2015.

[12] Lei nº 9.307/1996, “Art. 32. É nula a sentença arbitral se: (...) VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei”.

[13] BERALDO, Leonardo de Faria. Ob. cit., p. 134.

[14] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 78.

[15] Lei nº 9.307/1996, “Art. 30. No prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que: I - corrija qualquer erro material da sentença arbitral; II - esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão. Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá, no prazo de dez dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do art. 29.”

[16] Lei nº 9.307/1996, “Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nulo o compromisso; II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.”

[17] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 79.

[18] GIUSTI, Gilberto. As Garantias de Cumprimento da Sentença Arbitral. Revista do Advogado, AASP, n. 119, 2013, p. 44.

[19] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 78.

[20] Idem.

[21] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Ob. cit., p. 17.

[22] Lei nº 9.307/1996, “Art. 13, §6º. No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição” (grifo acrescentado).

[23] BERALDO, Leonardo de Faria. Ob. cit., p. 135.

[24] Idem.

[25] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 79.

[26] BERALDO, Leonardo de Faria. Ob. cit., p. 135.

[27] BRAGHETTA, Adriana. Notas sobre a Confidencialidade na Arbitragem. Revista do Advogado, AASP, n. 119, 2013, p. 12.

[28] Idem.

[29] CF, “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)”.

[30] BRAGHETTA, Adriana. Ob. cit., p. 12.

[31] Idem.

[32] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Ob. cit., p. 18.

[33] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 79.

[34] Idem.

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Sobre a autora
Izadora Faria Freitas Azeredo Dale

Bacharela em Direito na Pontifícia Universidade Católica

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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