8) Conclusão – poder normativo – atividade jurisdicional ou legislativa – seus limites materiais
Diante do breve estudo feito no tópico anterior a respeito da eqüidade como mecanismo de aplicação e interpretação do Direito, arrisco-me a afirmar que não há uso da eqüidade no exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho, especialmente dentro da concepção ampliativa de seus limites, defendida por parte da doutrina após a Carta de 1988. O caráter genérico e abstrato da sentença normativa, típico de uma lei, não se compatibiliza com a idéia de justiça para o caso concreto, própria da eqüidade. Na sentença normativa, a Justiça do Trabalho cria direito novo, com eficácia genérica no âmbito das categorias envolvidas no conflito de trabalho. Age o Juiz do Trabalho, nesse caso, movido por argumentos de oportunidade e conveniência, com o arbítrio de um legislador. Não busca temperar nem aplicar um corretivo à lei genérica na sua aplicação a um caso concreto, pois na atuação normativa o Juiz do Trabalho cria a regra genérica, que depois será ou não bem aplicada.
A doutrina, na realidade, vem utilizando a eqüidade como um suporte para defender a alegada natureza jurisdicional do poder normativo da Justiça do Trabalho. Mas a incompatibilidade dessa atividade legislativa do Poder Judiciário com o uso da eqüidade como mecanismo de aplicação e interpretação do Direito me parece evidente, o que revela bem como o poder normativo efetivamente escapa dos limites próprios de atuação jurisdicional a que deveria se ater a Justiça do Trabalho.
Tais considerações a respeito da eqüidade me convencem da absoluta necessidade de limitação material do poder normativo, para impedir que ele invada a esfera de atuação do Poder Legislativo, respeitando assim nosso sistema constitucional que preserva a separação de poderes, ou melhor, a separação de funções no exercício do poder estatal, pois na realidade esse poder é único. Reconheço mesmo o acerto das posições defendidas pelo Professor Arion Sayão Romita, no artigo destacado, no sentido de que o poder normativo não pode ser exercido onde haja expressa definição legal, nem mesmo para assegurar mais vantagens aos trabalhadores, como também não pode ser exercido no silêncio da lei, pois não pode o juiz legislar. A bem da verdade, não há nenhum espaço para o poder normativo no nosso sistema constitucional, nem naqueles chamados comandos implícitos da lei, pois também aí o Juiz do Trabalho não usa da eqüidade, já que não decide casos particulares e sim elabora, com meros argumentos de oportunidade e conveniência, normas genéricas e abstratas, invadindo o campo de atuação assegurado pela Constituição Federal ao legislador.
Por essa razão, a posição adotada pelo STF no estabelecimento de limites ao poder normativo da Justiça do Trabalho, a meu ver, se corrige os exageros da concepção ampliativa defendida por parte da doutrina, não resolve o problema maior, pois sempre que a Justiça do Trabalho estabelecer norma genérica e abstrata na solução dos conflitos econômicos de trabalho estará legislando e não julgando, invadindo o território do Poder Legislativo, definido na Constituição Federal.
Concluo afirmando que a verdadeira solução para a delimitação material do poder normativo da Justiça do Trabalho é a sua simples extinção, compatibilizando a atividade desse ramo do Poder Judiciário aos limites do exercício do poder jurisdicional, ainda que em ações coletivas como nos dissídios coletivos de natureza jurídica, quando então sim, adotando mecanismos de aplicação e interpretação do Direito, inclusive a eqüidade, a Justiça do Trabalho procurará na norma genérica a solução justa para o caso concreto.
Notas
01. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1982. p. 238.
02. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 1983. p. 154.
03. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. p. 149.
04. Do poder normativo da Justiça do Trabalho na Nova Constituição. LTr, São Paulo, vol. 53, n. 11, p. 1.286, 1989.
05. A instrumentalidade do processo. São Paulo: RT, 1987. p. 164.
06. Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 351.
07. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho na Nova Constituição. p. 1.287, 1989.
08. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. p. 146-149.
09. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Apud VIDAL NETO, Pedro. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. p. 148.
10. LAMARCA, Antonio. Apud VIDAL NETO, Pedro. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. p. 148.
11. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. p. 147.
12. Idem, ibidem. p. 151.
13. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho na Nova Constituição. p. 1.288.
14. O dissídio coletivo na nova ordem constitucional. LTr, São Paulo, vol. 53, n. 2, p. 199-200, 1989.
15. Idem, ibidem. p. 200-201.
16. Poder normativo da Justiça do Trabalho. LTr, São Paulo, vol. 53, n. 2. p. 160-162, 1989.
17. Idem, ibidem.
18. O dissídio coletivo na nova Constituição Federal. LTr, São Paulo, vol. 53, n. 2, p. 12, 1989.
19. Idem, ibidem. p. 13.
20. A competência normativa da Justiça do Trabalho. LTr, São Paulo, vol. 53, n. 8, p. 909, 1989.
21. Idem, ibidem.
22. Idem, ibidem
23. Idem, ibidem. p. 910-911.
24. Poder normativo da Justiça do Trabalho. LTr, São Paulo, vol. 55, n. 9, p. 1.028, 1991.
25. FREITAS, Manoel Mendes de. Poder normativo da Justiça do Trabalho – poder regulamentar do Chefe do Executivo – análise comparativa. LTr, São Paulo, vol. 55, n. 5, p. 651, 1991.
26. Idem, ibidem. p. 653.
27. Acórdão extraído da Revista LTr, São Paulo, vol. 59, n. 6, p. 821, 1995.
28. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. p. 145.
29. Idem, ibidem.
30. VIDAL NETO, Pedro. Op. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. p. 135.
31. Op. cit. Poder normativo da Justiça do Trabalho. p. 160-161.
32. Do poder normativo da Justiça do Trabalho. LTr, São Paulo, vol. 57, n. 3, p. 266-267, 1993.
33. Loc. cit. Do poder normativo da Justiça do Trabalho.
34. Idem, ibidem.
35. Livro I – Da Justiça – Livro V – I de Éticas a Nicómaco – textos de Aristóteles reunidos por Paulo Ferreira da Cunha sob o título Obra jurídica. Porto: Edição Resjurídica, 1989. p. 90.
36. Idem, ibidem.
37. Idem, ibidem.
38. AQUINO, S. Tomás. Apud DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. São Paulo: RT, 1981. p. 210.
39. Lições de Filosofia do Direito. 5.ª ed. Coimbra: Editora Armênio Amado, 1979. p. 378-379.
40. Nova fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 28.
41. Ética e Direito. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1996. p. 164-166.
42. Lei de Introdução ao Código Civil. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho Editora, 1943. vol. I, p. 187.
43. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Op. cit. Lei de Introdução do Código Civil. p. 287.
44. Idem, ibidem. p. 188.
45. Idem, ibidem. p. 204.
46. Op. cit. As lacunas do Direito. p. 230.
47. Idem, ibidem. p. 231.