Flexibilização das normas trabalhistas em tempos de crise

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10/05/2016 às 11:41
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Princípios, proteção, emprego, atividade econômica, crise, harmonização, direito, trabalho, flexibilização. Uma análise das regras de "Lay-off" e do Programa de Proteção ao Emprego (PPE).

INTRODUÇÃO                             

O Direito do Trabalho brasileiro é pautado no princípio maior da proteção ao empregado, em razão do próprio momento de criação da principal regra que tutela as relações trabalhistas no país, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi o Estado Social.

Com esta visão protetiva, destaca-se no ordenamento justrabalhista um princípio em especial, o da proteção ao emprego ou proteção da continuidade da relação empregatícia, que tem por escopo, a manutenção dos postos de trabalho.

Por outro lado, no âmbito do Direito Comercial, tem-se o princípio da preservação da empresa, que é exaltado por garantir a manutenção da atividade econômica, tão importante para o país, em vários setores – criação de empregos, recolhimento de tributos, inovação tecnológica, etc.

Os princípios da proteção ao emprego e o da preservação da empresa, apesar de tutelados por disciplinas distintas, o direito laboral e o direito comercial, quando analisados em conjunto, cruzam-se na figura de seus destinatários, o empregado e o empregador. Afinal, os postos de trabalho são comumente fixados nas empresas.

Em regra, ambos os princípios convivem harmonicamente, todavia, em tempos de crise econômico-financeira, seja social ou interna, não é incomum ver empresas reduzindo o número de empregados numa tentativa de diminuição de despesas, o que, a primeira vista, afrontaria, diretamente, o princípio da continuidade da relação empregatícia, levando-se a ideia de que o princípio da preservação da empresa se sobreporia a aquele.

Entretanto, para que não se faça essencial à ofensa direta a um princípio como forma de garantir outro, o ordenamento jurídico e os operadores do direito e das leis, encontraram na flexibilização das normas legais, uma maneira de garantir a convivência harmônica entre o princípio da proteção ao emprego e o da preservação da empresa.

Assim, em momentos em que ambos os princípios possam se confrontar, por exemplo, em épocas de retração da atividade econômica, a lei oferece meios de possibilitar a recuperação da empresa, sem que esta precise se desfazer de seus empregados e cortar postos de trabalho.

Como exemplo, estudar-se-á o regime de lay-off, em suas duas modalidades: a da redução de jornada e da suspensão do contrato de trabalho para requalificação profissional; bem como, será lançada luz ao Programa de Proteção ao Emprego (PPE), estabelecido pela lei nº 13.189/2015.

Com isso, o trabalho pretende demonstrar como a flexibilização de normas trabalhistas possibilita a manutenção da atividade empresária, na mesma medida em que favorece a garantia de emprego, especialmente em ambientes e períodos de crise econômico-financeira.

 CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DO EMPREGO X PRINÍIPIO DA MANUTENÇÃO DA EMPRESA

 1.1 – Princípio da Proteção do Emprego ou Princípio da Continuidade da Relação de Emprego

O Direito do Trabalho é a ciência do direito que tem por objeto as instituições jurídicas, normas, regras e princípios que tutelam e resguardam as relações de trabalho, determinando seus sujeitos e a proteção destes, tanto estruturalmente quanto em atividade.

Suas normas se distinguem em: Normas de direito privado (regem o contrato de trabalho em si) e normas de direito público (inerentes ao processo do trabalho) e se consubstanciam nas fontes do direito do trabalho, que são: a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as leis, os decretos, os ACT’s (Acordos Coletivos de Trabalho), as CCT’s (Convenções coletivas de Trabalho), a doutrina, as súmulas e as jurisprudências dos Tribunais, as sentenças normativas, os regulamentos de empresas, a arbitragem em dissídios coletivos, os princípios e os costumes.

Dentre estas fontes, a de maior relevância para o presente estudo são os princípios, os quais, segundo o jurista Miguel Reale[1] tratam-se:  

verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

Ainda, entre os princípios de Direito do Trabalho, destacar-se-á aquele que se tem como fundamental à orientação de todo o sistema justrabalhista, e que é visto como o princípio por excelência do direito do trabalho, o princípio da proteção, do qual se sobressai outro princípio, o da continuidade da relação de emprego.

Pois bem, o princípio da continuidade da relação de emprego tem como raiz a proteção ao salário, em virtude de sua natureza alimentar, e encontra razão de ser em virtude de, numa relação de emprego, estar o empregado subordinado jurídica e economicamente ao empregador.

Assim, o fim do princípio em estudo é a garantia e a manutenção do emprego, já que é do seu trabalho que o empregado retira o seu sustento.

Ao longo do tempo, as normas trabalhistas trataram, pois, de estabelecer medidas concretas de viabilização da continuidade da relação de emprego, por exemplo: (i) indeterminação dos contratos de trabalho: a regra geral acerca dos contratos de trabalho, na Consolidação das Leis do Trabalho, é a de que o contrato individual tem prazo indeterminado, assim, presume-se que o empregado tem o ânimo contínuo de manter sua prestação laboral; (ii) a delimitação de um prazo fixo e pré-determinado de duração de contratos por prazo determinado (arts. 443, 445, CLT); (iii) a proibição de sucessivas e indiscriminadas prorrogações do contrato de trabalho por prazo determinado; (iv) a regra que estabelece a indeterminação imediata de contratos de trabalho por prazo determinado não renovados ou rescindidos a tempo e modo (art. 451, CLT); (v) a despersonificação da figura do empregador, como meio de manutenção do contrato de trabalho em casos de substituição do empregador ou sucessão de empresas (art. 10 e 448 da CLT).

Sobre o princípio em questão, Américo Plá Rodriguez[2], escreve que:

para compreender este princípio devemos partir da base que o contrato de trabalho é um contrato de trato sucessivo, ou seja, que a relação de emprego não se esgota mediante realização instantânea de certo ato, mas perdura no tempo. A relação empregatícia não é efêmera, mas pressupõe uma vinculação que se prolonga.

Nesta esteira, indubitavelmente, a solução do princípio é a indeterminação da duração do contrato e a exceção é a sua duração limitada. Portanto, qualquer circunstância há de ser resolvida em favor do caráter indeterminado do contrato e da proteção ao emprego.

Tanto assim o é, que o colendo Tribunal Superior do Trabalho, editou a Súmula 212[3], segundo a qual, o ônus da prova da ruptura do contrato de trabalho é do empregador, veja-se:

Súmula 212: O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

Destarte, é com base na supracitada orientação do Tribunal Superior do Trabalho que a jurisprudência pátria sedimentou seu entendimento sobre o tema, destaca-se:

RESCISÃO CONTRATUAL DERIVADA DE INJUSTA MOTIVAÇÃO EMPRESARIAL. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 212 DO COLENDO TST. PERÍODO DE SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. COMPROVAÇÃO. A jurisprudência trabalhista sedimentou a compreensão no sentido de que o encargo processual de comprovar a terminação do contrato de trabalho, quando negados o despedimento e a prestação de serviços, é do empregador, em razão do princípio de continuidade da relação empregatícia que é favorável ao empregado (Súmula n.º 212/TST). No caso, não se constitui causa suspensiva da relação contratual meros requerimentos de realização de perícia junto ao INSS nos períodos em que o reclamante não demonstrou estar no período de licença médica. Dessarte, se o réu não imputou ao reclamante a prática de faltas graves, nem sequer atribuindo a este a iniciativa no desfazimento do contrato de trabalho, impõe reconhecer como injusto o ato empresarial que culminou na dispensa do reclamante. Recurso ordinário da reclamada conhecido e não provido.[4]

VÍNCULO LABORAL. CONTRATO DE TRABALHO SEM INTERRUPÇÃO. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. PRESUNÇÃO FAVORÁVEL AO EMPREGADO. EXEGESE DA SÚMULA N.º 212, DO C. TST. Tratando-se de contrato por prazo indeterminado e de trato sucessivo, presume-se a continuidade do ato jurídico, recaindo sobre a ré o ônus de provar o desmembramento dos períodos laborais, situação afastada pelo acervo probatório. Outrossim, nos moldes da Súmula nº. 212, do C. TST, “o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.” Apelo a que se nega provimento.[5]

Isto posto, o que se vê é que o princípio da proteção ao emprego visa a manutenção do pacto laboral como garantia de resistência à dispensa arbitrária (art. 7º, I/CR88), [6]cuja delimitação ainda depende de regulamentação pelo sistema legislativo nacional.

Entretanto, este não é o fim único do princípio em estudo. Há, outrossim, uma motivação maior, que justifica seu destaque entre todos os demais que norteiam a esfera trabalhista, qual seja, a de resguardar o valor social do trabalho e garantir viabilidade e eficácia a outro princípio, este constitucional, o da dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o valor social do trabalho, estão assegurados no art. 1º da CR/88[7], que assim dispõe:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III – a dignidade da pessoa humana

IV- os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa

Ainda no tocante à dignidade da pessoa humana, Fariñas Dulce, por Thereza Gosdal[8]  pondera que:

Os direitos humanos respondem a determinados valores de justiça, como a dignidade, a liberdade, a igualdade, a tolerância, a solidariedade e a diferença, os quais se colocam no âmbito da ética, mas mantêm uma evidente dimensão social.

E, nesta ótica, pode-se afirmar que, na vivencia diária, um dos principais direitos que asseguram o princípio em questão é o direito ao trabalho, garantido constitucionalmente no art. 6º da Carta Maior[9], a saber:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho , a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. [grifou-se],

Isso porque, o trabalho não é apenas uma rotina que envolve o comprimento de regras, deveres e atividades em contraprestação a um salário. É, sim, um meio pelo qual o homem alcança sua dignidade humana, afinal, aquele que vive da renda de seu próprio trabalho, encontra neste um decisivo instrumento de sua afirmação no plano da sociedade.

E isso se dá não apenas pelo salário em si, e sim, porque é por meio do trabalho que o homem se desenvolve como cidadão, interage, é aceito diante dos demais, evolui pessoalmente e contribuiu diretamente para a evolução de seu meio ambiente. Pode-se dizer, ainda, que ele adquire confiança e respeito, na mesma proporção em que respeita e se coloca diante dos demais.

Nesta linha de raciocínio, Luís R. Cardoso de Oliveira[10] traça um paralelo interessante, segundo o qual, a honra de outrora se transformou em dignidade e esta, por sua vez, compreende “condições mínimas de existência, o que importa o acesso a bens e serviços e a possibilidade de ser proprietário pelo menos de sua força de trabalho, que é livremente vendida no mercado.”

Ora, inegável que cada dia mais é o trabalho e os frutos que deste advém (conhecimento, experiência, relações interpessoais, salário e etc) que permitem que o homem alcance sua dignidade e possa exigir real e efetivo respeito a esta, como mesmo defendeu o brilhante filósofo Immanuel Kant[11]:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende a dignidade.

E quanto mais compreende seu valor, especialmente o seu valor dentro da sociedade, mais o ser humano potencializa suas capacidades e mais concretamente se vislumbra o princípio da dignidade.

E é com brilhantismo ímpar que Antônio Rodrigues de Freitas Júnior [12]consegue descrever a relação entre trabalho e dignidade humana, veja-se:

Hoje, porquanto, mantém-se a vida com o labor, mas ele não é apenas atividade do animal laborans; transformou-se na forma de realização do homem, que realiza o seu trabalho não somente para atender às necessidades de sua existência. A partir do trabalho, o homem mantém sua vida e desenvolve suas potencialidades, agindo e participando da sociedade. Trabalhar é a forma com que a maioria das pessoas no globo terrestre encontra para buscar uma vida com dignidade. É indispensável, portanto, que não apenas seja assegurado o trabalho, mas este em condições dignas.

Diante de todo o exposto, torna-se evidente que o princípio da proteção ao emprego ou a continuidade da relação empregatícia não visa apenas garantir uma remuneração mensal ao homem, podendo-se dize que este seria interesse secundário. Em verdade, ao proteger o trabalho e o trabalhador contra uma rescisão imotivada e, até mesmo, arbitrária, o princípio visa à proteção da sociedade como um todo, garantindo efetividade ao princípio maior da constituição: a dignidade humana.

  1.2 – Princípio da Preservação da Empresa

O Direito Comercial/Empresarial, tal qual o Direito do Trabalho, possui entre suas fontes os princípios e, dentre esses, um merece destaque, o da preservação da empresa.

O princípio da preservação da empresa pode ser visto com um braço do princípio constitucional da função social da propriedade e, portanto, mister se faz destacar, inicialmente, os parâmetros deste princípio constitucional, correlacionando-o diretamente com a atividade empresária.

O art. 5º, inciso XXIII da CR/88 [13]preconiza que ‘a propriedade atenderá a sua função social.”

A propriedade, valor constitucionalmente protegido e tutelado, abarca, por sua vez, a atividade empresária, como se vê pela previsão do art. 1.228, §1º do código Civil[14]:

o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas

Assim, visando a proteger os interesses sociais, o princípio da função social imputa às empresas que sua atuação esteja sempre voltada a promoção do bem comum.

Neste sentido, ensinamento de Eduardo Tomasevicius Filho[15]:

a função social da empresa constitui o poder-dever de o empresário e os administradores da empresa harmonizarem as atividades da empresa, segundo o interesse da sociedade, mediante a obediência de determinados deveres, positivos e negativos. (FILHO, 2003, p. 40).

Relevante destacar que, preconizar o bem comum em sua atuação não significa ignorar a busca por lucratividade, que, obviamente, é o interesse maior de qualquer empresa. Em verdade, o que se espera é que, em sua atuação no mercado, visando lucros, a empresa procure sempre tomar decisões voltadas ao bem comum, ou seja, é essencial que se trabalhe na direção de conciliar os interesses individuais da empresa, de seus administradores e sócios, com os interesses da sociedade.

Essa atenção do ordenamento jurídico para com a atividade empresária, especialmente, a positivação de princípios e normas que tutelem sua organização e seu desenvolvimento, se dá em razão de serem as empresas a base da economia nos países capitalistas, afinal, são elas que geram emprego, possibilitam a inovação tecnológica e recolhem os tributos mais expressivos, os quais, por sua vez, são essenciais ao Estado, para que este, possa, a seu turno, desempenhar suas funções, inclusive sociais.

Destarte, indiscutível o fato de que, ao lado da proteção ao trabalho, ao meio ambiente, à personalidade e à propriedade, a empresa passou a ser vista como um organismo que merece a tutela estatal.

À vista disto, é neste panorama que se observou a necessidade de, dentro da função social imputada à empresa, garantir-lhe meios de efetiva atuação e, com isso, solidificou-se no ordenamento o princípio da preservação da empresa, o qual detém como objetivo principal a manutenção da atividade produtiva como interesse não apenas dos empresários mas, principalmente, dos empregados, dos consumidores, dos governos e dos credores.

Sobre o princípio da preservação da empresa, leciona o i. professor Fábio Ulhoa [16]que:

No princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste; assim os interesses de empregados quanto aos seus postos de trabalho, de consumidores em relação aos bens ou serviços de que necessitam, do Fisco voltado à arrecadação e outros.

Assim, tem-se que o princípio da preservação da empresa tem como o escopo, a manutenção da atividade econômica em si, visando à perpetuação da empresa, mesmo diante de crises econômicas e até de alteração societária. Foi nesta direção, que o direito comercial evoluiu e editou, por exemplo, a nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas que, em seu art. 47 estabelece[17]:

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A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a separação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 

Conclui-se, portanto, que o princípio da preservação da empresa busca a valorização da função social por meio da continuidade da atividade empresária, especialmente em razão da existência de empregos que devem ser preservados, de interesses creditícios que devem ser honrados e da própria atuação no mercado consumidor, que faz girar riqueza e crescimento ao Estado.

1.3 – Flexibilização de Normas Trabalhistas – A Harmonização dos Princípios em Tempos de Crise

Como visto, ambos os princípios, quais sejam, o da continuidade da relação empregatícia e o da preservação da empresa, encontram guarida no ordenamento jurídico e convivem harmonicamente na sociedade.

Entretanto, em tempos de crise econômico-financeira, seja interna ou social, não é incomum ou inesperado que estes princípios sejam colocados à prova ou mesmo, abalados. Por esta razão, alguns questionamentos podem ser feitos, dentre os quais, destacam-se dois: (i) Deve um princípio se sobrepor ao outro? (ii) Como garantir, na prática, a efetividade de ambos os princípios e manter a harmonia entre eles?

Para traçar uma linha de raciocínio na busca dessas respostas, inicialmente pode-se afirmar que os dois princípios abarcam, prontamente, o interesse de duas figuras, que se veem diretamente envolvidas dentro de uma atividade empresarial: a do sócio/empregador e a do empregado, sendo certo que um e outro possuem deveres e obrigações recíprocas e também para com a sociedade empresária.

Como se sabe, a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943[18], é o diploma legal que tutela a relação empregado-empregador, delimitando as normas que envolvem um contrato de trabalho e as obrigações das partes nele envolvidas.

O empregado, obviamente, deve se atentar ao desenvolvimento de suas funções e ao cumprimento das normas de seu contrato de trabalho. O empregador, por sua vez, deve possibilitar meios para que o empregado execute suas atividades e, da maneira, deve respeitar as pactuações do contrato de trabalho, sendo, todavia, indiscutível, que sobre ele recai maior responsabilidade, como se denota pela previsão do art. 2º da CLT[19]:

Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. [grifou-se]

O referido diploma legal (CLT) possui normas rígidas, que tutelam desde a definição das partes em um contrato de trabalho, até a limitação do menor salário a ser pago pela execução de uma tarefa; assim como a duração do trabalho, as regras para o seu rompimento etc; e foi elaborada durante o Estado Social, num contexto histórico em que se visava à proteção do trabalhador e a garantia do maior número de benefícios possível a ele.

Sobre esta proteção, veja-se lição de Amauri Mascaro do Nascimento[20]:

No Brasil, o garantismo nasceu com o direito do trabalho como exigência social da proteção dos operários de fábrica, solidificou-se com a evidência da necessidade de reconhecer cidadania ao trabalhador, ganhou moldura jurídica de grande destaque com a Consolidação das Leis do Trabalho (1943), encontrou suporte no princípio protetor do direito do trabalho e encontrou na Justiça do Trabalho o epicentro da sua aplicação.

Por essa razão, não é incomum se ouvir dizer que as normas trabalhistas, seja a CLT ou as demais leis que com ela se relacionam, são demasiado onerosas ao empregador, que além de suportar a alta carga tributária que lhe é imposta pelo Estado para o desempenho de sua atividade econômica, tem o dever de cumprir com vários encargos previdenciários e fiscais, além do salário e da remuneração pagos diretamente ao empregado.

Logo, mesmo em um panorama de crescimento econômico da sociedade, grande parte da receita de uma empresa será gasta no pagamento dos encargos tributários, fiscais, previdenciários e, principalmente, com o cumprimento da legislação trabalhista para com cada empregado seu.

Diante disso, não é absurdo afirmar que, por outro lado, num panorama de crise econômica, interna ou social, uma das primeiras opções, pensadas pelo empregador seja a redução da mão de obra para, na mesma medida, reduzir despesas de forma imediata, com a desoneração de sua folha trabalhista.

Nesta senda, parece que a resposta para o primeiro questionamento supra apresentado seria facilmente encontrada, afinal, em tempos de crise, o princípio da continuidade da relação de emprego perderia força, em razão da própria eficácia econômica da atividade empresarial, especialmente quando se viu o valor imputado ao princípio da preservação da empresa como sustentáculo do próprio Estado, enquanto credor de tributos.

Ocorre que os princípios não são instituídos sem razão e, por mais que se encontre justificativa para parte da sociedade, não é plausível que, em tempos de crise, quando mais é preciso resguardar direitos, um princípio seja facilmente descartado em detrimento de outro.

Como se tratam de princípios que tutelam circunstâncias extremamente próximas, a manutenção da empresa e a manutenção dos postos de trabalho - que mais comumente são por ela disponibilizados -, torna-se sobremaneira necessária a busca por uma forma de harmonização desses princípios em detrimento à possibilidade de ofensa a direitos e configuração de prejuízos sociais, seja pelo desemprego, seja pelo encerramento de atividades empresárias.

E, para alinhar os princípios em estudo, especialmente, visando à preservação das diretrizes de ambos, a solução está na flexibilização, principalmente, na flexibilização das normas trabalhistas frente à rigidez da legislação.

Flexibilização, nas lições de Sérgio Pinto Martins[21], significa:

a flexibilização do direito do trabalho vem a ser um conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho.

Nesta direção, a flexibilização possibilita uma rediscussão do contrato do trabalho, para além das regras rígidas da CLT e, assim, em momentos em que a economia do país ou, a situação financeira interna da empresa, não esteja favorável, possa-se encontrar um meio de manter contratos de trabalho sem onerar o empregador e, com isso, fazer-se respeitar o princípio da proteção ao emprego, da mesma maneira em que se possibilita a sobrevivência e perpetuação da atividade econômica defendida pelo princípio da preservação da empresa.

Entretanto, mister esclarecer que flexibilizar não se trata de abandonar a letra da lei ou mitigar direitos em suas raízes, em verdade o que se vê ser aplicado em tempos de crise é um modelo de flexibilização por adaptação, por meio da qual se procura enquadrar a legislação à situação econômica social, sem restringir ilimitadamente direitos.

Amauri Mascaro do Nascimento[22] assim analisa a questão:

O denominado direito do trabalho de crise revela o núcleo da discussão. No entanto, a tendência majoritária reafirma a favorabilidade, relativa e não absoluta (princípio da norma favorável ao trabalhador), como forma de hierarquização das normas jurídicas trabalhistas. A teoria da incorporação dos direitos adquiridos também é rediscutida. A renúncia a direitos adquiridos, vedada quando individual, é aceita mediante acordos coletivos. A tutela legal é substituída pela tutela convencional dos sindicatos e dos órgãos de representação dos trabalhadores.

Assim, vê-se que a Constituição da República de 1988, já prevendo situações em que se faz necessária a adaptação de normas, possibilita, expressamente, hipóteses de flexibilização das regras trabalhistas, por exemplo, no que concerne à redução da jornada de trabalho. A Carta Magna estabelece que a jornada de trabalho no Brasil não poderá ter duração superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, entretanto, a mesma norma suprema federal, em seu art. 7º, incisos XIII e XIV[23], possibilita a redução desta mediante negociação coletiva.

Há, também, previsão expressa que possibilita a redução salarial, a qual apenas pode se dar mediante negociação coletiva (art. 7º, VI, CR/88), [24]e em caso de necessidade premente da empresa, desde que a totalidade da categoria obreira afetada pela redução possa auferir, em troca, vantagens que, frente às circunstancias, possam compensar a redução de seus salários, como exemplo, a garantia de emprego.

Pode-se citar, também, como medidas flexibilizadoras inseridas no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição Federal, o fim do regime de indenização prevista no art. 478 da CLT[25], a possibilidade da compensação de horas extras e a alteração do regime de jornada em turno ininterrupto de revezamento, inseridos no bojo da Carta Magna, no art. 7º, incisos III, VI, e XXVI.[26]

Nesta esteira, após todo o exposto, pode-se afirmar com certeza que, se há uma reposta para a segunda pergunta que inaugurou este título, a saber: “(ii) Como garantir, na prática, a efetividade de ambos os princípios e manter a harmonia entre eles?”, o próprio ordenamento jurídico tratou de respondê-la, e a solução é a flexibilização das normas trabalhistas.

Por meio de medidas flexibilizantes, portanto, vê-se uma forma de possibilitar que ambos os princípios sejam garantidos e possam conviver harmonicamente.

Defendendo esta ideia, pode-se destacar as lições do i. Amauri Mascaro Nascimento:[27]

Depois da CLT, no período contemporâneo, diversas leis deram sequência à diretriz tutelar, mas abrandou-se o teor protecionista da legislação brasileira com diversas normas flexibilizadoras. Toma-se, aqui, a palavra flexibilização no sentido de modificação das condições de trabalho como dos tipos do contrato de trabalho. E mudaram. A CLT permaneceu indiferente ao que acontecia na sociedade, mas leis paralelas foram sensíveis às transformações. Elas foram introduzidas não em decorrência de um projeto e de modo concentrado num mesmo e único momento da história das nossas relações de emprego, mas de forma difusa, por leis esparsas, em momentos políticos e culturais diferentes.

A fim de demonstrar, na prática, como se implementam as normas de flexibilização trabalhista para a harmonização dos princípios em estudo, apresentar-se-á, a seguir, uma análise de duas leis federais que foram publicadas para garantir a manutenção da relação de emprego e a preservação da empresa, quando esta se vê em momentos de dificuldade.

CAPÍTULO 2 – MODALIDADES DE FLEXIBILIZAÇÃO PARA A GARANTIA DO EMPREGO E DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

 

2.1– Regime de Lay-Off – Redução Parcial de Jornada e de Salários e Suspensão Temporária do Contrato de Trabalho

 

Em tempos de crise, que comumente é identificada por meio da retração econômico-financeira da atividade empresarial, com a consequente diminuição da demanda pelo produto ou serviço oferecido, há uma tendência de redução dos postos de trabalho como forma de contenção de despesas, conforme anteriormente explicitado.

Contudo, também como demonstrado, a legislação vem, ao longo do tempo, oferecendo soluções lícitas ao mercado, por meio da flexibilização de normas trabalhistas, como uma maneira direta de evitar o desemprego e incentivar a recuperação da atividade empresarial e, a médio ou a longo prazo, melhorar o cenário econômico da própria coletividade.

Uma alternativa à redução imediata de mão de obra, diante de um quadro de recessão da empresa é a adoção do regime de lay-off, que é uma medida emergencial e se apresenta sob dois modelos jurídicos específicos, ambos tutelados pela legislação:

1)      Possibilidade de redução da jornada de trabalho e, consequentemente do salário, por tempo determinado - Art. 2º Da Lei 4.923/65[28].

2)      A Suspensão temporária do contrato de trabalho para requalificação profissional do empregado - Lei 7.998/90 [29]c/c art. 476-A da CLT [30]c/c Resolução 591 de 2009 do Ministério do Trabalho e Emprego[31].

A seguir, explicitar-se há as características de cada um dos modelos jurídicos destacados.

2.1.1. Redução Parcial de Jornada e Salários- Lei 4.923 de 1965

 

Dispõe o art. 2º da Lei 4.923/65[32]:

Art. 2º - A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.

Sob esta modalidade, o lay-off se apresenta como uma redução temporária e parcial da jornada de trabalho, em horas ou, até mesmo, em dias, que se justifica por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos ou, ainda, em virtude de catástrofes ou outras ocorrências que tenham afetado de forma grave a atividade habitual da empresa.

À medida que prevê a redução da jornada, a lei também fixa o limite máximo de redução do salário a 25% (vinte e cinco por cento), devendo ser respeitado, ainda, o valor do salário mínimo. Na mesma proporção, a lei também impõe a exigência de que sejam reduzidas as remunerações e gratificações pagas a gerentes e diretores das empresas que pretendam aderir ao regime.

Quanto ao pagamento de salários, importante ressaltar que, nessa modalidade, a responsabilidade pela obrigação e pelo recolhimento de tributos é integralmente suportada pela empresa empregadora, não havendo se falar em qualquer complementação pelos cofres públicos. Em verdade, a vantagem da adesão ao regime está na redução imediata dos gastos trabalhistas, e não em sua supressão ou suspensão.

O prazo de duração do regime também é fixado, prevendo-se a sua constância por um período de até 3 (três) meses, prorrogáveis por igual tempo, mediante a comprovação de que o fato gerador da razão que levou a adesão e à aprovação do regime ainda persiste.

Outro ponto de importância e que merece destaque é que, para a adesão, a empresa interessada deve celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com o Sindicato representativo de categoria, o qual está obrigado, pela mesma lei, a convocar assembleia com os empregados que serão afetados pelo regime, antes de aprová-lo, veja-se:

Art. 2º, § 1º - Para o fim de deliberar sobre o acordo, a entidade sindical profissional convocará assembleia geral dos empregados diretamente interessados, sindicalizados ou não, que decidirão por maioria de votos, obedecidas as normas estatutárias.[33]

É por meio da negociação do acordo coletivo que se estabelecerá os limites da redução de jornada, bem como fixar-se-á o percentual da redução salarial, sempre limitado ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento).

A lei faculta às empresas, ainda, o direito de recorrem ao poder judiciário para aprovação do regime de lay-off pela redução de jornada, nos casos em que não seja possível a celebração do acordo com o Sindicato, neste sentido:

Art. 2º, § 2º - Não havendo acordo, poderá a empresa submeter o caso à Justiça do Trabalho, por intermédio da Junta de Conciliação e Julgamento ou, em sua falta, do Juiz de Direito, com jurisdição na localidade. Da decisão de primeira instância caberá recurso ordinário, no prazo de 10 (dez) dias, para o Tribunal Regional do Trabalho da correspondente Região, sem efeito suspensivo.[34]

Cumpre sobrelevar, também, que a lei estabelece uma compensação para os empregados que forem afetados pelo regime: a fixação de uma garantia de emprego ao final do prazo de duração do lay-off, a saber:

Art. 3º - As empresas que tiverem autorização para redução de tempo de trabalho, nos termos do art. 2º e seus parágrafos, não poderão, até 6 (seis) meses depois da cessação desse regime admitir novos empregados, antes de readmitirem os que tenham sido dispensados pelos motivos que hajam justificado a citada redução ou comprovarem que não atenderam, no prazo de 8 (oito) dias, ao chamado para a readmissão.

§ 1º - O empregador notificará diretamente o empregado para reassumir o cargo, ou, por intermédio da sua entidade sindical, se desconhecida sua localização, correndo o prazo de 8 (oito) dias a partir da data do recebimento da notificação pelo empregado ou pelo órgão de classe, conforme o caso.

§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos cargos de natureza técnica.[35]

Ainda, relevante destacar que, via de regra, o regime de lay-off aqui estudado não pode ser considerado como alteração do contrato de trabalho, muito menos de forma lesiva, por expressa determinação da lei:

Art. 2º, § 3º - A redução de que trata o artigo não é considerada alteração unilateral do contrato individual de trabalho para os efeitos do disposto no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho.[36]

Não se pode deixar, contudo, de destacar que o regime aqui apresentado pode ser invalidado nas seguintes hipóteses: caso se constate a não verificação do motivo que ensejou a adoção do regime pela empresa; na ausência de pagamento dos salários e das contribuições sociais devidas pelo empregador; diante da ocorrência de distribuição de lucros, a qualquer título; na admissão de novos empregados ou renovações de contratos para vagas suscetível de ser assegurada por trabalhador sujeito a regime de lay-off.

Outrossim, tem-se que a hipótese de redução de jornada, com a consequente redução salarial, possibilitam a convivência harmônica dos princípios da proteção da relação empregatícia e da preservação da empresa, ao passo que permite o equilíbrio e a recuperação da saúde econômica da empresa, enquanto possibilita a manutenção dos contratos de trabalho.

2.1.2. Suspensão Temporária do Contrato de Trabalho para Requalificação Profissional

 

Outra modalidade do regime de lay-off é a suspensão temporária do contrato de trabalho para a requalificação profissional, prevista na própria CLT, art. 476-A[37], que assim dispõe:

O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação.

Nesta esteira, a primeira diferença que se destaca entre a modalidade de lay-off apresentada no item anterior e ora apresentada, é que na presente, o contrato de trabalho do empregado fica suspenso pelo período de duração do curso de requalificação que, como visto, pode ser de, no mínimo 2 (dois) e, no máximo, 5 (cinco) meses. Ressalte-se que, por expressa limitação §2ª do mesmo diploma legal supra destacado, dentro de um período de 16 (dezesseis) meses os contratos de trabalho celebrados com uma mesma empresa não poderão ser suspensos por mais de uma oportunidade.

Por outro lado, ambas as modalidades, antes da implementação, carecem de negociação sindical, sendo que, na presente, admite-se a celebração de Acordo ou de Convenção Coletiva com o Sindicato da categoria. Todavia, para a suspensão contratual com intuito de requalificação profissional, além de autorização coletiva, o empregador necessita da aquiescência formal de cada empregado que se sujeitará ao regime.

Além disso, na suspensão do contrato para requalificação profissional, é indispensável a notificação do sindicato da categoria, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias do início da suspensão, nos termos do §1º do art. 476-A da CLT.[38]

A grande diferença entre as duas modalidades de lay-ff está no fato de que, no caso da suspensão do contrato de trabalho, o empregado receberá uma bolsa aprendizagem, custeada pelo FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, como determina o art. 2º-A da lei 7.998 de 1990[39], abaixo transcrito:

Art. 2º-A.  Para efeito do disposto no inciso II do art. 2º, fica instituída a bolsa de qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, à qual fará jus o trabalhador que estiver com o contrato de trabalho suspenso em virtude de participação em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, em conformidade com o disposto em convenção ou acordo coletivo celebrado para este fim. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)

Acerca do pagamento da bolsa aprendizagem, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a Resolução 591 de 2009, equiparando-a ao seguro-desemprego" data-type="category">seguro desemprego, quanto a valores, parcelas e prazos, em seu artigo 2º[40], veja-se:

Art. 2° - A concessão do benefício bolsa de qualificação profissional de que trata o art. 1° desta Resolução, deverá observar em face do que preceitua o art. 3°- A, da Lei nº 7.998/90, a mesma periodicidade, valores, cálculo do número de parcelas, procedimentos operacionais e pré-requisitos para habilitação adotados para a obtenção do beneficio do seguro desemprego, exceto quanto à dispensa sem justa causa.

Não bastasse, o instrumento coletivo que autorizar o regime de lay-off sobre esta modalidade, pode, ainda, prever que o valor recebido a título de seguro desemprego seja complementado pelo empregador, com valor que será negociado previamente e pago a título de ajuda de custo, sem natureza salarial, como reza o §3º do art. 476-A da CLT.

No que se refere à remuneração do empregado, a lei tratou de garantir a ele todos os benefícios e vantagens que tenham sido implementadas por instrumento coletivo ou por benesse do empregador. Destaca-se, pois, o que diz o art. 471, aplicável ao caso por determinação expressa do caput do art. 476-A, supracitado e, 476-A, §4º[41], ambos da CLT:

Art.471 – Ao empregado, afastado do emprego, são asseguradas, por ocasião de sua volta, todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na empresa.

Art. 476-A, §4º – Durante o período de suspensão contratual para participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado fará jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador.

Assim, se comparada a modalidade de suspensão do contrato aqui estudada, com a de redução da jornada e do salário exposta acima, tem-se que a segunda opção, de forma imediata, pode propiciar a recuperação da empresa de forma mais acelerada, já que não há se falar em pagamento de salários e encargos sociais advindos da relação de emprego, pelo empregador, enquanto durar a suspensão.

Da mesma maneira que na modalidade de lay-off por redução de jornada, na presente hipótese o empregado adquire uma garantia de emprego ao fim do regime, que compreende os três meses subsequentes ao fim da suspensão do contrato de trabalho. No caso de descumprimento do prazo de estabilidade, o §5º do art. 476-A da CLT, em estudo, prevê a fixação de multa pelo instrumento coletivo em, no mínimo, 100% (cem por cento) sobre o valor da última remuneração, além das parcelas rescisórias devidas.

A lei trata, ainda, de fixar sanções para situações em que se verifique fraude na adoção do regime. Assim, nos termos do §6º do art. 476-A da CLT, não sendo ministrados cursos ou não estando o empregado participando efetivamente de um programa de requalificação, ao contrário, se continuar trabalhando normalmente para o empregador, a suspensão contratual será descaracterizada e passarão a ser devidos ao obreiro o pagamento imediato de todos os salários, bem como deverão ser recolhidos os encargos sociais de todo o período, além de se tornarem exigíveis eventuais sanções previstas no instrumento coletivo.

Por todo o exposto, vê-se que, a suspensão do contrato de trabalho para a requalificação profissional também possibilita a recuperação da empresa em situação de crise econômica, mas mais do que isso, assegura a eficácia real do princípio da preservação da empresa e, na mesma medida, protege postos de trabalho em razão da manutenção dos contratos.

2.2 – Programa de Proteção ao Emprego – Lei 13.189 de 2015

Recentemente, em 2015, foi instituída pelo Governo Federal, uma medida provisória, posteriormente convertida em lei, cujo intuito é possibilitar a recuperação de empresas que estejam enfrentando crise econômico-financeira e, principalmente, para evitar o aumento dos índices de desemprego no país.

Trata-se da Medida Provisória nº 680 de 6 de julho de 2015, regulamentada pelo Decreto nº 8.479/2015 e, posteriormente, convertida na Lei 13.189 de 2015, conhecida como Programa de Proteção ao Emprego (PPE), esta última, objeto deste estudo.

O programa foi instituído, em meio a um cenário de crise no país, que tem ocasionado a recessão de atividades econômicas em diversos setores, em todo o território nacional, situação esta admitida pelo próprio Governo[42] que, aliás, viu na edição da medida, uma tentativa de evitar um aumento ainda maior do índice de desemprego que, em agosto de 2015, atingiu o percentual de 7,6%, segundo IBGE. [43]

Nesta direção, o art. 1º da Lei nº 13.189/2015[44], estabelece:

Art. 1º - Fica instituído o Programa de Proteção ao Emprego - PPE, com os seguintes objetivos:

I - possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração da atividade econômica;

II - favorecer a recuperação econômico - financeira das empresas;

III - sustentar a demanda agregada durante momentos de adversidade, para facilitar a recuperação da economia;

IV - estimular a produtividade do trabalho por meio do aumento da duração do vínculo empregatício; e

V - fomentar a negociação coletiva e aperfeiçoar as relações de emprego.

Parágrafo único - O PPE consiste em ação para auxiliar os trabalhadores na preservação do emprego, nos termos do inciso II do caput do art. 2º da Lei no 7.998, de 11 de janeiro de 1990.

Assim como o regime de lay-off, o Programa de Proteção ao Emprego, prevê a redução da jornada de trabalho e, consequentemente dos salários, por meio de Acordo Coletivo com o Sindicato da categoria, entretanto, a Lei nº 13.189/2015, aumentou o limite fixado de 25% (vinte e cinco por cento) para 30% (trinta e cinco por cento), veja-se:

Art. 5º - O acordo coletivo de trabalho específico para adesão ao PPE, celebrado entre a empresa e o sindicato de trabalhadores representativo da categoria da atividade econômica preponderante da empresa, pode reduzir em até 30% (trinta por cento) a jornada e o salário.[45]

O maior diferencial do PPE, em relação ao lay-off por redução de jornada, todavia, está no fato de a Lei nº 13.189/2015 estabelecer uma complementação dos salários dos empregados atingidos pela medida com fundos advindos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, veja-se:

Art. 4º - Os empregados de empresas que aderirem ao PPE e que tiverem seu salário reduzido, nos termos do art. 5º, fazem jus a uma compensação pecuniária equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor da redução salarial e limitada a 65% (sessenta e cinco por cento) do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho.   [46]

Assim, nos termos da lei, essa redução está limitada a R$900,84 (novecentos reais e oitenta e quatro centavos), que correspondem a 65% (sessenta e cinco por cento) do maior benefício do seguro desemprego pago atualmente, conforme Lei nº 7.998/90. Ainda, o salário a ser pago pelo empregador, diante da redução, deve respeitar como limite o salário mínimo.

A complementação supra destacada, apesar de paga pelo governo por meio do FAT, possui natureza remuneratória e, também, sobre seu valor o empregador está obrigado a recolher as contribuições previdenciárias e fiscais, que recaem sobre qualquer verba de natureza salarial num contrato de trabalho, conforme dispõe o art. 9º da Lei em estudo, destaca-se:

Art. 9º- A compensação pecuniária integra as parcelas remuneratórias para efeito do disposto no inciso I do art. 22 e no § 8º do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e do disposto no art. 15 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990[47]

Como visto, qualquer empresa, independentemente do setor econômico, pode aderir ao programa bastando, para tanto, comprovar a situação de dificuldade econômico-financeira em que se encontra. Há, contudo, prioridade de adesão às empresas que cumprem a cota de vagas de trabalho para pessoas com deficiência.

Ainda, para aderirem ao PPE, as empresas interessadas devem atender a pré-requisitos taxativamente fixados pelo art. 3º da Lei nº 13.189/2015[48], a saber:

Art. 3ª - Poderão aderir ao PPE as empresas, independentemente do setor econômico, nas condições estabelecidas em ato do Poder Executivo e que cumprirem os seguintes requisitos:

I - celebrar e apresentar acordo coletivo de trabalho específico, nos termos do art. 5º;

II - apresentar solicitação de adesão ao PPE ao órgão definido pelo Poder Executivo;

III - apresentar a relação dos empregados abrangidos, especificando o salário individual;

IV - ter registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ há, no mínimo, dois anos;

V - comprovar a regularidade fiscal, previdenciária e relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS; e

VI - comprovar a situação de dificuldade econômico-financeira, fundamentada no Indicador Líquido de Empregos - ILE, considerando-se nesta situação a empresa cujo ILE for igual ou inferior a 1% (um por cento), apurado com base nas informações disponíveis no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, sendo que o ILE consiste no percentual representado pela diferença entre admissões e demissões acumulada nos doze meses anteriores ao da solicitação de adesão ao PPE dividida pelo número de empregados no mês anterior ao início desse período.

§ 1º - Para fins do disposto no inciso IV do caput, em caso de solicitação de adesão por filial de empresa, pode ser considerado o tempo de registro no CNPJ da matriz. 

§ 2º - A regularidade de que trata o inciso V do caput deve ser observada durante todo o período de adesão ao PPE, como condição para permanência no programa.

No que se refere ao tempo de duração do programa, que está em vigor desde a edição da medida provisória nº 680/2015, a lei estabelece, em seu art. 5º, inciso IV, que a adesão se dará por um período de 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual tempo, desde que não ultrapassados, ao final, 24 (vinte e quatro) meses.

Destarte, uma empresa pode aderir ao programa e dele se beneficiar por um período de até 2 (dois) anos, contudo, a lei fixa prazo final para a extinção do programa, diferentemente do que acontece com o regime de lay-off, por exemplo. Nos termos do art. 11, o PPE será extinto em 31 de dezembro de 2017.

Importante ressaltar que, toda e qualquer empresa que optar pela adesão ao Programa de Proteção ao Emprego deve respeitar as expressas proibições fixadas pela lei, em seu art. 6º, pelo período em que durar sua adesão. São elas:

Art. 6º - A empresa que aderir ao PPE fica proibida de:

I - dispensar arbitrariamente ou sem justa causa os empregados que tiverem sua jornada de trabalho temporariamente reduzida enquanto vigorar a adesão ao PPE e, após o seu término, durante o prazo equivalente a um terço do período de adesão;

II - contratar empregado para executar, total ou parcialmente, as mesmas atividades exercidas por empregado abrangido pelo programa, exceto nas hipóteses de:

a) reposição;

b) aproveitamento de concluinte de curso de aprendizagem na empresa, nos termos do art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.

§ 1º - Nas hipóteses de contratação previstas nas alíneas a e b do inciso II do caput, o empregado deve ser abrangido pelo acordo coletivo de trabalho específico.

§ 2º - Durante o período de adesão, é proibida a realização de horas extraordinárias pelos empregados abrangidos pelo programa.[49]

Há, também, previsão legal para a exclusão de empresas do programa e a impossibilidade de reinscrição, como se vê pela leitura do art. 8º:

Art. 8º - Fica excluída do PPE e impedida de aderir ao programa novamente a empresa que:

I - descumprir os termos do acordo coletivo de trabalho específico relativo à redução temporária da jornada de trabalho ou qualquer outro dispositivo desta Lei ou de sua regulamentação;

II - cometer fraude no âmbito do PPE; ou

III - for condenada por decisão judicial transitada em julgado ou autuada administrativamente após decisão final no processo administrativo por prática de trabalho análogo ao de escravo, trabalho infantil ou degradante.

§ 1º - A empresa que descumprir o acordo coletivo ou as normas relativas ao PPE fica obrigada a restituir ao FAT os recursos recebidos, devidamente corrigidos, e a pagar multa administrativa correspondente a 100% (cem por cento) desse valor, calculada em dobro no caso de fraude, a ser aplicada conforme o Título VII da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e revertida ao FAT.

§ 2º- Para fins do disposto no inciso I do caput, a denúncia de que trata o art. 7o não é considerada descumprimento dos termos do acordo coletivo de trabalho específico. [50]

Mas, por outro lado, a própria empresa também pode optar por denunciar o PPE, especialmente se, antes do termo final deste, conseguir superar a crise econômico-financeira que a atingiu. Todavia, há regras expressas para a realização desta denúncia e deveres que devem ser observados após:

Art. 7º - A empresa pode denunciar o PPE a qualquer momento desde que comunique o ato ao sindicato que celebrou o acordo coletivo de trabalho específico, aos seus trabalhadores e ao Poder Executivo, com antecedência mínima de trinta dias, demonstrando as razões e a superação da situação de dificuldade econômico-financeira.

§ 1º - Somente após o prazo de trinta dias, pode a empresa exigir o cumprimento da jornada integral de trabalho.

§ 2º - Deve ser mantida a garantia de emprego, nos termos da adesão original ao PPE e seus acréscimos.

§ 3º - Somente após seis meses da denúncia, pode a empresa aderir novamente ao PPE, caso demonstre que enfrenta nova situação de dificuldade econômico-financeira. [51]

Da mesma maneira que nas modalidades de lay-off acima apresentadas, o programa de proteção ao emprego também estabelece uma garantia ao empregado que, neste caso específico, é obrigado a participar do programa, caso a empresa empregadora a ele adira.

No caso da Lei nº 13.189/2015, a garantia de emprego ao empregado deverá ser equivalente, no mínimo, ao período que durou a redução da jornada, acrescido de um terço. (art. 5º, inciso V)

Pois bem, o Programa de Proteção ao Emprego é, portanto, mais uma norma flexibilizadora que foi criada para possibilitar a recuperação das empresas que estejam suportando momentos de crise econômica, mas, principalmente, para garantir a manutenção de empregos.

Da mesma maneira, é uma norma que também beneficia o Estado, já que, mesmo com a redução dos valores pagos a título de salário, os empregadores mantém o dever de recolher aos cofres públicos os tributos incidentes sobre a remuneração. Assim, não há perda de arrecadação por parte do Governo que, por outro lado, também economiza o pagamento de inúmeros benefícios de seguro desemprego, com a manutenção dos postos de trabalho garantida pela adesão ao PPE.

CONCLUSÃO

O presente trabalho ressaltou a tutela do ordenamento jurídico, destacando dois princípios específicos, ambos com viés protetivo. O princípio da proteção ao emprego ou da continuidade da relação empregatícia, resguardado pelo direito do trabalho, e o princípio da preservação da empresa, proveniente do direito comercial.

Após o estudo de cada princípio, especialmente de seus objetivos, pode-se concluir que, em regra, é possível sua convivência e respeito harmônicos. Um princípio não ofende o outro ou lhe é superior.

Todavia, como visto, em tempos de crise econômica, não é incomum que esta harmonia seja abalada, e que o princípio da preservação da empresa se sobreponha ao da proteção ao emprego, posto que, a primeira vista, manter a atividade econômica é mais interessante ao Estado, já que dela se recebe os mais significativos tributos, além de ser ela quem propicia avanços tecnológicos, cultura, etc.

Mas, como nenhuma regra é integralmente estática, ao buscar uma saída para a tentativa de manutenção e convivência de ambos os princípios, especialmente em tempos de crise, os estudiosos do direito encontraram na flexibilização das normas do ordenamento jurídico a solução para o dilema.

Viu-se que, apesar da rigidez da legislação pátria, principalmente, das leis trabalhistas, com enfoque direto à CLT, é possível se adaptar as necessidades da sociedade, por meios de regras flexibilizadoras e, com isso, manter o valor e a efetividade do princípio da proteção da continuidade da relação empregatícia, bem como, o da preservação da empresa.

As leis apresentadas no estudo são só um exemplo de como a flexibilização de normas, não só é possível, como é favorável em panoramas que exijam solução de conflitos, mesmo que o conflito seja de princípios jurídicos.

Por assim dizer, como se viu, por meio da flexibilização, ao enfrentar uma crise econômica, há saídas válidas e legais para manter o quadro de empregos, sem afetar as possibilidades de recuperação econômica efetiva da sociedade empresária e, com isso, restabelecer o crescimento da sociedade como um todo, em detrimento a crise de outrora.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de especialização/pós-graduação em Direito do Trabalho pela Fundação Getúlio Vargas em Belo Horizonte/MG. Primeira publicação.

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