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A eficiência como fundamento da reforma do aparelho de Estado

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25/02/2004 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO

A Reforma Administrativa trazida pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998, trouxe em seu bojo a promessa de tornar a máquina estatal mais eficiente.

A pretensão era romper com um desenho estrutural rígido e implantar um sistema consentâneo com o mundo globalizado, onde a competitividade seria a mola mestra para abertura dos portos da tão sonhada modernidade. E, para vencer as barreiras e justificar os alicerces da nova feição estatal que se pretendia estabelecer, a eficiência passou a ser erguida como bandeira de todas as ações do Poder Público, tendo sido guindada ao patamar de princípio explícito no texto da Constituição Federal de 1988.

Pouco se falava, até então, em eficiência como princípio, muito embora em seu nome, as mudanças fossem implementadas para dar guarida à postura estatal, a confirmar que a eficiência sempre existiu, apenas troca de roupa quando o seu perfil não mais se encontra consentâneo com a forma de conceber o Estado. E foi o que aconteceu em 1998, no Brasil.

O Estado Brasileiro, chamado a compor o processo de "mundialização" [1], por imperativo de caráter irreversível (assim foi colocada a questão pelo Governo Fernando Henrique Cardoso), teve que assumir nova postura e, por corolário, reformar o aparelho de Estado que se mostrava ineficiente para responder às demandas internas e, principalmente, as externas. Era preciso arrumar a casa, e a eficiência foi erigida como princípio para justificar essa ruptura com o velho sistema.

À guisa desse panorama, tem-se a dimensão de que é o modo de conceber o Estado que fornece os elementos para consolidar o perfil da eficiência e não o inverso, eis que não se pode admitir um Estado desatrelado desse objetivo maior. Esse o sentido, aliás, que se depreende do magistério de Lúcia Valle Figueiredo:

"É de se perquirir o que muda com a inclusão do princípio da eficiência, pois, ao que se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência em seus cometimentos.

Na verdade, no novo conceito instaurado de Administração Gerencial, de "cliente", em lugar de administrado, o novo "clichê" produzido pelos reformadores, fazia-se importante, até para justificar perante o país as mudanças constitucionais pretendidas, trazer ao texto o princípio da eficiência.

Tais mudanças, na verdade, redundaram em muito pouco de substancialmente novo, e em muito trabalho aos juristas para tentar compreender figuras emprestadas sobretudo do Direito Americano, absolutamente diferente do Direito brasileiro". [2]

Sob esse contexto, verifica-se que a inteligência da inserção desse objetivo como princípio constitucional teve por escopo autorizar ou justificar o processo de reforma do aparelho de Estado em 1998, como, historicamente, também se pode evidenciar em 1967. Ou seja, em que nível ou época esse processo de mudança tenha ocorrido, a "eficiência" é evidenciada em razão de elementos contemporâneos à sua construção, mas sempre como motivo ou elemento central da reforma da máquina estatal. De igual sorte, a releitura dos demais princípios que orientam a conduta da Administração Pública se impõe sob o contexto desse núcleo gerador das novas formas de gestão instituídas em seu nome ou das velhas formas por ele revitalizadas.

A pretensão desse trabalho, portanto, foi traçar o perfil da Reforma Administrativa sob o contexto da eficiência, cotejando entre o velho e o novo sistema com o objetivo de captar o real significado de sua inserção como princípio constitucional. Esgotar o assunto é ousar o impossível, eis que, assim como a moral, o que é eficiente hoje, pode não ser amanhã, portanto, a análise metodológica utilizada está impregnada da visão dita "moderna", representada pelo olhar crítico do sistema. Sob esse contexto foi concebida a seguinte estrutura de análise: (2) O espelho da eficiência: setor público x iniciativa privada; (3) O paradigma da eficiência: 3.1. sob a ótica de atuação dos agentes públicos, e, 3.2. sob a ótica da estruturação orgânica, além das necessárias (4) conclusões.


2. ESPELHO DA EFICIÊNCIA: SETOR PÚBLICO x ENTIDADES PRIVADAS

A busca da eficiência e da qualidade no serviço público não é um tema que surgiu com a Era do Globalismo.

No Brasil, a paternidade da implementação da eficiência no setor público foi reivindicada por muitos governos. Em 1964, o Presidente Castello Branco já ressaltava que o setor público deveria operar com a mesma eficiência das empresas privadas, o que acabou por gerar a primeira grande Reforma Administrativa, que teve no Decreto-lei nº 200, de 1967, o seu ponto culminante, com a proclamação de princípios elementares para a organização da Administração Pública: o planejamento, a descentralização, a delegação de competência, o controle de resultados e outros.

Em pleno Século XXI, o modelo privado da eficiência continua a ser a voga da modernidade da máquina estatal. Não houve mudança de paradigma. O novo tempo tem o condão de quebrar, tão-somente, as estruturas que se enrijeceram, proporcionando novos olhares sobre o mesmo fundamento. Mas há que se indagar, diante de tantas formas de produção (em essência, a eficiência está vinculada às formas de produção), o porquê da insistência em se buscar no setor privado a fórmula para se incrementar a máquina administrativa. Sob esse contexto, faz-se necessário, em primeiro plano, conhecer um pouco da realidade e das necessidades das empresas privadas, o que ora se faz sob o enfoque da exploração capitalista haurida da obra "Marx e a Globalização" [3], de Alex Fiúza de Mello:

"Por outro lado, o anunciado espírito universal e inovador da ‘revolução Toyota’ – saudado por muitos como um novo ‘modo de regulação’ da economia capitalista mundial - com todo o seu aparato de ‘qualidade total’, não deixa dúvidas quanto aos objetivos máximos de sua política: empregar um mínimo de trabalhadores, cobrando-lhes o máximo de produtividade; o que se traduz em dados bastante concretos: enquanto um operário de uma montadora na Bélgica (Ford-Genk, General-Motors-Anvers, Volswagen-Forest, Renault-Vilvorde e Volvo-Gand) trabalha em média 1.550 a 1.650 horas/ano, seu correspondente Toyota fica na fábrica cerca de 2.300 horas/ano, fazendo com que, no Japão, um veículo seja produzido numa média de 19 horas, contra as 36 da média européia" (grifos nossos)

Vislumbra-se, pois, que a tão requisitada eficiência do modelo privado tem a sua razão de ser voltada, em primeiro lugar, para o lucro que decorre do modo de produção eleito. E não poderia ser diferente porque esse é o objetivo de toda empresa. É a sua fórmula de sobrevivência, onde a exploração do homem pelo capital faz parte do seu bem comum, se assim se pode dizer. Porém, a tão divulgada forma de organização que fez nascer a excelência desses serviços, pautada na consolidação de uma gerência dinamizada pela ruptura de diversas especialidades estanques (modelo fordista), acabou por influenciar a visão estatal que, moldada sob uma política neoliberal, resolveu assumir, como fato irreversível, a necessidade de reforma do aparelho do Estado como elemento preponderante para dimensionar a eficiência do setor público.

Mas, nesse patamar de objetivos, a realidade do setor público parece não encontrar conformação. A finalidade do setor público não é o lucro. E a busca pela equivalência, pura e simples, de uma concepção privatística poderia levar a se pensar que a idéia central de fomentar a eficiência, cuja conotação técnica é mais quantitativa do que qualitativa, estaria em autorizar o governo a consolidar políticas voltadas ao incremento de sua máquina dissociada de seu papel social. Daí a grande discussão que se instaurou com o anúncio da Reforma Administrativa no Governo Fernando Henrique Cardoso, que hoje se encontra no texto da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, e, ao que parece, na sua maior parte, vai ficar limitada ao debate jurídico, eis que muito dos institutos criados, até o momento, não foram regulamentados. Todavia, foi com essa Reforma Administrativa que veio à tona a assimilação da eficiência como princípio inerente ao Direito Administrativo (em que pese a sua presença epistemológica como postulação básica a ser seguida pela Administração Pública independentemente de sua literal inserção nos textos legais), sob cujo fundamento foi construída toda uma retórica política para viabilizar a flexibilização do desenho estrutural da Administração Pública, baseada no pseudo-sucesso de modelos privados de gestão.

Nesse diapasão, a regulação do modo de produção em busca da eficiência, no caso do setor público, assume o objetivo de colocar à disposição da sociedade o melhor serviço, baseada em fórmulas privatísticas, o que levou Carlos Ribeiro e Manuela Camargo, citados por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira [4], a registrar o seguinte:

"É necessário ter em mente que os programas de produtividade, originalmente formulados para o setor privado, não são necessariamente os mais adequados para o setor público; na verdade, a origem privada do programa pode vir a ser a principal razão do insucesso de sua implementação no setor público. As razões pelas quais os setores público e privado engajam-se em programas de produtividade são diversas. No setor privado, a busca pelo aumento da produtividade é justificada pela sobrevivência; no setor público, a melhoria do padrão de vida do cidadão, que pode resultar dos programas de produtividade, é a sua principal razão de ser." (Revista Indicadores de Qualidade e Produtividade. Jun.1994)

Vislumbra-se, pois, que a importação de modelos privados pela Administração Pública jamais poderá assumir a conotação que a eles emprestam as pessoas jurídicas privadas. É que a eficiência do setor privado, como ficou demonstrado, tem finalidade diversa da do setor público. Desta feita, a privatização, em seu conceito mais amplo [5], não poderia ficar dissociada da leitura dos princípios que vinculam a Administração Pública. E, de igual sorte, o Programa de Qualidade do Serviço Público, não tem o condão de extinguir a combatida burocracia estatal, mas impor-lhe uma nova roupagem.

Acreditamos que somente com a leitura crítica desses modelos, alicerçados na necessária eficiência da máquina estatal, poderá se traçar os contornos no que, hoje, se pretende alcançar com a inserção desse princípio no Texto Maior, até porque, na Era do Globalismo, tornou-se natural (para não dizer corriqueiro)o chamamento da eficiência para justificar quaisquer ações implementadas pelo Estado.


3. DO PARADIGMA DA EFICIÊNCIA

A burocracia [6] espelha a concepção administrativa do aparelho do Estado. Para Weber, a burocracia é definida como a "estrutura administrativa, de que se serve o tipo mais puro do domínio legal". Nessa esteira de raciocínio, quando se critica o ritualismo, o desperdício de recursos e os entraves oriundos de regras rígidas, que ora batizam de Burocracia, está se criticando o próprio modelo instituído para a manifestação e funcionamento da Administração Pública, que passa a ser intitulada de ineficiente e ineficaz.

Mas quando se retrata essa Administração Pública ineficiente parece estar a se representar apenas uma história: a do Brasil. E não é assim.

Senão vejamos.

"No desenho animado francês ‘Os 12 Trabalhos de Asterix’, a personagem central, Asterix, para alcançar o seu objetivo – salvar a aldeia em que vive – precisa cumprir 12 trabalhos, dentre os quais pequena formalidade administrativa: conseguir a Licença B-38.

A licença, segundo o interlocutor a quem Asterix questiona, é expedida pelo ‘lugar que enlouquece’- a prefeitura.

Sem pestanejar, Asterix e seu companheiro de aventura ingressam no órgão público, cujo arsenal de informações é o mais controvertido possível, o que os leva de seção em seção, num sobe e desce de escadas em busca da licença. E a cada informação, outra é repassada com vistas a inviabilizar, ainda mais, o alcance da ‘pequena formalidade administrativa’. Servidores que conversam entre si e não dão atenção ao interlocutor, outros que esbravejam quando indagados sobre o local onde se pode conseguir a licença; outros que informam que para consegui-la há que se realizar, previamente, tal e tal procedimento; outro que ouve somente o que o chefe pergunta; outro que se diverte no serviço, com a necessária ajuda da secretária..., são os empecilhos colocados à frente dos heróis para o cumprimento da pequena missão.

Todos esses obstáculos fazem do órgão público o ‘lugar que enlouquece’! O retrato é o da burocracia estatal, enraizada pelo formalismo inútil e a crítica, parodiando os ’12 trabalhos de Hércules’, pasmem, não é contra o serviço público brasileiro.

O modelo do ‘lugar que enlouquece’ é francês. A época retratada, ainda a Gália antiga." [7]

A historinha mostra que a burocracia, aqui concebida sob o contexto do fenômeno da burocratização [8], espelha uma Administração que se distancia de sua finalidade substantiva, eis que se perde em entraves formais para a consecução do bem comum. E que não é a brasileira. A burocracia é universal, e está assente justamente no modo de conceber a prestação do serviço público pelo Estado. É o modelo estatal que dita a burocracia, que pode ser negativa ou positiva, mas que sempre existirá, porque é o mecanismo de funcionamento, o modus operandi do Estado.

Nesse patamar de funcionalidade, verifica-se que o gigantesco crescimento do Estado, sob a concepção do chamado Estado Social, por atuar em quase todos os setores da sociedade em nome da isonomia entre os homens (a igualdade do Estado Liberal estava comprometida pela exacerbação da liberdade individual) passou a congregar uma estrutura administrativa de igual tamanho, com a agravante de não distinguir o tipo de atividade que estava sendo por ele desempenhada. Todas as atividades, sociais, econômicas ou industriais, tomadas para desenvolvimento pelo Estado, detinham igual forma de organização, o que acabou por gerar uma burocracia ineficiente para a prestação dos serviços públicos.

Nesse contexto, e premido pela crise financeira, o Estado Social entrou em colapso na medida em que não mais possuía capacidade para gerir a sua máquina, deficiente pelo agigantamento das atividades que abarcou para si e perdido em sua identidade (o que deveria ser por ele diretamente implementado e o que não deveria ser? A resposta estaria em conhecer a conotação a ser dada ao interesse público, agora, sob o enfoque dos problemas gerados pela crise). Uma coisa era certa: era preciso reverter esse quadro: a ineficiência da máquina estatal premia por uma reação, que não tardou a chegar, sob a moldura trazida pela globalização. Para alguns, de caráter irreversível.

Introduzindo o tema na sua obra "Parcerias na Administração Pública", a Profª. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, registra que as "conseqüências negativas produzidas pelo Estado Social e pelo positivismo jurídico reclamavam novas transformações no papel do Estado e elas vieram mediante a introdução de um novo elemento à concepção do Estado de Direito Social. Acrescentou-se a idéia de Estado Democrático. Por outras palavras, o Estado, sem deixar de ser Estado de Direito, protetor das liberdades individuais, e sem deixar de ser Estado Social, protetor do bem comum, passou a ser também Estado Democrático. Daí a expressão Estado de Direito Social e Democrático. Não que o princípio democrático já não fosse acolhido nas concepções anteriores, mas ele passa a ser visto sob nova roupagem. O que se almeja é a participação popular no processo político, nas decisões do Governo, no controle da Administração Pública." [9] Partindo dessa premissa, a ilustre administrativista deixa assente que o interesse público, também, assume nova roupagem, passando a confundir-se com a idéia de bem comum, voltando-se para o interesse da coletividade, do cidadão e não mais para o interesse puro e simples do aparelhamento da Administração Pública. De igual sorte, o princípio da legalidade passa a congregar conceito mais amplo: a Administração submete-se à lei sob a sua concepção formal, e, também, principiológica (ao Direito).

A concepção desse novo Estado, ainda segundo a autora citada, perpassa pelo princípio da subsidiariedade, que opera em dois sentidos: (1) o de limitar a atuação do Poder Público nas relações com os particulares, e (2) o de subsidiar e incentivar o setor privado, quando deficiente (coletividade mais fraca), sem embargo da necessária fiscalização em prol da sociedade usuária e consumidora. Em outras palavras, o Estado deixaria de atuar em sede própria do setor privado, mas daria condições para que essas atividades fossem desenvolvidas em prol da coletividade, estimulando a sua atuação mediante a ampliação da atividade de fomento. Em contrapartida, a atuação do Estado se resumiria em suas atividades essenciais (segurança, justiça, polícia, legislação, defesa, relações exteriores), cuja burocracia passaria a assumir o enfoque da nova roupagem conferida ao interesse público, ou melhor, a gestão dessas atividades estaria voltada para o cidadão-cliente. [10]

No Brasil, a reversão do fenômeno mega-Estado não colide com as normas constitucionais vigentes, eis que, em muitos casos, a Carta Política prevê que os serviços públicos podem ser prestados diretamente pelo Poder Público ou pelo particular (art. 21, incisos XI e XII c/c o art. 173), assim como deixa assente que determinados serviços sociais não são exclusivos do Estado, em que pese a indeterminação com relação à atividade de fomento. Esse espelho constitucional, contudo, somente passou a ganhar contornos em 1998, aquando da aprovação da Reforma Administrativa, onde restou patente que o modelo de gestão perseguido pelo Estado Brasileiro estaria centrado em dimensionar a eficiência no serviço público, (1) seja em razão da implementação de modelos de organização (estrutura administrativa) mais eficientes; (2) seja sob a ótica da atuação dos agentes públicos. [11]

Nesse sentido, percebe-se que o paradigma da eficiência na Era Global mantém-se voltado para a flexibilização da burocracia estatal mediante a adoção de mecanismos que já se encontravam presentes na Reforma Administrativa de 1967 (o Decreto-lei 200, de 1967, já se referia ao controle de resultados, ao sistema de mérito, à dispensa do servidor ineficiente, às parcerias com o setor privado e outros), agora, sob o fundamento do Estado Subsidiário, ou da chamada Administração Gerencial, assim concebida pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, apresentado no Governo Fernando Henrique Cardoso, com vistas à consolidação dos seguintes resultados:

"1. Incorporar a dimensão da eficiência na administração pública: o parelho de Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com recursos disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte;

2. contribuir para o equilíbrio das contas públicas: as esferas de governo que enfrentam desequilíbrio das contas públicas disporão de maior liberdade para a adoção de medidas efetivas de redução de seus quadros de pessoal, obedecidos critérios que evitem a utilização abusiva ou persecutória de tais dispositivos;

3. viabilizar o federalismo administrativo: a introdução de novos formatos institucionais para a gestão em regime de cooperação dos serviços públicos, envolvendo a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e a remoção de obstáculos legais à transferência de bens e de pessoal, aprofundarão a aplicação dos preceitos do federalismo na administração pública, particularmente no que tange à descentralização dos serviços públicos;

4. romper com formas jurídicos e institucionais rígidos e uniformizadores: a reforma constitucional permitirá a implantação de um novo desenho estrutural na administração pública brasileira, que contemplará a diferenciação e a inovação no tratamento de estruturas, formas jurídicas e métodos de gestão e de controle, particularmente no que tange ao regime jurídico dos servidores, aos mecanismos de recrutamento de quadros e à política remuneratória;

5. enfatizar a qualidade e o desempenho nos serviços públicos; a assimilação, pelo serviço público, da centralidade do cidadão e da importância da contínua superação de metas desempenhadas, conjugada com a retirada de controles e obstruções legais desnecessários, repercutirá na melhoria dos serviços públicos [12]".

Vislumbra-se que o princípio da eficiência, na verdade, passou a ser o motor de toda a proposta de reengenharia no serviço público, que deve ser lida conjuntamente com os demais princípios que norteiam a Administração Pública para que não se confunda com a eficiência que identifica a iniciativa privada, muito embora, ao se investir nessas atividades (privada), tenha o Estado que contornar a sua posição de supremacia com a subordinação de regras consentâneas com esse setor. Evidencia-se, ainda, que a eficiência foi, de certo, como ressaltou a Profª Maria Sylvia Zanella Di Pietro, construída sob o dúplice aspecto: (1) o da atuação do servidor diante das novas diretrizes trazidas pela Reforma de 1998; e, (2) o da estruturação orgânica da Administração Pública, o que determina a necessidade do aprofundamento da eficiência à luz desses dois pontos fulcrais da Reforma Administrativa.

3.1. O PARADIGMA DA EFICIÊNCIA SOB A ÓTICA DE ATUAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS.

Quando se fala em eficiência da máquina administrativa pensa-se, em primeiro lugar, em quem a conduz: os agentes públicos. É através deles que a Administração se corporifica [13] e, portanto, materializa a sua atuação.

O agente público, por seu turno, não é apenas o servidor público, vinculado a um Estatuto Jurídico. A definição jurídica engloba todas as pessoas (físicas) que prestam serviços ao Estado, aí inseridos os agentes políticos, assim considerados aqueles cujas atividades estão vinculadas à de governo e à de função política [14]. Nesse diapasão, a eficiência não poderia ser auferida em razão, tão-somente, das atribuições públicas desenvolvidas pelos servidores estatutários (hoje a maioria) ou pelos empregados públicos (regidos pela CLT), mas de todos aqueles que, de forma direta ou indireta, agem em nome da Administração Pública.

Mas o desempenho das atribuições públicas desses agentes não recebe igual tratamento da legislação no que tange à aferição da eficiência no serviço público, embora o fundamento proclamado pelo programa da qualidade dos anos 90 [15] esteja pautado, em essência, na eficácia do serviço, assim entendido o comprometimento do agente público (processo de produção) com os resultados a serem obtidos pela aplicação de certa quantidade de recursos e esforços (satisfação do usuário/cliente/administrado).

Na verdade, a qualidade, que deveria figurar no lugar da eficiência, por lhe ser mais abrangente, revela, antes de tudo, uma tentativa de modificar a cultura que se enraizou na burocracia estatal, decorrente da distorção da concepção do modelo concebido em 1967, cuja performance não se mostra tão distante da proposta atual. Ou melhor, a eficiência do agente público, em princípio, estaria centrada no processo de engajamento decorrente da implantação de uma concepção dita moderna, voltada para o cliente, o usuário, o consumidor do serviço público, que, de seu turno, se tornaria o termômetro da aferição do bom desempenho do agente, mediante um processo de avaliação de resultados que incluiria o grau de satisfação da coletividade como um de seus parâmetros. A qualidade ou a eficiência da atuação do agente estaria centrada no processo de avaliação de resultados do serviço. E só.

Mas essa proposta de mudança de cultura burocrática precisava de fatores materiais que lhe descem sustentação. A conscientização do agente público em busca desse novo perfil para a prestação do serviço público, desta feita, deveria passar por um processo de flexibilização de institutos tradicionais, como, o da estabilidade do servidor público, questão que acabou por se tornar a bandeira para a consolidação do princípio da eficiência, eis que a concepção de servidor acomodado, desvinculado do processo produtivo, segundo a leitura dessa vantagem estatutária, estaria centrada justamente na sua percepção.

De acordo com o perfil traçado pelos meios de comunicação à época da votação da Reforma Administrativa, a estabilidade, na forma concebida pela Constituição Federal, estaria em contraposição ao desenho estrutural preconizado pela Reforma do Aparelho de Estado trazida pelo Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, pois favorecia a mantença de uma cultura "sem compromissos", dissociada dos resultados que se pretendia alcançar com a política de reestruturação da Administração Pública. Daí a proposta de ruptura do modelo trazido pela Constituição de 1988, em sua redação originária, sob o slogan de que a estabilidade era o empecilho maior para a propagação da eficiência no setor público.

Importa ressaltar que a estabilidade não é garantida a todo agente público. Somente a categoria de servidores públicos, e, em específico, a do detentor de cargo de provimento efetivo, é que a ela faz jus. Portanto, merece guarida a tese no sentido de que a legislação impõe diferença na aferição do desempenho dos agentes públicos, na medida em que o ônus decorrente do processo de reforma da cultura burocrática, sob esse enfoque, ficou resumido na avaliação do servidor público estatutário, excluídos desse rol os exercentes de cargos em comissão ou funções de confiança, salvo se detentores de cargos efetivos.

A distorção verificada a nível das normas constitucionais, que submete ao processo de avaliação de mérito, por efeito do princípio da eficiência, tão-somente, uma parte dos agentes públicos, demonstra que as ferramentas preconizadas para proporcionar ou favorecer uma consciência crítica acerca dos resultados que se pretende alcançar com a reforma em favor da "modernização" da máquina administrativa é de toda falha, pois, como se sabe, as decisões, ou melhor, as diretrizes que traduzem o processo de controle pela eficiência, traçadas pelos agentes que detêm função de confiança, cargo em comissão ou exercem funções políticas, é que conferem os contornos da missão institucional de um órgão ou ente público. A inexistência de mecanismos de avaliação desses outros agentes, que ficou relegada ao processo de controle da responsabilidade da aplicação dos dinheiros públicos pelos órgãos competentes, mesmo que sob o enfoque da legitimidade e economicidade (art. 70 da Constituição Federal), parece não se coadunar com a sistemática inaugurada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, onde a avaliação de desempenho, in concreto, passou a ser causa para exoneração do servidor público.

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Em que pese a Lei nº 8.112, de 1990, na esfera federal, ter transformado todos os empregos públicos ocupados em cargos públicos (art. 243, na Administração Direta, autarquias e fundações públicas), fazendo surgir, da noite para o dia, um ônus jamais imaginado na história do Brasil [16], não se pode conceber que por efeito dessa massa de servidores (que seriam a maioria dos agentes públicos) estar sujeita às diretrizes relativas à avaliação de desempenho, a ferramenta relativa à flexibilização da estabilidade para efeito de consecução da eficiência da máquina administrativa estaria cumprindo o seu mister.

Em verdade, a quebra da estabilidade do servidor público foi inserida como elemento principal da Reforma Administrativa com o objetivo de esvaziar a máquina estatal, com vistas à redução da despesa com pessoal. Concebia-se a estabilidade, sob esse aspecto, como fator de inchamento dos quadros de pessoal e empecilho para Reforma do Estado. Esse o primeiro ponto que se colocava como preponderante para sua flexibilização. O outro a concebia como causa da ineficiência do serviço público, eis que vedava a demissão dos estáveis por insuficiência de desempenho. As premissas espelhavam dois grandes equívocos: (1º) a estabilidade nunca foi a causa do inchaço da máquina administrativa; e, (2º) a estabilidade não vedava, como continua não vedando, as demissões dos desidiosos e dos ineficientes, portanto, incorreta a sua inserção como obstáculo para a consolidação da política da eficiência. Sobre o tema, vale a pena trazer a lume a análise da "Estabilidade do Servidor Público sob a ótica do Clientelismo", oferecida em artigo publicado no Informativo Consulex nº 48, de 1996 [17], que assim fixa o entendimento sobre a questão:

"Em relatório publicado no Diário Oficial da União de 18 de julho de 1991, o Ministro Homero Santos, do Tribunal de Contas da União, emitiu o seguinte parecer sobre as contas do Governo, relativas ao exercício financeiro de 1990, quando já se cogitava da quebra da estabilidade:

(...) ‘Nas sociedades modernas exige-se estrutura de funcionários públicos organizados em carreira e com estabilidade, para que o Governo não venha a se utilizar do serviço público para fins políticos e fisiológicos. Senão, cada Governo que entrasse substituiria essa ou aquela parte do corpo funcional, ou toda vez que determinadas categorias ou grupos de servidores estivessem atrapalhando os interesses partidários, eleitorais ou mesmo escusos, seriam simplesmente eliminados. Seria o retorno catastrófico ao regime de pistolão. (grifo nosso)

(...)

A visão no Ministro Homero Santos deixa clara essa concepção de princípio condicionante da liberdade estatal, na medida em que os servidores públicos fazem parte do processo de concepção do Estado, ou seja, são o seu corpo, pois é através deles que se materializa a política eleita.

Desta feita, a estabilidade mostra-se mais do que um instituto, uma garantia, é uma restrição ao poder estatal, que condiciona a sua atuação como forma de garantir não o emprego do servidor, mas a continuidade dos serviços públicos, a fabricação do bem comum na forma ditada, exigida pela sociedade.

A estabilidade, portanto, deve funcionar como instrumento do Estado na busca do dinamismo indispensável ao funcionamento da máquina administrativa, e não o contrário, pois é através dela que se retém a especialização dos servidores treinados pela própria Administração, patrocinadora dos treinamentos, da especialização·"

Faz-se importante consignar que naquela oportunidade cogitava-se da flexibilização da estabilidade de uma forma mais ampla do que a que acabou sendo aprovada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, mas que não inviabiliza a tese enfocada, onde o modo de ver a estabilidade (como condicionante da ação estatal) pode ser equiparado ao reconhecimento do necessário equilíbrio que deve existir entre os princípios da legalidade e da eficiência: a aplicação de um não pode subestimar a importância do outro, eis que ambos condicionam a atuação estatal.

Por outro lado, é sabido que a estabilidade, mesmo que flexibilizada com a inserção de mais duas hipóteses de perda do cargo público efetivo (a saber: (1) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa (art. 41, § 1º, III, da CF); e, (2) por excesso do limite de despesa com pessoal, na forma do art. 169, § 4º da CF c/c o art. 23 da Lei Complementar nº 101, de 2000), não foi a culpada pelo inchaço da máquina administrativa e, por derradeiro, responsável pela política de dependência do emprego público.

Consoante o que ficou ressaltado, uma das causas do inchaço da máquina administrativa foi a ausência de planejamento para instituição do Regime Jurídico Único, exigido pelo art. 39 da Constituição Federal. A transformação de empregos públicos (mesmo os do que não ingressaram mediante concurso público) em cargos públicos superlotou os quadros de pessoal dos entes políticos que adotaram o regime estatutário, eis que os empregos, antes da ordem constitucional vigente, eram criados sem limitação quantitativa e sem a exigência de concurso público. E, mesmo depois da Constituição, muitos Estados e Municípios continuaram contratando sem concurso público. Somado a esse fator, os regimes especiais, que autorizam a contratação de temporários por excepcional interesse público, passou a ser a porta aberta para os clientes políticos do Estado, que conferiam (e ainda conferem) prorrogações intermináveis dos contratos, os quais assumiam (e ainda assumem) um caráter permanente. Afora essas questões, o número de cargos em comissão e de funções de confiança foi se avolumando para atender, principalmente, ao clientelismo. Logo, resta patente que a quebra ou a flexibilização da estabilidade em nada contribuiu para o inchaço da máquina administrativa, como, de igual sorte, não contribuirá para o seu enxugamento se os mecanismos alinhados (verdadeiras portas abertas) continuarem a ser utilizados para ingresso no serviço público, sem a seriedade que a Carta Magna exige, como o ingresso mediante concurso de provas ou de provas e títulos, salvo em casos específicos, quando houver incompatibilidade em razão da demanda natural (art. 37, V e IX, da CF), desde que as hipóteses estejam devidamente delineadas em lei específica, para que não se vislumbre, como na atualidade, as distorções das formas de ingresso existentes, que apenas contribuem para violar o princípio da eficiência, e, muito mais, o da legalidade.

Aliás, ainda quanto às formas de ingresso no serviço público sob a égide da política da eficiência, temos o retorno da "reversão no interesse da Administração", introduzida por Medida Provisória, hoje sob o nº 2.225-45, de 4.9.2001, (aparente inconstitucionalidade como forma de provimento derivado [18]), dando azo à afirmação de que o Estado, na construção de sua política de gestão voltada para qualidade no serviço público, não ponderou o peso das reformas impostas à sua burocracia, eis que parece um contra-senso reverter servidores públicos, que deram origem à vacância do cargo por força de aposentadoria, sem quaisquer critérios de seleção, ao mesmo tempo em que propõe a ruptura de um modelo que fomenta a permanência no cargo público.

Outro aspecto da atuação do servidor sob a ótica da eficiência está assente na flexibilização do regime que o vincula ao Estado. A Constituição reformada não mais exige um regime único, o que autoriza a convivência dos regimes celetista e estatutário. Mais uma vez a visão da excelência do setor privado impôs-se como fator preponderante para consolidar a inserção de um instituto que já se havia mostrado incompatível com determinadas ações estatais. O Prof. Luiz Alberto dos Santos, citado por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira na sua obra Reforma Administrativa, já citada, muito bem ressalta esse aspecto da questão:

"...as atividades passíveis de comportar regime trabalhista seriam aquelas que – mesmo desempenhadas sem as garantias específicas do regime de cargo – não comprometeriam os objetivos em vista dos quais esse se impõe como normal. Seriam, portanto, as correspondentes à prestação de serviços materiais subalternos, próprias dos serventes, motoristas, artífices, jardineiros, etc., pois o modesto âmbito de atuação destes agentes não acarreta riscos para a impessoalidade da ação do Estado em relação aos administrados, caso lhes faltem as garantias inerentes ao regime de cargo. Para esse autor, isto não significa, contudo, a livre contratação e dispensa. A utilização de regras de direito privado para admitir tais empregados não exclui os princípios básicos da atuação da administração, como a legalidade, a impessoalidade, a motivação, dentre outros, nem tão pouco a inexigibilidade de concurso público."

Embora o regime celetista seja próprio das empresas privadas, em alguns casos, a Administração Pública pode dele se utilizar como prerrogativa para melhor conduzir a sua política de eficiência, principalmente quando a atividade estatal está voltada para áreas próprias daquele setor (econômicas). Todavia, na esfera estadual e municipal a adoção desse regime mais inviabiliza do que propriamente confere benesses ao administrador público, que ficará sujeito aos ditames da União, competente para legislar sobre Direito do Trabalho.

Essa questão acerca da utilização do regime jurídico pela Administração Pública é muito complexa, principalmente quando o fato gerador de sua escolha está pautado na eficiência do serviço que se pretende colocar à disposição da sociedade. O senso comum para adoção do regime celetista parte da premissa de que ele é mais flexível por permitir uma rotatividade acentuada com a dispensa do funcionário indesejado ou insuficiente no desempenho do seu mister. Em contrapartida, asseveram que o regime estatutário é austero e rígido, submetendo a Administração Pública a restrições intermináveis que consolidam uma política de permanência insatisfatória. Ledo engano.

Sabe-se que quando a Administração Pública se utiliza do regime celetista passa a atuar de forma horizontal, eis que aceita as normas a ela impostas, de cunho privado, ainda mais quando a própria atividade de que se investe já lhe submete a esse tipo de relação jurídica. Todavia, em determinadas atividades, próprias do Estado, a adoção desse regime torna-se totalmente incompatível ou, quando muito, sofre necessariamente derrogação por força das restrições a que está sujeita em razão da tutela do interesse público, do qual não pode dispor. Essa, inclusive, a orientação do Supremo Tribunal Federal, conforme se pode vislumbrar na decisão exarada no Recurso ao MS nº 21.485-DF, verbis:

"Corpo feminino da aeronáutica. Permanência definitiva. Ato que a define. Motivação inexistente. À Administração Pública não é reconhecido o direito potestativo de fazer cassar relação jurídica mantida com servidor. A permanência definitiva de integrante do Corpo Feminino da Aeronáutica possui regência reveladora de que o ato a ser praticado pelo Ministro de Estado da Aeronáutica há de ter respaldo em motivação consentânea com o interesse público. (...) descabe concluir pela legalidade do ato de desligamento quando lançado ao mundo jurídico sem qualquer motivação" (RTJ 147, p. 189) (grifos nosso)

De igual sorte, em sede administrativa, a orientação da Advocacia Geral da União já espelhava idêntica ilação, conforme se depreende do Parecer AGU/DF-01/95 (Anexo ao GQ-64):

"Servidor Celetista admitido em concurso. Dispensa imotivada. Ilegalidade da Portaria nº 306, de 30.09.80. Servidor admitido por concurso, conquanto regido pela CLT, não pode ser dispensado discricionariamente, sem motivação. Ato nulo, a confirmar abuso de poder. Reintegração do interessado no emprego." [19]

Recentemente, a Lei nº 9.962, de 22.2.2000, que disciplina o regime de emprego da Administração federal direta, autárquica e fundacional, trouxe essa conotação derrogatória à aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em relação às atividades próprias da Administração Pública, burocrática e prestadora de serviço público. Aliás, em 1999, a Lei nº 9.784, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública federal, já inseria no seu art. 2º a "motivação" do ato administrativo como princípio a ser seguido pelos órgãos públicos federais. A aplicação do regime trabalhista no âmbito da Administração Pública federal, portanto, sofre derrogação imposta pelo Direito Público. É uma realidade já positivada.

Em que pese essa assertiva, as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais, que exploram atividade econômica, assim como quaisquer outras formas personalizadas de gestão criadas pelo Estado, pela sua própria natureza, adotam, pelo menos em tese, o regime celetista sem as restrições impostas à Administração Pública Direta, autárquica ou fundacional. Porém, ainda nesses casos, o regime privado, embora preponderante, não deixa de sofrer sujeições como observa o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello em magnífico artigo publicado na Revista Fórum Administrativo:

"12. Esta volumosa cópia de versículos constitucionais, nos quais são versados variados aspectos concernentes às entidades da administração indireta, quer tenham personalidade de direito público ou de direito privado, quer sejam exploradoras da atividade econômica ou prestadoras de serviços públicos, demonstra de maneira inconfutável, incontendível mesmo, que, por imperativo da própria Lei Maior, o regime jurídico a que se submetem apresenta diferenças profundas em relação à disciplina própria das empresas privadas em geral, já que a estas últimas não se aplica nenhum dos preceitos referidos.

Deles ressuma, tal como amplamente se disse no início deste estudo, que ditas entidades governamentais são simples instrumentos personalizados da ação estatal. Caracterizam-se como meros sujeitos auxiliares, conaturalmente engajados na realização de interesses pertinentes a toda a coletividade e, portanto, inconfundíveis com interesses privados.

13. A Constituição deixou, pois, translucidamente estampado o caráter ancilar que lhes quis atribuir (e atribuiu), o que é particularmente visível na preocupação manifesta de mantê-los sob estrito controle através de mecanismos de direito público (sujeição ao Tribunal de Contas, por exemplo) e de conservar-lhes os meios humanos e materiais sob rigoroso enquadramento, também por via de instrumentos de direito público (concurso público para admissão de pessoal; suficiência de prévia dotação orçamentária para atender a expansão da despesa como condição de deferimento de vantagens, de aumentos retributivos ou de alteração da estrutura de carreiras — que, evidentemente não são normas trabalhistas —; fixação pelo Senado de limites para o endividamento; inclusão de seus orçamentos na lei orçamentária anual da pessoa de direito público a que estejam jungidos). O mesmo fenômeno se repete no que concerne à disciplina preliminar à obtenção de bens, obras ou serviços e alienações, pois também aí foram assujeitados a um procedimento de direito público (licitação pública, que, também evidentemente, não é norma obrigacional de direito privado).

Assim, ressalta com indiscutível obviedade que o regime jurídico das sociedades mistas e empresas públicas, por decisão constitucional obrigatória para todo o País, não é o mesmo regime aplicável a empresas privadas, e nem sempre é idêntico ao destas no que concerne às relações com terceiros, na medida em que, com objetivos de melhor controlá-las, a Lei Maior impôs-lhes procedimentos e contenções (que refluem sobre a liberdade de seus relacionamentos; como o concurso público para admissão de pessoal e a licitação pública) inexistentes para a generalidade das pessoas de direito privado." [20]

Sob esse enfoque, vislumbra-se que o regime de direito privado, quando utilizado pela Administração Pública, mesmo que seja compatível com a atividade em que se investe o Estado, acaba sofrendo limitações e, por muitas vezes, ocasiona problemas legais de difícil solução, como se depreende de inúmeros julgados, dentre os quais citamos o MS nº 23875MC/DF [21], proferido pelo Supremo Tribunal Federal, a demonstrar que, nem sempre, a presença de um regime de direito privado (em relação aos agentes públicos, o celetista) tem o condão de tornar a burocracia estatal mais eficiente, como sugere a versão governamental. Aliás, por muitas vezes, a adoção do regime estatutário, principalmente diante da prerrogativa de que goza a Administração Pública de alterá-lo unilateralmente, torna a ação estatal mais ágil na consecução de seu mister. E sem a preocupação com o direito adquirido, eis que o Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento no sentido da inexistência de direito adquirido a regime jurídico.

Outra ferramenta reformada pela Emenda nº 19/98, também promete requisitar melhor atuação do servidor público: o concurso. O concurso traduz a melhor forma de acesso aos cargos e empregos públicos e, como tal, a sua inserção do contexto da eficiência passou a determinar nova postura da Administração frente ao processo de condução da política de recursos humanos, em específico no que tange às exigências, por efeito do perfil do servidor traçado para ingresso em seus quadros de pessoal.

Nesse ponto, houve um avanço considerável na medida em que a realização do certame público passou a ser entregue a quem detém conhecimento técnico para sua efetivação, sem, contudo, distanciar a pretensão administrativa do processo de resultados.

Por outro lado, em que pese a mudança radical que sofreu o regime estatutário nesses últimos anos, com a extinção de inúmeras vantagens, como foi o caso dos anuênios, a intensa concorrência para o ingresso no serviço público demonstra que a opção continua preferencial diante do mercado de trabalho brasileiro, a revelar que em relação ao setor privado, este diferencial, faz a diferença.

Em suma, as ações que se destinam a consolidar o princípio da eficiência do campo da atuação do agente público estão a merecer melhores direcionamentos. A Emenda nº 19/98, que ora positivou o princípio sub examine pouco contribuiu para melhorar o contexto organizacional dos entes políticos, até mesmo porque, em sua maior parte, depende de regulamentação. A avaliação de desempenho, por exemplo, é uma dessas ferramentas que, diante da leitura do projeto da lei complementar existente (nº 248), se sair do papel, poderá, ao contrário do que muitos pensam, ficar ao sabor do subjetivismo do agente incumbido de realizá-la, eis que muitos critérios ali inseridos impõem uma dose elevada de subjetividade (qualidade, presteza e outros). Na verdade, pouco se criou e, do que se copiou, a tendência é colidir com a cultura que emerge de nossa forma de administração.

No mais, é bom registrar, como assim já fez Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira em sua "Reforma Administrativa", ao invocar a lição de José A. Monteiro, no livro "Qualidade Total no Serviço Público":

"Sobre estatizar ou privatizar, refuta o mesmo autor (1991:25) argumento de que a iniciativa privada seja mais eficiente – ‘é uma balela. Há organizações públicas eficientes como existem empresas privadas que primam pela desorganização e o desperdício....O Estado deve ter o tamanho que precisa para servir e desenvolver seus cidadãos e isso depende do grau de consciência da população e do nível de desenvolvimento que se conseguiu."

3.2. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA SOB A ÓTICA DA ESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

O paradigma contemporâneo da eficiência, como registrado, voltou-se, em primeiro lugar, para flexibilização de procedimentos e alteração da forma de controle mediante a instituição de uma Administração Gerencial ou de resultados, assentada no princípio da subsidiariedade.

Sob essa concepção, vários modelos de gestão foram reincorporados pela Administração Pública, modelos esses extraídos da reversão do fenômeno mega-Estado, que retornam ao palco público, agora revitalizados, como foi o caso da concessão e da permissão do serviço público e da terceirização. Outros foram instituídos a partir da nova proposta de mudança da cultura burocrática, como foi o caso das agências executivas e das organizações sociais, administradas segundo as diretrizes fixadas por um contrato de gestão, figura que se tornou o alicerce da chamada administração de resultados.

Desta feita, a forma de estruturar, organizar e disciplinar a Administração Pública em busca da eficiência do setor público é a outra linha traçada para a leitura do princípio de igual nominação.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, apresentado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, dividiu o Estado em quatro setores, traçando, para eles, os seguintes objetivos globais:

1.Núcleo Estratégico – responsável pelo exercício de funções indelegáveis do Estado, assim considerados os órgãos do governo incumbidos do planejamento e das políticas públicas e regulações, defesa nacional, segurança pública, relações exteriores, arrecadação de impostos, administração financeira e de pessoal do Estado, correspondente aos Poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público e, no Poder Executivo, o Presidente da República, os Ministros e seus auxiliares e assessores: os objetivos propostos para esse grupo estaria assente, dentre outros, "na modernização da administração burocrática, mediante uma política de profissionalização do serviço público, ou seja, de uma política de carreiras, de concursos públicos anuais, de programas de educação continuada permanentes, administração salarial; introdução de uma cultura gerencial baseada na avaliação de desempenho; atribuição de capacidade gerencial para definir e supervisionar os contratos de gestão com as agências autônomas, responsáveis pelas atividades exclusivas do Estado, e com as organizações sociais, responsáveis pelos serviços não-exclusivos do Estado realizados em parceria com a sociedade." [22]

2.Atividades Exclusivas (ou de serviços monopolistas ou exclusivos) – setor responsável pela prestação de serviços públicos típicos e indelegáveis, tais como cobrança e fiscalização de impostos, previdência social básica, polícia, serviço de desemprego, fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, serviço de trânsito, controle do meio ambiente, subsídios à educação básica, saúde, e outros. Para esses, o Plano Diretor da Reforma objetiva a "maior participação popular na fixação de políticas públicas, viabilizando o controle social das mesmas; instituição do controle de resultados; transformação das autarquias e fundações que possuem poder de Estado em agências autônomas, administradas por contratos de gestão; escolha de dirigentes segundo critérios profissionais, mas não necessariamente dentro do Estado, com ampla liberdade para administrar recursos humanos, materiais e financeiros colocados à sua disposição, desde que atinjam os objetivos qualitativos e quantitativos, ou seja, os indicadores de desempenho previamente acordados."

3.Serviços Não Exclusivos – assim considerados os setores onde o Estado intervém em nome no interesse social, atuando simultaneamente com o setor privado. São basicamente, as universidades, os hospitais, centro de pesquisas e os museus. Para esses serviços foi previsto um programa de publicização, mediante a transformação de autarquias e fundações públicas em organizações sociais (entidades não estatais), mediante contratos de gestão com o poder público. O objetivo seria a transferência dessas atividades para o setor privado, por meio dessas organizações sociais, cuja natureza seria de direito privado, resumida a participação do Estado em subsidiar suas ações por meio de dotações orçamentárias, mas incentivando-as em busca de receitas de mercado.

4.Produção de Bens e Serviços para o Mercado – setor em que o Estado se investe em atividades atípicas, correspondentes à área de atuação do setor privado, onde o Estado atua em substituição ao capital privado. Para esse setor, a proposta foi de continuar o programa de privatização, reorganização e organização dos órgãos reguladores dos monopólios privados e implantação de contrato de gestão com as empresas que não puderem ser privatizadas.

À luz do Plano Diretor, concebido, justamente, com o objetivo de tornar eficiente a máquina estatal, verifica-se que muitas modalidades de parcerias estão pautadas na consolidação de uma forma mais flexível de administração, o que acabou por determinar algumas ações extravagantes, onde o princípio da eficiência passou a ser chamado para justificar qualquer atuação adotada pelo Estado com vistas à flexibilização de sua burocracia, tornando-se comum, por exemplo, mesmo no Núcleo Estratégico, a invocação do princípio da eficiência para afastar a aplicação de outros princípios, como o da legalidade, o da motivação, o licitatório e outros.

Nesse contexto, mostra-se imprescindível entender as formas de parcerias possíveis e ter em mente que para cada atividade existe uma modalidade possível de parceria ou, simplesmente, não existe. Não se podem conceber parcerias aleatórias, assim como, em todos os aspectos, deve estar presente a ponderação entre os princípios de modo que não se configure a preponderância de um sobre o outro. Aliás, sobre o tema, a Profª. Maria Sylvia Zanella Di Pietro traz em sua obra Direito Administrativo [23], o ensinamento de Jesus Leguina Villa, vazado nos seguintes termos:

"Não há dúvida de que a eficácia é um princípio que não se deve subestimar na Administração de um Estado de Direito, pois o que importa aos cidadãos é que os serviços públicos sejam prestados adequadamente. Daí o fato de a Constituição o situar no topo dos princípios que devem conduzir a função administrativa dos interesses gerais. Entretanto, a eficácia que a Constituição exige da administração não deve se confundir com a eficiência das organizações privadas nem é, tampouco, um valor absoluto diante dos demais. Agora, o princípio da legalidade deve ficar resguardado, porque a eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento jurídico, e em nenhum caso ludibriando este último, que haverá de ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constitua um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais, porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficiência."

Posta assim a questão, verifica-se que toda essa gama de ações voltadas para eficiência do aparelho do Estado, com vistas a dar sustentação ao próprio princípio a que está sujeito, deve ser equacionada de acordo com o tipo de atividade por ele desenvolvida (núcleo estratégico, serviços exclusivos, não exclusivos e setor de produção de bens e serviços de mercado). A partir de sua definição é que se verifica o tipo de ferramenta que pode ser utilizada para flexibilização de sua burocracia sob o escopo da qualidade na prestação do serviço: escolha das modalidades de parcerias (privatização em sentido amplo). Logo, nos casos de serviços públicos de natureza comercial ou industrial, pode o Estado transferir a execução desses serviços à iniciativa privada mediante contratos de concessão e permissão, que seria o instrumento adequado para transferir essas atividades, que não são próprias do Estado, para a iniciativa privada, então competente para incrementar o serviço. Ao Estado restaria a fiscalização dessas atividades mediante a instituição de órgãos reguladores – Agências Reguladoras. E assim por diante.

O exame de todas as modalidades de gestão sob o enfoque do princípio da eficiência, de certo, teria o condão de esgotar a leitura sobre o tema. Contudo, acabaria por desvirtuar o olhar clínico sobre o princípio à luz do objeto a que se propôs a presente avaliação, restrita às premissas básicas da eficiência, pelo que se pinçou dentre as formas de parcerias uma que, por sua natureza, sintetiza todo o processo em que se baseou a chamada administração gerencial: o contrato de gestão.

Na verdade, o contrato de gestão não é um modelo personificado de gestão, como são as organizações sociais. Trata-se de um instrumento instituído para consolidar as formas de parceria que atenderiam aos objetivos da reforma do aparelho do Estado. É o modus operandi institucionalizado para conceber a Administração dita Gerencial, voga da eficiência.

O contrato de gestão não nasceu com a Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Antes da chamada Reforma Administrativa ele já se fazia presente na esfera federal, conforme se depreende do texto da Medida Provisória nº 1.591/97 (Lei nº 9.637/98), que trouxe a necessidade de sua celebração com as então entidades privadas qualificadas como Organizações Sociais. O contrato de gestão, nos moldes da referida legislação, funcionaria como instrumento de formação da parceria ali consignada, onde ficariam delineadas as metas e os meios necessários à consecução dos resultados esperados pela coletividade. Eis o que diz a Lei nº 9.637, de 15.5. 1998:

"Art. 5o Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1o.

Art. 6o O contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social.

Parágrafo único. O contrato de gestão deve ser submetido, após aprovação pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada.

Art. 7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos:

I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade;

II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.

Parágrafo único. Os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de atuação da entidade devem definir as demais cláusulas dos contratos de gestão de que sejam signatários." (grifos nosso)

A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, por sua vez, inseriu o seguinte parágrafo ao art. 37 da Constituição da República:

"Art. 37 -.. .......................

§ 8º. A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:

I – o prazo de duração do contrato;

II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes;

III – remuneração do pessoal."

Em que pese a inteligência que se extrai das normas elencadas, onde se pode ter a dimensão de que a inserção, no Direito Brasileiro, do contrato de gestão mostra-se como instrumento de legitimação da flexibilização da burocracia estatal, centrada no controle de resultados das metas pactuadas, seja para dar respaldo às ações de uma organização privada (para formação de parceria), seja para orientar a gerência da própria Administração Pública (como controle de resultados e metas), uma coisa é certa, a compreensão do instituto é tema singular e de complexa definição. Aliás, a Profª Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao tratar do assunto, registra que "não é fácil discorrer sobre o tema, por diversas razões: em primeiro lugar, porque ele é novo no direito brasileiro, sendo pouco tratado pela doutrina e praticamente inaplicado no âmbito judicial; em segundo lugar, porque ele não está disciplinado, de forma genérica, no direito positivo, a não ser em leis esparsas relativas a contratos específicos com entidades determinadas; em terceiro lugar, porque ele assume diferentes contornos, conforme o interesse da Administração Pública em cada caso; em quarto lugar, porque inspirado no direito estrangeiro, adapta-se mal à rigidez de nosso direito positivo." [24]

As razões das dificuldades apontadas pela administrativista indicam, na verdade, que a versão desse tipo de contrato, no Direito Comparado, também discutível no que tange a sua natureza (não é nem contrato e nem deixa de sê-lo), possui paralelo em países cujo Direito Positivo não estabelece regras de controle tão rígidas, como o brasileiro, onde algumas normas estão assentadas no próprio Texto Maior.

A sua utilização visa, precipuamente, o alcance de objetivos institucionais ou sociais, que dizem respeito à finalidade do órgão ou da entidade, mediante a contrapartida financeira do Estado, consubstanciada em sua atividade de fomento. O bojo de seu objeto é o próprio resultado esperado da implementação das metas, mensurado através de parâmetros de avaliação devidamente delineados pelas partes. A base de sua construção é a eficiência da máquina sob o contexto de sua finalidade substantiva.

No Brasil, como se verificou nas normas transcritas, o contrato de gestão é utilizado como instrumento necessário tanto para conferir privilégios a (1) uma entidade governamental, ou mesmo a um órgão integrante da Administração Direta, (2) quanto para formar parcerias com o setor privado.

No primeiro caso, o contrato de gestão é firmado com as empresas públicas ou com as sociedades de economia mista estatais, objetivando alcançar melhor índice de produtividade e eficiência, com vistas ao aumento de sua competitividade, compromisso que passa a assumir em contraprestação à concessão de maior autonomia, consubstanciada mediante a exclusão de algumas espécies de controle a que estão sujeitas essas entidades.

De igual sorte, as autarquias e fundações públicas, à guisa de reestruturação de suas atividades, mediante a implantação de planos de desenvolvimento estratégicos voltados para redução de custos e aumento da eficiência, poderão gozar de certos privilégios mediante a assinatura de um contrato de gestão com o Ministério Supervisor, após o que assumirão a qualificação de Agências Executivas, reconhecida mediante Decreto. Isso tudo na forma prevista na legislação federal.

A questão posta sob o enfoque, puramente, da eficiência, parece simples. As entidades passarão a gozar de maior autonomia, assim entendida a concessão de certos privilégios em relação às demais, para melhor desempenhar as metas ou implementar os programas de desenvolvimento institucional ou de produtividade fixados no contrato de gestão. O contrato de gestão seria a solução para conferir eficiência à máquina estatal, outra não seria melhor. Mas não é bem assim.

As entidades que integram a Administração Indireta, como as alinhadas, e aqui nos restringimos a falar apenas das federais, estão sujeitas a uma série de controles previstos no próprio Texto Maior que, embora restrinjam a sua capacidade de iniciativa em busca do modelo de eficiência traçado, não podem ser simplesmente relevados pelo Poder Executivo ao celebrar um contrato de gestão. Aliás, o contrato de gestão não é sucedâneo da Constituição e o § 8º do art. 37 que foi inserido pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, não pode ser utilizado em confronto com outras normas que emanam de seu próprio texto. Sendo assim, os privilégios a serem concedidos a essas entidades, por efeito do contrato de gestão, devem observar os limites constitucionais e legais previstos em nosso Direito Positivo. Sobre o tema, vale transcrever a crítica realizada pela Profª. Maria Sylvia Zanella Di Pietro em "Parcerias na Administração Pública", obra elementar para o estudo em questão:

"Não é possível concordar com a Escola Nacional de Administração Pública quando, depois de apontar as dificuldades de um controle governamental bastante rígido estabelecido no direito positivo brasileiro, afirma que ‘quem convive e conhece intimamente a burocracia pública não se surpreende ao ver inúmeras transgressões positivas das normas’ (grifamos), que são empregadas como único recurso para fazer funcionar os serviços públicos em determinados momentos ou situações. O sentimento de desconforto, ocasionado por esse fato, intensifica o pensamento de que apenas um maior grau de autonomia gerencial pode trazer às organizações públicas mais funcionalidade e melhor desempenho (1993:87).

Embora reconhecendo a rigidez do direito positivo brasileiro, é muito difícil aceitar-se que uma transgressão, por mais que seja bem intencionada, possa ser positiva. Uma vez que se aceite a transgressão como válida, difícil será estabelecer limites que, ultrapassados, caracterizem transgressão ‘negativa’ e, portanto, inaceitável. Além do mais, caberia indagar a quem caberia definir esses limites." [25]

Conferir autonomias gerencial, orçamentária e financeira a essas entidades, portanto, não significa conceder privilégios além dos limites impostos pelo direito positivo. Logo, não pode ser autorizada a admissão de pessoal sem concurso, ou a fixação de remuneração dissociada do teto constitucional, a dispensa de procedimentos licitatórios, além de outras restrições que constam do próprio Texto Maior. Esse, inclusive, foi o entendimento exarado pelo Tribunal de Contas da União ao examinar o contrato celebrado com a Cia. Vale do Rio Doce (in RDA, 202/311-319).

A preponderância do princípio da eficiência sem qualquer ponderação em relação aos demais princípios que norteiam os atos da Administração Pública apenas causa preocupação, principalmente quando se possui uma cultura burocrática que já se enraizou sob o contexto da desconfiança. Nesse sentido temos o voto, em separado, de parlamentares da bancada do Partido Democrático Trabalhista – PDT, que discute a inserção desse modelo de gestão pela Reforma Administrativa:

"Argumenta-se que a flexibilização na condução dos negócios das estatais é imperativa, visto que, com a quebra dos monopólios, instituiu-se um novo quadro onde as estatais têm que competir em igualdade de condições com as empresas privadas e, não houvesse a possibilidade de livre contratação, as estatais estariam fadadas ao fracasso e à extinção.

Seria, sem dúvida, um forte argumento, caso as administrações de todas as entidades fossem sérias e comprometidas com o interesse público. Contudo, não é esta a realidade da administração pública brasileira, fundada no fisiologismo, na malversação, na barganha política e na indicação política de cargos de presidência e diretoria dessas entidades....

A eficiência e a competitividade de uma série de empresas estatais derrubam este argumento, pois, mesmo com as amarras da legislação, obtiveram e obtêm desempenhos superiores aos de empresas privadas que atuam nos mesmos setores.

(...)

Assim, somos obrigados a concluir que as estatais que atuam com um mínimo de racionalidade técnica obtêm, mesmo com a legislação ‘restritiva’ das licitações, resultados que demonstram que a eficiência e a eficácia não são alcançáveis apenas pelas empresas privadas. Entendemos que a quebra do princípio licitatório propiciará a malversação de recursos públicos e trará mais ônus do que benefícios à administração pública brasileira."

Quanto ao contrato de gestão a ser firmado entre órgãos da própria Administração Direta, por efeito do permissivo contido no § 8º do art. 37 da Constituição Federal com a redação da Emenda nº 19, de 1998, com escopo, também, nos objetivos centrados na política da eficiência, cabe trazer a lume os questionamentos apresentados pelos parlamentares da bancada do PDT, vazados nos seguintes termos:

"Todas as experiências nacionais e internacionais de aplicação do contrato de gestão cingem-se às entidades da administração indireta, ou seja, empresas estatais que explore, diretamente a atividade econômica por questões de segurança social ou por relevante interesse coletivo.

Esses contratos caracterizam-se pela ampliação da autonomia das empresas do Estado, tendo por contrapartida sua gestão fundada em resultados objetivamente definidos.

Apesar da inexistência de previsão desse tipo de contrato no texto atual da Constituição Federal, várias são as experiências de adoção do contrato de gestão na administração pública brasileira, das quais destacamos o caso da Vale do Rio Doce e da Petrobrás.

O que causou espanto, por sua absoluta impropriedade, bem como por flagrante contradição conceitual, foi a extensão desse tipo de contrato aos órgãos da administração direta (secretarias, departamentos e seções dos ministérios).

Esses órgãos são caracterizados por sua estreita subordinação ao titular do ministério e constituem-se engrenagens de um mecanismo uno e indivisível de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas. Como admitir a autonomia, numa estrutura absolutamente interconectada, que possui o mesmo objetivo?

A formulação, tal como se encontra no substitutivo, caminha no sentido oposto ao da integração das políticas públicas afins, suscitando uma incompreensível e inaceitável fragmentação e feudalização das políticas públicas." (Grifos nossos) [26]

Realmente, a concepção de um contrato de gestão na Administração Direta, onde os órgãos, despersonalizados, representam uma única pessoa jurídica, com objetivos afins, vinculados ao mesmo princípio, parece não se coadunar com o objeto desse tipo de avença. Primeiro porque não existem pessoas jurídicas diversas com interesses opostos, segundo porque os objetivos são comuns entre as partes. Daí a ilação da Profª. Maria Sylvia Zanella Di Pietro no sentido de que "esses contratos correspondem, na realidade, quando muito, a termos de compromissos assumidos por dirigentes de órgãos, para lograrem maior autonomia e se obrigarem a cumprir metas. Além disso, as metas que se obrigam a cumprir já correspondem àquelas que estão obrigados a cumprir por força da própria lei que define as atribuições do órgão público; a outorga de maior autonomia é um incentivo ou um instrumento que facilita a consecução das metas legais." [27]

No que tange ao contrato de gestão mantido com o setor privado para formação de parcerias, temos a figura das organizações sociais, que segundo a lei que a instituiu (Lei nº 9.637, de 15.5.1998), constitui-se na qualificação concedida a "pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei". Os requisitos alinhados para qualificação da entidade privada como organização social são os seguintes: "I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre: a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades; c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei ;d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; e) composição e atribuições da diretoria; f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade; i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados; II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado." (grifos nosso)

Não é preciso maior intelectuação sobre o texto para se verificar que as organizações sociais são pessoas privadas criadas a partir de uma sólida ingerência do Poder Público. Não são, simplesmente, entidades privadas que já estavam ali, fabricando serviços direcionados para aquela área, eis que a gama de requisitos para o reconhecimento da qualificação como organizações sociais pressupõe, no mínimo, uma total reformulação de sua estrutura organizacional, relegando fatores importantes relativos à comprovação de sua real existência jurídica (como o balanço patrimonial e os demonstrativos de resultados do exercício). E o art. 20 da Lei nº 9.637, de 1998, somente vem confirmar essa premissa na medida em que consolida a pretensão do Poder Público de transferir para a iniciativa privada as atividades desenvolvidas por órgãos ou entidades públicos que atuem nas áreas estabelecidas no seu art. 1º (programa de publicização).

Nesse patamar de objetivos, o contrato de gestão, que fixa os compromissos e as obrigações das partes – Poder Público e Organização Social, atua como veículo que legitima a transferência da gestão pública para a iniciativa privada, mediante a estipulação de um programa de trabalho e a fixação de metas e critérios objetivos de avaliação previamente definidos. Tudo em nome da eficiência do modelo privado de gestão.

Faz-se importante ressaltar que o contrato de gestão, nessa hipótese, atua como instrumento que limita a atuação da organização social, contrariamente do que ocorre quando é celebrado com entidades da Administração Indireta, em que lhes confere maior autonomia. E isso pode ser observado em razão do que prescreve a própria sistemática de fiscalização prevista no art. 8º da Lei nº 9.637, de 1998, por efeito da concessão de inegáveis privilégios, que chegam a se sobrepor a simples atividade de fomento (princípio da subsidiariedade). A sensação que se têm diante da leitura do texto da multicitada Lei nº 9.637, de 1998, é de que o Poder Público está criando uma empresa privada com recursos públicos e entregando nas mãos de terceiros para administrar e desempenhar as funções que, também, lhe cabe realizar por imperativo constitucional (saúde e educação, por exemplo). Soa imoral.

Em que pese as críticas às organizações sociais, ante as razões já expostas, não se pode olvidar que a idéia central que lhe deu ensejo não está de todo dissociada do interesse público, se o enfoque estiver centrado nos objetivos por ela almejados. Mas, a preocupação apresentada por muitos doutrinadores é salutar e merece atenção na medida em que se tem conhecimento de que a redução de custos com a instituição das organizações sociais não está sendo alcançada, fato que já havia sido observado por Luiz Alberto dos Santos em 1997, citado por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, na sua obra "Reforma Administrativa..":

(...) Apesar de, desde o princípio, o min. Bresser Pereira ter-se preocupado em tentar assegurar que o governo manteria o mesmo nível de recursos orçamentários alocados às entidades que aderissem ao programa, as suspeitas foram confirmadas por declarações posteriores de autoridades do governo, segundo as quais ‘no começo, os novos contratos não significarão nenhuma economia para o Estado. O Tesouro continuará repassando verbas para financiamento, custeio e pagamento dos salários dos servidores das entidades, que serão previstas no Orçamento Geral da União. Os funcionários contratados depois da mudança serão regidos pela CLT, sem as vantagens do regime jurídico único. O Tesouro só deixará de repassar seus salários quando a vaga se extinguir com a aposentadoria do titular’.

Além disso, segundo a Secretaria da Reforma do Estado, o governo federal espera reduzir as despesas com as Organizações Sociais, à medida que forem conseguindo sustentar-se com a exploração econômica de suas atividades. Em conseqüência, tais entidades estarão sendo incentivadas a ‘captar recursos no mercado’ e a obter lucro, o que leva a crer que os serviços públicos por elas prestados passem a ser cobrados da população, despindo-se de seu caráter público. Por esse motivo, os reitores das universidades federais reagiram à intenção de transformarem-se as universidades públicas em Organizações Sociais, considerando a iniciativa ‘o início do processo de privatização do ensino superior’." [28]

De tudo o que foi exposto ficou claro que o objeto maior do contrato de gestão é instrumentalizar a Administração Pública para cobrança dos resultados, ou melhor, é conferir à Administração Pública o controle da consecução dos compromissos de produtividade e eficiência.

No mais, como antedito, outras formas de parcerias foram revitalizadas para promover a eficiência como princípio, tais como a concessão e permissão de serviços públicos e a terceirização. Todavia, sobre eles cabe apenas enfatizar que a sua utilização também está voltada para a promoção da modernização e eficiência da Administração Pública, nessa nova versão do Estado.

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Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARES, Maria Lucia Miranda. A eficiência como fundamento da reforma do aparelho de Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 232, 25 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4887. Acesso em: 4 nov. 2024.

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