Dispõe a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei das licitações e contratações da Administração Pública) que:
"Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências e das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizadas no local da repartição interessada, deverão ser publicadas com antecedência, no mínimo por uma vez:
I-.... .................................;
II- no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal, quando se tratar respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal;
III- em jornal de grande circulação no Estado..................." (g.n.)
O legislador constituinte, com a finalidade de preservação dos princípios da legalidade, igualdade, impessoalidade, moralidade, publicidade, probidade e da própria ilesividade do patrimônio público, determinou no art. 37, XXI, da Constituição Federal, a regra da obrigatoriedade da licitação.
Como recorda Sérgio de Andréa Ferreira, "com a CF de 88, a licitação e a contratação administrativa ganharam sede constitucional". Igualmente, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho que "esta norma é, em síntese, a constitucionalização da sistemática vigente".
Com o objetivo de atender à previsão do art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, e cumprindo a competência que lhe conferiu a Constituição para legislar, privativamente, sobre "normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo e empresas sob seu controle", foi editada pela União a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo objeto de alterações posteriores.
Seguindo o mandamento constitucional a Lei das Licitações e Contratações Públicas, reafirma em seu art. 3º, dentre outros princípios constitucionais o da publicidade que exige que a Administração anuncie, com a antecedência e pelos meios previstos na lei, além de outros que ampliem a divulgação, que realizará a licitação e que todos os atos a ela pertinentes serão acessíveis aos interessados.
Esta norma na sua parte final é de caráter geral óbvio, de vez que relaciona os princípios sob que cada licitação deve ser processada e julgada; esses princípios presidem todas as fases do procedimento e o julgamento das propostas.
Avançando para o art. 21 da lei sob comento e que será tema central deste breve estudo, temos mais uma norma de caráter geral, dado que nodal para o cumprimento do princípio da publicidade. Cada inciso dirige-se a uma das esferas da Federação, a evidenciar o espectro nacional do artigo.
No feliz dizer do renomado Desembargador Jessé Torres Pereira Júnior, "A publicação do aviso será obrigatória sempre, porém variável o seu veículo, segundo a posição administrativa que ocupe o responsável pelo objeto da licitação".
Já em 1994, deslindando consulta feita pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o Egrégio Tribunal de Contas do Município, concluiu por "considerar o princípio da publicidade dos editais atendido mediante a publicação, no ‘Diário Oficial do Município’, quando se tratar de licitação feita por órgão, ou entidade, da Administração Pública Municipal, e uma vez em jornal diário de grande circulação no Município".
A consulta formulada a respeito gerou extenso voto de Ilustre Conselheiro do Egrégio Tribunal de Contas do Município, sustentado em inconstitucionalidade daquele dispositivo legal, no sentido de satisfazer-se a exigência de publicidade com a divulgação dos avisos no órgão de imprensa municipal e em jornal de grande circulação.
A escassez de achegas doutrinárias ao tema, à época daquela consulta, já não existe hoje, abundando manifestações no sentido da inconstitucionalidade do art. 21, II, da Lei Federal nº 8.666/93, na parte que determina às municipalidades publicar avisos de licitação em órgãos de imprensa estadual. Sirva de exemplo a lição de Marçal Justen Filho, para que:
"(o) inciso II do caput (do referido art. 21) contém regra parcialmente inconstitucional, que impõe aos Municípios o dever de divulgar concorrências e tomadas de preços no Diário Oficial do Estado. Ora, cabe ao Município determinar o órgão de imprensa oficial onde serão divulgados os seus atos administrativos e legislativos. O dispositivo viola a autonomia Municipal: a lei federal poderia, quando muito, determinar a publicação através da imprensa oficial municipal.";
Tal inteligência ecoa no magistério de Maurício Balesdent Barreira, a teor do qual:
"Já há muito se discute acerca da constitucionalidade da imposição, por lei federal, de formas e meios de publicidade dos atos municipais. Tais preceitos ofendem, a toda prova, a autonomia dos Municípios, que lhes garante exclusiva competência para determinar em qual órgão de divulgação serão publicados os avisos de edital e demais atos do processo licitatório, desde que respeitado os princípios do art. 3º."
E, consoa no avançado ensinamento de Toshio Mukai, em cujo entendimento:
"Mesmo com essa qualificação (de norma geral), não pode a lei federal determinar (inciso II do art. 21, parte final) que o Município publique seus atos no Diário Oficial do Estado, mormente se aquele tiver (e eventualmente o tem) órgão oficial de imprensa; neste sentido, a disposição indicada é absolutamente inconstitucional". (grifos nossos)
Vemos, então, que num rápido estudo sobre o tema, encontramos abalizados posicionamentos sustentando a inconstitucionalidade do dispositivo (inciso II do art. 21, parte final) por ferir frontalmente a norma constitucional prevista no art. 2º da CF/88 que garante a autonomia dos entes federados. Desta forma, ao afirmar que os Poderes da União são independentes e harmônicos, o texto constitucional consagrou, respectivamente, as teorias da separação dos poderes e dos freios e contrapesos, que teve sua origem na antiguidade com Platão e Aristóteles; no medievo com Santo Tomás de Aquino e Marsílio de Pádua; e na modernidade com Bodin e Locke. (MENEZES, Anderson. Teoria Geral do Estado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 246).
O Município no exercício de sua competência constitucional que lhe assegura o poder de auto-organização, ao promulgar a sua Lei Orgânica, o faz inserir previsão no sentido de que "a publicação das Leis e Atos Municipais far-se-á em órgão da imprensa local......."
Em reforço à nossa tese de que em existindo órgão oficial municipal está o Município dispensado de publicar seus atos no órgão oficial estadual, trazemos para registro decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, "in verbis":
"Edital publicação em periódico local. Possuindo a Administração Órgão Oficial para publicação de seus atos, é ineficaz a publicação do edital pela imprensa local. Obrigatoriedade de observância do ato vinculado. Ação Civil Pública procedente. Recursos desprovidos. TJ. ApCv nº 21.235-5/4. Rel. Demóstenes Braga".
A que se registrar aqui o atendimento de outro princípio constitucional que é o da economicidade. Com a criação do órgão oficial local, o Município deixa de realizar gastos com publicações no órgão oficial do Estado, que como bem sabemos são muito elevados.
Avançando um pouco mais no estudo da abrangência do art. 21, inciso II, parte final, da Lei nº 8.666/93, trazemos à colação os ensinamentos do saudoso Mestre Administrativista Hely Lopes Meirelles que diz, verbis: "A publicação, em regra, se faz no órgão oficial da imprensa local. Mas, não o havendo no Município, consideram-se publicados os atos municipais pela afixação de edital em lugar acessível ao público, no edifício da Prefeitura". (grifamos)
Não poderíamos deixar de consignar as lições do insígne Mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, que ensina: "Cumpre notar que, embora a Lei 8.666 não se refira à publicação dos atos em questão no ‘Diário Oficial do Município’, quando o certame for promovido por órgão ou entidade municipal é óbvio que a validade dos avisos de edital dependerá desta providência". (g.n.)
Finalizando o nosso breve estudo e, como forma de corroborar de forma "definitiva" o entendimento segundo o qual o dispositivo em comento é inconstitucional na parte que obriga o Município a publicar o edital de licitação no órgão oficial do Estado, quando existente este órgão no Município, trazemos o posicionamento do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, constante da Apostila atualizada em 10.6.96, e coordenada pelo Professor Carlos Ramos de Barros que chefiou um Grupo de Servidores/Professores do TCE/RJ, que transcrevemos "in verbis":
"19- A publicidade dos atos e contratos da pública administração é princípio de rigorosa observância pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal – art. 37 da CF/88 + arts. 77 e 354 da CE.
19.1- Por essas razões, o E. R. J. e os seus Municípios, em obediência a tal princípio, e em vista de suas competências respectivas – como já vimos no item 7 – podem disciplinar, por normas próprias, regionais ou de predominância local, o mencionado princípio constitucional.
19.2- O legislador federal foi sensível a esta competência, motivo por que considerou que o DOU seria o veículo oficial de divulgação da Administração Pública Federal, deixando a critério dos Estados, Municípios e Distrito Federal, através de suas leis, definir o que consideram como veículo oficial de divulgação – órgão de imprensa oficial – desde que, é evidente, respeitado o princípio retroaludido – art. 6º, XIII, da Lei nº 8.666/93.
19.3- Pelo exposto e, ainda, considerando o estatuído no art. 354, da Constituição Estadual (parte), entendemos que a publicidade dos atos e contratos da Administração Pública Estadual (E.R.J.) observará o que dispuserem as suas leis, e a própria Constituição, e, em relação aos Municípios, o que determinar a sua Lei Orgânica (ou, se for o caso, a lei ordinária), sempre com vistas ao princípio constitucional, que é o de ampla divulgação. (grifo no original)
Notas
1- Sérgio de Andréa Ferreira, ob. cit.
2- Jessé Torres Pereira Júnior – Comentários à Lei das Licitações e contratações da Administração Pública – RENOVAR.
3- Marçal Justen Filho, ob. cit.
4- Maurício Balesdent Barreira, ob. cit.
5- Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ob. cit.
6- Toshio Mukai, ob. cit.
7- MENEZES, Anderson. Teoria Geral do Estado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 246.
8- Hely Lopes Meirelles, ob. cit.
9- Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. cit.