A desconsideração da pessoa jurídica direta e invertida no Brasil e em Portugal: análise das teorias maior e menor em seus aspectos práticos e teóricos

14/05/2016 às 18:07
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Discussão no direito comparado em assunto de extrema importância no Brasil e em Portugal.

INTRODUÇÃO

Trata-se de estudo acerca da aplicação ou não da teoria da desconsideração da pessoa jurídica nos dias atuais, tendo-se como confronto dois grandes pilares: a segurança jurídica com a separação patrimonial dos bens entre sócios e os bens da pessoa jurídica e, em outra vertente, temos a necessidade de proteção dos credores quando existe abuso de poder ou utilização para fins ilícitos da pessoa jurídica.

Para que seja possibilitada a segurança dos credores foi desenvolvida nos Estados Unidos da América e na Inglaterra a teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Com supedâneo nesta concepção, poderia ser afastada, em determinado caso concreto, a regra máxima de separação patrimonial entre os bens dos sócios e da pessoa jurídica sem implicar a dissolução daquela pessoa jurídica. Por vezes, é oportuno e necessário que a regra da separação patrimonial seja flexibilizada, tendo-se, assim, a equivalência de patrimônios para fins de garantir o pagamento dos créditos.

Em atual momento de grandes transformações econômicas, advindas da globalização e do impacto das novas práticas tecnológicas, passa-se a repensar o alcance da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, tendo sido criadas duas formas de compreensão do instituto através da Teoria Maior e da Teoria Menor.

No Brasil, houve a adoção das duas teorias, a depender do alcance da proteção que o legislador quisesse conferir, destacando-se a Teoria Menor no âmbito do direito do consumidor, direito trabalhista e no direito ambiental, estando a Teoria Maior também prevista no âmbito da legislação consumerista, mas, notadamente, no Direito Civil.

Percebe-se a aplicação deste instituto, na concepção da Teoria Maior, na Europa, destacadamente, no direito português, em que os Tribunais de Relação vêm enfrentando a matéria, com a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica.

Ao mesmo tempo, vem-se observando a crescente crítica em relação da Teoria Menor, pois se compreende que existe uma verdadeira afronta ao princípio da liberdade econômica e da livre iniciativa, pois com supedâneo no mero inadimplemento, rompe-se a regra secular da distinção patrimonial.

Diante destes novos aspectos, algumas situações polêmicas surgem, sendo mister analisar algumas situações pontuais, dos quais auxilia a jurisprudência brasileira e portuguesa. Ainda nesta linha, tem-se a situação de realizar o estudo comparativo entre os dois países, na evolução do instituto da desconsideração da pessoa jurídica.

É nesta crítica e construção que se delineiam os principais aspectos desta discussão, destacando a doutrina e a jurisprudência brasileira e portuguesa. O estudo não se esgota nesta análise, mas serve como ponto de partida para aprofundamentos de questões essenciais em torno da ideia da desconsideração da pessoa jurídica.
 

1. Origem, conceito e fundamentos da Autonomia Patrimonial da Pessoa Jurídica e da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica.

A pessoa jurídica é técnica criada para o exercício da atividade econômica e, portanto, para o exercício do direito de propriedade, com a ênfase na função social. Funciona como a reunião de pessoas e bens em torno do cumprimento de um objetivo social, contratual, empresarial, pois se parte do pressuposto que a força dos indivíduos seria limitada, e que a conjunção de interesses em torno de um patrimônio e objetivos sociais seriam mais fortes, aptas a proporcionar maiores conquistas, desenvolvimento e enriquecimento, com a racionalização dos meios produtivos.

A origem da pessoa jurídica, no seu sentido técnico, é oriunda a partir do século XIX, sendo fruto de inúmeras elaborações doutrinárias e tendo como precursor Savigny, criador da Teoria da Ficção, seguido por Ihering (que via na pessoa jurídica apenas um sujeito aparente a acobertar os verdadeiros sujeitos, que seriam os homens), Windscheid (com a Teoria da Equiparação) e Otto Gierke (Teoria da Realidade Objetiva), dentre outros. Hoje se entende como algo dissociado da pessoa dos sócios, possuindo patrimônio e personalidade próprias, com aptidão para contrair direitos e obrigações.

A desconsideração da pessoa jurídica é um instituto de exceção a esta regra geral consolidada no ordenamento, à medida que visa romper o dogma da separação patrimonial da pessoa jurídica e dos seus sócios, apesar da pessoa jurídica continuar existindo no mundo jurídico, sendo apenas cessada a divisão patrimonial. Surge como um remédio paliativo para a “crise da finalidade da pessoa jurídica” utilizada em contradição com os princípios informadores do ordenamento jurídico.

Além disso, o instituto da desconsideração é uma representação crítica do Direito para fins de solução de problemas humanos e sociais, tendo em vista que seu objeto é se aproximar da realidade social, assegurando a todos o pleno desenvolvimento humano, a partir do momento em que se busca coibir práticas abusivas e evitar o enriquecimento indevido a uma das partes da relação contratual, sem olvidar o fato de que ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza.

É uma forma de proteção dos credores, principalmente, quando há prova clara da lesão sofrida por eles. Trata-se do afastamento da diferenciação patrimonial para um caso específico, em que tenha havido fraude ou abuso de direito, cometidos por meio da personalidade da sociedade.

Há uma concepção de desconsideração que, com este instituto, faz desaparecer, por completo, a autonomia patrimonial. Enquanto tem-se uma outra situação que permitirá vigorando a sociedade com seus negócios perante terceiros e relativa autonomia patrimonial. Neste segundo caso, a palavra “desconsideração” se mostra inadequada e imprópria para a pessoa jurídica. Mesmo com o afastamento da separação patrimonial, persiste o caráter subsidiário da persecução dos bens diretos dos sócios.

A presente teoria foi impulsionada pelas inovações produzidas pelo capitalismo industrial, dentre elas, o uso indevido das corporations, com vistas à consecução de fins ilegítimos, fundamentando-se na equity, passou-se a desconsiderar a pessoa jurídica para atingir a pessoa dos sócios que dela se estavam utilizando indevidamente, contrariando os seus fins sociais.

A sua gênese foi, destacadamente, a Inglaterra e os Estados Unidos da América, apesar de ser registrado que teve seu desenvolvimento teórico na Alemanha sendo tal feito realizado pelo Prof. Rolf Serick, em tese de concurso apresentado na Universidade de Tubingen, na Alemanha, em 1955, a iniciativa de pioneiramente sistematizá-la, sendo, a mesma, posteriormente absorvida pelo direito daquele e de diversos países.

Destaca-se o avanço dos limites do instituto nos idos de 1897, em precedente jurisprudencial inglês, quando do julgamento do leading case Salomon vs. Salomon & Co. Ltd, decidido pela Câmara dos Lordes, pois a partir deste julgamento surgiram dois princípios fundamentais para o direito comercial inglês: a divergência entre a personalidade jurídica da sociedade e dos sócios e a legitimação de sociedades unipessoais.

No caso citado, tem-se que Salomon era um comerciante inglês que, aproveitando-se da distinção patrimonial da sociedade com os bens dos sócios, protegeu seu patrimônio pessoal sob o manto da pessoa jurídica que criou com a finalidade de fraudar credores.A decisão na 1ª instância inglesa foi a desconsideração da pessoa jurídica, atingindo os bens de Salomon.

Após a decisão da Câmara dos Lordes, concluiu-se pela evidência de que a personalidade própria da sociedade era absoluta, à vista das leis vigentes à época. Ademais, como a Salomon & Co. Ltd. era uma sociedade unipessoal, a decisão acabou por legitimar a possibilidade da existência de tais companhias.

Em suma, o leading case acima contribuiu para que surgisse a Teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois com a Corte de Apelação acatando as alegações do representante da companhia, alegou, em favor dos credores dizendo que a sociedade era agente da atividade de Salomon. Entretanto, a Câmara dos Lordes decidiu que o negócio deveria ser legitimado, pois o objetivo da sociedade não era servir de agente para atos dos sócios. Reformou o entendimento da Corte, dando razão a Salomon.

A jurisprudência reformada teve repercussão e deu origem à doutrina da Disregard of legal entity, especialmente nos Estados Unidos, expandindo-se ainda para a Alemanha (durchrigft der juristischen Person), Itália (superamento della personalità giuridica), Espanha (teoria de la penetración) e outros países da Europa.

2.A desconsideração da pessoa jurídica em Portugal

Em Portugal, a desconsideração da pessoa jurídica coletiva foi originada para recorrer a situações abusivas que ponham em causa a boa fé negocial, pondo em risco a harmonia e credibilidade do sistema, nos termos do art. 334 do Código Civil Português.

Trata-se o instituto como uma manutenção da personalidade jurídica para os demais efeitos, estando em causa apenas a desconsideração da pessoa jurídica no aspecto patrimonial, sendo este o entendimento doutrinário português. Neste sentido, destaco a posição de RIBEIRO (2012; 71):

“Mesmo no caso em que os problemas a resolver são problemas de responsabilidade dos sócios perante os credores sociais, caso em que até chega a defender-se que está em causa apenas a “desconsideração” da autonomia patrimonial e não da própria personalidade jurídica, não será a “autonomia” patrimonial a ser desconsiderada ou superada, no seu todo, mas apenas um dos seus aspectos – o da insensibilidade do patrimônio dos sócios às dívidas sociais (de facto, uma completa desconsideração, nesse âmbito, levaria a que também o património da sociedade passasse a responder pelas dívidas pessoais dos seus sócios, perdendo-se a característica de sua afectação exclusiva à satisfação dos credores sociais, efeito que não parece desejado por nenhum dos partidários do recurso à técnica da desconsideração da pessoa jurídica.”

Registra-se também a existência deste instituto, destacando-se, a título de exemplo, o Acórdão n. 8454/2006-4 de Tribunal de Relação de Lisboa, de 24 de janeiro de 2007, em relação de trabalho, em que se pleiteou o arresto de bens sob o fundamento de que haveria abuso na divisão patrimonial entre sócios e sociedade.

RIBEIRO (2012; 178) aponta os casos em que se pode ter a desconsideração da pessoa jurídica em Portugal, assinalando três situações: subcapitalização material (originária ou superveniente), controle da sociedade por um sócio e a mistura de patrimônios. Inclui-se, no primeiro caso, as situações das perdas graves, surgindo quando não são reforçados os meios que permitem confiar na existência real de um patrimônio da sociedade que corresponda a uma percentagem razoável do montante do capital. Continua a doutrinadora apontando (2012; 188) :

“Por subcaptalização material originária deve-se entender a situação em que os sócios colocam ao dispor da sociedade, que constituem, meios de financiamento manifestamente insuficientes para a prossecução da atividade económica que constitui o seu objeto social, sem que esta insuficiência seja compensada por empréstimos (ou outros meios de natureza financeira equivalente por parte dos sócios). A subcapitalização material será superveniente se esta insuficiência vier a verificar-se já depois de constituída a sociedade, ou seja, se os meios colocados ao dispor da sociedade deixam de ser suficientes em virtude, nomeadamente, de uma alteração do respectivo objeto social.”

No julgado, ficou assentado o entendimento português acerca da temática, como, por exemplo, que a sociedade comercial tem personalidade jurídica distinta dos seus sócios e que perante certos tipos de utilização abusiva da personalidade jurídica das pessoas coletivas por parte dos sócios, a doutrina e a jurisprudência portuguesa vem construindo o conceito de “desconsideração da personalidade jurídica” das sociedades de modo a responsabilizar o “abusador”.

Em Portugal, no mesmo julgado, ficou assentada a regra de que “o sistema jurídico não permite que um dos abusadores recorra à figura das sociedades para responsabilizar um outro abusador com quem esteve conluiado no abuso”. Seria a aplicação do princípio da boa fé. No mesmo sentido, temos o Acórdão 434/1999. L1.S1. do Supremo Tribunal de Justiça, em 10 de janeiro de 2012.

Ainda cita-se o Acórdão n. 0008134 do Tribunal de Relação de Lisboa, de 05 de julho de 2000, no sentido de que se registrou, naquela ocasião, que os casos mais frequentes da utilização abusiva da personalidade jurídica que poderiam autorizar a desconsideração são: do sócio que mistura o seu patrimônio social com a sociedade, defendendo-se perante terceiros com a limitação da sua responsabilidade na sociedade; o dos sócios que mantem a sociedade subcapitalizada, em relação ao volume dos negócios que a envolvem, transferindo assim para os credores os riscos da empresa; e o caso do trabalhador que é transferido de uma sociedade para outra dentro do mesmo grupo (continuando a desempenhar as mesmas funções no mesmo local) com o intuito de se libertarem das obrigações e dos compromissos que tinham para com este.

Em Portugal, a jurisprudência é no sentido de se admitir a desconsideração da pessoa jurídica como exceção e apenas nos casos em que existe a violação do princípio geral da boa fé. Ao mesmo tempo, a reconstrução da “unidade social e econômica” que pode estar por detrás do grupo de empresas ou de sociedades, só se justifica quando o grupo apresente características tais que permitam detectar a presença de uma especial unidade, que se mantem apesar das personalizações das várias componentes e que, em termos de boa fé, exija a desconsideração desta personalidade.

Ainda se registra em Portugal, nos termos do Acórdão n. 798/08.8TBEPS.G1 do Tribunal de Relações de Guimarães, de 17 de novembro de 2011, que na desconsideração, é preciso determinar se existe e com que potencialidade uma atuação em fraude à lei, verificando-se a desconsideração apenas quando já efeito prejudicial a terceiros, bem como que existe diferença, para o direito português, do abuso da personalidade da limitada com o abuso da personalidade jurídica. Neste mesmo sentido, foi o Acórdão n. 595/10.OTTBLC.P1 Do Tribunal de Relação do Porto de 25 de junho de 2012.

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Ainda, em Portugal, é a desconsideração da pessoa jurídica um instrumento de exceção e subsidiário, somente podendo ser aplicada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar, nos termos do Acórdão 0524269 do Tribunal da Relação do Porto de 25 de outubro de 2005.

3. A desconsideração da pessoa jurídica no Brasil

No Brasil, o tema foi abordado inicialmente pelo Prof. Rubens Requião, em conferência intitulada “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, realizada na Universidade Federal do Paraná em 1969. Inclusive, na sua exposição, quando defendeu a aplicação da doutrina em nosso país, esclareceu que embora não existisse no ordenamento jurídico brasileiro nenhum dispositivo que a autorizasse, haveria diversos artigos que poderiam ter o mesmo objetivo da desconsideração da personalidade jurídica, tal como o instituto de grupo econômico mencionado na Consolidação das Leis do Trabalho, datada de 1943, bem como os artigos 121, 122 e 167 do Decreto-lei nº 2.627/40, que dispõem respectivamente sobre responsabilidade dos diretores por descumprimento da lei ou dos estatutos e acerca da dissolução da sociedade quando exercer atividade ilícita.

Aliás, para Rubens Requião é indispensável a menção de qualquer dispositivo expresso de desconsideração da pessoa jurídica pela necessidade natural de se valer o aplicador do direito das exceções. Há, ainda, quem defenda, que a primeira regra a incluir a desconsideração da pessoa jurídica no Brasil tenha sido o art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Destaca-se, no Brasil, acerca do tema, a obra “A Dupla Crise da Pessoa Jurídica”, da autoria do Professor Doutor José Lamartine Correa de Oliveira, do final da década de setenta. Nesta obra, ele lança a ideia de duas crises do instituto da pessoa jurídica: a crise do sistema e a crise da função. No primeiro caso, a crise do sistema se refere ao tratamento que é conferido à pessoa jurídica pelo ordenamento, pois seria considerado insuficiente, pois não confere aptidão para a pessoa jurídica adquirir capacidade plena.

É imperioso registrar, neste caso, a influência alemã que adotou o sistema maximalista, pois concedia diferentes graus de personalidade jurídica aos diferentes grupos societários. Diferentemente no Brasil, adotante do sistema minimalista.

A crise da função, no Brasil, deu-se pelo crescente uso do instituto da pessoa jurídica para a persecução de fins indevidos, discrepantes em relação à sua finalidade, pelo rompimento das condições de continuidade e de estabilidade econômica nas atividades do grupo social. Para combater esta situação, nasceu a desconsideração da pessoa jurídica, com o intuito de criar uma forma de impedimento de utilização antijurídica.

Comparato (1976: 296), em relação aos Estados Unidos da América menciona um julgado muito citado, que estabelece uma regra geral para a aplicação do instituto Nos Estados Unidos, é frequentemente citada, como critério geral de disregard of corporate entity, a seguinte declaração do voto do Juiz Sanborn, no caso United States v. Milwaukee Refrigerator Transit Co., julgado no princípio do século passado, bem como se enfatiza que, nos Estados Unidos, um dos requisitos da desconsideração é a inadequada capitalização:

If general rule can be laid down, in the present state of authority, it is that a corporation will be looked upon as a legal entity as a general rule, and until sufficient reason to the contrary appears; but when the notion of legal entity is used to defeat public convenience, justify wrong, protect fraud, or defend crime, the law will regard the corporation as an association of persons’.[Se uma regra geral pode ser assentada, no presente estado de autoridade, é que a pessoa jurídica será, em regra, respeitada como uma entidade legal, e até que surja razão suficiente em contrário; mas quando a noção de entidade legal é usada para prejudicar a conveniência pública, justificar um erro, proteger fraude, ou amparar crime, a lei considerará a corporação como uma associação de pessoas] (tradução livre).”

Em uma acepção conceitual, impende assinalar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é conhecida como aquela que concede ao juiz a possibilidade de desconsiderar a autonomia jurídica da personalidade da empresa e da personalidade de seus sócios, desde que a sociedade tenha sido utilizada para escopos ilegais ou ainda que tenham o condão de causar prejuízos a seus credores.

Em ocorrendo tal situação, o juiz poderá determinar a constrição sobre os bens dos sócios, a fim de adimplir a dívida da empresa, ou também sobre os bens da empresa para pagar dívidas particulares dos sócios, ou, ainda, sobre bens de uma empresa para pagar dívidas de outra empresa do mesmo grupo.

Este dogma, inclusive, fora criado para que se fomentasse o desenvolvimento econômico, à medida que permitiria a todos os indivíduos se associarem sob a roupagem de uma nova pessoa, com personalidade própria, e pudesse, em nome dela mesma contrair obrigações e ser sujeito de direitos. Haveria uma proteção do patrimônio pessoal dos sócios, que, no início, tinha como alvo de proteção em processos falimentares. Cria-se um escudo na divisão patrimonial entre os sócios e a pessoa jurídica.

Com supedâneo nisso, a atividade empresarial se tornaria mais atrativa, crescendo significativamente a procura pelas sociedades comerciais e, com isso, fortalecendo o sistema capitalista. Em contrapartida, o instituto da desconsideração da pessoa jurídica desestimularia os altos investimentos, provocando retrocesso no desenvolvimento econômico.

Temos, ainda, que este instituto tem como fundamento a tentativa de proteção dos credores quando exista situação de abuso no uso da pessoa jurídica. Porém, a distinção patrimonial inerente à teoria da pessoa jurídica vem provocando alguns problemas de ordem prática quando são usadas de forma abusiva, com ares de desonestidades e, principalmente, com comportamentos dolosos para fins de lesar os terceiros, utilizando-se indevidamente da lei, que, ao seu turno, não pode ser usada como escusa absolutória de práticas ilícitas. Daí a necessidade premente do legislador e do aplicador do direito para coibir o abuso na separação patrimonial, utilizando-se como forma de exceção, até para que não se crie maior insegurança no mercado.

Diante disso, através da desconsideração, os atos societários são declarados ineficazes, e a importância da pessoa do sócio sobressai em relação à da sociedade, ficando esta em segundo plano, pois se rompe a regra do ordenamento jurídico. Resulta a aplicação de tal técnica da ocorrência de situações concretas em que prestigiar a autonomia e a limitação de responsabilidade implicaria sacrificar interesse legítimo, albergado pelo Direito, sistematicamente considerado.

A desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada em situações em que a pessoa jurídica deixou de ser sujeito e passou a ser mero objeto, manobrado à consecução de fins fraudulentos ou ilegítimos conforme se extrai do comportamento dos sócios com práticas desleais.  Desta forma, quando o interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico, como mais desejável ou menos sacrificável do que o interesse colimado através da personificação societária, abre-se a oportunidade para a desconsideração.

O alvo da desconsideração passa a ser o detentor do comando efetivo da empresa, apontando a doutrina brasileira para o acionista controlador e não os diretores assalariados (diretor empregado) ou os empregados que não participam do controle acionário, mas sim quando se trata de “confusão patrimonial”, com o acionista induzindo terceiros a erro, prejudicando uma gama de potenciais e efetivos credores, protegendo os interesses com quem contrata com ela.

Nesta linha de exposição, pode-se salientar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou ainda teoria da penetração, também denominada de disregard theory, surgiu com o escopo primeiro de coibir os abusos praticados pelos agentes que, cobrindo-se com o véu proporcionado pelo princípio da separação patrimonial.

Destaca-se a ênfase atribuída originariamente pelo Código de Defesa do Consumidor, no artigo 28, que, inclusive, permite ao juiz declarar de ofício a desconsideração da pessoa jurídica, trazendo em seu bojo os aspectos da Teoria Maior e da Teoria Menor. Em paralelo, o Código Civil brasileiro versou sobre este assunto no artigo 50, com a observância da necessidade de pedido expresso do credor ou do membro do Ministério Público, quando fosse o caso de intervenção processual deste.

Registre-se que o Código Civil brasileiro adotou a Teoria Maior, pois, em seu texto, exige indícios de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, requisitos essenciais para superar a personalidade jurídica, uma vez que pode acarretar graves e irreversíveis prejuízos ao patrimônio particular dos sócios e não deve ser deferida sem um mínimo de prova convincente do uso fraudulento do princípio da autonomia da separação patrimonial.

A desconsideração da personalidade jurídica só será juridicamente admissível quando, através do conjunto probatório, for possível denotar-se a presença de elementos que levem à conclusão de terem os sócios agido com intenção dolosa, infringindo preceitos legais, ou se ficar comprovada a extinção irregular da empresa, a não integralização do capital, ou ainda nas hipóteses em que houver confusão entre a pessoa jurídica e a pessoa física dos sócios.

Também há previsão do instituto nas Leis de Infrações à Ordem Econômica (8.884/94) e do Meio Ambiente (9.605/98). Estas legislações adotaram a teoria Menor. Isso porque o dano a ser reparado pode ter sido apenas culposo, bastando a insolvência da empresa.

Em termos de jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça é pioneiro na consolidação da jurisprudência sobre o tema, inclusive, em casos de destaque na mídia, condenando solidariamente o Estado de São Paulo em julgado quando dos erros na construção do Parque Estadual de Jacupiranga. Outro exemplo, foi a desconsideração para possibilitar o pagamento de indenização para as vítimas da explosão do Shopping Osasco Plaza, ocorrida em 1996. Com a alegação de não poder arcar com as reparações e não ter responsabilidade direta, a administradora do centro comercial se negava a pagar.

Diante disso, pode ser concluído que a Teoria Menor é ainda mais drástica que a Teoria Maior, à medida que não exige praticamente indícios de comportamentos abusivos, bastando apenas a configuração da insolvência. O critério a ser definido, dentro da legislação brasileira, entre a adoção de uma teoria ou outra é o interesse tutelado. No caso da legislação ambiental, o fundamento é a importância do direito difuso – meio ambiente, inclusive, o previsto no art. 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988.

No Brasil, ainda temos a desconsideração da pessoa jurídica como uma decorrência também o abuso de direito, nos termos do art. 189 do Código Civil, sem correspondência na legislação portuguesa. Com a teoria do abuso de direito, abre-se terreno fértil para a aplicação do instituto no Brasil, como é testemunha a evolução jurisprudencial e, ainda, visa a combater tal abuso de forma punitiva aos sócios que usaram a pessoa jurídica, com excesso dos poderes, para subterfúgio de fraudes. Com supedâneo na teoria do abuso do poder, tem-se a elasticidade, tanto pela herança jurisprudencial que carrega quanto pela impossibilidade da legislação prever todas as situações desviadas que poderiam ser pensadas pelos sócios inescrupulosos.

No âmbito consumerista e trabalhista brasileiro, isso se mostra ainda mais aplicável, apesar dos conceitos “abuso de direito” e “excesso de poder” serem vagos e suscetíveis às inúmeras interpretações, fortalecendo, desta feita, a utilização da Hermenêutica, sem se olvidar da necessidade da aplicação do fenômeno da “Constitucionalização do direito privado”.

No âmbito do Direito Trabalhista, o Brasil já avançou na doutrina e jurisprudência, compreendendo, em sede majoritária, a possibilidade do juiz trabalhista declarar de ofício, na fase executiva, a desconsideração da pessoa jurídica, não ocorrendo tal possibilidade em Portugal.

Além do instituto da pessoa jurídica, temos a desconsideração da pessoa jurídica inversa ou invertida, em que pessoas físicas também tentam usar pessoas jurídicas para escapar de suas obrigações. Um exemplo disso é quando um devedor se valeu de empresa de sua propriedade para evitar execução, exigindo que se atendam os requisitos do artigo 50 do Código Civil.

4. Pressupostos para aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica e a crítica da Teoria Menor

Para delinear sobre os pressupostos da desconsideração da pessoa jurídica, temos que nos deparar com a Teoria Maior e Teoria Menor, pois ambas apresentam pressupostos específicos, a depender da teoria albergada pelo ordenamento, ressaltando-se que, no Brasil, tivemos as duas teorias aceitas na legislação infraconstitucional, inclusive, o próprio Código de Defesa do Consumidor alberga as duas teorias no mesmo dispositivo legal, qual seja, o artigo 28, nos seguintes termos:
 

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.


 

Com supedâneo nisto, um dos Estados americanos que proporciona maiores atrativos para as empresas é o de Nevada, pela baixa carga tributária, e porque a Corte daquele Estado é a mais rigorosa de todas, permitindo a desconsideração da personalidade jurídica em casos estritos, desde que preenchidos os seguintes requisitos, cumulativamente, os quais devem ser provados pelo requerente: Como se vê, a linha adotada nos Estados Unidos, de modo geral, não se afasta daquela que inspirou o atual Código Civil, conforme se verá abaixo.

Aliás, o Código Civil é mais coerente do que as demais disposições do ordenamento brasileiro que autorizam a desconsideração sem que a pessoa jurídica tenha sido utilizada como instrumento de abuso ou fraude, nos termos do art. 50, a seguir transcrito:


 

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”


 

Em Portugal, tem-se a previsão no art. 334 do Código Civil, aplicando-se, na jurisprudência, a Teoria Maior, citando-se como exemplo o Acórdão 73/08.8TTBCG.P1.S1, do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de fevereiro de 2013, bem como a aplicação na seara trabalhista, do qual, cita-se como exemplo o Acórdão 1270/09.4TTLSB.L1-4 do Tribunal de Relação de Lisboa, de 27 de junho de 2012.

A Teoria Maior admite a desconsideração da personalidade jurídica para evitar o mau uso desta, adotando como pressupostos a fraude e o abuso da personalidade jurídica, sendo incluída, por força da doutrina, a confusão patrimonial.

Para justificar a desconsideração, nota-se que algumas teorias buscaram tratar do tema como a teoria do abuso objetivo. Neste sentido, arremata RIBEIRO (2012; 107):

“Também no âmbito da tentativa de fundamentação dogmática da “desconsideração da pessoa jurídica” da pessoa colectiva este caminho foi percorrido, pelo que rapidamente vieram conquistar espaço, neste domínio, as teorias institucionais ou do abuso objetivo. Daí resultou que as novas análises começaram a considerar relevante uma utilização objectivamente ilícita do instituto pessoa colectiva, como os tribunais alemães cedo afirmaram e tem sido defendido pela doutrina e pela jurisprudência dos restantes países europeus. De resto, o próprio fundamento do mecanismo “desconsideração” ficaria seriamente comprometido pelas dificuldades que pode levantar a prova daquele elemento subjetivo.”
 

Das duas teorias, é a Teoria Maior que mais se aproxima do instituto tradicional da desconsideração da pessoa jurídica, sendo aceita, praticamente, em todos os ordenamentos jurídicos. Isso porque a teoria maior se fundamenta em maior apuro e precisão do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, baseando-se em requisitos sólidos identificadores de fraude, como um critério objetivo apto a romper a regra de a pessoa jurídica ter uma estrutura inabalável.

A Teoria Menor preceitua que a simples insuficiência patrimonial da pessoa jurídica é suficiente para arcar com suas obrigações autorizaria a responsabilização de seus sócios, e, ainda, diante dos seus pressupostos, é considerado por parcela da doutrina como afronta a própria ideia de pessoa jurídica, pois basta que a diferenciação patrimonial da sociedade e sócio seja obstáculo à satisfação dos credores. Para esta teoria, todas as vezes que a pessoa jurídica não tiver bens suficientes em seu patrimônio para a satisfação do crédito ou até mesmo em razão de sua liquidez, os sócios seriam responsabilizados.

Para parcela considerável da doutrina, a Teoria Menor seria uma afronta muito gravosa à própria concepção original e da natureza jurídica da separação patrimonial. Isso porque parte da mera ideia de responsabilização como se tal fosse o suficiente para afastar a secular ideia da distinção patrimonial da pessoa jurídica, fazendo, desde logo, presumir a má-fé, contrariando a máxima principiológica de que a má fe não se presume, devendo ser provada.

No Brasil, constata-se a aplicação da teoria menor na seara do consumidor e trabalhista, principalmente, porque se tem em voga que tais ramos jurídicos tutelam uma das partes considerada hipossuficiente e, desta feita, merecendo uma proteção muito acima do mediano, pela sua própria condição de vulnerabilidade.

A grande celeuma é que a Teoria Menor pode implicar abalo na própria segurança jurídica e um desestímulo a médio e longo prazo das transações comerciais e criação de pessoas jurídicas, haja vista a crescente fragilidade com que a separação patrimonial pode ser rompida, atingindo, inclusive, sócios sem poderes algum de gerência ou até mesmo de gestão administrativa, tendo feito mera contribuição simbólica de entradas no contrato social.

Chega-se a tal ponto nesta tutela que basta inclusive, na seara do Direito do Consumidor, ter a pessoa jurídica o uso da mesma marca para os fins da responsabilização. Cite-se, como exemplo, julgado da 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria, que o defeito de uma filmadora da marca Panasonic adquirida no exterior deveria ser suportado pela sociedade nacional somente pelo fato de deter o direito ao uso da marca.

Neste aspecto, qualquer crítica que se faça à aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, bem como a ideia de que este instituto é um retrocesso na prática empresarial, o certo é que tais críticas devem ser estudadas e concluídas considerando qual das teorias se está mencionando, por encerrarem diferentes pressupostos que geram, naturalmente, diferentes fundamentos.

Assim, é imperioso destacar que a teoria maior, é aquela, pela qual o juiz é autorizado legalmente a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela.

Diante disso, guardadas as devidas críticas mais ferrenhas à teoria menor da desconsideração da pessoa jurídica, é imperioso que se destaque um aspecto fundamental: o próprio instituto da desconsideração da pessoa jurídica tem o escopo de garantir a própria manutenção e consistência do instituto da pessoa jurídica, concebida muito mais como mera ficção legal. Isso porque se permitirá, com a desconsideração, a manutenção fortificada da separação patrimonial com regra de ordenamento, preservando-se a ideia de segurança jurídica, ao mesmo tempo em que propiciará o respeito ao instituto.

Essa é a base da teoria da desconsideração: a busca de um ponto de equilíbrio onde, ao mesmo tempo em que se proteja a autonomia patrimonial e a própria existência da pessoa jurídica, seja assegurada a sociedade contra o uso indevido deste instituto.

Saliente-se que, quando se diz sociedade, este termo pode abranger até mesmo sócios ou membros da pessoa jurídica, quando estes são prejudicados por outro ou outros sócios ou membros da corporação, ou instituição. Até mesmo a própria pessoa jurídica, conforme o caso concreto, é protegida com a aplicação da desconsideração. Isso ocorre porque, ao ter desconsiderada a sua personalidade, seu patrimônio pode ficar intacto, sendo atingidos somente os bens de seus membros, responsáveis estes pelos atos fraudulentos, utilizando-se abusivamente dos princípios da pessoa jurídica.

Registre-se, no entanto, que, em certas ocasiões, a própria pessoa jurídica pode ser beneficiada por certos atos abusivos ou fraudulentos de seus membros, justifica-se, conforme seu proveito decorrente do ilícito, ser responsabilizada. É o caso da desconsideração da pessoa jurídica inversa.

Além disso, não pode ser tratada contra a separação subjetiva entre sociedades empresárias e seus sócios, ao contrário, o que a mesma visa é preservar o instituto em seus traços fundamentais.

5. A desconsideração da pessoa jurídica inversa, invertida ou indireta.

Haverá situações em que, diante das fraudes, será a própria pessoa jurídica que será penalizada, com a perda patrimonial. Tal ocorre com esta novel subespécie de desconsideração da pessoa jurídica: a inversa. Essa denominação surge porque se trata de uma desconsideração nos moldes acima expostos, porém, deve-se ficar atento para a situação em que o caminho será o oposto. Explico melhor.

Ao invés, de se retirar os bens do patrimônio dos sócios e devolver á pessoa jurídica para o pagamento dos seus efetivos e potenciais credores, faz-se com a desconsideração inversa, a retirada de bens do âmago da pessoa jurídica para fins de devolver ao patrimônio dos sócios e, com isso, beneficiar os credores deste, sejam potenciais ou efetivos.

A situação acima foi aplicada primordialmente no âmbito do direito de família, quando, por exemplo, o sócio para evitar um complicado processo de divórcio com separação patrimonial que lhe seja desvantajoso, passa a desviar, em qualquer modalidade de negócio jurídico, para o acervo da pessoa jurídica, esvaziando seu próprio patrimônio, na tentativa de fraudar o processo de família, por exemplo. A doutrina e a jurisprudência já apontam neste sentido.

Outro exemplo teórico que se pode estabelecer é no âmbito do direito do trabalho, em que o sócio de uma empresa e que também é condenado num processo trabalhista pelo não pagamento dos direitos fundamentais de sua empregada doméstica, babá ou governante e, na tentativa de se desviar dos ônus da condenação, esvazia seu patrimônio pessoal, mediante a transferência de todos os seus bens para a pessoa jurídica a qual é sócio, por exemplo, na tentativa de que a execução que é pessoal a sua condição de empregador encontre malogro.

Nas duas situações acima, observa-se nitidamente a situação de desconsideração da pessoa jurídica, mas de forma invertida, com o caminho oposto de resgate de patrimônio ilicitamente desviado, aproximando-se, nitidamente, a situação de fraude à execução, sendo perfeitamente aplicável, no caso em liça, as penalidades processuais da litigância de má-fé.

Não se pode esquecer que a desconsideração nem sempre ocorre para responsabilizar um sócio ou membro de uma pessoa jurídica, mas também para responsabilizar esta por atos de seus membros ou sócio, nos termos da hipótese de desconsideração inversa.

Por derradeiro, ressalte-se que, para alguns autores, a desconsideração só ocorre quando a pessoa jurídica se coloca como obstáculo à coibição da fraude ou do abuso de direito, enfim, do uso indevido da autonomia. Isso porque, caso haja previsão expressa no ordenamento de imputação direta de responsabilidade por certos atos ao membro ou sócio, torna-se dispensável a desconsideração da personalidade jurídica e aplicação direta do instituto da responsabilização pessoal.

CONCLUSÃO
 

Diante do abuso na personalidade jurídica das pessoas jurídicas, foi preciso adotar institutos alternativos para coibir tais abusos. Diante disso, surgiu a desconsideração da personalidade jurídica direta, bem como vem ganhando espaço a desconsideração também na forma invertida ou indireta, cujo objetivo é permitir que os credores não sejam prejudicados diante da insolvência da percepção dos créditos pela pessoa jurídica que mantiveram negócios ou que sejam potenciais credores, tais como em matéria previdenciária e trabalhista.

Nesta linha de exposição, pode-se salientar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou ainda teoria da penetração, também denominada de disregard theory, surgiu com o escopo primeiro de coibir os abusos praticados pelos agentes que, cobrindo-se com o véu proporcionado pelo princípio da separação patrimonial.

Para que sejam delineados os principais aspectos da desconsideração da pessoa jurídica, nasceram duas teorias: a Teoria Maior e a Teoria Menor. A primeira é lembrada em diversos países da União Europeia, Estados Unidos da América e no Brasil, em que é preciso observar a utilização indevida, fraudulenta ou confusão patrimonial para que se fundamente a desconsideração. Indo mais além, para a Teoria Maior, é preciso ter um motivo e fundamento para desconsiderar a pessoa jurídica.

A Teoria Maior surge como um “mal necessário” para romper a divisão patrimonial quando a situação exigir para evitar o mau uso da personalidade ou o uso abusivo desta. Assim, é aceitável em nosso ordenamento jurídico, pois é preciso resguardar os credores e não criar uma desestabilização nas relações. Até mesmo porque esta Teoria prestigia a boa fé nas relações contratuais.

Em outra vertente, surgiu a Teoria Menor, utilizada no Direito Brasileiro, com ênfase nas relações consumeristas e, ainda, no âmbito do direito trabalhista e ambiental. Esta vertente é passível de críticas pela doutrina à medida que basta a mera insolvência para fins de pagamento que, automaticamente, desconsidera-se a pessoa jurídica. Não há, segundo a Teoria Menor, um prévio questionamento acerca de comportamentos nefastos dos sócios ou da própria pessoa jurídica, bastando constar no contrato social para fins de desconsideração e que os efeitos processuais de execução atinjam os bens dos sócios.

O fato é que, conforme exposto no trabalho, enquanto o ordenamento jurídico brasileiro e português, por exemplo, defendem a separação patrimonial dos bens da pessoa jurídica e dos seus sócios, passamos a ter uma vertente radical de desconsideração da pessoa jurídica que, tecnicamente, mostra-se incompatível com o sistema.

A justificativa da Teoria Menor seria, justamente, proteger um público específico de credores hipossuficientes, como os trabalhistas e consumidores, ocasião em que a extensão da proteção do legislador deve ser maior, inclusive, buscando menos entraves para fins de execução dos aludidos bens, alcançando imediatamente a figura do sócio.

Ressalto que tal entendimento deve ser visto com cautela, pois passa a ter uma orientação extrema e radical do próprio instituto da desconsideração da pessoa jurídica e a médio e longo prazo pode gerar o efeito contrário, qual seja, travar o desenvolvimento econômico, à medida que a formação de empresas ou sociedades comerciais não se apresente como algo tão vantajoso, pois já não desperta a própria proteção anterior que o sistema oferece de distinção patrimonial e personalização jurídica diversa.

Em decorrência disso, a conclusão máxima é a manutenção da separação patrimonial como regra de nosso ordenamento, somente sendo afastada em casos extremos, destacadamente, mediante a defesa da principiologia da Teoria Maior, abandonando o sistema brasileiro gradativamente a Teoria Menor e criando medidas alternativas para superá-la.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

REFERÊNCIAS


 

ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.


 

ANDRIGHI, Fátima Nancy. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>. Acesso em: 06 abr. 2012


 

COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle da Sociedade Anônima. São Paulo: Editora Forense, 1983.

DIDIER JÚNIOR, Freddie et all. Curso de Direito Processual Civil. Execução. Vol. 5. 2ª edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2010.


 

DINIZ, 2011, p. 571. ALENCAR, Viviane de Souza. Desconsideração da Personalidade Jurídica. 44f. Monografia – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Dourado (MS), 2007. Disponível em: <http://www.uems.br>. Acesso em: 06 maio 2012.


 

KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998.


 

REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais Nº. 410, p. 14.


 

RIBEIRO, Maria de Fatima. A tutela dos credores de sociedade por quotas e a desconsideração da personalidade jurídica. Coimba: Almedina, 2012.


 



 


 

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Sobre o autor
Maria Rafaela de Castro

Juíza do Trabalho da 7a Região. Trabalhou como Juíza no TRT da 14a Região e como promotora de Justiça no Ministério Público do Estado de Rondônia. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Porto, em Portugal. Professora de Cursos Preparatórios.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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