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Breves considerações sobre o indiciamento no inquérito policial

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O indiciamento não é disciplinado expressamente pelo Código de Processo Penal, mas seu regramento está contido em leis esparsas, tendo a doutrina e a jurisprudência apresentado contribuições relevantes para a sistematização da matéria.

Sumário: 1. Introdução. 2. Indiciamento. 2.1 Conceito e Atribuição. 2.2 Pressupostos. 2.3 Efeitos do indiciamento. 2.4 Valor probatório. 2.5 Impossibilidade de indiciamento após o recebimento da denúncia. 2.6 Impugnação do indiciamento. 3. Indiciamento e autoridades com foro por prerrogativa de função. 4. Considerações Finais.


1. INTRODUÇÃO

A persecução penal ordinariamente é dividida em duas fases: (a) investigação criminal e (b) processo criminal. O indiciamento constitui um ato jurídico de investigação, com localização tópica no plano do inquérito policial. Por se tratar de ato privativo da autoridade policial, não poderá ser determinado pelo juiz ou realizado por órgãos exteriores à Polícia Judiciária (v.g., CPIs), assim como também não poderá ser realizado após o recebimento da denúncia.

À evidência, não é possível a prática do indiciamento fora do contexto do inquérito policial – que é apenas um dos instrumentos de investigação criminal –, sendo ato privativo da autoridade policial. Não se admite indiciamento em TCO.

O indiciamento não é disciplinado expressamente pelo Código de Processo Penal, e seu regramento está contido parcialmente na Lei n.º 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia.

As demais regras estão positivadas em leis esparsas, a exemplo da proibição de indiciamento formal de membros do Ministério Público, que encontra previsão legal no art. 18, II, f, da LC n.º 75/93 e no art. 41, II, da Lei n.º 8.625/93. Além disso, mencione-se o art. 17-D, da Lei n.º 9.613/98 (Lavagem de Capitais), com redação dada pela Lei n.º 12.683/2012, o qual estabelece que, em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno, norma-regra que tem sido alvo de críticas veementes pela doutrina.

Outrossim, conforme veremos, a jurisprudência tem apresentado relevante contribuição para a sistematização da matéria, como a exigência excepcional de autorização judicial (do relator) para o indiciamento de autoridades com foro por prerrogativa de função, a vedação de indiciamento após o recebimento da denúncia e a impossibilidade de o juiz requisitar indiciamento.


2. INDICIAMENTO

2.1 Conceito e atribuição

Indiciamento é a imputação formal da autoria ou participação stricto sensu de infração penal a alguém, no curso do inquérito policial (não se admite indiciamento em TCO). Possui natureza jurídica de ato administrativo formal.

Trata-se de ato privativo do Delegado de Polícia, devendo ser fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias (art. 2º, §6º, da Lei n.º 12.830/2013). Não é possível que juiz, MP e CPI requisitem o indiciamento de alguém pela autoridade policial.

2.2 Pressupostos

São pressupostos do indiciamento: presença de elementos sobre a materialidade e autoria delitivas. Presentes os pressupostos, o indiciamento é um poder-dever da autoridade policial. Contudo, não havendo elementos que o justifiquem, o ato de indiciamento constituirá constrangimento ilegal (STF, HC 855541, 2ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 22/08/2008), o que poderá ensejar a impetração de HC com o objetivo de promover o “desindicimento”.

O indiciamento poderá ser efetuado no curso das investigações, desde o auto de prisão em flagrante até o relatório do procedimento. O STF entendeu ser inadmissível o indiciamento formal após o recebimento da denúncia (HC 115015/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 27/08/2013).

O indiciamento pode ser direto (ocorre quando o indiciado está presente) ou indireto (na hipótese de ausência do indiciado, p. ex., situação de foragido).

2.3 Efeitos do indiciamento

São efeitos do indiciamento: revelação da probabilidade de o indiciado ser o autor do delito, como anterioridade lógica, porém, não necessária, do oferecimento da inicial acusatória (efeito endoprocessual), além da indicação à sociedade da pessoa reputada pela autoridade policial como o provável autor do delito (efeito extraprocessual).

O art. 17-D, da Lei n.º 9.613/98 (Lavagem de Capitais), com redação dada pela Lei n.º 12.683/2012, dispõe que, em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno. Renato Brasileiro de Lima[2] e Eugênio Pacelli de Oliveira[3] têm reputado que esse dispositivo é inconstitucional, por violação aos princípios da presunção de inocência e da jurisdicionalidade. O próprio CPP concebe o afastamento das funções como medida cautelar, a qual será decretada pela autoridade judiciária quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais (CPP, art. 319, VI), em decisão fundamentada (CF, art. 93, IX).

O indiciamento não constitui ato necessário ao oferecimento da denúncia ou queixa-crime.

2.4 Valor probatório

Assim como tudo o que for produzido durante o inquérito policial, o indiciamento possui valor probatório relativo. Além disso, não vincula o titular da ação penal e nem mesmo o juiz. Por isso, deverá ser corroborado durante a fase processual, por provas produzidas sob o crivo do contraditório.

2.5 Impossibilidade de indiciamento após o recebimento da denúncia           

O indiciamento constitui ato próprio do inquérito policial, privativo da autoridade policial, e somente poderá ser praticado até o recebimento da denúncia.

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Segundo o STJ, o indiciamento após o recebimento da denúncia configura constrangimento ilegal, por ser ato próprio da fase inquisitorial (RHC 66.641/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 10/03/2016)

2.6 Impugnação do indiciamento

O indiciamento não pode ser concebido como uma carta em branco, imune ao controle jurisdicional. O art. 5º, XXXV da CF/88 consagrou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.

Por isso, é possível o controle de legalidade do ato de indiciamento como forma de coibir eventuais abusos praticados. Por exemplo, para a impugnação judicial do indiciamento, a defesa poderá se valer do habeas corpus ou do mandado de segurança, de acordo com a natureza da pena abstratamente cominada ao delito[4].


3. INDICIAMENTO E AUTORIDADES COM FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

O indiciamento de autoridade com prerrogativa de foro depende de prévia autorização do relator do tribunal competente para processar e julgar a autoridade.

Em caso de parlamentares federais, o STF entendeu que a autoridade policial não poderá indiciá-los sem prévia autorização do ministro relator do inquérito, tendo sido anulado indiciamento de parlamentar federal promovido por autoridade policial sem autorização do relator (Pleno, Inq 2411 QO/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 24.04.2008).

Segundo Renato Brasileiro, a regra que exige a autorização do ministro relator para o indiciamento formal de autoridades com prerrogativa de foro é extensível, simetricamente, às demais autoridades que gozam de foro especial perante o STJ, TRFs e TJs[5].

A princípio, qualquer autoridade pode ser indiciada, a exceção de algumas autoridades específicas, como membros do MP[6]. É proibido por lei o indiciamento de membros do Ministério Público (art. 18, II, f, da LC n.º 75/93; art. 41, II, da Lei n.º 8.625/93). Trata-se de mais uma garantia do cargo. Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá imediatamente os autos ao Procurador-Geral, que designará membro do Ministério Público para prosseguimento da apuração do fato (art. art. 41, parágrafo único, da Lei n.º 8.625/93; art. 18, parágrafo único, da LC n.º 75/93).

Quanto às demais autoridades com foro por prerrogativa de função, não há vedação legal ao indiciamento, sendo necessária, repita-se, a existência de autorização do relator.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O indiciamento constitui um ato próprio do inquérito policial. Em razão das inovações introduzidas pela Lei n.º 12.830/2013, o legislador positivou expressamente que o indiciamento é ato privativo do Delegado de Polícia, devendo ser fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias (art. 2º, §6º).

O indiciamento não é disciplinado expressamente pelo Código de Processo Penal, mas seu regramento está contido parcialmente na Lei n.º 12.830/2013 e em disposições esparsas de leis especiais. A jurisprudência tem apresentado grande contribuição para a sistematização da matéria.

Em razão da relevância do ato, entendemos que o legislador deveria discipliná-lo de forma específica e sistemática em uma lei especial ou mesmo no próprio CPP.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal. 7ª ed. Niteroi: Impetus, 2010.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niteroi: Impetus, 2013.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

AVENA, Norberto. Processo Penal. Série Concursos Públicos. 7ª ed. São Paulo: Método, 2012.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.


Nota

[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niteroi: Impetus, 2013.

[3] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

[4] STF, Súmula 693: “Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória à pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”.

[5] LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. São Paulo: Niteroi, 2013, p. 112.

[6] “Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: [...] II - não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no parágrafo único deste artigo”.

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Sobre o autor
Paulo Henrique da Silva Aguiar

Promotor de Justiça do Estado de Alagoas (2º colocado no concurso). Ex-Defensor Público do Estado de Alagoas (1º colocado no concurso). Também foi aprovado nos concursos para os cargos de Delegado de Polícia do Estado do Rio Grande do Norte e Analista Judiciário – Área Judiciária do TRT da 19ª Região. Ex-estagiário da Justiça Federal e do Ministério Público Federal em Alagoas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Paulo Henrique Silva. Breves considerações sobre o indiciamento no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4708, 22 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49150. Acesso em: 28 mar. 2024.

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